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TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
JUS VARIANDI
PREJUÍZO SÉRIO
Sumário
Na ausência de acordo, a transferência de um trabalhador, a título definitivo, do Continente para os Açores, é ilícita por lhe causar prejuízo sério, quer nos termos do art. 24º da LCT, quer da al. f) do art. 122º do Código do Trabalho.
(sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
A…, engenheiro civil, residente…, intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “Tecnovia – Sociedade de Empreitadas, S.A.” com sede no Casal do Deserto, Porto Salvo, pedindo a declaração de ilicitude do despedimento, a declaração do mesmo despedimento como sanção abusiva, a condenação da ré na indemnização por antiguidade, no caso de vir por ela a optar e, ainda, nas retribuições vencidas e vincendas, juros e em indemnização por danos não patrimoniais.
Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no seguinte:
(…)
Contestou a Ré pugnando pela sua absolvição total dos pedidos e alegou, em síntese, o seguinte:
(…)
Foi oportunamente produzido despacho saneador que apreciou a validade e a regularidade processuais.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo.
Elaborada a sentença, foi proferida a seguinte decisão:
“Nos termos acima expostos, julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e em consequência:
1) Declaro ilícito o despedimento do A.,
2) Condeno a Ré a pagar ao A. €37.409,94 (trinta e sete mil e quatrocentos e nove euros e noventa e quatro cêntimos), acrescidos dos valores de indemnização por antiguidade que se vierem a vencer até ao trânsito em julgado da decisão final.
3) Mais condeno a Ré a pagar ao A. a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos morais.
4) Mais condeno a Ré a pagar ao A. os valores que se vieram a apurar em liquidação de sentença relativos à compensação a que se refere o artigo 437º do CT, devidos desde os 30 dias anteriores à propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzidos dos valores de subsídio de desemprego auferidos pelo A.
5) Condeno ainda a Ré a pagar ao A. os valores que se vierem a apurar em liquidação de sentença relativos ao pagamento da retribuição correspondente aos dias 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 2004 e 3 de Janeiro de 2005; ao pagamento da retribuição ilíquida correspondente ao tempo de suspensão preventiva, de 4 a 31 de Janeiro de 2005; ao pagamento da retribuição de férias e do subsídio de férias vencidos em 1.1.2005 bem como dos proporcionais de férias e de subsídio de férias e de subsídio de Natal correspondentes ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato. Ao valor global ilíquido que se vier a apurar na liquidação de sentença serão descontados os valores pagos pela Ré pelos mesmos títulos e que ascendem a € 9.610,34.
6) Condeno a Ré a pagar ao A. os juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, sobre o valor da indemnização por danos morais e sobre a parcela de € 24.940 da indemnização por antiguidade, e desde as datas de vencimento da 7ª, 8ª e 9ª parcelas de indemnização por antiguidade e até integral pagamento”.
Inconformada a Ré interpôs recurso desta decisão e termina as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
(…)
O Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
As questões a apreciar estão bem delineadas nas conclusões do recurso, a saber: - impugnação da matéria de facto, quanto ao ponto 38 dos factos provados, e também quanto à matéria alegada nos art. 10º e 130º da contestação que deveria ter sido dada como provada. - Se através da cláusula 3º do contrato de trabalho celebrado entre as partes o Autor deu o seu acordo a quaisquer transferências de local de trabalho dentro de todo o território nacional. - se o Autor aceitou a transferência para a ilha Graciosa; - se a ordem de deslocação do A. para a ilha Graciosa se incluía no âmbito do jus variandi geográfico; - Natureza não abusiva do despedimento; - montante da compensação, dos salários de tramitação e restantes créditos; - se assiste ao A. o direito a compensação por danos não patrimoniais.
Fundamentação de facto
Na 1ª Instância foi apurada a seguinte matéria de facto:
1. O A. intentou contra a Ré providência cautelar de suspensão de despedimento, que correu termos pelo 1º Juízo, 2ª secção, deste Tribunal, sob o nº 170/05.6TTLSB, a qual foi apensada a estes autos.
2. A. e Ré celebraram em 10.2.2000 o contrato de trabalho que constitui o documento nº 1 junto com a petição inicial, cujo texto integral aqui se dá por inteiramente reproduzido, fazendo-se constar todavia e pelo particular interesse para a decisão da causa, as seguintes cláusulas:
“SEGUNDA – FUNÇÕES 1. As funções a desempenhar pelo segundo, são as de responsável pelas obras do Grupo IV – Ourique, com ressalva das obras em curso da responsabilidade do actual Director. 2. São ainda funções do segundo, todas as inerentes ao normal desempenho de um licenciado em engenharia civil, numa Empresa de obras públicas de grande dimensão, tendo por referencial a definição de funções e tarefas constante do grupo base 2.1.4.2.00 da “Classificação Nacional das Profissões”, versão de 1994, cujo conteúdo se anexa. TERCEIRA – LOCAL DE TRABALHO 1. A base de actuação do segundo, serão as instalações do 1º em Ourique e as instalações de apoio à “Construção da obra geral e das obras de arte (PS e PI) – lote B, do sublanço Aljustrel/Castro Verde, da A2 - Auto-Estrada do Sul”, aceitando, porém, o 2º Outorgante as movimentações que forem determinadas pelas necessidades operacionais do 1º e sejam compatíveis com a sua qualificação profissional e funções a desempenhar. 2. O 2º deverá ainda, se e quando necessário, deslocar-se às ilhas adjacentes para prestar assessoria e assistência técnica da sua especialidade às empresas associadas da 1ª, Tecnovia Madeira, Lda e Tecnovia Açores, Lda. SEXTA – RETRIBUIÇÃO 1. A retribuição do segundo é de Esc: 10.000.000$00 (dez milhões de escudos) líquidos por ano, a pagar em 14 vezes ao ano correspondendo aos 12 meses de calendário acrescidos de subsídios de férias e natal, a serem pagos nas épocas legais. 2. A retribuição-base do segundo sobre o qual incidirão os descontos legais é de Esc: 480.000$00 (quatrocentos e oitenta mil escudos) mensais. 3. Os valores estipulados nos números anteriores poderão sofrer alterações, resultantes de eventuais actualizações, sendo para o efeito, necessário acordo escrito e assinado por ambas as partes.
