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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
LEGITIMIDADE
CONSENTIMENTO
ABUSO DE DIREITO
Sumário
1 - Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens, nos termos do art 1682º-A nº1 a) do CC, o arrendamento sobre imóveis próprios ou comuns. 2 - Não tendo ocorrido tal consentimento, se é bem comum, pode o cônjuge requerer a anulação do acto (art 1687º nº2 do CC), e se é bem próprio, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia (art 1687º nº4 do CC), remetendo para o regime constante do art 892º que sanciona com nulidade tais actos. 3 - Estando provado que a autora subscreveu o contrato de arrendamento, que recebeu todas as rendas durante cerca de dois anos e que o estabelecimento arrendado situa-se num anexo da casa onde reside, deve concluir-se que a conduta da autora, ao pedir, por via de acção judicial, a nulidade de um aditamento a esse contrato, por apenas constar a assinatura do marido, é contraditória com a sua anterior aceitação da ocupação pelos réus dos espaços destinados para esplanada e arrumação de vasilhame constantes do aditamento e traduz uma clamorosa violação do princípio da boa-fé. 4 - Configurando-se abuso do direito, a consequência que se mostra adequada, no caso, é a da supressão do direito invocado. 5 - Litigam com má fé a autora que apresenta uma determinada versão dos acontecimentos que, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar provar a situação da nulidade do contrato, afirmando factos contrários à realidade, que era do seu perfeito conhecimento pessoal, por ter dado o seu acordo ao arrendamento e ter recebido as rendas. (A.G.)
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO 1 – C instaurou no Tribunal da Comarca de Cascais a presente acção declarativa de simples apreciação comum sob a forma de processo sumário (Proc nº 1913/04), contra Maria e J, pedindo a declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre C e os Réus e a condenação destes na entrega do imóvel objecto desse contrato livre e devoluto.
2 - Os RR. apresentaram contestação, alegando, em síntese, ser falso o alegado pela A., nomeadamente no que concerne à falta de autorização desta na celebração do negócio e pedindo a condenação daquela em litigância de má fé numa multa e indemnização de € 1.500,00.
Deduziram reconvenção, no montante de € 306,00 relativo a obras de melhoramentos, caso seja declarada a nulidade do negócio.
3 – Efectuado o julgamento, foi proferido sentença, pela qual se decidiu (cfr. fls 234 a 251):
“ 1 - Julgo os pedidos formulados pela Autora C, improcedentes por não provados e, em consequência, absolvo os Réus Maria e J dos mesmos;
2 - Julgo a Autora como litigante de má fé e, em consequência, condeno C no pagamento de uma multa fixada em 5 (cinco) Unidades de Conta;
Quanto ao pedido de indemnização civil, formulado pelos Réus, decorrente da litigância de má fé da Autora, notifique as partes para se pronunciarem em 10 dias (artigo 457.º, n.º 2, do CPC).
Custas pela Autora (nos termos do artigo 446º do CPC).
(…)”
E, posteriormente, foi proferida a seguinte decisão:
“... Em face do exposto e ao abrigo do disposto no artº 457º, do CPC condeno a A. C a pagar aos RR. Maria e J o montante de 1.500,00 euros a título de indemnização por litigante de má fé e sendo relativo a honorários deverá ser entregue directamente ao Ilustre Mandatário do RR., a não ser que este já o tenha recebido.”
