USUCAPIÃO
REQUISITOS
REGISTO PREDIAL
Sumário

I - Por escritura pública realizada em 1960, o marido e pai dos RR comprou aos pais dos AA e a terceiro, metade indivisa de uma propriedade. A propriedade em causa achava-se fisicamente dividida em duas partes, com áreas não correspondentes, e logo após a escritura, por consenso entre todos, a R e seu falecido marido passaram a viver na parte com maior área e os pais dos AA na outra.
II – Por assim ser, a compropriedade foi logo consensualmente ultrapassada com uma divisão de coisa comum, que embora formalmente inválida - por isso, não podendo conduzir a uma posse titulada, cfr art 1259º CC - implicou o abandono da posse por parte dos pais dos AA relativamente à parte atribuída aos outros (iniciais) comproprietários, e a aquisição de nova posse por estes, por apossamento, relativamente a esta parte.
III- Não está aqui em causa uma aquisição da posse resultante de inversão do título de posse, nos termos do art 1406º/1 CC, até porque a mesma pressuporia o que não terá ocorrido nos autos, isto é, que alguma vez, uns e outros tivessem exercido em conjunto a posse de toda a propriedade, e nesse comum uso se tivessem autolimitado e compatibilizado.
IV- Na inversão do título de posse, há uma conduta unilateral e usurpatória contra os demais consortes, que na situação dos autos não houve.
V- Houve logo uso exclusivo e excludente da compropriedade, na sequência do acordo de divisão da coisa comum, e, consequentemente, logo corpus e animus correspondentes aos de proprietário exclusivo.
VI -Esta posse exclusiva e em nome próprio, pacifica e pública, ainda que não titulada, mas inequívocamente de boa fé (pois que desde o seu início, a R e seu falecido marido estavam necessariamente convictos de que exerciam um direito próprio na sequência da divisão que fizeram com os pais dos AA da propriedade) conduziu no prazo há muito decorrido de 15 anos (art 1296º/1ª parte CC), à usucapião invocada pelos RR.
(TA)

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Elisa e José, intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Maria, Marília e marido, António, e Maria Helena  e marido, Carlos,  pedindo a anulação do  registo da descrição predial n.º ... da freguesia de S. Martinho, descrevendo-se o imóvel mencionado com base na caderneta predial inscrita sob o artigo ... da dita freguesia de S. Martinho por ter sido esse o prédio adquirido pelo antecessor dos proprietários inscritos sob o G-l, e que esse registo de ‘aquisição” seja rectificado, no sentido de só caber aos RR a metade indivisa do dito prédio, e a cada um dos requerentes 1/4 do mesmo.
Alegaram que estes, com base numa escritura de habilitação, descreveram o referido prédio urbano, que já possuíam, e que constituía somente metade indivisa do prédio mais amplo, com uma área de logradouro superior àquela a que tinham direito, tendo-lhe, para o efeito, atribuído um novo artigo urbano, o n.º ...., com o que criaram uma nova caderneta predial. E com base nessa caderneta – que deve ser declarada como falsa- descreveram a sua metade indivisa como uma descrição autónoma. Alegam ainda que, eles, AA, fizeram descrever o prédio urbano sob o nº ... da freguesia de S. Martinho e fazendo o trato sucessivo, registaram a aquisição de metade indivisa do prédio, atrás identificado, primeiro a favor do seu antecessor, António José e mulher, CC, que também usava, CAP, e depois, registaram a aquisição, por sucessão hereditária da referida metade indivisa, a seu favor, ficando assim o prédio em causa, registado parcialmente em duplicado, por duplicação de cadernetas e de registos. Pediram a anulação do registo da descrição predial nº ... descrevendo-se o imóvel mencionado com base na caderneta predial inscrita sob o nº ... e a rectificação do registo de aquisição dos RR no sentido de só lhes caber a metade indivisa do referido prédio e a cada uma dos AA ¼ dessa metade indivisa.
Os RR contestaram e apresentaram pedido reconvencional.
