INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO
CONTA BANCÁRIA
CÔNJUGE
REGIME DE SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS
SONEGAÇÃO DE BENS
Sumário

1. Aos reclamantes cabe fundamentar e juntar prova com o requerimento de reclamação e com a resposta à audição da cabeça de casal sobre a matéria, não podendo, ao verem soçobrar a sua tese imputar ao Tribunal falta de zelo ou omissão do exercício do poder oficioso de indagação.
2.Os agravantes não colocaram em crise a adequação das diligências de averiguação efectuadas pelo tribunal junto dos bancos, nem impugnaram o seu conteúdo, estando também nos autos as declarações fiscais da cabeça de casal e outros documentos, que atenta a natureza específica deste segmento da reclamação à relação de bens, não se vislumbra que outra prova pudesse o Tribunal oficiosamente agremiar.
3. Na conta solidária/conjunta e no que toca às relações entre os titulares e o banco vale a presunção do art.º 516 do Cód. Civil, no que respeita à repartição do saldo, presumindo-se que todos os titulares participam em partes iguais no saldo, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, podendo a presunção ser ilidida nos termos gerais.
4. Os agravantes, com vista a contrariarem tal presunção refugiam-se unicamente numa dedução lógica, argumentando que tendo a cabeça de casal sido empregada do inventariado antes do casamento, celebrado com este por imperativo legal em regime de separação de bens, e não lhe sendo conhecidos rendimentos próprios, o dinheiro das contas são da pertença e esforço económico exclusivos do inventariado.
5. A cabeça de casal e o inventariado estiveram casados desde 1955 até ao momento da sua morte ocorrida em 2003, e não obstante, seguindo as regras da experiência comum, o regime de separação de bens, mantiveram trato comum, dividindo e usufruindo conjuntamente meios e bens de cada um, poupando e investindo no interesse do casal; por fim, reforça o artº1736, nº2, do CCivil que, na dúvida da propriedade exclusiva de bens móveis, presume - se como pertencentes em compropriedade, no regime de separação de bens.
6.Nada obsta a que o inventariado prodigalizasse em vida ao seu cônjuge bens e valores monetários pela forma que lhe aprouvesse, e nessa medida, a cabeça de casal adquirisse a propriedade deles, designadamente, os valores em depósito bancário.
7. Tratando-se de contas solidárias assistia à viúva legitimidade para as movimentar após o decesso do marido, para que mais não fosse, para acudir a despesas hospitalares, saldar despesas com o acto fúnebre, ou, outros débitos de economia doméstica, sem que isso, até no contexto posterior da sua actuação processual permita retirar o juízo de censura própria da sonegação de bens.

(sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam em conferência os Juízes da 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa. 

I – RELATÓRIO

A, B e C, no decurso dos autos de inventário por óbito de D, ocorrido em 6 de Junho de 2004, não tendo expressado declaração de última vontade, no estado de casado com E, com quem foi casado em regime de separação de bens, suscitaram incidente de reclamação da relação de bens por aquela apresentada, na qualidade de cabeça de casal.
O Tribunal decidiu parcialmente a reclamação, considerando no tocante aos valores das duas contas bancárias em questão, por virtude de se encontrarem na co-titularidade do inventariado e da cabeça de casal à data do óbito, [1]ser devido o relacionamento de metade do respectivo valor, não tendo os reclamantes e interessados logrado ilidir a presunção legal do disposto no artº516 do CCivil, devendo, em consequência, a cabeça de casal apresentar nova relação de bens incluindo o valor total das contas. [2]  
 Sobre esta decisão recaiu recurso por parte dos interessados reclamantes que foi adequadamente admitido como de agravo, com subida imediata, em separado, e efeito meramente devolutivo.
Culminaram as suas alegações com as seguintes conclusões:
 A) Andou mal o Tribunal a quo na sua decisão que ora se coloca em crise, tendo em conta, por um lado, não só que existiam elementos no processo que podiam/deviam ter sido levados em linha de conta com vista a relacionar a metade do saldo constante nas citadas contas bancárias dos autos, como, por outro, a decisão recorrida não ter atendido a diversos preceitos legais, de natureza substantiva e adjectiva, que necessariamente implicariam consequências jurídicas relevantes, designadamente a sanção prevista na lei para a sonegação de bens por parte de um dos herdeiros.
