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CONTRATO DE SEGURO
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS MORAIS
Sumário
I-Age em abuso de direito a Ré Seguradora que tendo entre mãos uma reclamação apresentada pela sua cliente, a ora A., respeitante ao pagamento de certa quantia, faz a mesma acreditar que essa falta de pagamento não conduziria à resolução do contrato de seguro e que, tendo considerado resolvido o contrato em 10.6.97, só em 12.8.07 faz saber à A. qual a resposta àquela reclamação. II- Estando a A. e a Ré a proceder a negociações, ainda em curso, para acerto de contas entre si com relação ao valor do prémio devido no 1º trimestre de 1996, não podia a Ré pôr termo ao contrato por falta de pagamento do montante que entendia (unilateralmente) estar em falta; III- Sendo ilegítimo o exercício do direito de resolução do contrato por parte da Ré Seguradora, e considerando que, à data do sinistro (14.8.97), se encontravam já pagos os 1º, 2º e 3º trimestre de 1997, é de considerar válido o aludido contrato de seguro nessa mencionada data e a Ré responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo trabalhador da A.; IV- A Ré Seguradora não está obrigada a pagar à A. todas as quantias que esta pagou ao trabalhador sinistrado, mas apenas aquelas que a entidade patronal estaria obrigada a pagar nos termos das normas aplicáveis aos acidentes de trabalho e devidas no âmbito do contrato de seguro celebrado.
(Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I- Relatório:
A, Lda, veio propor contra Companhia de Seguros.., acção declarativa de condenação sob a forma sumária, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de Esc. 1.362.312$00 referente a prejuízos e despesas por si suportadas com o sinistro sofrido, em 14.8.97, pelo seu trabalhador B e juros acrescidos, à taxa de 10%, desde a citação. Invoca, para tanto, que tal quantia deveria ter sido paga pela Ré seguradora uma vez que para esta transferira a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho ocorridos ao seu serviço, o que esta recusa, sem razão, alegando que a apólice de seguro respectiva se encontrava anulada desde 10.6.97.
Contestou a Ré, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria e alegando que o contrato de seguro por si celebrado com a A. foi anulado por falta de pagamento do respectivo prémio de seguro em 10.6.97, tendo deste facto a Ré dado conhecimento à DGT em 27.6. Pelo que não existindo à data do sinistro seguro válido não recai sobre a Ré qualquer obrigação de indemnizar à luz da supra citada apólice. Mais refere que ainda que tal apólice estivesse em vigor parte dos valores parcelares indicados pela A. não seriam devidos. Conclui pela improcedência da acção.
A A. respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador em que foi julgada improcedente a excepção de incompetência material invocada e seleccionada a matéria de facto em parte por remissão para os articulados.
A fls. 122 a 125 dos autos, veio a A. apresentar articulado superveniente, invocando que após a instauração da causa o empregado sinistrado da A. efectuou a intervenção cirúrgica de que necessitava, no que a A. gastou, em 31.8.00, mais Esc. 208.093$00, quantia que pede em aditamento à indicada na p.i., com juros acrescidos à taxa de 7%.
A matéria correspondente foi impugnada pela Ré.
Admitido aquele articulado superveniente, foram aditados novos quesitos à Base Instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo ainda aí aditados novos factos à Base Instrutória.
Foi depois proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a Ré do pedido.
Inconformada, a A. recorreu da sentença proferida, sendo o recurso recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo. Apresentadas as alegações, foram ali formuladas as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1 – A Apelante, por contrato de seguro, transferiu para a Apelada a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho por contrato titulado pela apólice nº 10/018257.
2 – A Ré pagou sempre as importâncias a que estava vinculada por força do contrato.
3 – As prestações referentes ao trimestre em que ocorreu o acidente tal como as outras encontravam-se pagas, isto é referente ao 1º, 2º e 3º trimestre de 1997.
4 – A Apelada, referente ao ano de 1996, emitiu um recibo de acertos no valor de 97.000$00 com vencimento em 12/04/97.
5 – Por achar tal recibo exagerado, a Apelante reclamou, o que fez através do representante da Ré, D em C…, que na posse de tal reclamação, a apresentou ao técnico da Ré E, que transmitiu àquele que um colega de L… estava a tratar da situação.
6 – O técnico da Ré transmitiu ainda ao referido D, representante da Ré em C…., para informar a Apelante para não pagar o recibo, pois o valor do acerto a pagar era inferior ao recibo emitido, tendo a Apelante ficado a aguardar a entrega de novo recibo.
7 – Por várias vezes o representante da Ré em C….., D, insistiu com o técnico da Ré, E para a necessidade de resolver o problema, ao que aquele sempre referiu para não se preocupar pois estava a resolver o problema, o que era transmitido à Apelante.
8 – Em Julho de 1997 o representante da Ré em C…. avisou o técnico da Ré E para a necessidade de resolver o problema.
9 – Em 12 de Agosto de 1997 o técnico da Ré E telefonou ao representante da Ré em C… D a informar que o recibo tinha de ser pago, do que foi informada a Apelante,
10 – Que no mesmo dia procedeu ao pagamento.
11 – Em 14/08/97 ocorreu um acidente de trabalho com o funcionário da Ré C do que resultou para este uma fractura bimaleolar na perna direita.
12 – Em consequência dessa fractura, o C esteve internado no Hospital e 5 meses sem trabalhar, tendo a mulher tido necessidade de abandonar o trabalho para cuidar do marido, tendo resultado para o referido C um prejuízo resultante da perda de vencimento e em despesas hospitalares, médicos, medicamentos e de transporte a quantia de € 1.386,40.