Contestaram por excepções (incompatibilidade dos pedidos e erro na forma de processo), e por impugnação, alegando que na freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, existia um prédio urbano de rés do chão para habitação com, uma dependência, não descrito na Conservatória do Registo Predial e inscrito na respectiva matriz sob o art.º ..., que se encontrava dividido em duas partes, por um muro de pedra solta, encimado por arame farpado e por uma sebe de silvas, compondo-se, uma delas, de casa de habitação e logradouro, e a outra, de dependência e logradouro. Por escritura de compra e venda outorgada em 10/02/60 ficou determinado que o prédio seria ocupado, e que a parte da dependência e logradouro ficaria atribuída aos AA, e a parte da habitação e logradouro ficaria atribuída aos RR, alegando subsequentemente que cada uma das partes é assim ocupada pacificamente desde 1960 pelos outorgantes das referidas escrituras e seus descendentes. Em consequência do alegado, e em sede de pedido reconvencional, alegam que adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o art.º 3560 da freguesia de S. Martinho e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., constatando-se o animus e o corpus, bem como os requisitos da posse, a boa  fé, a publicidade, a continuidade, a pacificidade, o tempo necessário a tal e ainda a inversão do título de posse. Pelo que consideram que deve a acção ser julgada improcedente, sendo eles absolvidos do pedido e sendo a reconvenção julgada procedente e, em consequência, reconhecer-se que eles adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio descrito sob o nº ...., com as legais consequências.
 
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as excepções invocadas pelos RR.
Oficiosamente foi determinada a apresentação de novo articulado com alterações dos pedidos, tendo os AA apresentado nova petição pedindo a anulação do registo da descrição predial n.º ... da freguesia de S. Martinho, descrevendo-se o imóvel mencionado, com base na caderneta predial inscrita sob o artigo ... da dita freguesia de S. Martinho, que foi o prédio adquirido pelo antecessor dos proprietários inscritos sob o G-l, e que esse registo de ‘aquisição” seja rectificado, no sentido de só lhes caber a metade indivisa do dito prédio, e a cada um dos requerentes 1/4 do mesmo. E, para se evitar uma duplicação de descrições prediais, deve igualmente, a descrição predial nº ..., atrás referida, ser anulada com a criação da nova descrição predial, respeitando-se o trato sucessivo com base na caderneta predial urbana nº ... da freguesia de S. Martinho.
 
Procedeu-se à selecção da matéria de facto, e, realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual se julgou a acção parcialmente procedente, e totalmente procedente a reconvenção, sendo decidido: A) Declarar nulo o registo com a designação G... efectuado na descrição nº ...  de 28/7/98 da CRP relativa ao prédio urbano N casa de R/C habitação A.C.51 m 2, Autor D.197 m2, determinando o seu cancelamento e a inutilização da respectiva descrição; B) Julgar improcedente o pedido de anulação da descrição com o nº ... da CRP; C) Condenar os AA a reconhecerem que os RR são legítimos proprietários da casa de res-do-chão, para habitação, com a área coberta de 51 m 2 e descoberta de 197 m 2, sita N, freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, que integra o prédio urbano descrito na CRP sob o nº ....

II - Do assim decidido, apelaram os AA, que concluíram do seguinte modo:
1- Os RR reconvintes e os seus antecessores sempre tiveram a plena convicção de que, do prédio urbano com respectivas áreas coberta e descoberta, com 315 m2 de área total, só lhes cabia metade indivisa, com a área de 157,50 m2;
2- E não a área de 248 m2 (51 m2 - 197 m2), de que se pretendem apropriar, tendo para o efeito, criado uma nova caderneta predial, com o nº ..., quando o prédio indiviso já possuía o artigo ..., e com base nessa nova caderneta, "habilidosamente" criada, e numa escritura de habilitação, descreveram a sua metade indivisa, com uma descrição autónoma (alínea I) dos factos assentes).
3- Tendo usado capciosamente dessa "habilidade, jamais poderiam ter a convicção, ou melhor "o animus" de que ao ocuparem essa área, bem maior da que corresponderia à sua legítima metade indivisa, estavam a actuar sempre, na convicção de serem donos, senhores e proprietários exclusivos do prédio identificado no art 5º da Base Instrutória (com 51 m2 de área coberta e 197 m2 de área descoberta, no total de 248 m2).