B) Como consta do assento de casamento do inventariado D este foi casado com a ora Agravada/cabeça de casal no regime imperativo da separação de bens;
C) Foi junta aos autos certidão da relação de bens por morte do inventariado D apresentada pela Agravada/cabeça de casal no Serviço de Finanças competente em 01 de Julho de 2003, na qual se comprova a omissão por parte daquela da indicação dos citados saldos de contas bancárias, fosse a totalidade, fosse apenas a metade que dissesse respeitante ao falecido;
D) Foram juntos diversos extractos de movimentos de contas emitidos pelo Banco…;
E) Foi junto relatório clínico do Instituto …, datado de 21.05.2004 onde se pode ler que o inventariado faleceu à 11h45 do dia 04/06/2003 na sequência do quadro clínico melhor descrito a fls. 177 dos autos de apenso;
F) Inquiridas as testemunhas no âmbito da providência cautelar de arrolamento foi proferida decisão quanto à matéria de facto, na qual ficou provado, entre outros factos, que: a) a transferência bancária referida no ponto 19 não foi efectuada por D; b) a requerida E, antes de casar, era tida por pessoa modesta, tendo chegado a ser empregada do falecido D (cf. fls. 306 a 320 dos autos de apenso – 2º volume);
G) Consta dos autos um ofício do Serviço de Finanças do S…, que anexa a declaração de IRS da Agravada/cabeça de casal de 2003 e respectivos anexos A (Pensões) e H (Benefícios Fiscais e Deduções), na qual se comprova a inexistência de rendimentos por parte da cabeça de casal que a permitissem aprovisionar as citadas contas com elevadas quantias em dinheiro;
H) Consta dos autos um ofício do Serviço de Finanças de A…, que anexa as declaração de IRS da Agravada/cabeça de casal dos anos de 2000,2001 e 2002, na qual se comprova, uma vez mais, a inexistência de rendimentos por parte da cabeça de casal que a permitissem aprovisionar as citadas contas com elevadas quantias em dinheiro;
I) Consta dos autos de apenso o ofício do Banco… de 13.08.2004 que informa que a conta de depósitos a prazo nº…  (que está associada à conta D. à ordem nº …), é titulada pela requerida E;
J) Na oposição deduzida à providência cautelar de arrolamento pela ora Agravada/cabeça de casal, esta não assume a existência das citadas contas, seja na totalidade, seja mesmo em metade;
K) Em sede de inventário, a cabeça de casal, ora Agravada, apresenta a 1ª relação de bens ao douto Tribunal em que, uma vez mais e conhecedora da existência de uma providência cautelar de arrolamento, omite a existência das citadas contas;
L) Foi apresentada reclamação à dita relação de bens, nos termos do disposto no art.º 1348 do C.P.C., por parte dos interessados A e B, em que suscitam a existência de saldos de contas bancárias por relacionar, remetendo para os autos de arrolamento já existentes;
M) Encontra-se junta aos autos principais liquidação nº …. de 07.08.2003 de D e E onde, conforme nota demonstrativa junta, não há lugar ao pagamento ou reembolso da importância apurada na liquidação de IRS relativa ao ano de 2002;
N) Foi apresentada resposta da cabeça de casal à reclamação apresentada pelos inventariados A e B onde, uma vez mais, omite o saldo da conta bancária do B… e pela primeira vez vem dizer que a quantia respeitante à conta D.O. do Banco e respectiva conta investimento … é uma conta solidária aberta em nome do falecido e da sua esposa, ora cabeça de casal, e que metade do dinheiro dessa conta é propriedade da cabeça de casal, sendo que a outra metade já se encontra arrolada como consta dos autos. Confessando assim a ora Agravada que omitira às sucessivas relações de bens (Finanças e Tribunal) e sonegara aos restantes herdeiros a metade do saldo dessa conta…;
O) Posteriormente e porque a tal fora obrigada, veio a Agravada/ cabeça de casal em 10.05.2006, mais de 3 anos após o falecimento do inventariado, reconhecer pela primeira vez a existência de dinheiro no Banco … e adita à relação de bens a quantia de € 148.624,92 do Banco…e € 149.694,75 do Banco…;
P) Por requerimento de 31.05.2006 vieram os ora Agravantes pedir que relativamente à conta D.O. nº …. do Banco fosse aditada à relação de bens a quantia de € 320.617,57 e não apenas os € 148.624,91 como a cabeça de casal pretendia e a sua notificação para vir aos autos juntar cópias dos extractos da conta nº …. de que é titular no Banco…. desde 04.06.2003 e que mandasse notificar o Banco… para prestar as informações necessárias, mais requerendo ao Tribunal que fosse dado cumprimento ao disposto no nº 1 do art.º 2096 do Código Civil;
Q) Veio então o Banco… no seu ofício de 16.10.2006 juntar provas documentais que ilustram bem o comportamento tido pela cabeça de casal, nomeadamente a instrução dada em 03.06.2003 pelas 15:42:08, para transferir € 299.298,33 para a conta nº….;
R) Constam ainda dos autos cópia dos extractos do Banco … referentes à conta nº … da cabeça de casal;
S) Bem como o ofício do Banco… de 14.06.2007 (cf. fls. 827 a 847 dos autos principais – 4º volume);
T) Ficou assim demonstrado nos autos que a Agravada não tinha direito a metade do saldo das contas bancárias existente em nome do inventariado D, seja porque era casada no regime imperativo da separação de bens, seja porque não dispunha de rendimentos próprios que lhe permitissem provisionar as mesmas com tão elevadas quantias em dinheiro, elidindo-se assim a presunção prevista no art. 516 do C.Civil.