4 - Inconformado com esta decisão, dela interpôs a A. o presente recurso de apelação, pedindo que se julgue procedente o recurso, “substituindo-se a douta sentença recorrida, por outra que julgue procedente por provada a nulidade do aditamento ao contrato de arrendamento, julgando-o nulo e sem quaisquer efeitos, com a consequente entrega do espaço exterior destinado a esplanada e arrumos de vasilhame à recorrente, e, ainda absolvendo a recorrente da condenação de litigante de má-fé e respectiva multa e indemnização a favor dos recorridos”, formulando, para tanto, as 53 conclusões que constam de fls 300 a 306 e que se sumariam pela forma seguinte:
“(…)
U. Portanto, parece resultar claro que: i) a recorrente não assinou o aditamento ao contrato de arrendamento; ii) a recorrente não negociou os termos do contrato de arrendamento; iii) a recorrente não teve qualquer intervenção no aditamento ao contrato de arrendamento; iv) a recorrente não teve conhecimento da celebração do aditamento ao contrato de arrendamento; v) a recorrente não aceitou, de forma expressa, nem de forma tácita, os termos plasmados no aditamento ao contrato de arrendamento; vi) a recorrente nunca autorizou, de forma expressa, nem de forma tácita, as consequências que advieram do aditamento ao contrato de arrendamento, nomeadamente, a ocupação do tal espaço exterior para esplanada e arrumos de vasilhame.
V. E, era o ex-cônjuge parte ilegítima na outorga do aditamento ao contrato de arrendamento, porque o prédio era e é um bem próprio da ora recorrente.
(…)
AA. E, portanto, o acto praticado pelo ex-cônjuge da ora recorrente é e foi nulo, por via no disposto no nº4 do artº 1687º do Código Civil, com referência ao artº 892º do Código Civil.
(…)
EE. Na verdade, a Mma. Juiz a quo valorou o silêncio da recorrente (só se pode falar em silêncio e autorização tácita, porque a recorrente nunca assinou o aditamento ao contrato de arrendamento).
FF. E não o podia fazer. Na verdade, o artº 218º do Código Civil, dispõe que o silêncio vale como declaração negocial, mas só quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.
(…)
MM. E, portanto, a falta de assinatura da recorrente, no tal aditamento ao contrato de arrendamento, não podia ter sido suprida, com recurso a interpretação de silêncios.
(…)
QQ. Na verdade, quando intentou a acção, a recorrente estava perfeitamente convencida que não havia assinado o contrato de arrendamento. Até porque, a cópia que do mesmo tinha em seu poder, encontrava-se assinado, apenas, pelo seu ex-cônjuge.
RR. E, quando aos autos foi junto o contrato de arrendamento, assinado também pela ora recorrente, muito esta se surpreendeu, e, de imediato, confessou que tal assinatura era sua.
(…)
YY. Litigou a recorrente de acordo com uma conduta séria, honesta e leal, consciente e convencida que estava que os direitos de proprietária estavam a ser postos em causa.
ZZ. Na verdade, a recorrente agiu imbuída do espírito de que a sua pretensão era perfeitamente legítima, pois no seu espírito existia a genuína convicção de que nunca havia assinado, outorgado, ou sequer negociado qualquer contrato de arrendamento. Ou qualquer aditamento a esse contrato de arrendamento.”
E, posteriormente, quanto à condenação por má fé, veio dar por reproduzida tudo quanto já foi referido nas suas alegações, quanto à litigância de má fé.
5 – Foram apresentadas contra-alegações, nas quais os recorridos pugnam pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos.
Não se vislumbram obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, pelo que cumpre apreciar e decidir.
* II – AS QUESTÕES DO RECURSO O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao Tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (arts 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Como resulta das conclusões do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste tribunal: 1 - nulidade do aditamento ao contrato de arrendamento por falta de assinatura da A.; 2 - condenação como litigante de má fé.
III – FUNDAMENTOS DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto dada como provada pela 1ª Instância e descrita na decisão recorrida para fundamentar a sua decisão:
1º
Na Caderneta Predial Urbana do concelho de Cascais e da freguesia de S. Domingos de Rana, sob o artigo n.º, encontra-se inscrito como titular do rendimento referente ao imóvel denominado Vivenda, sito no Bairro da Bela Vista, em Matarraque, a Autora. (resposta ao artigo 1º da petição inicial).