 4- Até porque, quando começaram a realizar obras nessa parte da casa, logo os autores protestaram, e apresentaram reclamações, junto da Câmara Municipal de Sintra (art. 21º da Base Instrutória). Ora;
5- "O uso da coisa comum, por um dos comproprietários, não constitui posse exclusiva, ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão de título"(Ac. do STJ de 08.11.2007, 1) Ano XV; 2007, Tomo llL pág.   in Col Jur. - Acórdãos do STJ em recurso no qual interviemos, como apelantes).
6- "Tal inversão, pode dar-se por dois meios: - por oposição do detentor do direito, contra aquele, em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro, capaz de transferir a posse" (mesmo Acórdão);
7-"A oposição, tem de traduzir-se em actos positivos (materiais ou jurídicos), inequívocos (reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrém) e praticados na presença ou com o consentimento daquela a quem os actos se opõem (mesmo acórdão, 111).
8- Também, como decidiu o recente Acórdão do S.T.J., de 31.01.2007 (www.dgsi.pt ACSTJ) "a reconstrução de uma casa, por parte de um dos comproprietários, durante mais de trinta anos à vista de toda a gente, e de forma continua não constitui posse conducente  à usucapião da mesma parte detida pois, para aquela usucapião se verificar, seria necessária a prova pelo requerido detentor da inversão do título de posse, nos termos dos artigos 1406º/2, 1265º e 1290º do Cód. Civil" (cit. Ac. 11 parte).
9- E, a não intervenção do autor nessa alegada divisão de facto, física do prédio, em que o réu assenta o seu pedido reconvencional, mas que não logrou provar, fez carecer tal pedido da inversão do título de posse primitivo.
10-Sendo aos réus reconvintes, que cabia o ónus da prova da verificação de tal inversão do mesmo título, de acordo com o art 342º nº 2 do Cód. Civil.
11- E, a inversão do título de posse, nos termos do art 1.265º do Cód. Civil, supõe a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse em nome próprio.
12-Também, como decidiu o Ac. do S.T.J. de 02.12.2004 (JS.TJ Dr. Custódio Mendes) "um dos casos típicos de inversão do título de posse é ter havido partilha de facto".
13- O que, manifestamente não houve no caso sub juditio
14- É assim, manifesto, que os réus reconvintes, não demonstraram os factos que evidenciassem, minimamente, a inversão do título, para, a partir daí, começaram a usufruir, e a contar, a posse em nome próprio.
15- Ficando, desta forma, sem efeito, o conhecimento da possibilidade de aquisição do direito de propriedade por usucapião.
16- E, tal operação de divisão do prédio comum, até está em desconformidade com as alegadas normas injuntivas de urbanismo, designadamente do obrigatório loteamento, (Ac. do S. T.J. de 14.10.2004 in Col. Jur. do S.T.J. 179, tomo II, pág. 58).
17- Assim, a douta sentença recorrida, decidindo, como decidiu, violou o disposto nos arts 1406º nº2, 1265º e 1290º todos do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, julgando-se improcedente, por não provado o deduzido pedido reconvencional e, totalmente procedente a acção.