U) Com efeito, esta presunção legal, ao contrário do que refere a douta sentença, foi elidida, bastando para tal atentar nas várias informações fornecidas aos autos pela administração fiscal que o Tribunal a quo simplesmente ignorou, já para não falar nos testemunhos constantes nos autos de providência cautelar de arrolamento que correm por apenso.
V) Mais, mesmo que entendamos que com a reclamação à relação de bens deveria ter sido indicada novamente prova testemunhal (não olvidando que o n.º 1 do art.º 1348 do C.P.C. que permite a reclamação aos interessados não prevê a obrigação de indicação imediata de prova, apenas tal acontece no nº 3 do art.º 1349 do mesmo diploma para a resposta à reclamação), ainda assim o Tribunal a quo podia e devia ter decidido de modo diferente.
X) Prevê o art.º 1350 do C.P.C. que tem como epígrafe INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS PARA DECIDIR DAS RECLAMAÇÕES que:“1. Quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente, nos termos do n.º 2 do artigo 1336.º, a decisão incidental das reclamações previstas no artigo anterior, o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns.
2. (…)
3. Pode ainda o juiz, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às acções competentes, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 1336.º”.
W) Assim, caso o Tribunal entendesse que as provas existentes fossem insuficientes poderia/deveria remeter as partes para os meios comuns onde poderiam discutir se a Agravada teria direito ou não a metade do saldo das contas bancárias, o que não fez.
Y) Mais, o Tribunal a quo mal andou quando não deu cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 1344 do C.P.C. quando refere “ (…) efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, é a questão decidida (…).
Por outras palavras, o Tribunal não só tinha o poder como a obrigação de, caso entendesse não estar esclarecido quanto à legitimidade da Agravada para deter metade do saldo das contas bancárias, determinar as diligências de prova que se afigurassem necessárias, o que também não fez.
Z) Mas o Tribunal a quo violou ainda outras disposições legais. Desde logo o n.º 4 do art.º 1349 do C.P.C, e o n.º 1 do art.º 2096 do Código Civil no que toca à sonegação de bens da herança e respectivas consequências.
AA) Deste modo, existindo de forma mais que suficiente prova nos autos de que a cabeça de casal, ora Agravada, sonegou bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, e isto durante mais de 3 anos, deveria o Tribunal a quo aplicar a lei civil, o que também não fez.
AB) Ao decidir em contrário violou a decisão recorrida os art.º 342, 516, 2024, 2025 e 2096, nº 1 do Código Civil e arts. 1344, nº 2, 1348, nº 1, 1349, nsº 3 e 4 e 1350, todos do C.P.C. 
A final, solicitam que seja revogada a decisão no que à parte dos saldos das contas bancárias citadas concerne, ordenando a inclusão da totalidade das mesmas na relação de bens dos autos, e aplicando à cabeça de casal as consequências previstas no art.º 2096, nº 1 do Código Civil pela sonegação de bens à herança.                       
A cabeça de casal, em resposta, infirmou cada um dos argumentos dos agravantes e pugnou pela manutenção do julgado.                             A Srª.Juiz sustentou tabelarmente o despacho recorrido.
Cumpridos os vistos, nada obsta ao conhecimento do mérito.
II – OS FACTOS
Ao que importa, o que já acima se relatou e a decisão recorrida para cujo conteúdo sintetizado no relatório se remete (artº713, nº6 do CPC).