13 - A Apelada recusou assumir a responsabilidade pelo pagamento das despesas hospitalares, médicos, medicamentos, transportes e vencimentos.
14 – Em face da posição assumida pela Apelada, a Apelante pagou ao seu funcionário C todas as despesas hospitalares, médicos, medicamentos, transporte e vencimentos, seus e da esposa para o acompanhar no montante total de € 1.386,40.
15 – Para fundamentar a exclusão da responsabilidade pelos danos supra referidos alegou a Apelada a resolução do contrato, tendo sido dado por provado o envio da carta para resolução do contrato à Apelante com início em 10/6/97.
16 – Apesar da notificação dirigida à Apelante, resulta provado dos factos assentes, que a Apelante reclamou do valor recibo e que lhe foi transmitido por funcionários da Apelada para não pagar o mesmo.
17 – E, logo que lhe foi transmitido que tal recibo teria de ser pago, foi o mesmo liquidado no próprio dia, o que ocorreu em 12/08/97.
18 – Após a data de 10/06/97, que a Apelada alega como data de resolução, recebeu ainda o valor do prémio referente à prestação de Julho, Agosto e Setembro de 1997, criando a convicção na Apelante da validade do contrato.
19 – A Apelada tendo recebido a reclamação do recibo de acerto e informado a Apelante para não pagar o referido recibo, aceitando o pagamento referente ao 3º trimestre de 1997 e alegando a resolução do contrato, praticou um acto de abuso de direito previsto no artigo 334 do C. Civil na modalidade de venire contra factum proprium. Ou seja, o seu acto é manifestamente lesivo da boa fé que deve presidir ao cumprimento das obrigações.
20 – Sendo certo que, enquanto decorria a reclamação, nunca o contrato poderia ter sido resolvido, por não haver qualquer mora da Apelante, devendo o contrato de seguro considerar-se válido e em vigor à data do acidente.
21 – Ao não entender desta forma, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação dos factos e aplicação do direito.
22 – Em face do exposto, deve ser revogado o douto acórdão recorrido, por ter efectuado uma errada interpretação dos factos, ao não considerar haver abuso de direito previsto no artigo 334 do C. Civil na alegada resolução do contrato de seguro por parte da Apelada e em consequência deverá ser substituído por outro que considere o contrato de seguro válido e condene a Apelada no pagamento à Apelante no montante de € 1.386,40 acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento.”[1]
Em contra-alegações, a recorrida/Ré formulou as seguintes conclusões que também se transcrevem:
“ A - A Autora transferiu a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora, por contrato de seguro titulado pela apólice nº. 10/018257;
B - A Ré Seguradora enviou à Autora, que a recebeu, a carta constante de fls. 62, cujo conteúdo se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais, onde consta, designadamente o seguinte:
- “2º e último aviso de Cobrança”
- “Data do 1º aviso: 1997/03/31”
- “Data limite de pagamento: 1997/06/02”
- “Data da resolução: 1997/06/10”
E ainda o seguinte texto “ … a falta de pagamento dos recibos em mora, na data da resolução acima indicada, determina a anulação do contrato sem qualquer possibilidade da sua reposição em vigor”;
C - Com data de 27.06.1997 a Ré remeteu ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho a carta que consta de fls. 63, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido;
D - Consta do Artº 13º nº 4 das “Condições Gerais da Apólice” o seguinte: “Nos termos da Lei, na falta do pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso, o tomador do seguro constitui-se em mora, e decorridos que sejam sessenta dias após aquela data, o contrato será automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor”;
E - A Ré emitiu um aviso de cobrança (recibo nº. ….) do ramo acidentes de trabalho correspondente ao período entre 10/01/1996 e 31/12/1996 a pagar em 12.04.1997 num total de 97.606$00;
F - A Autora, ora apelante, aceitou tacitamente a matéria de facto já dada como provada nas alíneas A) a D) dos Factos Assentes, aquando do despacho saneador, dado que não havia reclamado do mesmo;
G - A própria Autora confessa nas suas alegações que não liquidou o acerto de prémios emitido em 1997, referente ao ano de 1996, no valor de 97.606$00 e não 97.000$00 referidos naquele articulado;
H -Foi precisamente o não pagamento desse acerto de prémios que originou a anulação da referida apólice em 10.06.1997 e a consequente comunicação ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho em 27.06.1997;
I - A Ré/Apelada veio provar, através de documentos e de testemunhas, que a apólice nº. 10/018257 se encontrava efectivamente anulada em 10/06/1997, por falta de pagamento do prémio de seguro no valor de 97.606$00;
J - A Autora veio pagar aquele valor, que aliás era devido, contudo, só o fez em 12/08/1997, através de cheque entregue ao mediador, tendo a Real recebido em 14/08/1997, data do acidente dos autos, sendo certo que a Autora apenas participou o acidente 18/08/1997;
L - À data do acidente, 14/08/1997, já a apólice se encontrava anulada;
M - A Ré/Apelada cumpriu na íntegra todas as formalidades legalmente exigidas, quer quanto aos prazos, quer quanto à forma, para obtenção do referido pagamento;
N - A Ré/Apelada, em cumprimento do legalmente estabelecido, comunicou à sua segurada, pelos meios que a lei exige, que o não pagamento do prémio implicava a resolução do contrato a partir de 10.06.1997, o que veio a acontecer;
O - Tal como é referido na sentença recorrida, “…, e tendo o acidente ocorrido em 14.08.1997 forçoso é concluir que à data do sinistro a Autora não tinha qualquer contrato de seguro validamente celebrado com a Ré que obrigasse esta a indemnizar o trabalhador sinistrado”;
P - A versão alegada pela Autora/Apelante, é manifestamente inconsistente e carecida de fundamento;
G - A douta sentença recorrida julgou bem, não merecendo qualquer censura e devendo manter-se inalterável.”