2º
Na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º, encontra-se descrito o seguinte imóvel: “Rústico – que consta de um lote de terreno para construção com a área de 204 m2 situado em Matarraca, freguesia de São Domingos de Rana. Confronta: do norte e sul com (…); do nascente com a rua projectada e do poente com (…), do qual consta, igualmente, a inscrição “Sujeito activo: C, solteira, menor, prédio n.º; Facto inscrito: Aquisição; Causa: compra”. (resposta ao artigo 1º da petição inicial).
3º
A Autora, no estado de solteira e através de Escritura Pública celebrada em 4 de Setembro de 1969, no Cartório Notarial de Oeiras, comprou o identificado imóvel. (resposta ao artigo 2º da petição inicial).
4º
Tendo, a 2 de Dezembro de 1969, registado a sua compra, através da apresentação n.º 36, junto da 1ª Secção da Conservatória do Registo Predial de Cascais. (resposta ao artigo 3º da petição inicial).
5º
Posteriormente à compra do imóvel, a Autora veio a contrair matrimónio com C, a 13 de Novembro de 1976, sem celebração de convenção antenupcial (resposta ao artigo 4º da petição inicial).
6º
No dia 14 de Março de 2002, a Autora e o seu marido C, na qualidade de senhorios, celebraram com a Ré Maria, na qualidade de arrendatária, um contrato de arrendamento para comércio (café) tendo por objecto o anexo do imóvel já identificado, cfr. resulta do doc. de fls. 188 e 189 cujo teor se dá por reproduzido. (resposta ao artigo 5º da petição inicial e artigo 6º da contestação).
7º
A Autora e o seu ex-marido C assinaram o contrato de arrendamento original. (resposta ao artigo 5º da contestação).
8º
As rendas relativas ao contrato em questão foram pagas à própria Autora, em pessoa, pela 1ª Ré, retribuições essas que em Fevereiro de 2004 eram no montante de € 187,52. (resposta ao artigo 6º da contestação)
9º
Na casa da Autora, sita à Rua do Girassol, Vivenda, Matarraque, Cascais. (resposta ao artigo 7º da contestação).
10º
A Autora emitiu os recibos de pagamento da renda. (resposta ao artigo 8º da contestação).
Mais,
11º
O local objecto do acordo situa-se num anexo à casa onde a Autora reside. (resposta ao artigo 9º da contestação).
12º
Desde a data de início dos efeitos do acordo, 14 de Março de 2002, que Autora vê a 1ª Ré a explorar o café instalado no anexo, contíguo à sua casa, e vê o estabelecimento em funcionamento. (resposta ao artigo 10º da contestação).
13º
A 1ª Ré fez obras e despendeu em melhoramentos no estabelecimento em causa, tendo instalado e custeado a instalação de material eléctrico, no valor de € 5,34, e tendo pago as obras feitas no chão e as pinturas, no valor de € 110,67. (resposta aos artigos 11º e 27º da contestação).
14º
A Autora tem conhecimento dos factos constantes dos artigos 6º a 13º, supra. (resposta ao artigo 13º da contestação)
15º
A Autora ao alegar que o acordo foi apenas celebrado entre o seu marido e a 1ª ré não podia desconhecer que tal não correspondia à verdade. (resposta aos artigos 20º e 21º da contestação).
16º
Do contrato junto pelos Réus consta a assinatura da Autora, porém, do contrato junto pela Autora não consta a sua assinatura, sendo que o tipo de letra que os manuscrevem é completamente diferente e do punho de pessoas diferentes. (resposta ao artigo 10º da resposta à contestação).