Releva-se, porém, para a decisão a seguinte factualidade assente:
- A inventariada era co-titular com o seu marido e ora inventariado em ambas as contas bancárias identificadas;
- Estas contas apresentavam à data da morte do inventariado os saldos, respectivamente, de Euros 320.617,57 na conta à ordem nº…. da agência de S… do Banco, e na conta nº…, relacionada com a conta à ordem nº… do Banco…, a quantia de Euros 229.298,33;     
- A cabeça de casal, em 6/4/2003, procedeu à transferência integral da quantia depositada na primeira das referidas contas, para outra conta de que aquela é exclusiva titular com o nº ….;
- A cabeça de casal em resposta à reclamação à relação de bens veio relacionar, em aditamento, a quantia de Euros 148.624,92 da conta Banco….. 
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Por organização de raciocínio, convém partir da premissa consabida, segundo a qual, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões dos recorrentes, importando conhecer das questões nelas colocadas, à parte das que exijam apreciação oficiosa – artº684, nº3 e 690 do CPC.
Em tal enquadramento a discussão jurídica dos autos reclama a apreciação dos pontos seguintes:
· Os reclamantes fizeram prova e, ou, o Tribunal oficiosamente deveria ter diligenciado no sentido de apurar da origem das verbas existentes nas contas bancárias que, para eles, eram da integral propriedade do inventariado por não ter a cabeça de casal quaisquer rendimentos que justificasse a sua provisão com metade de tais valores? 
· Ainda assim, a cabeça de casal sempre deverá ser sancionada a título de sonegação de bens à herança ao ter omitido os referidos saldos bancários?
Façamos uma sinopse geral da matéria.
Notificada a parte contrária da apresentação da relação de bens podem os interessados requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados -artº1348, nº1 do CPC [3] e poderão ainda ser apresentadas reclamações contra a relação de bens posteriormente de acordo com o nº6 do mesmo normativo.
Entrando agora na matéria propriamente do recurso de agravo, segundo a qual, foi determinado na decisão agravada que os valores das ditas contas bancárias deverão corresponder aos saldos existentes à data da abertura da sucessão, ou seja, a data de verificação do óbito do inventariado.
A data do óbito e a abertura da sucessão.
É incontornável o teor do disposto no artº2031 do CCivil, segundo o qual, a sucessão abre - se no momento da morte do seu autor.
Todavia, tal instituto não elimina a possibilidade de se vir a verificar que o acervo hereditário do autor da sucessão foi objecto de subtracção, ocultação, sonegação ou outra manobra indevida, que prejudica necessariamente a partilha entre todos os interessados que se pretende justa e de acordo com o respectivo título e qualidade sucessória.
Daí a reclamação à relação de bens (tantas vezes remontando a acções de terceiros sobre o património do defunto em data anterior ao seu decesso) na situação por demais recorrente, as contas bancárias que, também, habitualmente, e por tradição ou salvaguarda do fisco, continuam preferencialmente a serem abertas em co-titularidade e em solidariedade de movimentação.
De resto, a instauração de inventário facultativo pressupõe a falta de acordo dos interessados na partilha amigável da herança (artº 2102, nº 1 do CC), e o processo de inventário terá que prosseguir a finalidade de, “uma partilha justa, que se baseie numa situação real e verdadeira", tendo o juiz, por isso, "uma larga iniciativa, uma ampla actuação, podendo, sempre que assim o entenda, proceder às diligências que julgar convenientes e obter todos os esclarecimentos que reputar de necessários. [4]
A determinação do acervo da herança será pressuposto indispensável à justeza da partilha e o incidente de acusação de falta de bens, previsto no artº 1342 do CPC, constitui um dos meios adequados para o efeito.
       Neste conspecto, a despeito de tal incidente se integrar na fase contenciosa do processo e, assim, sujeito, à partida, aos princípios do dispositivo e do contraditório, a lei faculta, expressamente, ao juiz a possibilidade de mandar proceder às diligências tidas como imprescindíveis à resolução por via sumária do incidente, o que, maugrado, os reclamantes discordarem, sucedeu no caso dos autos, conforme ofícios enviados pelo Tribunal às respectivas entendidas bancárias.
Ora, os agravantes não colocam em crise a adequação das diligências de averiguação efectuadas junto dos bancos, nem impugnaram o seu conteúdo e dessa forma a situação exacta das contas condiciona a decisão do incidente e, consequentemente, a determinação do património do inventariado. Ademais, estão nos autos as declarações fiscais da cabeça de casal e demais documentos que os reclamantes entenderam por bem anexar, pelo que, considerando o conteúdo e natureza específica deste segmento da reclamação (a titularidade dos depósitos bancários), não se vislumbra, que outra prova pudesse o Tribunal oficiosamente agremiar.