Pede seja julgado improcedente o recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***
II- Fundamentos de Facto:
A decisão da 1ª instância fixou como provada a seguinte factualidade, que não foi impugnada:
1. A A. transferiu a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora, por contrato de seguro titulado pela apólice nº …..;
2. A Ré seguradora enviou à A., que a recebeu, a carta constante de fls. 62, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais, onde consta, designadamente o seguinte:
- “2º e último aviso de Cobrança”
- “Data do 1º aviso: 1997/03/31”
- “Data limite de pagamento: 1997/06/02”
- “Data da resolução:1997/06/10”;
3. E ainda o seguinte texto “...a falta de pagamento dos recibos em mora, na data da resolução acima indicada, determina a anulação do contrato sem qualquer possibilidade da sua reposição em vigor”;
4. Com data de 27.06.1997 a Ré remeteu ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho a carta que consta de fls. 63, dando-se o seu conteúdo por integralmente reproduzido;
5. Consta do Artº 13º nº 4 das “Condições Gerais da Apólice” o seguinte: “Nos termos da Lei, na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso, o tomador do seguro constitui-se em mora, e decorridos que sejam sessenta dias após aquela data, o contrato será automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor”;
6. A A. é uma Firma que tem por objecto a construção civil;
7. Para execução do seu objecto, tem a A. vários empregados ao seu serviço, entre os quais o Sr. C;
8. O Sr. C exerceu as funções de pedreiro por conta da Autora entre 1/12/95 e 14/8/97, auferindo mensalmente a quantia de Esc. 60.000$00;
9. No dia 14/8/97 cerca das 16 horas quando o referido funcionário da A. e encontrava em cima de um andaime fazendo confrangem, escorregou, tendo caído no solo;
10. O C fez uma fractura bimaleolar na perna direita tendo sido operado em 22/08/1997;
11. Segundo declaração do Médico do …. o C esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 14/08/1997 e 14/12/1997;
12. E uma incapacidade temporária permanente de 30% entre 15/12/97 e 12/1/98, data esta última a partir da qual lhe foi dada alta e a partir da qual passou a trabalhar;
13. Durante estes 5 meses de incapacidade, sempre a A. lhe pagou o seu vencimento, no valor total de 300.000$00;
14. Em consequência do referido acidente, foi o C assistido no Centro Hospitalar de C…. e posteriormente transferido para o M. em C…., onde foi operado e acompanhado a partir dessa data, tendo sido despendido as seguintes quantias em internamento, médicos e medicamentos:
- Taxa de urgência no Centro Hospitalar -- 1.000$00 ( doc. 15 )
- Radiografia ------------------------------- 350$00 ( doc. 16 )
- Internamento no M… --------------- 224.475$00 (doc. 17)
- Radiografia -------------------------------- 3.500$00 ( doc. 18 )
- Médico que o operou
Dr.ª. … --------------------- 110.000$00 (doc. 19)
- Médico que o operou
Dr. .. -------------- 40.000$00
Médico que o operou
Dr.ª ----------------- 40.000$00
- Consulta médica – Dr. - 7.000$00
- Consulta médica – Dr.ª. ------ 8.000$00
- Consulta médica – Dr.ª. ------ 8.000$00
- Consulta médica – Dr.ª. ------ 8.000$00
- Farmácia --------------------------------------- 1.950$00
- Farmácia – Dr.ª. --------------- 3.000$00
15. Tal quantia foi integralmente paga pela A. Lda, que suportou estas despesas;
16. O C despendeu em transportes de ambulância a quantia de 10.500$00;
17. A A. pagou ao sinistrado os montantes correspondentes ao transporte de ambulância;
18. Em consequência do acidente, e dado que o C durante o período de 22/08/96 a 14/12/97 se encontrava com incapacidade total e acamado no primeiro mês, a esposa deste M que frequentava neste período o curso de Empresários Agrícolas promovido pela C….de C…, foi obrigada a abandonar o referido curso, tendo deixado de auferir a quantia de Esc. 209.537$00;
19. O que fez, para acompanhar o marido, dado que este se encontrava acamado e necessitava de acompanhamento constante diário;
20. A A. pagou à esposa do sinistrado a quantia de Esc. 209.537$00 para que pudesse acompanhar o marido;
21. A A. pagou ao sinistrado a quantia de 200.000$00 a título de danos morais;
22. O empregado da A. fez a operação para tirar os ferros que tinha na perna;
23. A A. pagou sempre as importâncias a que estava vinculada por força do contrato incluindo a prestação do trimestre em que ocorreu o sinistro;
24. A Ré emitiu um aviso de cobrança (recibo nº ….) do ramo acidentes de trabalho correspondente ao período entre 10/01/1996 e 31/13/1996 a pagar em 12.04.1997 num total de 97.606$00;
25. Por achar tal recibo exagerado a A. reclamou;
26. Reclamação que apresentou no representante da Ré em C…. D.;
27. O qual, na posse de tal reclamação, a apresentou ao técnico da Ré E;
28. Que em resposta na semana seguinte, referiu ao Sr. D que um colega de L…. estava a tratar da situação;
29. Referiu ainda aquele técnico ao Sr. D, para informar o cliente para não pagar aquele recibo, pois o valor do acerto a pagar era inferior ao do recibo emitido;
30. Tal informação foi transmitida pelo Sr. D à A. que perante tal informação ficou a aguardar a entrega de novo recibo;
31. No entanto, sempre que aquele técnico da Ré E se deslocava a C… o referido D insistia para a necessidade de resolver aquele problema;