3. Este contrato cessou em 31.1.2005 por despedimento disciplinar com invocação de justa causa, precedido de processo disciplinar que se encontra junto no apenso de procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual, procedimento cautelar esse que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Na sequência da conclusão das obras e consequente extinção do Grupo Operacional de Ourique, a Ré remeteu ao A. a carta data de 20.9.2002 e recebida em 4.10.2002, que constitui o documento nº 2 com a petição inicial, cujo texto integral aqui se dá por reproduzido, e onde se pode ler, no essencial:
“Exmº. Senhor; Em virtude de se terem concluído as obras do denominado grupo IV – Ourique, nomeadamente, do Sublanço Aljustrel/Castro Verde, da A2 – Auto Estrada do Sul”, este Grupo Operacional foi extinto no dia 16 de Setembro de 2002, conforme Comunicação Interna nº 01/2002. De acordo com o contrato celebrado com V.Exª. em 10 de Abril de 2002, o objecto do mesmo e as funções que lhe foram confiadas, foram as de responsável pelas sobreditas obras, dependendo da Direcção de Produção. Por outro lado, face ao abrandamento e redução do mercado, como é publicamente conhecido, estamos a ser confrontados com uma significativa diminuição da nossa carteira de obras. Deste modo, e pelos motivos atrás indicados, nos termos das alíneas a) e c) do nº 2 do artº. 26º. do Dec.Lei nº. 64-A/89 de 27.2, vimos pela presente comunicar que se considera extinto aquele vosso posto de trabalho. No entanto, dentro do estabelecido no nº. 2 da cláusula terceira do contrato de trabalho celebrado com V.Exª. em 10.04.2000, deverá V.Exª. apresentar-se a partir de 14 de Outubro de 2002, na sede da nossa associada TECNOVIA – AÇORES, LDª.”
5. A R. apenas logrou encontrar funções disponíveis para o A. no âmbito das obras adjudicadas ao grupo Tecnovia nos Açores.
6. O A. não se deslocou na data prevista para os Açores, além do mais, porque ficou doente no dia 11/10/02, não se tendo assim apresentado na ilha de S. Jorge e nunca nesta tendo chegado a trabalhar.
7. Com data de 7.10.2002, o A. enviou à Ré e esta recebeu em 10.10.02, a carta que constitui o documento nº 5 junto com a petição inicial, dirigida ao Presidente do Conselho de Administração da Ré, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, e do qual se faz aqui expressamente constar o seguinte: “Nos termos do contracto que celebramos e em vigor previa-se a deslocação às ilhas para prestação de assessoria e assistência técnica às empresas associadas. No entanto, o que nos foi proposto e informado era que seríamos colocados durante 15 meses, no mínimo, não para assessoria nem assistência técnica, o que não está obviamente de acordo com a cláusula 3ª alínea 2 do referido contrato. Solicitamos, também, que nos informem imediatamente pela volta do correio, se o trabalho a desenvolver na ilha dos Açores (S. Jorge) está de acordo com as funções de director, tal como fomos contratados e se seria nos termos do mesmo contrato o responsável pelas obras a executar, e assim sendo se nos termos da cláusula 4ª do mesmo contrato se dependeria hierarquicamente da Direcção de Produção da Tecnovia, Sociedade de Empreitadas, SA. (…) Mais, sou a expressar que não aceito nos termos em que foi produzido os motivos de extinção do posto de trabalho que tendo remetido apenas para as alíneas da Lei sem, quaisquer fundamentação concreta e pulverizando as condições previstas no artº 27º do mesmo diploma, razão pela qual a invocação não produz os efeitos jurídicos pretendidos”.
8. A R., em 2 de Dezembro de 2002, comunicou ao A. que deveria nessa altura apresentar-se ao serviço na Ilha Graciosa, nos Açores.
9. O A., em dia 9 de Dezembro de 2002, dirigiu à Ré a carta que constitui o documento nº 1 junto com a contestação, aqui dado por reproduzido, e da qual consta: - “Assunto: Deslocação à Ilha da Graciosa (…) "Dado a alteração do local de trabalho, conforme indicação verbal de 2 de Dezembro p.p. (Ilha de São Jorge para a Ilha da Graciosa), solicitava que nos informassem, por escrito, tal como o fizeram através da vossa carta V/Refª - TN /2637/2002 de 24 de Outubro de 2002 (na ocasião para a Ilha de S. Jorge), quais as condições para esta nova situação."
10. O A. deslocou-se aos Açores e apresentou-se ao serviço na ilha da Graciosa, entre 14 e 21 de Dezembro de 2002.
11. O A. entrou depois em sucessivas situações de baixa por motivo de doença, tendo regressado ao serviço (leia-se, nos Açores) de 7.8.2003 a 4.9.2003, e, entre outras datas não exactamente apuradas, também de 1.4.2004 a 11.4.2004 e de 12.6.2004 a 5.7.2004 e de 27.7.2004 a 31.8.2004, tendo portanto estado ausente do serviço entre 1.10.2003 e 1.4.2004 e não tendo trabalhado efectiva e ininterruptamente seis meses desta última data em diante.
12. O A. sofria de diabetes.
13. Com data de 12.12.2002 em papel timbrado da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, a médica LP… (M24867) declarou por escrito: “Para os devidos efeitos declaro que o Sr. A… é diabético insulinicamente. Faz habitualmente 3 injecções de Insulina por dia. De momento apresenta boa compensação da diabetes mas se a rotina for alterada, emocionalmente o doente pode descompensar, descompensando a diabetes. Tive conhecimento da deslocação do doente para os Açores por alguns meses. Neste caso fica sem apoio familiar que é importante para estes doentes e também é preciso pensar no Apoio Hospitalar da Região em questão. Penso que é desagradável complicar a situação profissional deste doente e até devido à sua idade e outros problemas de saúde HTA, (não só a diabetes) ter em atenção a sua necessidade de não alterar a sua rotina diária. Concluindo, tenho receio que esta mudança possa prejudicar a saúde do doente”.
14. O A. enviou cópia da declaração que se refere no nº anterior à Ré, por carta datada de 31.12.2002 e enviada em 3.1.2003.