17º
Do contrato de arrendamento faz parte um aditamento, assinado apenas pelo marido da Autora, em que se declara que “Em aditamento ao contrato de Arrendamento por mim elaborado, na qualidade de co-proprietário (Por se encontrar casado no regime de bens adquiridos e ter sido o estabelecimento construído depois do casamento) do estabelecimento denominado “café C”, sito na rua do Girassol Vivenda … em Matarraque, com Maria, declaro que, para além do café e da arrecadação, a que alude o mencionado contrato, também fica como parte integrante do mesmo arrendamento, um espaço exterior destinado a esplanada, com cerca de 12 m2, junto à parede direita, com acesso à mesma, junto à entrada do estabelecimento, bem como um espaço também exterior, na parte traseira do mesmo, com cerca de 3 m2, para arrumação de vasilhame. Este Aditamento só tem validade durante o tempo em que a actual arrendatária se encontrar a explorar o estabelecimento, ficando nulo logo que esta venha a trespassar o mesmo, pelo que só poderá vir a trespassar os elementos constantes do contrato inicial”. (resposta aos artigos 12º e 14º da resposta à contestação).
18º
O Aditamento ao acordo celebrado está apenas assinado pelo marido da Autora assumindo-se da qualidade de co-proprietário. (resposta ao artigo 13º da resposta à contestação).
19º
Nesse Aditamento, o marido da Autora C, refere que o contrato de arrendamento foi por si elaborado (em aditamento ao contrato de arrendamento por mim elaborado......) (resposta ao artigo 14º da resposta à contestação).
20º
A Autora recebeu o pagamento das rendas até ao dia 8 de Fevereiro de 2004. (resposta ao artigo 18º da resposta à contestação).
21º
Desde 2004, as rendas passaram a ser pagas ao marido da Autora e por este recebidas. (resposta ao artigo 21º da resposta à contestação).
22º
As obras foram realizadas pelos Réus no espaço exterior do anexo identificado no Aditamento ao contrato de arrendamento. (resposta ao artigo 26º da resposta à contestação).
IV – APRECIAÇÃO 1 - Nulidade do aditamento ao contrato de arrendamento por falta de assinatura da A.
Não se discute aqui que o prédio rústico da acção é bem próprio da A., fazendo o mesmo parte do seu património ao tempo da celebração do seu casamento com o C, com o qual é casada no regime da comunhão de adquiridos - cfr. art 1722º nº1 a) do CC (diploma e que pertencerão os demais preceitos legais a citar sem outra indicação de origem).
E na situação sub judice, e conforme decorre da matéria de facto provada, está em causa (para além do contrato de arrendamento assinado pela A.) um aditamento ao referido contrato em que apenas interveio o marido da A., na qualidade de co-proprietário.
Está aqui em causa a incapacidade conjugal (ilegitimidade) prevista no art 1682º-A nº1 a), nos termos do qual carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.
Mas, quem é dono do que no prédio foi construído é algo que se está por saber. Na Caderneta Predial Urbana consta a moradia que foi ampliada com um anexo destinado a comércio. E não será despiciendo que o marido da A. refere no aditamento ao contrato de arrendamento que “o estabelecimento (foi) construído depois do casamento”…
Se, na constância do matrimónio, a A. e o marido construíram um anexo num terreno que era propriedade própria da A., a situação cai no âmbito da figura da benfeitoria (embora a distinção entre acessão e benfeitoria seja juridicamente algo “cinzenta), que será um bem comum do casal, pois não é subsumível a nenhuma das excepções à regra da comunhão de adquiridos - art 1724º b). E não podemos valer-nos, sequer, do disposto no art 1723ºc) pois, para que tal benfeitoria pudesse considerar-se bem próprio da A., impor-se-ia a prova da proveniência do dinheiro, enquanto bem próprio.
Ora, os autos não nos fornecem quaisquer elementos que permitam concluir num ou noutro sentido. Pela escassez de elementos, não se pode afirmar que o anexo é bem próprio da A. ou bem comum do casal.
De qualquer forma, sendo bem próprio ou bem comum, o aditamento ao contrato de arrendamento celebrado pelo marido da A, tinha de ter o consentimento desta - art 1682º-A b).