32. Ao que aquele técnico, sempre referiu para não se preocuparem pois estava a resolver o problema, o que por sua vez era transmitido à A.;
33. Em Julho de 1997 o referido D avisou novamente o técnico da Ré E para a necessidade de resolver o problema;
34. É então que alguns dias depois, já em Agosto, que o referido técnico da Ré, E telefonou ao representante de C…. E dizendo que o recibo tinha de ser pago;
35. Na sequência de tal informação o referido D informa a firma A que teria de proceder ao pagamento da quantia de Esc. 97.606$00;
36. O que foi pago de imediato pela A. no mesmo dia em que foi informado, precisamente no dia 12/08/97 que para tanto emitiu o cheque nº …. do B…. no valor de Esc. 97.606$00 e entregou ao representante da Ré em … D;
37. O D enviou para a Ré um cheque pessoal onde efectuou o pagamento;
38. Pois os prémios de seguro trimestrais referentes à Apólice nº … sempre foram pagos pontualmente;
39. O prémio referente ao primeiro, segundo e terceiro trimestre de 1997 encontravam-se pagos à data da ocorrência do sinistro;
40. Tal como o recibo de ajustamento dos prémios referente ao ano de 1996, à data em que o sinistro ocorreu;
41. O Sr. A. transportou e acompanhou o sinistrado a algumas consultas;
42. Na sequência da segunda operação a que foi sujeito, o empregado da A. despendeu as seguintes quantias:
Honorários Médicos da Dr.ª …. em 12/10/1998 -------------------- 8.000$00
Honorários Médicos da Dr.ª … em 14/12/1998 -------------------- 8.000$00
M.. 29/12/1998 -------------------------------------- 85.743$00
Honorários Médicos da Dr.ª em 30/12/1998 ----- ------- 8.000$00
Honorários Médicos da Dr.ª em 11/01/1999 -----------------16.000$00
Honorários Médicos da Dr.ª em 11/01/1999 ---- -----------46.800$00 Honorários Médicos da Dr.ª em 08/03/1999 --------------- 10.000$00
Honorários Médicos da Dr.ª em 10/04/2000 --------------- 10.000$00
Administração Regional de Saúde ---------------------------------------------3.500$00
Administração Regional de Saúde ---------------------------------------------- 350$00
Administração Regional de Saúde ----------------------------------------------- 700$00
Despesas de deslocação ----------------------------------------------------------3.000$00
TOTAL ----------------------------------- 208.093$00
43. Nas deslocações às consultas o empregado da A. gastou a quantia de 3.000$00;
44. A A. pagou ao seu empregado as quantias de 208.093$00 e 3.000$00 referidas nos quesitos 41º e 42º.
***
III- Fundamentos de Direito:
Cumpre apreciar do objecto do recurso.
Os recursos são meios de impugnação de decisões com vista ao reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
Por outro lado, e como é sabido, o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Para além do mais, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões do recorrente (cfr. arts. 684, nº 3, e 690, nº 1, do C.P.C.), só abrangendo as questões que nelas se contêm, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
A primeira questão objecto do presente recurso prende-se com a validade da resolução do contrato de seguro de acidentes de trabalho efectuada pela Ré Seguradora em 10.6.97.
Mostrando-se celebrado entre A. e Ré contrato nos termos do qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho, através da apólice nº …., entendeu-se na sentença recorrida que aquela Ré Seguradora resolveu validamente o aludido contrato posto que, tendo enviado para a A. aviso de cobrança correspondente ao período de 10.1.96 a 31.3.96, a pagar em 12.4.97, no valor de Esc. 97.606$00, a mesma A. não procedeu ao pagamento correspondente na data referida, tendo-lhe a Ré enviado carta admonitória, nos termos da lei, onde consta, designadamente o seguinte: “2º e último aviso de Cobrança”, “Data do 1º aviso: 1997/03/31”, “Data limite de pagamento: 1997/06/02”e “Data da resolução:1997/06/10”, mais ali se mencionando que “...a falta de pagamento dos recibos em mora, na data da resolução acima indicada, determina a anulação do contrato sem qualquer possibilidade da sua reposição em vigor”. Pelo que, não tendo a A. pago a quantia em falta, a Ré, com data de 27.6.97, remeteu ao Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho carta em que comunica a anulação do contrato celebrado com a A.. Mais considera a sentença recorrida irrelevante a reclamação em curso efectuada pela A. porque não reduzida a escrito, visto que sendo o prémio do seguro um elemento do contrato formal do seguro, o pedido de alteração do seu valor deveria ter sido reduzido a escrito, “não sendo admissível qualquer outro meio de prova”. Conclui, por isso, que tendo a resolução do contrato ocorrido em 10.6.97, à data do sinistro, em 14.8.97, o mesmo já não vigorava nem obrigava a Ré a indemnizar o trabalhador sinistrado.
É inquestionável que a Ré Seguradora terá comunicado à A. a resolução do contrato de seguro por acidentes de trabalho em conformidade com as formalidades legalmente previstas, à luz do DL nº 105/94, de 23.4, (então vigente), considerando que solicitara o pagamento de um prémio de seguro (ou parte dele) em falta que não veio a ser pago no prazo conferido. Porém, a questão que se coloca é a de saber como compaginar tal conduta com a circunstância, também apurada, que rodeia esse pagamento ou a falta dele.