Por fim, cabe sublinhar que os reclamantes devem fundamentar e juntar prova com o requerimento de reclamação e com a resposta à audição da cabeça de casal sobre a matéria, conforme dispõem o artº 1344 nº2, do CPC ex vi artº1348 do CPC.     
Não podem, deste modo e tempo processual, ao verem soçobrar a sua tese imputar ao Tribunal falta de zelo ou omissão do exercício do poder oficioso de indagação, posto que, os agravantes não solicitaram ou sugeriram ao Tribunal a recolha de outras provas.   
Passemos à segunda parte do primeiro ponto.
Face às provas produzidas, o Tribunal avaliou incorrectamente os factos?
Atalhando caminho, é mister concluir que a decisão da reclamação pauta-se pela completa transparência dos meios utilizados na convicção do julgador e, de forma ordenada, veio a considerar a inexistência de prova que afaste a presunção legal estabelecida no artº516 do CCivil, qual seja, a de que em regime de solidariedade nos créditos, entende-se a participação, dos credores, em princípio, em partes iguais.
Senão, pormenorizemos.
O depósito bancário, depósito feito em um banco por um cliente, está sujeito às regras do depósito mercantil (art.ºs 403º a 407º do Cód. Com.), e mais disposições aplicáveis, subsidiariamente pelos estatutos e pelos usos mercantis bancários, destacando-se o disposto nos art.ºs 1142 e 1144 do Cód. Civil.
O que mostra que o contrato de depósito bancário é, quanto à sua constituição, um contrato real quoad effectum, sem deixar de ser simultaneamente um contrato obrigacional quoad effectum, com o depositante a gozar do direito de crédito à restituição de tantundem eiusdem generis (crédito de valuta a que se aplica o princípio do nominalismo - art.º 550 do Cód. Civil).
Como sabemos, o depósito bancário constitui um depósito irregular, ao qual se aplicam as regras do mútuo na medida do possível, por meio do qual a posse e a propriedade do dinheiro depositado pelo cliente se transferem para o banco que recebeu o depósito, ficando o cliente depositário com um direito de crédito sobre o banco de outro tanto da soma depositada . [5] Quanto à titularidade das contas, as contas colectivas podem ser conjuntas, solidárias, ou mistas.
No caso dos autos as duas contas em destaque eram solidárias, ou seja, podiam ser movimentadas, tanto a crédito como a débito, por qualquer dos titulares, o inventariado, ou, pela sua mulher, sozinhos livremente, qualquer deles podia fazer levantamentos e o banqueiro exonera-se, no limite, entregando a totalidade do depósito a um único dos titulares.
E o saldo deste tipo de contas a quem pertence?
No que respeita à atribuição do saldo (direito de crédito sobre o banco), e não, portanto, da propriedade das quantias depositadas, face ao que se deixou dito, na conta conjunta vale integralmente a presunção do art. 1403, n.º 2 do Cód. Civil ex vi art.º 1404 do mesmo Código, pelo que, os direitos de crédito dos titulares da conta sobre as quotas do respectivo saldo se presumem quantitativamente iguais,[6] na falta de indicação do título constitutivo. Na conta solidária/conjunta e no que toca às relações entre os titulares e o banco vale a presunção do art.º 516 do Cód. Civil, no que respeita à repartição do saldo, presumindo-se, pois, que [7] todos os titulares participam em partes iguais no saldo, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, podendo a presunção ser ilidida nos termos gerais.
Neste âmbito os reclamantes e ora agravantes, com vista a contrariarem tal presunção refugiam-se unicamente numa dedução lógica, algo preconceituosa, salvo o devido respeito, argumentando que tendo a cabeça de casal sido empregada do inventariado antes do casamento, celebrado com este por imperativo legal em regime de separação de bens, e não lhe sendo conhecidos rendimentos próprios, o dinheiro das contas são da pertença e esforço económico exclusivos do inventariado, sem que, maugrado demonstrassem tal facto.
Nos termos do artº 342 do CCivil: “ 1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.” E, dispõe o artº 344 do CCivil:
“1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.
2. E no art. 349º CC: Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.Por seu turno, estipula o artº350 do mesmo diploma legal que, “ Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
A presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido, e se chega a um facto desconhecido.