15. O A. enviou à Ré uma carta datada de 22.3.2004, que constitui o documento nº 10 junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzida e se excerta o seguinte: “ (…) Não se confirmou a alta médica para o dia 15 do corrente mês de Março, tendo-me sido concedida nova baixa até ao fim do mês em curso. Estou esperançado em voltar ao serviço no dia 1 de Abril. Se tal se confirmar, comparecerei na Ilha Graciosa, nos Açores, como me é indicado na carta de V.Exªs de 8/03/04. Fá-lo-ei ao abrigo do nº 2 da cláusula 3ª do contrato de trabalho assinado entre as partes em 10 de Abril de 2000, ou seja, no pressuposto de que se trata de uma deslocação temporária e não prolongada e de que o serviço que me é distribuído se integra no conceito de assessoria ou assistência a que se refere o contrato de trabalho, já que não me é dada qualquer outra justificação, com carácter actual, para esta deslocação. Como é sabido, infelizmente não me tem sido possível exercer a minha actividade profissional com regularidade, por motivos de saúde, sendo certo que o tempo que, até agora, permaneci nos Açores – cerca de 2 meses, ao todo -, apesar das reticências e dúvidas que me suscitou a ordem nesse sentido, e de que oportunamente dei conta a V. Exªs, acabou por não justificar, então, na prática, uma tomada de posição de fundo a tal propósito, a qual posição não posso deixar de tomar neste momento, na expectativa de que, como espero, esteja consistentemente restabelecido dos problemas de saúde que me vêm afectando. De facto, a cláusula contratual que acima citei distingue claramente entre as movimentações de local de trabalho dentro do Continente ao serviço da Tecnovia (nº1 da cláusula) e as deslocações para assessoria e assistência técnicas às empresas associadas na Madeira e nos Açores (citado nº 2), falando, a este propósito, em deslocações. Oportunamente avaliarei sobre se as funções que agora me serão atribuídas se integram no conceito de assessoria e/ ou assistência, e tomarei posição (…) quanto ao que julgo ser razoável tempo de permanência nos Açores em articulação com a verificação, ou não, dos pressupostos contratuais em que assenta a deslocação que me está a ser ordenada e que eu, à partida, não recuso, mas que aceito nos termos e sob as condições que refiro. Não se trata de condições que eu, como trabalhador da empresa, arbitrariamente configure ou exija, mas de pressupostos que estão claramente implícitos no texto contratual e na lei. Na verdade, e como é evidente, para que fosse aceitável uma interpretação sobre o conceito de permanência nas Regiões da Madeira e dos Açores com um sentido diverso de deslocação episódica e não prolongada, seria necessário que as partes tivessem configurado soluções adequadas à salvaguarda dos direitos do trabalhador, já que uma coisa é a movimentação dentro do Continente, para um trabalhador que reside na zona de Lisboa, que implicará a consideração de uma distância entre Lisboa e Bragança ou entre Lisboa e Vila Real de Santo António como hipóteses de afastamento máximo do local de residência, e outra, substancialmente diversa, a deslocação para ilhas situadas a 1000 ou 1500 quilómetros do mesmo local de residência. Neste ultimo caso, uma permanência prolongada em tais locais nada tem a ver com as movimentações dentro do Continente. Basta pensar que o trabalhador, com as actuais condições de deslocação rodoviária no nosso país continental, estará a uma distância máxima da sua residência de 6 horas de automóvel, com total liberdade de movimentação, pelo menos aos fins de semana, podendo, no fundo e no essencial, manter a sua relação de convívio familiar, quando, na hipótese de deslocação prolongada para as ilhas do Atlântico, tudo muda radicalmente por razões que são consabidas e que nem valerá a pena explicitar, e que não poderiam deixar de estar presentes no espírito de ambas as partes, numa negociação de boa fé, como estou certo que foi aquela que teve lugar no dia 10 de Abril de 2000 entre o signatário e a Tecnovia. (…) A questão de o normal local de trabalho ser ou não dentro do país não poderia ser um critério definitivo, na perspectiva de uma interpretação normalmente aceitável pelas partes, se há uma circunstância concreta, obviamente conhecida dos contraentes, como é o caso, que torna muito mais onerosa essa prestação numa parcela do território nacional do que em muitos países estrangeiros. Esta é, aliás, reitera-se, a razão pela qual o contrato distingue, e bem, entre as movimentações dentro do continente, que terão carácter normal, e as deslocações às ilhas Atlânticas, que, pelos motivos expostos, só poderão ter carácter excepcional e episódico. Resta acrescentar que o signatário não deixará de retirar as consequências das considerações que deixa expressas, mesmo no período limitado em que aceita trabalhar nos Açores, tendo em atenção, quer as necessidades de assistência à família, quer as suas próprias necessidades e direitos, no que respeita a eventuais despesas suplementares a que venha a ser obrigado por força da referida deslocação. (…)”
16. A R. dirigiu ao A. a carta datada de 29 de Março de 2004, cuja cópia constitui o documento n.º 2 com a contestação, aqui dado por integralmente reproduzido, e da qual consta: “Assunto: Sua carta de 22 de Março de 2004 Acusamos a recepção da sua carta em referência. Estranhamos, contudo, que a questão da sua prestação de trabalho nos Açores seja novamente suscitada. Assim, somos a reiterar a nossa posição, de forma tão clara quanto possível, a fim de evitar o desnecessário prolongamento deste assunto: - como V. Exa. bem sabe, o seu local de trabalho é na Ilha Graciosa e os seus direitos encontram-se devidamente salvaguardados; - constatando-se a possibilidade de V. Exa. ser considerado apto para o trabalho, deverá apresentar-se ao serviço da empresa na Ilha Graciosa, salvo indicação expressa em contrário.”
17. O A. enviou à Ré o fax datado de 29 de Março de 2004 que constitui o documento n.º 3 junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta: “(…) Confirmo a VEXAS a minha apresentação ao serviço da Empresa no próximo dia 1 de Abril de 2004. Quanto à carta de VEXAS de 29 de Março de 2004, reitero que me apresentarei nos Açores (Ilha Graciosa) nas condições e com os pressupostos constantes na minha carta de 22 do corrente p.p. (…)
18. Com data de 7.4.2004 o A. escreveu à Ré comunicando: (…) Dado que tenho marcação de consulta pela Associação Portuguesa dos Diabetes para o próximo dia 13 de Abril de 2004, consulta acompanhada de exames clínicos e análises, informo Vexas que por este motivo é-me impossível comparecer ao serviço, na Ilha Graciosa, nos primeiros dias da semana que se inicia a 12 de Abril de 2004 (…)
19. Com data de 14.4.2004, o A. escreveu à Ré: (…) informo Vexas que devido a algumas complicações surgidas durante os exames clínicos efectuados ontem 13 de Abril, tenho necessidade, e por indicação da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, de consultar a minha médica de família antes de regressar à Ilha Graciosa. Assim, e se nada mais houver em contrário, farei a viagem de regresso, amanhã 15 de Abril de 2004. (…)
20. Em 28 de Maio de 2004 o A. apresentou um certificado de incapacidade para o trabalho por estado de doença, relativo ao período compreendido entre 1 e 11 de Junho de 2004.