Foram apresentadas contra-alegações em que os RR defendem a manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III - Foram dados como provados  os seguintes factos:
A) Sob a descrição n.º ... da freguesia de S. Martinho, concelho de Sintra, está registado na Conservatória do Registo Predial, um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, para habitação, com a área coberta de 51 m2 e descoberta de 197 m2, sito em N, freguesia de São Martinho, concelho de Sintra; - (alínea A dos factos assentes);
B) Tendo tal imóvel, sido descrito em 28.07.98, como omisso à matriz predial, e, na mesma data, sido inscrito a favor dos réus, em comum, e sem determinação de parte ou direito, por sucessão hereditária, e como herdeiros de V, falecido marido da requerida, Maria. - (alínea B dos factos assentes);
C) Tal prédio constituía um prédio mais amplo, que englobava também a casa e logradouro onde reside a autora. (alínea C dos factos assentes);
D) Tendo falecido o dito V, em 25.09.81, os réus, com base numa escritura de habilitação, descreveram, conforme consta em A), o referido prédio urbano, que já possuíam e que constituía somente metade indivisa do prédio mais amplo, atribuindo-lhe um novo artigo urbano, sob o n.º .... (alínea D dos factos assentes);
E) Esse prédio mais amplo, constituía o artigo urbano n.º ... da freguesia de São Martinho, e era composto, na sua totalidade por “um prédio de rés-do-chão, com a superfície coberta de 49 m2, dependência com 82 m2 e superfície descoberta de 184 m2, num total de 315 m2”; (alínea E dos factos assentes);
F) Esse prédio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de São Martinho, sob o referido artigo ..., estava inscrito, na mencionada matriz, na proporção de metade para o falecido marido da ré Maria, V e metade a favor de António José conhecido por “José M” pai da autora Elisa e do autor José, na proporção de1/4 para cada um; (alínea F dos factos assentes);
G) Com o falecimento do dito António José, ou “José M” em 6.09.1977, os autores, com a escritura de habilitação, registaram na matriz respectiva, a metade indivisa em causa, em seus nomes, na proporção de 1/4 para cada um; (alínea G dos factos assentes);
H) Por escritura pública de 10.02.1960, outorgada a fls. ...do L.º A, do Cartório Notarial o referido V declarou comprar a João e mulher e António José e mulher estes declararam vender-lhe: “metade indivisa de umas casas térreas para habitação, com dependência e logradouro, situadas no mencionado lugar de N, confinando do norte e Nascente com estrada, do sul com herdeiros de AM e do poente com herdeiros de PT, não descrito na Conservatória. …. E inscrito na matriz respectiva sob o artigo … “ . (alínea H dos factos assentes);
I) Em 1998, por o dito prédio não se encontrar descrito na Conservatória do Registo Predial, como se referiu na dita escritura pública, e apenas com o título de habilitação, os requeridos fizeram descrever a casa que habitavam e logradouro, nos precisos termos referidos em A), tendo previamente criado, para o efeito, uma nova caderneta predial, com o n.º ..., sem quaisquer confrontações com um imóvel que já estava inscrito sob o artigo ..., e com base nessa caderneta, e na habilitação referida, descreveram a sua metade indivisa como uma descrição autónoma. (alínea I dos factos assentes);
J) Os autores, com base na escritura de habilitação de 05 de Agosto de 1997, na caderneta predial urbana do artigo ... da freguesia de São Martinho, fizeram descrever o prédio urbano ... da freguesia de S. Martinho, como r/c para habitação, com 49 m2, dependência com 82 m2, e logradouro com 184 m2, confrontando do norte com JSL, sul com AM, nascente com Estrada Municipal e poente com António M – art.º ...– (alínea J dos factos assentes);
K) E, fazendo o trato sucessivo, registaram a aquisição de metade indivisa do prédio, atrás identificado, primeiro a favor do seu antecessor, António José e mulher, CC, que também usava, CAP e depois, registaram a aquisição, por sucessão hereditária da referida metade indivisa, a favor dos autores; (alínea L) dos factos assentes);
L) Os autores, com base nos artigos 120º e segs. do Cód Reg. Predial, e pela apresentação n. º ... de 11.03.2005, requereram, na Conservatória do Registo Predial, uma acção de rectificação e de anulação de registo, pedindo a anulação da descrição n.º ... da freguesia de S. Martinho, e a descrição do imóvel mencionado, com base na caderneta predial urbana n. º ... da mesma freguesia e, a rectificação do registo de “aquisição”, no sentido de só caber aos réus a metade indivisa do dito prédio, e, a cada um dos autores 1/4 do mesmo imóvel; (alínea M dos factos assentes);