As presunções legais, ou seja, aquelas que têm assento na própria lei, comprometem de algum modo, a liberdade de apreciação do julgador.
A prova por presunções não tem autonomia processual. A presunção assenta sobre uma base (um facto) que tem de ser provada. E a prova deste facto há-de ser feita por qualquer dos procedimentos probatórios regulados na lei processual (documentos, arbitramentos, testemunhas ou inspecção judicial). A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção.
Dito isto, e considerando que a prova por presunção (exceptuado o caso das presunções iuris et de iure), admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário, bem como a contraprova, dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou ou o direito presumido não existe. Observe-se no que ao caso em apreço importa, que as declarações fiscais, não são demonstrativas, só por si, da ausência de rendimentos da cabeça de casal para deter metade do capital as contas bancárias com o seu marido. Bastará realçar que este casamento com o inventariado durou desde 1955 até ao momento da sua morte ocorrida em 2003 (cerca de 5 décadas), e não obstante, seguindo as regras da experiência comum, o regime de separação de bens, mantiveram trato comum, dividindo e usufruindo conjuntamente meios e bens de  cada um, poupando e investindo no interesse do casal; por fim, reforça  o artº1736, nº2, do CCivil que, na dúvida da propriedade exclusiva de bens móveis, presume-se como pertencentes em compropriedade, no regime de separação de bens.
Acresce que, nada obsta a que o inventariado prodigalizasse em vida ao seu cônjuge bens e valores monetários pela forma que lhe aprouvesse, e nessa medida, a cabeça de casal adquirisse a propriedade deles, designadamente, os valores em depósito bancário!   
Em suma, a decisão não merece reparo no que concerne ao ponto 1.
Finalmente, propugnam pelo sancionamento da cabeça de casal por ocultação de bens já que não relacionou desde logo esses valores e outros bens.
Liminarmente, isto é de per si insuficiente para podermos dizer que a recorrida procurou ocultar os saldos bancários em questão, pois que, os recorrentes sempre tiveram possibilidade de discutir e afirmar a sua existência, como acabou por acontecer e a cabeça de casal apresentou aditamento de uma delas, e já após a decisão recorrida determinar o relacionamento de ½ das contas bancárias e de outros bens, tomou a atitude de se conformar com o julgado, não manifestando, pois, atitude de má-fé ou manobra de persistência processual impeditiva do bom andamento dos autos. Convém ainda lembrar, que tratando-se de contas solidárias, assistia à viúva legitimidade para as movimentar após o decesso do marido, para que mais não fosse, para acudir a despesas hospitalares , saldar despesas com  o acto fúnebre, ou, outros débitos de economia doméstica, sem que isso, quer no contexto posterior da sua actuação, como vimos, permita retirar o juízo de censura própria da sonegação de bens.
Em síntese, a descrita situação não determina a imposição de cominação enquadrada como de sonegação. Não se verifica, pois, qualquer automatismo entre a discussão da natureza de um bem e a sonegação do mesmo no processo de inventário.   
IV – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo, mantendo-se o decidido nos seus precisos termos.
Custas a cargo dos recorrentes.                       

                                   Lisboa, 17 de Março de 2009  

                                                      Isabel Salgado

                                                      Conceição Saavedra

                                                      Cristina Coelho

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[1] Ou seja que os valores monetários relacionados sob aquela verba foram relacionados pelo montante dos saldos existentes à data de morte do inventariado, na proporção de ½, como deviam.
[2] O referido despacho consta a fls.892 a 906 dos autos.
[3] Ex vi artº 1404, nº3 do CPC.
[4] V.Ac.STJ de 16/10/76 in BMJ 260, pag.113.
[5] Cfr.João Calvão da Silva, Direito Bancário, Liv. Almedina, Coimbra – 2001, pág. 348.
[6] Presunção juris tantum. V. Calvão da Silva na obra citada, pág. 345.
[7] Presunção fundada no id quod plerumque accidit, de que o depósito foi feito com dinheiro, por igual, dos titulares, e é uma presunção que funciona para o caso de haver dúvida ou para o caso de ser impossível estabelecer outra presunção. Tal presunção será ilidida se provar que o dinheiro do depósito provém da exclusiva propriedade de um dos titulares e de não se provar o motivo de abertura da conta em regime de solidariedade activa. Vd. Vaz Serra, RLJ Ano 105 pág. 118; Ac. do STJ de 27-01-1998 in CJ, Ano VI, tomo 1, pág. 42.