21. O A. esteve de novo com baixa médica entre 1.9.2004 e 19.12.2004.
22. Em 28 de Setembro de 2004 o A. compareceu nas instalações da sede da R. em Porto Salvo, Oeiras, tendo com esta uma reunião.
23. O A. enviou à Ré com data de 1.10.2004 a carta que constitui o documento nº 11 com a petição inicial, cujo texto integral aqui se dá por reproduzido, e do qual se excerta: “A missiva que ora dirijo a V. Exa. vem na sequência da audiência que fez o favor de conceder-me, em que me sugeriu uma melhor explicitação, por escrito, da minha pretensão. Julgo que a forma mais prática de cumprir a minha tarefa é começar por recordar o conteúdo da minha carta de 22/03/04, dirigida à Exma. Administração da TECNOVIA, da qual junto cópia, já que o pedido de audiência que formulei ocorreu como natural complemento da referida carta. Na verdade, creio que é chegado o momento de colocar formalmente a empresa perante a minha pretensão de regressar ao continente, como é do meu interesse, e estou absolutamente convicto que é meu direito. Porque entendi que seria correcta uma abordagem do assunto de forma pessoal e directa, previamente a uma comunicação escrita, é que me permiti solicitar a audiência que há alguns dias acabou por ter lugar. Assim, solicitaria a V. Exª ponderasse a minha pretensão de regresso ao continente, em face das razões apresentadas na minha carta de 22/03/04, sendo certo que estou convicto do seu bem fundado pelas condições em que venho trabalhando nos Açores, e sendo que o faço após ponderado conselho jurídico do meu Advogado, e após consulta de um reputado Professor de Direito da especialidade. Não pretendo arrogar-me quaisquer direitos especiais, mas apenas solicitar o cumprimento do contrato firmado entre as partes. Nesta conformidade, agradecia uma resposta breve sobre a matéria, num prazo que sugeria não fosse superior a 10 dias, para a obtenção de um consenso a este propósito, já que estimaria não ter necessidade de tomar uma posição unilateral, eventualmente conflitual, que, a não haver tal consenso, me parece inevitável vir a tomar, logo que me seja possível regressar ao trabalho. (…)”
24. Em 8 de Outubro de 2004, a R. enviou a comunicação ao A. que constitui o documento n.º 8 junto com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta: (…) Serve a presente para acusar a recepção da sua carta datada de 1 de Outubro de 2004 e recebida em 04 de Outubro p.p. Não obstante a reunião realizada com V.Exª, em 28 de Setembro p.p., a seu pedido, mas em atenção a V.Exª., a Tecnovia irá reavaliar as necessidades de mão-de-obra decorrentes das obras que presentemente tem em carteira, tendo em consideração a sua categoria profissional e experiência, pelo que, oportunamente transmitiremos o resultado de tal análise. Queremos no entanto, expressar que consideramos que o desempenho de funções por parte de V.Ex.ª no Arquipélago dos Açores, decorre do exercício de faculdades que legalmente assistem à Tecnovia. (…)
25. Por carta datada de 18 de Outubro de 2004, junta como documento n.º 9 com a contestação e aqui dada por integralmente reproduzida, a Ré comunicou ao A.: (..) Na sequência da solicitação que V.Exa apresentou na reunião realizada, a seu pedido, no passado dia 28 de Setembro e na carta que enviou em 1 de Outubro p.p., a Tecnovia, conforme referido na carta enviada no dia 8 de Outubro p.p., procedeu a uma análise das necessidades de mão-de-obra decorrentes das obras que actualmente tem em carteira. Atento o facto de a Tecnovia registar uma diminuição dos trabalhos no continente e, diversamente, ter um número crescente de obras em carteira no Arquipélago dos Açores, somos a informar que V.Exa deverá permanecer na Ilha da Graciosa, prestando a sua actividade no âmbito das seguintes empreitadas: - 4196 – Empreitada de reabilitação de arruamentos nas freguesias de Santa Cruz, São Mateus e Luz; - 4204 – Construção do porto de pesca da Graciosa: - 4211 – Execução de revestimento betuminoso dos caminhos rurais de Vimiais, Grutão e Ribeiras; - 4217 – Empreitada de reabilitação dos troços da rede viária da Graciosa, entre a Fonte do Mato e a Canada Longa e entre São Mateus e Fetais (obra que teve início em meados de Setembro). Caso ocorra uma oportunidade de trabalho no continente, compatível com a sua categoria e experiência profissional, a Tecnovia terá em consideração a sua pretensão. (…)
26. O A. enviou à Ré a carta datada de 10 de Novembro de 2004, a qual constitui o documento nº 12 junto com a contestação, cujo integral conteúdo aqui se dá por reproduzido, e da qual se excerta o seguinte: “(…) Na sequência da minha carta de 1/10/04 dirigida a V. Exa., recebi do Departamento de Recursos Humanos da Tecnovia a comunicação de que junto cópia. Pese embora o conteúdo desta comunicação, pelas razões já aduzidas oportunamente, quer na minha carta supra referida, quer na audiência que teve lugar em 28/09/04, quer, sobretudo, na minha carta de 22/03/04, cuja cópia facultei a V.Exa. anexa à missiva referida no primeiro parágrafo supra, comunico à Tecnovia que, quando vier a ter alta médica, apresentar-me-ei ao serviço na sede da empresa, em Porto Salvo, por considerar que não tenho qualquer obrigação legal de regressar ao serviço no Arquipélago dos Açores ou no Arquipélago da Madeira. Assim, nessa altura, aguardarei que me seja comunicado o serviço que me é distribuído no Continente, sem prejuízo do direito que me reservo de aguardar no meu domicílio a efectivação dessa comunicação, se a mesma não me for feita pessoalmente até ao fim do dia de apresentação ao serviço. Entretanto, confirmarei, por fax, no dia da alta médica, a minha apresentação ao serviço no dia seguinte. (…)”