Se é bem comum, e não tendo ocorrido tal consentimento da A., a lei, atento o disposto no art 1687º nº1, prevê a anulação do acto a requerimento do cônjuge que não deu o consentimento. De acordo com o nº2 do citado art 1687º, é de seis meses o prazo para arguir a anulabilidade do acto, prazo que se inicia com o conhecimento do acto por parte do cônjuge lesado. Decorrido o prazo limite estabelecido na lei, caduca o direito de arguir a anulabilidade pelo que a invalidade que o enferma sana-se face à impossibilidade de exercício do direito de anular o acto.
Se é bem próprio da A. são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia (art 1687º nº4), remetendo para o regime constante do art 892º que sanciona com nulidade tais actos.
Mas, em face da matéria provada, podemos dizer que a A. sabia que o arrendamento abrangia também a esplanada e o espaço para arrumação de vasilhame. Note-se bem: no dia 14 de Março de 2002, a A. e o seu marido celebraram com a R. um contrato de arrendamento para comércio (café), tendo por objecto o anexo do imóvel em questão e, pouco tempo depois, em 23 de Junho de 2002, o marido da A. celebrou um aditamento ao contrato, no qual fica como parte integrante do arrendamento “um espaço exterior destinado a esplanada, (…), junto à parede direita, com acesso à mesma, junto à entrada do estabelecimento, bem com um espaço também exterior, na parte traseira do estabelecimento, (…), para arrumação de vasilhame”. Todas as rendas relativas a esse contrato, desde o início do mesmo até ao dia 08 de Fevereiro de 2004, foram pagas pela R. à própria A., tendo esta última emitido os recibos de pagamento. O estabelecimento arrendado situa-se num anexo da casa onde a A. reside, pelo que desde o início da vigência do aditamento ao contrato que a A. vê a R. a ocupar tais espaços contíguos à sua casa.
Tendo em conta a data da celebração do aditamento ao contrato de arrendamento (23 de Junho de 2002) e tendo em conta que, desde o inicio, a A. teve conhecimento da esplanada e do espaço para arrumação de vasilhame, verifica-se que há muito que se operou a sanação da invalidade do acto (a acção foi proposta em 10 de Março de 2004).
Para além do mais, tendo a A. aderido, por actos inequívocos, ao negócio, a falta da sua intervenção no aditamento deve considerar-se suprida, substituindo-se com aqueles actos a declaração de vontade em falta no acto da celebração do aditamento.
A inércia que a A. manifestou durante quase dois anos, em relação à situação da esplanada e do espaço para arrumação de vasilhame do estabelecimento explorado pelos RR., tem de ser vista como concordância a essa mesma situação. Ou seja, durante dois anos, a A., morando ao lado, nunca pôs em causa essa mesma situação.
A A. criou nos RR. a convicção de que os considerava como seus arrendatários e que aceitava como legítima a ocupação daquela parte do anexo. O cidadão comum que arrenda um estabelecimento comercial e que passa a explorar o estabelecimento, depositando mensalmente a respectiva renda (e tudo isto os RR. fizeram), está convicto de que o está a explorar de forma válida.
A A. não tomou qualquer atitude durante dois anos e exige, agora, a restituição da esplanada e do espaço para arrumação de vasilhame.
Ao actuarem daquela forma, a A. excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, e, por isso, agiu com abuso de direito (art 334º), o que tem como consequência que os RR. não sejam obrigados a restituir aqueles espaços.
Assim sendo, não é nulo nem anulável o aditamento ao contrato de arrendamento concluído sem a assinatura da A.
A sentença recorrida fez assim um correcto enquadramento jurídico dos factos provados, pelo que improcede esta questão da apelante.
2 - Condenação por litigância de má fé
Refuta ainda a A. a sua condenação por litigância de má fé, porque “(…) agiu imbuída do espírito de que a sua pretensão era perfeitamente legítima, pois no seu espírito existia a genuína convicção de que nunca havia assinado, outorgado, ou sequer negociado qualquer contrato de arrendamento. Ou qualquer aditamento a esse contrato de arrendamento.”