Revendo a factualidade assente a tal propósito, temos que a Ré Seguradora emitiu e terá enviado à Ré um aviso de cobrança (recibo nº ….) do ramo acidentes de trabalho, correspondente ao período de 10.1.96 a 31.3.96, pagável em 12.4.97, num total de Esc. 97.606$00. Por achar tal valor exagerado, a A. reclamou junto do representante da Ré, nas C…, D. Este, recebida a reclamação, apresentou-a, por sua vez, ao técnico da Ré E que, em resposta, na semana seguinte, referiu ao D que um colega de L… estava a tratar da situação. Disse ainda aquele técnico ao D para informar o cliente, a ora A., para não pagar aquele recibo dado que o valor do acerto a pagar era inferior ao do recibo emitido. Essa informação foi transmitida pelo D à A. que ficou, em consequência, a aguardar a entrega de novo recibo. Mais se provou que sempre que aquele técnico da Ré, E, se deslocava às C, o referido D insistia pela resolução do problema, respondendo o E para não se preocuparem pois estava a resolver o problema, o que, por sua vez, era transmitido à A.. Em Julho de 1997, o indicado D avisou novamente o E para a necessidade de resolver a questão e, em Agosto seguinte, o mesmo E telefonou ao D dizendo que o recibo tinha, afinal, de ser pago. Então, o referido D informou a A., em 12.8.97, que teria de proceder ao pagamento da quantia de Esc. 97.606$00, o que esta logo fez, no mesmo dia, emitindo um cheque no valor correspondente que entregou ao representante da Ré nas C…., D. Por seu turno, este enviou para a Ré um cheque pessoal, efectuando aquele pagamento.
Por último, provou-se, ainda, que o sinistro que vitimou o trabalhador da A., C, vem a ocorrer em 14.8.97, e que, nessa data, a A. já pagara o prémio respeitante ao primeiro, segundo e terceiro trimestre de 1997.
Toda a matéria agora descrita ficou provada. Por conseguinte, temos que, certamente já no ano de 1997, a Ré envia à A. um aviso para pagamento de uma quantia respeitante a um prémio de seguro do 1º trimestre do ano anterior, que corresponderia, talvez, a um acerto de contas. O montante respectivo oferece dúvidas à A. o que leva esta a proceder à respectiva reclamação junto dos serviços da Ré. A reclamação é recebida pela Ré, através do seu representante nas C…, e a partir daí tudo se passa dentro dos serviços da própria Seguradora. É também a referida Ré, através desses seus representantes e colaboradores, que informa a A. para não pagar o valor constante do aviso de cobrança “dado que o valor do acerto a pagar era inferior ao do recibo emitido”, pelo que ficou a A./apelante, em consequência, a aguardar a entrega de um novo recibo corrigido. Além disso, foi sendo informada, por parte dos tais representantes e colaboradores da Ré, que não se preocupasse pois o problema estava a ser resolvido. Finalmente, em 12.8.97 é-lhe comunicado pelos mesmos que, afinal, tinha que pagar o valor indicado, o que logo fez nesse mesmo dia (dois dias antes da ocorrência do sinistro em apreço).
Ora, neste circunstancialismo, quando a A. recebeu a carta acima referida nos pontos 2 e 3 dos factos julgados assentes, como segundo aviso de pagamento da mencionada quantia de Esc. 97.606$00, deveria ter entendido que, como ali se dizia, o contrato seria resolvido em 10.6.97 por falta desse pagamento? Julgamos que a resposta tem de ser forçosamente negativa, tanto mais que sabemos ser frequente em empresas de grande dimensão, como as seguradoras, haver procedimentos rotineiros e automatizados que justificam o envio de cartas/tipo ao cliente quando a situação se encontra já ultrapassada ou em vias de ser ultrapassada através de contactos personalizados.
Deste modo, a A. que, aliás, sempre pagou à Ré as importâncias a que estava obrigada (como se provou), e que apresentara reclamação por um pagamento solicitado pela Ré que julgava indevido, só podia entender que a carta recebida era um “novo lapso” da Ré, tanto mais que fora até informada pelos serviços desta Seguradora para não pagar o valor em questão, sendo tranquilizada pelos mesmos serviços no sentido de não se preocupar porque o assunto estava a ser resolvido. Tanto assim é que quando em 12.8.97 lhe é comunicado pelos tais serviços da Ré que, afinal, tinha que pagar o valor indicado, logo o fez no próprio dia, antes de ocorrer o acidente em questão.
Parece-nos, por isso, que, como afirma a apelante, face ao acima descrito a resolução automática do contrato constituiria um flagrante caso de abuso de direito por parte da mesma Seguradora.
Dispõe, de facto, o art. 334 do C.C., que: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
A ilegitimidade em que se traduz o abuso de direito não resulta da violação formal de qualquer preceito legal em concreto mas da utilização manifestamente anormal, excessiva, do direito, independentemente do animus ou da consciência que o seu titular tenha do carácter abusivo da sua conduta (cfr. “Dicionário Jurídico”, Ana Prata, 3ª ed., pág. 7).
Uma das modalidades desse abuso é a chamada conduta contraditória (venire contra factum proprio) em combinação com o princípio da tutela da confiança.