27. Em 17 de Dezembro de 2004, o A. enviou um fax à R., no qual lhe comunicou: (…) De acordo com a minha carta de 10 de Novembro de 2004, informo Vexa que me encontro apto para o serviço activo a partir do dia 19/20 de Dezembro 2004. Nesta conformidade apresentar-me-ei na próxima segunda-feira dia 20 de Dezembro de 2004, na sede da Empresa em Porto Salvo, pelas 0930 H, a fim de que me seja comunicado o serviço que me será distribuído no Continente. (…)
28. No mesmo dia 17 de Dezembro de 2004, a R. subscreveu a carta que constitui o documento nº 2 junto ao processo disciplinar, a fls. 128 do apenso de procedimento cautelar de suspensão de despedimento, aqui dado por reproduzido e do qual consta: “ (…) Serve a presente para acusar a recepção da sua carta datada de 17 de Dezembro de 2004. Tendo em consideração que V. Exa vem ressuscitar a questão da sua presença nos Açores, a Tecnovia Sociedade de Empreitadas, S.A. (“Tecnovia”) vem reiterar, uma vez mais, que o desempenho de funções por parte de V. Exa., no referido arquipélago, decorre das faculdades que legalmente assistem à Empresa e que V. Exa deverá apresentar-se ao serviço na Ilha Graciosa, que é o seu actual local de trabalho. Nestes termos, deverá V. Exa comparecer na sede da Tecnovia, em Porto Salvo, no próximo dia 20 de Dezembro de 2004, às 9h30m, a fim de levantar a passagem de avião com destino à Ilha da Graciosa, com partida nesse mesmo dia e regresso no dia 23 de Dezembro de 2004. (…)
29. O A. apresentou-se ao serviço na sede da Ré, em Porto Salvo, no dia 20/12/04.
30. A R. comunicou ao A., por carta datada de 20 de Dezembro de 2004: (…) De acordo com as instruções que hoje lhe forma transmitidas, em reunião havida na sede da Empresa, pelas 9h30, V.Exa dever-se-ia ter deslocado ao final da tarde de hoje para os Açores, e apresentar-se ao serviço, na Ilha Graciosa, amanhã de manhã. Tendo V. Exa confirmado, telefonicamente, não ter embarcado no voo das 19.30, com destino à Ilha da Graciosa, serve a presente para informar que está a incorrer em desobediência e, na eventualidade de não se apresentar ao serviço na Ilha da graciosa, em faltas injustificadas. Consequentemente, e a persistir no incumprimento das instruções que hoje lhe foram transmitidas, a Empresa reserva-se o direito de instaurar procedimento disciplinar com vista a apurar e determinar a relevância disciplinar dos seus actos. (…)
31. Em carta datada de 20 de Dezembro de 2004, recepcionada pela R. no dia seguinte, o A. comunicou à Ré: (…) Assunto: Vossa carta de 17 de Dezembro de 2004, entregue em 20 de Dezembro de 2004 Através da diversa correspondência enviada a Vexas, é do vosso conhecimento qual a nossa posição quanto ao assunto referido na carta mencionada em epígrafe. Assim, permita-me que vos devolva as passagens aéreas, entregues juntamente com a carta mencionada, e que me foi apresentada no Departamento de Recursos Humanos em 20 de Dezembro de 2004 (…)
32. No dia 23 de Dezembro de 2004, a R. enviou nova carta ao A., acusando a recepção das passagens aéreas, e comunicando ainda: (…) Considerando que V.Exa incumpriu as instruções que lhe foram transmitidas pela Empresa, não se tendo apresentado ao serviço na Ilha Graciosa nos dias 21, 22 e 23 de Dezembro de 2004, recorda-se que V.Exa está a incorrer em desobediência e em faltas injustificadas, reservando-se, a Empresa (tal como havia sido anteriormente comunicado) o direito de instaurar procedimento disciplinar com vista a apurar e determinar a relevância disciplinar dos seus actos.
33. O A. não compareceu ao serviço na Ilha da Graciosa nos dias 21, 22, 23, 27, 28, 29 e 30 de Dezembro de 2004.
34. O A. é casado, tem filhos e netos e vive com a família nos arredores de Lisboa.
35. A Ré só custearia e só custeou as viagens de ligação ao Continente nas férias e no Natal.
36. O A. viu-se afastado da família nos meses em que esteve ao serviço nos Açores.
37. O A. foi um profissional sério e honesto.
38. O A. viveu um período de tristeza e abatimento com as ordens de deslocação para os Açores.
39. A intenção da R. ao convencionar o número um da cláusula terceira do contrato de trabalho foi, como é próprio da sua actividade, fixar como local de trabalho inicial a primeira obra aonde o A. iria prestar serviço, isto é, as instalações da R. em Ourique e as instalações de apoio à "Construção da obra geral e das obras de arte (PS e PI) - lote B, do sublanço Ajustrel/Castro Verde, da A2 - Auto-Estrada do Sul",
40. Mas também era intenção da R. ao convencionar essa disposição que, com a conclusão desta obra de Ourique, o A. pudesse ser deslocado para qualquer outro local do território nacional (continente ou ilhas), conforme as obras adjudicadas à R., sozinha ou consorciada com outras empresas, e as necessidades de mão-de-obra, nomeadamente das funções de engenheiro civil.
41. O regime contratual constante da cláusula 3ª do contrato celebrado com o A. é o que vigora com a generalidade dos trabalhadores de obra da R.
42. O A. bem sabia o que é ser engenheiro de obra numa empresa de construção civil, em que as obras por natureza têm natureza temporário e, consequentemente, os trabalhadores são confrontados com a necessidade de se deslocarem para as novas obras adjudicadas.
43. Este é o regime a que estão sujeitos todos os demais engenheiros de obra da Tecnovia.
44. O grupo Tecnovia, composto em Portugal pela Tecnovia - Sociedade de Empreitadas, S.A., pela Tecnovia Madeira – Sociedade de Empreitadas, S.A. e pela Tecnovia Açores – Sociedade de Empreitadas, S.A., desenvolve cerca de 50% da sua actividade nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, aonde lhe estão adjudicadas obras de grande dimensão e relevância para o seu negócio.