Vejamos, então, se há motivo para manter a condenação da recorrente como litigantes de má fé na multa de 5 UC e em €1.500,00 de indemnização – como decidiu a Mm.ª Juíza a quo e também concorda os recorridos –, ou se tal se apresenta como infundado – como vem agora defendido pela apelante.
Com efeito, não se trata de discutir se a A. assinou ou não o contrato, mas se deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e negou os factos acima referidos, por si bem sabidos, ultrapassando o normal exercício do seu direito de acção, desenvolvendo-o, de forma desleal e sem verdade, porquanto não goza do direito de afirmar uma versão contrária à realidade, por si conhecida.
A A. apresentou uma determinada versão dos acontecimentos que, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar provar a situação da nulidade do contrato, afirmando factos contrários à realidade, que era do seu perfeito conhecimento pessoal, por ter dado o seu acordo ao arrendamento e ter recebido as rendas.
Ora, os factos supra descritos não poderiam, naturalmente, ser desconhecidos da A., a qual não poderia deixar de estar consciente do infundado da sua posição.
É, por isso, manifesto ter a A. litigado de má-fé – art 456º nºs 1 e 2 a) e b) do CPC.
No que tange ao montante das multas e da indemnização fixadas – o qual não foi directamente questionado neste recurso -, mostra-se equilibrado o valor encontrado em 1ª Instância.
Apenas um parêntese.
Quando a apelante diz nas suas alegações que “(…) quando aos autos foi junto o contrato de arrendamento, assinado pela ora recorrente, muito esta se surpreendeu, e, de imediato, confessou que tal assinatura era a sua. (..) a confissão da ora recorrente foi imediata e sem reservas, e, nem desejou que fosse produzida prova pericial quanto à assinatura, não requerendo perícia nem à letra nem à assinatura”, está novamente a afirmar factos contrários aos factos que constam na sua resposta à contestação.
Nesta, a A. diz que não sabe, “nomeadamente, se a letra e assinatura aposta, no referido contrato, como sendo sua, é verdadeira”, impugnando “a letra e assinatura do referido documento, para efeitos do disposto no artigo 544º do C.P. Civil”
E mais se não diz…
Improcede assim, também, esta questão posta pela apelante.
SUMÁRIO:
1 - Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens, nos termos do art 1682º-A nº1 a) do CC, o arrendamento sobre imóveis próprios ou comuns.
2 - Não tendo ocorrido tal consentimento, se é bem comum, pode o cônjuge requerer a anulação do acto (art 1687º nº2 do CC), e se é bem próprio, são aplicáveis as regras relativas à alienação de coisa alheia (art 1687º nº4 do CC), remetendo para o regime constante do art 892º que sanciona com nulidade tais actos.
3 - Estando provado que a autora subscreveu o contrato de arrendamento, que recebeu todas as rendas durante cerca de dois anos e que o estabelecimento arrendado situa-se num anexo da casa onde reside, deve concluir-se que a conduta da autora, ao pedir, por via de acção judicial, a nulidade de um aditamento a esse contrato, por apenas constar a assinatura do marido, é contraditória com a sua anterior aceitação da ocupação pelos réus dos espaços destinados para esplanada e arrumação de vasilhame constantes do aditamento e traduz uma clamorosa violação do princípio da boa-fé.
4 - Configurando-se abuso do direito, a consequência que se mostra adequada, no caso, é a da supressão do direito invocado.
5 - Litigam com má fé a autora que apresenta uma determinada versão dos acontecimentos que, objectivamente, não correspondente à verdade material, com vista a tentar provar a situação da nulidade do contrato, afirmando factos contrários à realidade, que era do seu perfeito conhecimento pessoal, por ter dado o seu acordo ao arrendamento e ter recebido as rendas.
* V – DECISÃO
Nos termos expostos, e na improcedência da apelação, confirma-se integralmente a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
(acto processado e revisto pela relatora signatária: art 138º nº 5 do CPC)
Lisboa, 12 de Março 2009
(ANA GRÁCIO)
(PAULO RIJO)
(AFONSO HENRIQUE)