No caso, como constatámos, é a própria Ré que, tendo entre mãos a reclamação apresentada pela A., faz saber a esta que não precisa de pagar e que o assunto está a ser resolvido, criando, por isso, na sua cliente e tomadora do seguro a natural e inevitável convicção de que o contrato de seguro não estaria em crise por falta daquele pagamento no prazo formalmente indicado ou, pelo menos, até a Ré decidir a dita reclamação. Ou seja, a conduta contraditória da Ré fez a A. acreditar – como faria acreditar qualquer outro cliente colocado na mesma situação – que o não pagamento da quantia de Esc. 97.606$00 não conduziria à resolução do contrato de seguro como constava da carta referida em 2 e 3 supra.
Não se afigura, pois, viável, à luz das regras da boa fé, que possa, por isso, obter a Ré a resolução do contrato de seguro nos termos atrás referidos. Até porque, tendo considerado resolvido o contrato em 10.6.97, só em 12.8.07 faz saber à A. qual a resposta à sua reclamação: afinal, a quantia era mesmo devida e, por isso, tinha de ser paga.
Acresce que, como consta do sumário do Ac. STJ de 21.2.95, Relatado pelo Cons. Torres Paulo (Proc. 086547, in www.dgsi.pt), e citado (embora com lapso na referência) pela apelante nas suas alegações de recurso: “Celebrado um contrato de seguro automóvel entre uma empresa-autora e uma seguradora-ré, não tendo aquela pago integralmente o prémio do seguro e tendo ocorrido um acidente causador de prejuízos, já depois de findo o prazo que lhe fora comunicado para o respectivo pagamento, nem por isso o contrato pode ser tido por resolvido antes do acidente, se, entretanto, a ré-seguradora não pagou à Autora certa quantia - (correspondente à que ficou por pagar do prémio do seguro) - a que se obrigava perante esta em contrapartida de serviço de publicidade que a Autora lhe prestara, estando a decorrer negociações aceites pela seguradora para acerto de contas.” Pelo que, e ainda considerando as regras da boa fé que hão-de reger o cumprimento dos contratos, mal se compreenderia que estando a A. e a Ré a proceder a negociações, ainda em curso, para acerto de contas entre si com relação ao valor do prémio devido no 1º trimestre de 1996, tal permitisse, sem mais, a uma delas, no caso a Ré, pôr termo ao contrato por falta de pagamento do montante que entendia (unilateralmente) estar em falta.
Nestes moldes, sendo de julgar ilegítimo o exercício do direito de resolução do contrato por parte da Ré Seguradora e tendo em conta que, à data do sinistro (14.8.97), se encontravam já pagos os 1º, 2º e 3º trimestre de 1997, é de considerar válido o aludido contrato de seguro nessa mencionada data.
A Ré/apelada será, pois, responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo trabalhador da A., o que nos conduz à segunda questão que cumpre agora conhecer tendo em vista o disposto no art. 715, nº 2, do C.P.C..
Como acima referimos, a A. pede, primeiro na petição inicial e depois em articulado superveniente, a condenação da Ré no pagamento do valor total de Esc. 1.573.405$00 (€ 7.848,11) que suportou em consequência do sinistro, onde inclui as quantias pagas ao seu trabalhador (salários no período da incapacidade, despesas médicas, medicamentosas, transportes e deslocações), à mulher (pela perda de remuneração por si sofrida quando acompanhou o marido) e, ainda, o valor de Esc. 120.000$00 que o gerente da A. deixou de auferir por acompanhar o sinistrado, deixando também de trabalhar.
Porém, “Como é sabido, a responsabilidade civil do empregador por acidentes de trabalho não abrange a reparação de todos os danos e compreende-se que assim seja, uma vez que não assenta na culpa, mas sim no chamado risco empresarial ou de autoridade. Assim, nem todos os danos patrimoniais sofridos pelo sinistrado ou por seus familiares são ressarcíveis com base naquela responsabilidade e o mesmo também acontece, em princípio, com os danos não patrimoniais.” (Ac. RL de 21.3.07, Proc. 23/2007-4, in www.dgsi.pt).
Donde resulta que, como foi observado pela Ré na contestação para o caso de se considerar válido o contrato de trabalho, não terá a mesma Ré, ao abrigo do contrato de seguro e das normas aplicáveis em caso de acidente de trabalho, de pagar à A. todas as quantias que esta pagou ao trabalhador sinistrado, mas apenas aquelas que a entidade patronal estaria obrigada a pagar uma vez abrangidas pelo contrato de seguro.
Assim, “No ressarcimento gerado por um acidente de trabalho, a indemnização abrange apenas os danos patrimoniais indirectos, visando somente compensar o sinistrado do prejuízo económico decorrente da redução na capacidade de trabalho ou de ganho, nos termos da Base IX da Lei 2127, sendo certo que a indemnização arbitrada ao abrigo da responsabilidade civil geral, abrange todo o tipo de danos patrimoniais (directo e indirectos) e não patrimoniais, já que visa a reparação integral dos danos, nos termos do art. 562 do CCivil.” (cfr. Ac. RL de 24.9.03, Proc. 314/2003-4, in www.dgsi.pt).
Por conseguinte, sendo aplicáveis, no caso, ao cálculo da indemnização devida ao trabalhador da A. os critérios estabelecidos pela referida Lei 2127, de 3.8.1965, vigente à data do sinistro, cumprirá à Ré proceder ao pagamento correspondente em conformidade com o quadro normativo ali estabelecido e dentro dos limites do contrato de seguro.
Pelo que os pagamentos realizados pela A. para além da indemnização assim encontrada corresponderão à mera satisfação de uma obrigação natural por parte da mesma A. e entidade patronal, nos termos do art. 402 do C.C., que à Ré não caberá ressarcir.