45. As referidas sociedades do grupo Tecnovia sediadas em Portugal actuam com regularidade em conjunto na execução de obras e, sempre que necessário e a fim de maximizar a sua utilização, afectam trabalhadores das várias empresas às obras adjudicadas.
46. O A. tinha conhecimento das circunstâncias alegadas no número 44.
47. A Ré não pagou o vencimento dos dias 21, 22, 23, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 2004 e 3 de Janeiro de 2005 por, no seu entender, corresponderem a faltas injustificadas do A.
48. Relativamente ao período compreendido entre a recepção da nota de culpa e da decisão final, ou seja, entre 4 e 31 de Janeiro de 2005, a R. procedeu ao pagamento ao A do valor ilíquido de € 2.378,89.
49. O montante salarial recibadamente pago pela R. ao A. a título de vencimento-base ascendia em Dezembro de 2004 e Janeiro de 2005 a € 2.494.
50. Durante o período em que o A. esteve suspenso, a retribuição que lhe foi paga pela Ré teve como referência o montante salarial mensal de 2.494.
51. A R. pagou ao A., pelo recibado título de férias o montante total ilíquido de €4.259,07.
52. A R. pagou ao A., a título de subsídio de férias e de proporcionais de subsídio de férias a quantia global ilíquida de € 2.762,88
53. A Ré pagou ao A. a título de Subsídio de Natal proporcional relativo ao primeiro mês de 2005, o montante de € 209,50.
54. A R. sempre tratou o A. com correcção e urbanidade.
55. O A. requereu subsídio de desemprego, que lhe foi concedido desde 28.02.05, nos montantes constantes dos documentos nº 1 e 2 juntos pelo A. a fls. 168 e 169 dos autos, sendo o valor diário do mesmo subsídio de €37,47.
Fundamentação de direito:
Quanto à impugnação da matéria de facto.
(…)
Improcede, pois a impugnação da matéria de facto na sua totalidade.
Quanto à questão de direito
A recorrente impugna a decisão recorrida por entender que as ordens de transferência do Autor para os Açores eram legítimas, fundamentando-se, para o efeito, em três ordens de razões: - A cls.3ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes permitia a deslocação do Autor para os Açores, porque o A. aceitou as movimentações determinadas pela Ré determinadas por necessidades operacionais e que sejam compatíveis com a sua qualificação profissional e funções a desempenhar; - Mesmo que assim não se entenda, o Autor aceitou, de facto, a sua transferência para a Ilha Graciosa; - E, de qualquer modo, o jus variandi geográfico permitia à Ré deslocar legitimamente o A. para a Ilha Graciosa.
Ora bem, acontece que todos estes argumentos foram correcta e aprofundadamente analisados pela decisão recorrida, pelo que remetendo para a respectiva fundamentação podemos confirmar a referida decisão.
No que se refere à interpretação da cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes, importa referir que uma vez que não está provado que o Autor conhecesse a vontade real do declarante (nº 2 do art. 236º do C. Civil), tem de seguir-se a regra de interpretação prevista no nº 1 do art. 236º do mesmo Código.
Nesta disposição consagrou-se, como é sabido, a doutrina denominada da impressão do declaratário, segundo a qual a interpretação deve ser entendida não com um sentido subjectivo, obtido pela indagação da verdadeira intenção do declarante, mas antes com um sentido objectivo, que decorre do sentido que lhe atribuiria um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo ([1]).
Conforme explica Mota Pinto, em Teoria Geral, pag. 445, “releva pois o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer”.
No Ac. do STJ de 6.02.97, BMJ 464, pag. 481-490, manda-se “atender a todos os “elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, terá tomado em conta”.
Aplicando estes ensinamentos ao caso concreto, entendemos que o sentido que objectivamente um trabalhador medianamente instruído, diligente e sagaz, com a formação e conhecimentos do Autor, colocado na sua real posição e considerando os factos assentes, nomeadamente os constantes dos nº 39 a 46, poderia retirar da referida cláusula 3ª, lida no seu conjunto, era o de que o nº 1 se referia às movimentações em Portugal Continental e o nº 2 às deslocações temporárias às Ilhas para prestar assistência ou assessoria técnicas às associadas da Ré, tal como bem explica e de forma muito impressiva a decisão recorrida.
Na verdade, o nº 2 da cls. 3ª constitui uma especificação limitativa do âmbito do nº 1, dela se depreendendo que a deslocação definitiva para as Ilhas não estava prevista no nº 1 da mesma cláusula, pois se assim fosse o nº 2 não teria qualquer relevância, pois onde cabe o mais (transferência definitiva, cabe o menos (transferência transitória).
Para a Recorrente o sentido da referida cláusula seria o de que o A. deu o seu assentimento às movimentações determinadas por necessidades operacionais da R. sem qualquer limitação de ordem geográfica, o que incluía naturalmente a região autónoma dos Açores. Mas, como se disse, na interpretação das cláusulas contratuais o sentido que releva não é a intenção subjectiva do declarante, mas antes o sentido que um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo lhe possa atribuir.
E o sentido que um declaratário normal, colocado na real posição do A. poderia atribuir à referida cláusula era que o A. apenas deu o seu consentimento a deslocações aos Açores, nos casos expressamente previstos no nº 2, ou seja, para prestar assistência e assessoria técnicas a associadas da Ré, o que implica sempre deslocações temporárias e de curta duração.
E podemos acrescentar que assim era entendido também pela Recorrente, que logo na primeira ordem de deslocação do A. para os Açores invocou precisa e expressamente o nº 2 do cls. 3ª (ponto 4 dos factos provados), o que motivou o pedido de esclarecimento por parte do A., conforme consta do ponto 7 dos factos provados).
Conclui-se, pois, que da cláusula 3ª nº 1 não resulta o entendimento defendido pela Recorrente ao longo deste processo de que nessa cláusula se previa a aceitação pelo Autor de qualquer movimentação para todo o território nacional, incluindo as Ilhas.
Alega a recorrente que, mesmo que assim se não entenda, o A. aceitou a transferência para os Açores.