A A., como dissemos, pede a condenação da Ré a pagar-lhe o montante por si entregue ao trabalhador a título de indemnização pelos prejuízos sofridos com o acidente de trabalho ocorrido em 14.8.97, que inclui os salários pagos no período da incapacidade, despesas médicas, deslocações e ambulâncias, Esc. 200.000$00 a título de danos morais, Esc. 209.537$00 pagos à mulher do sinistrado pela perda de rendimento desta no período em que teve de acompanhar o marido acamado e dependente, e, ainda, o valor de Esc. 120.000$00 que o próprio gerente da A., deixando de trabalhar, deixou de auferir para acompanhar o sinistrado, num total de Esc. 1.573.405$00 (€ 7.848,11).
Vejamos, então, o que se apurou quanto ao acidente verificado, danos e indemnização devida.
Provou-se que, dedicando-se a A. à construção civil, tinha vários empregados ao seu serviço, entre os quais C, que exerceu as funções de pedreiro por conta da A. entre 1.12.95 e 14.8.97, auferindo mensalmente a quantia de Esc. 60.000$00. Quando, no dia 14.8.97, cerca das 16 horas, o referido funcionário da A. se encontrava em cima de um andaime fazendo cofrangem, escorregou e caiu no solo, fazendo fractura bimaleolar na perna direita a que foi operado em 22.8.97.
O mesmo C esteve, assim, com incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 14.8.97 e 14.12.97 e incapacidade temporária permanente de 30% entre 15.12.97 e 12.1.98, data esta última a partir da qual lhe foi dada alta e passou a trabalhar.
Provado, ficou, igualmente, que durante os 5 meses de incapacidade do C sempre a A. lhe pagou o seu vencimento, no valor total de Esc. 300.000$00.
Por outro lado, e em consequência do referido acidente, foi o C assistido no Centro Hospitalar de ….. e depois transferido para o M…. em C…., onde foi operado e acompanhado a partir de então, no que foi gasto, com internamento, médicos e medicamentos, o montante global de Esc. 455.275$00, integralmente suportado pela A..
Do mesmo modo, pagou a A. àquele C o custo de Esc. 10.500$00 em transportes de ambulância.
Provou-se, ainda, que na sequência da segunda operação a que veio a ser sujeito, o C gastou mais Esc. 208.093$00, com honorários médicos, serviços de saúde e deslocações, e, ainda, mais Esc. 3.000$00 com deslocações, quantias que a A. também lhe pagou.
Para além disso, a A. pagou a quantia de Esc. 209.537$00 que a mulher do C deixou de auferir (ao abandonar o curso de Empresários Agrícolas promovido pela C…. do Concelho de C….) para acompanhar o marido quando este se encontrava acamado e necessitava de acompanhamento constante diário e pagou, ainda, ao sinistrado a quantia de Esc. 200.000$00 a título de danos morais.
Não se provou, designadamente, que o gerente da A. tivesse deixado de ganhar Esc. 120.000$00 por acompanhar o sinistrado, deixando de trabalhar.
Da factualidade descrita resulta que estamos perante um acidente de trabalho, nos termos e para os efeitos previstos na Base V da supra indicada Lei 2127, o que gera na A., enquanto entidade patronal, a obrigação de indemnizar o trabalhador sinistrado, obrigação essa transferida para a Ré Seguradora em resultado da celebração do contrato de seguro.
Percorrendo, agora, os items da indemnização peticionada, temos, em primeiro lugar, que não obstante a A. ter pago ao seu trabalhador, durante o período de 5 meses de incapacidade deste, o valor total dos salários que este auferiria, a verdade é que só estaria obrigada a pagar-lhe 2/3 da retribuição base (sendo apenas de 1/3 nos três dias seguintes ao acidente) no período da incapacidade temporária absoluta, e 2/3 da redução sofrida na capacidade geral de ganho no período da incapacidade temporária parcial, como resulta da da Base XVI da mencionada Lei 2127. Por outro lado, desconhecendo-se se o montante do salário apurado é ou não líquido, inclui ou não subsídios, ou mesmo o valor da retribuição declarada para efeitos de seguro, tendo ainda em vista a “Condição Especial 02” sobre a “cobertura de salário integral (líquido)” constante das “Condições Especiais” do contrato junto aos autos, torna-se inviável proceder aqui à determinação da indemnização devida por perdas salariais do trabalhador da A., pelo que deverá relegar-se para incidente de liquidação o respectivo cálculo, que há-de ter em consideração os critérios legais e contratuais indicados.
No que respeita aos danos morais sofridos pelo sinistrado, temos que estes são apenas ressarcíveis, em abstracto e a título excepcional, em caso de culpa da entidade patronal na produção do sinistro, como resulta das Bases IX e XVII da Lei indicada. Da Base IX resulta que a responsabilidade do empregador se restringe, em regra, às prestações em espécie e em dinheiro ali expressamente referidas, de cujo elenco a indemnização por danos não patrimoniais não faz parte, e da Base XVII, nº 3, que existe um alargamento do conteúdo dessa indemnização, que passa a incluir a prestação devida por danos morais, em caso de culpa ou dolo da entidade patronal, entendendo-se, nos termos do art. 54 do Decreto nº 360/71, de 21.8, (que regulamenta aquela Lei), ter resultado de culpa da entidade patronal ou do seu representante o acidente devido à inobservância de preceitos legais e regulamentares, assim como de directivas das entidades competentes, que se refiram à higiene e segurança do trabalho. Ora, no caso, nada se apurou sobre as circunstâncias do acidente e, muito menos, sobre a observância ou não pela A. das regras relativas à higiene e segurança no trabalho como causadoras do sinistro. Pelo que, não se verificando caso especial de reparação previsto na indicada Base XVII, não serão em concreto ressarcíveis danos não patrimoniais.
No que, por outro lado, concerne ao valor de Esc. 209.537$00 pago pela A. e correspondente à quantia que a mulher do C deixou de auferir para acompanhar o marido quando este se encontrava acamado e necessitava de acompanhamento constante diário, não será, igualmente, o mesmo devido a título de indemnização como resulta da já referida Base IX e ainda da Base XVIII da Lei 2127, em que não se mostra previsto, no âmbito da reparação por acidente de trabalho, o pagamento de um tal encargo.
Por conseguinte, tal como observou a Ré na contestação, não abrangendo o cálculo da indemnização devida por acidentes de trabalho o valor de danos morais ou a perda de retribuição por parte da mulher do sinistrado, não será devido o seu pagamento pela Ré à A., como acima explicámos.
Finalmente, integrando o direito à reparação prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica e hospitalar e outras acessórias ou complementares, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho da vítima e à sua recuperação para a vida activa (Base IX da Lei 2127), incumbia à ora A., enquanto entidade patronal, providenciar pelo pagamento correspondente ao trabalhador sinistrado, tanto mais que a assistência e o encargo com tais despesas fora negado pela Ré no âmbito do contrato de seguro, como vimos. Também cabia à A., no mesmo âmbito, suportar os encargos com as deslocações necessárias à observação e tratamento do sinistrado, de modo a assegurar o respectivo transporte em condições de comodidade impostas pela natureza das suas lesões (Base XIV da Lei 2127). Pelo que, nestes termos, e vista a factualidade assente, caberá, desde já, à Ré pagar à A. as quantias por esta suportadas com tais despesas, num total apurado de Esc. 676.868$00 (Esc. 455.275$00+ Esc. 10.500$00+ Esc. 208.093$00+ Esc. 3.000$00), ou seja de € 3.376,20.
Concluindo, improcederá o pedido da A. no que se refere à alegada perda de vencimento do gerente da A. (que não se provou, aliás), ao montante dos danos morais e da perda de ganho da mulher do trabalhador. Procederá, por outro lado, no que respeita às reclamadas despesas médicas, medicamentosas, transportes e deslocações do sinistrado, num total de € 3.376,20, e de perda de prestações salariais no período apurado da incapacidade, relegando-se, todavia, para liquidação subsequente o cálculo correspondente, em conformidade com a Lei 2127 (Base XVI) e o contrato de seguro.
Será a Ré ainda responsável pelos juros moratórios sobre o capital em dívida, como também peticionado. Porém, e quanto ao início da mora, nos termos dos arts. 805 e 806 do C.C., consideraremos a data de citação para a acção (20.11.98 - fls. 55 dos autos) quanto ao valor de € 2.323,27 (que exclui os montantes de Esc. 208.093$00 e Esc. 3.000$00, num total de € 1.052,93, apenas reclamados no articulado superveniente apresentado em 15.9.00). Consideraremos, por outro lado, e por identidade de razões, para efeito de início da mora quanto ao aludido valor de € 1.052,93 (Esc. 208.093$00 + Esc. 3.000$00), a data em que a Ré se considera notificada do referido articulado superveniente (23.10.00 – fls. 143).
A taxa de juro a considerar será de 10% até 16.4.99, de 7% desde 17.4.03 até 30.4.03 e de 4% posteriormente, nos termos das Portarias nº 1171/95, de 25.9, nº 263/99, de 12.4, e nº 291/03, de 8.4.
Nestes moldes, procede parcialmente a apelação.
***
IV- Decisão:
Em face do exposto, acorda-se em, julgando parcialmente procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e:
A) Condenar a Ré a pagar à A.:
1. A quantia de € 3.376,20, respeitante a despesas médicas, medicamentosas, transportes e deslocações pagas pela A. ao seu trabalhador sinistrado C;
2. A quantia, paga pela A. àquele trabalhador, respeitante à perda de prestações salariais, no período da incapacidade apurada, que vier a liquidar-se em conformidade com a Lei 2127 (Base XVI) e o contrato de seguro celebrado entre A. e Ré;
3. A quantia respeitante a juros moratórios sobre o capital em dívida de € 2.323.27 desde a citação para a acção (20.11.98), e até integral pagamento, à taxa de 10% até 16.4.99, de 7% desde 17.4.99 até 30.4.03 e de 4% posteriormente;
4. A quantia respeitante a juros moratórios sobre o capital em dívida de € 1.052,93 desde a notificação do articulado superveniente (23.10.00), e até integral pagamento, à taxa de 7% até 30.4.03 e de 4% posteriormente.
B) Absolver, no mais, a Ré do pedido.
Custas por recorrente e recorrida na proporção do vencimento que se estabelece, a título provisório, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, a corrigir de acordo com o grau de sucumbência revelado pelo incidente de liquidação.
Notifique.
***
Lisboa, 12.3.09
Maria da Conceição Saavedra
Cristina Maria Tavares Coelho
José Luís Soares Curado
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[1] De notar que a apelante comete, nas alegações, manifesto lapso quanto à indicação do valor que diz ter pago ao funcionário sinistrado, confundindo escudos com euros. Na verdade, e de acordo com a prova produzida, como veremos, tal montante será de Esc. 1.386.405$00 (€ 6.915,36) e não de € 1.386,40. Tem-se, assim, por rectificado o lapso.