É um facto que o Autor se apresentou na Ilha Graciosa e aí trabalhou durante pequenos períodos de tempo interpolados com frequentes e prolongadas baixas médicas. Mas também é um facto que o fez sempre sob protesto, pedindo esclarecimentos sobre “as condições da sua deslocação”, como o demonstra a sua carta de 9.12.2002. Sendo que as sua deslocações a essa Ilha sempre foram feitas no pressuposto de que se tratava de uma ordem de deslocação dada ao abrigo do nº 2 da cls. 3º do contrato celebrado entre as partes, como é explicado através de carta de 22.03.2004. Aliás, toda a troca de correspondência entre o Autor e a Ré evidencia bem que o aquele nunca aceitou a sua transferência para os Açores e, através de fax de 29.03.2004, reitera que se apresentará na Graciosa, mas nas condições da sua carta de 22.03.04, ou seja, ao abrigo do nº 2 da cls. 3ª do contrato.
Daqui resulta que da apresentação do A. na Ilha Graciosa não pode concluir-se que ele aceitou ou consentiu em tal transferência, entendida como definitiva.
Finalmente a Recorrente alega que, mesmo que assim não fosse, a deslocação do Recorrido para a Ilha Graciosa era legítima ao abrigo do jus variandi geográfico, pois que nunca lhe referiu que a deslocação fosse definitiva.
Mas, também aqui carece de razão, porque a verdade é que a Recorrente nunca referiu ao Recorrido que a deslocação fosse transitória ou meramente temporária. Toda a correspondência entre as partes evidencia que a deslocação do A. para os Açores foi em termos definitivos. Com efeito, na carta remetida pela Ré ao Autor em 20.09.2002, limita-se a mandar apresentar o A. na Ilha Graciosa em 14.10.2002, e nas cartas subsequentes de 2.12.2002 afirma que o local de trabalho do A. é na Ilha Graciosa, e depois nas cartas de 29.03.2004, de 8.10.2004 e na de 17.12.2004 reafirma sempre que o local de trabalho do A. é na ilha Graciosa, sem nunca referir que a deslocação do A. para essa Ilha é temporária.
Aliás, na nota de culpa que deu origem ao despedimento do Autor, por desobediência e faltas ao serviço entre os dias 21 a 23 e 27 a 30 de Dezembro e de 2004, a Recorrente parte do pressuposto que o local de trabalho do Autor era na Ilha Graciosa desde 12 de Dezembro de 2002, ou seja há mais de dois anos, o que é incompatível com qualquer deslocação ao abrigo do jus variandi, quer esta fosse analisada ao abrigo da LCT, quer do Código do Trabalho.
Com efeito, o jus variandi geográfico, está expressamente previsto no art. 316º do Código do Trabalho, que entrou em vigor em 1.12.2003, nos seguintes termos: 1 – O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir temporariamente o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador. 2 – Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior. 3 – Da ordem de transferência, além da justificação, deve constar o tempo previsível da alteração, que, salvo condições especiais, não pode exceder seis meses. 4 – O empregador deve custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência temporária decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes do alojamento.
Acresce que o art. 317º exige ainda que a decisão de transferência de local de trabalho seja comunicada ao trabalhador, devidamente fundamentada e por escrito, com 30 dias de antecedência, nos casos previstos no art. 315º, ou com oito dias de antecedência nos casos previstos no art. 316º.
Ora, não está provado que a partir da data da entrada em vigor do Código do Trabalho - 01.12.2003 - a Recorrente tenha dado ordem de transferência ao Recorrido com os requisitos exigidos pelo nº 3 do art. 316º e 317º do Código do Trabalho.
E no domínio da legislação anterior ao Código do Trabalho, ou seja, no âmbito da LCT, (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo DL 49.408 de 24.11.69), o jus variandi geográfico não estava expressamente previsto na lei, embora fosse reconhecido implicitamente pela jurisprudência, por interpretação extensiva do art. 22º nº 7 e 8 da LCT (na redacção dada pela Lei 21/96 de 23.07), estando naturalmente sujeito aos requisitos deste artigo, a saber: que não haja estipulação em contrário, que o interesse da empresa exija a deslocação, que a mudança seja temporária, que tal não implique diminuição de retribuição nem modificação substancial da posição do trabalhador. Alguns Autores, porém, entendiam que ele derivava directamente do art. 24º nº 1 da LCT.
No presente caso, as comunicações feitas pela recorrente ao recorrido no ano de 2002 não revestiram essas características, uma vez que não invocaram o carácter transitório da mudança de local de trabalho para os Açores.
Aliás, a Recorrente cai em contradição, pois nalguns pontos da sua alegação alega que a ordem de transferência do A. para os Açores era definitiva, e noutros afirma “que nunca referiu que a deslocação para a Ilha Graciosa era definitiva”.
Improcedem, pois, as razões pelas quais a recorrente impugna a decisão recorrida.
Podemos, assim, concluir, como concluiu a sentença recorrida, que a ordem da Recorrente para o Recorrido se apresentar na Ilha Graciosa, dada em 2.12.2002, era ilegítima face ao disposto no art. 24º da LCT.
Com efeito, de acordo com esta norma, em vigor à data dos factos, “salvo estipulação em contrário, a entidade patronal só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança total ou parcial do estabelecimento onde aquele presta serviço”.
No caso em análise, a sentença recorrida entendeu e bem que a transferência do Autor para a Ilha Graciosa lhe causava prejuízo sério.
Embora a lei não forneça um conceito de “prejuízo sério”, entende-se que este deve ser aferido em função das circunstâncias específicas e concretas de cada caso «devendo corresponder a interesses relevantes do trabalhador, designadamente de natureza pessoal, profissional, familiar e económica, não podendo consistir em mero incómodo ou transtorno suportáveis» ([2]). Como se afirma no Acórdão de 02.12.2004 do Supremo Tribunal de Justiça ([3]) “a determinação de “prejuízo sério” para efeitos do disposto no n.º1 do art. 24º da LCT, terá de ser efectuada pelo confronto entre as características da alteração do local de trabalho (distância, condições concretas do novo local) e as condições de vida do trabalhador, devendo o mesmo ser entendido como todo o dano que produza uma alteração substancial do plano de vida daquele e que não seja exigível ao mesmo ter de o suportar”.
Ora, no presente caso, é uma evidência mais que notória que a transferência do Recorrido do Continente para a Ilha Graciosa acarretava para este um prejuízo sério, por alterar radicalmente as suas condições de vida pessoal e familiar a que estava adstrito, a que acresce o facto dessa alteração afectar a doença de que o A. sofria.
E não se diga que o A. não invocou que a mudança lhe causava prejuízo sério, é que as suas cartas evidenciam bem como a sua transferência definitiva o afectou, determinando até sucessivas baixas médicas, e só aceitou as deslocações que fez por pensar que as mesmas tinham sido ordenadas ao abrigo do nº 2 da cls. 3ª do contrato de trabalho.
Aliás, face à redacção do nº 1 do art. 24º da LCT, era à Ré que pretendia a transferência definitiva do A. para a Ilha Graciosa que competia alegar e provar que tal transferência não acarretava prejuízo sério ao Autor, como resulta evidente do nº 2 do citado art. 24º da LCT.
Portanto, é de concluir que a entender-se a ordem de transferência para a Graciosa como uma transferência definitiva, deve considerar-se tal ordem como ilegítima por causar prejuízo sério ao trabalhador.
Por outro lado, à luz do Código do Trabalho que estava em vigor quando o A. recusou efectivamente o cumprimento dessa ordem, a situação não se altera, nem a referida ordem se torna legítima. No âmbito deste Código, manteve-se o princípio geral da inamovibilidade do trabalhador relativamente ao local de trabalho, expressa na al. f) do art. 122º do CT, segundo a qual «é proibido ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou quando haja acordo». Este princípio assenta da ideia de que o local de trabalho é “um centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador” ([4]), sendo um elemento determinador das condições concretas da organização da vida do trabalhador, fazendo parte do conteúdo da própria prestação contratual devida.
O princípio da inamovibilidade sofre, porém, os desvios decorrentes dos art. 315º e 316º do CT. E no caso da transferência individual, em termos definitivos, o art. 315º nº 1 do CT permite-a desde que não cause prejuízo sério ao trabalhador. Ou seja, como diz Monteiro Fernandes ([5]), “em qualquer dos quadros legais (LCT ou CT), subsiste a inadmissibilidade de imposição de uma transferência individual quando dela possa esperar-se “prejuízo sério” para o trabalhador. Se as circunstâncias do caso concreto apontarem nessa direcção, a lei atribui prevalência ao interesse do trabalhador na estabilidade geográfica da sua actividade”.
No mesmo sentido, Júlio Gomes[9] ao afirmar que “tratando-se de transferência individual a lei só concede à entidade patronal aquele poder quando a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador. O prejuízo sério é, para nós, um prejuízo que não lhe é exigível suportar” ([6]).
Este autor refere que “para ponderar adequadamente o sacrifício do trabalhador impõe-se atender em concreto ao aumento das deslocações, aos meios de transporte disponíveis para o antigo e para o novo trajecto, ao tempo das deslocações, mas também à idade do trabalhador, aos seus problemas pessoais familiares e de saúde, à assistência que deve prestar aos filhos e a familiares doentes. No essencial estes factores devem ser ponderados, até por razões de boa fé” ([7]).
Ora, no caso vertente, a transferência do recorrido do Continente para a ilha Graciosa, importa um evidente prejuízo sério para o trabalhador pela necessária alteração substancial que implicava na sua vida pessoal, familiar e social, não sendo exigível que o Autor suportasse tal alteração, face às circunstancias concretas da sua vida, atendendo à sua idade, família, doença e meio social em que estava inserido.
Sendo a ordem de transferência ilegítima, o Recorrido não lhe devia acatamento, nos termos dos art. 121º nº 1 al. d) do Código do Trabalho, razão pela qual não cometeu as infracções de desobediência e de faltas injustificadas que lhe foram imputadas na nota de culpa e na decisão final do processo disciplinar, sendo, por isso, ilícito o seu despedimento.
Despedimento este que se presume abusivo, nos termos do previstos no art. 374º nº 1 al. b) e nº 2 do C. T., conforme explica a sentença recorrida, ficando o empregador obrigado a indemnizar o trabalhador nos termos do nº 4 do art. 439º, ex vi art. 375º nº 2 ambos do C.T, ou seja, a pagar uma indemnização, em substituição da reintegração, que será calculada entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades.
E, no caso concreto, concorda-se que essa indemnização seja fixada em 50 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, como fez a sentença recorrida, valor que se nos afigura adequado face ao valor da retribuição auferida e, sobretudo, ao grau de ilicitude revelado pela Recorrente que durante mais de dois anos, e apesar dos apelos do Recorrido, persistiu na ordem ilegal de enviar o A. para os Açores.
São também devidos os salários de tramitação, conforme consta da sentença.
Esclarece-se, contudo, que a confirmar-se o facto alegado pela Recorrente nas suas alegações de que o Autor passou à reforma em Abril ou Maio de 2007, esses salários só serão devidos até à data da reforma do Autor, uma vez que a partir dessa data cessa a obrigação do empregador pagar salários.
Quanto aos restantes créditos devidos ao Autor, cremos que a sentença fez um correcto apuramento dos mesmos, pelo que se remete para a respectiva fundamentação.
Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, está provado que existem alguns danos merecedores da tutela jurídica que tiveram a sua origem na pretensão da Recorrente em enviar a todo o custo o Autor para os Açores, persistindo nessa ideia durante mais de dois, mostrando-se insensível à situação de doença em que o A. se encontrava. Assim, verificando-se os pressupostos dos art. 483º e 496º do Código Civil, justifica-se a condenação da recorrente na indemnização de € 1.500,00 fixada na sentença recorrida.
Nestes termos, improcedem todas as conclusões do recurso, sendo de confirmar a sentença na íntegra.
Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
[1] Cfr. Meneses Cordeiro, Tratado de Dir. Civil Português, I, Parte Geral T. 1, pag. 483, Mota Pinto, Teoria Geral, 2ª ed. pag. 445 e Manuel Andrade, Teoria Geral, 3ª reimpressão, vol. 2, pag. 311. [2] Cfr. Júlio Gomes, em “Revista de Direito e de Estudos Sociais” – Ano XXXIII – Janeiro a Junho – 1991, pagª 86. [3] Publicado na CJ-STJ, Vol. III, pagª 290. [4] Direito do Trabalho, 12ª ed. pag. 418. [5] Direito do Trabalho, 12ª ed. pag. 424. [6] No mesmo sentido, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, pag. 636-644 [7] Ob. Cit. Pag. 642, nota 1644.