M) Por despacho de 10.10.2005, foi decidido que, sendo tal matéria controvertida, e atendendo a que tal rectificação não é requerida por todos os interessados, e atendendo à invocação da falsidade das declarações prestadas pelos requeridos, ora réus, carece ta’ matéria de ser apreciada e decidida pelo Tribunal Judicial, nos termos do n.º 1 do art.º. 127g do Cod. Reg. Predial, motivo pelo qual, foi tal petição, indeferida liminarmente, pela Conservatória do Registo Predial, nos termos do art. º 127º nº1 do Cód Reg. Predial. (alínea N dos factos assentes);
N) Há cerca de 15 anos, a Autor Elisa mandou construir um muro de alvenaria, do lado sul da casa que habita. (alínea O dos factos assentes);
O) A Autora Elisa, pouco tempo após a morte de seu pai, o António José, ocorrido a 6.9.77, passou a viver diariamente na dependência, entretanto transformada em habitação e passou a gozar do logradouro adjacente e a sul da mesma, tal como o pai desde 1960 o fazia. (alínea P) dos factos assentes);
P) O prédio que corresponde ao art.º matricial ... tinha o formato constante da planta junta como doc. 1 – fls. 110. (art.º 1º da base instrutória)
Q) Este prédio encontrava-se dividido em 2 partes, por um muro de pedra solta, encimado por arame farpado e por uma sebe de silvas. (art.º 2º da base instrutória);
R) Compondo-se uma delas de casa de habitação e logradouro e outra de dependência e logradouro, respectivamente a azul e a verde no doc. 1. (art.º 3º da base instrutória);
S) A parte assinalada a cinzento e azul na planta de fls. 110 corresponde a uma superfície coberta de 51 m2 e uma superfície descoberta de 197 m2; (art.º 5º da base instrutória);
T) Na sequência das declarações negociais constantes da escritura mencionada em H) António José e mulher passaram a viver na parte assinalada a verde na planta de fls. 110 e V e mulher passaram a viver na parte assinalada a cinzento da referida planta; (art.º 6º da base instrutória)
U) Após a escritura ocorrida a 10/02/60 António José passou a viver na parte assinalada a verde na planta de fls. 110; (art.º 7º da base instrutória)
V) Logo após a escritura e ainda no ano de 1960, o V e mulher, ora Réu Maria, fizeram algumas obras na casa de habitação referida, e passaram a nela viver e a ocupar o logradouro da mesma, sito a nascente e sul do aludido muro de pedra solta – a azul no doc.1 - (art.º 8º da base instrutória);
W) O V e mulher passaram, desde 1960, a ocupar, gozar, utilizar, fruir na forma que querem e bem lhes apetece e sem dar contas a ninguém, nomeadamente aos aludidos vendedores e aos seus sucessores, ora Autores, de tal parte do prédio, e após a morte do V, ocorrido a 25.09.81, sua viúva Maria e as filhas do casal, Marília  e Maria Helena, ora RR.? (art.º 10º da base instrutória);
X) A Autora Marília nasceu na casa de habitação referida no art.º. 8° da base instrutória e a Autora Marília e a Autora Maria Helena aí foram criadas; (art.º 10º-A da base instrutória);
Y) Desde tal data que os AA. e (ou) os seus antecessores, os referidos João e António e mulheres, foram excluídos de qualquer utilização, ocupação, gozo e fruição daquela parte do prédio, em simultâneo com o V e RR; (art.º 11º da base instrutória);
Z)  Opondo-se a que aqueles, sem sua autorização, entrassem ou utilizassem por qualquer forma tal parte do prédio – a azul no doc. 1. (art.º 1º da base instrutória);
O) O que eles sempre aceitaram, nunca tendo repetido a utilização, ocupação, fruição e gozo que, de forma exclusiva, os RR. E o V desde 1960 exerceram sobre a mesma. (art.º 13º da base instrutória)
AA)  Para a construção do muro descrito em O) a Autora mandou retirar o muro de pedra solta e no seu exacto lugar construir um muro de alvenaria com altura de cerca de 1, 70m por 20m de comprimento, ao longo de todo o limite norte do prédio ocupado e utilizado pelos RR. (art.º 14º da base instrutória)
BB) Tais actuações foram levadas a cabo de forma pacífica, ininterrupta desde 1960, à frente de todos; (art.º 16º da base instrutória)
CC) Assistindo o António e após a morte deste, os M. a todos estes actos e práticas, diariamente, pois viviam na dependência I habitação que confrontava com o aludido prédio dos RR., nunca a tal se tendo oposto ou manifestado qualquer má-vontade (art.º 17º da base instrutória);
DD) Nunca tendo pedido aos RR. ou ao V autorização para fazerem quaisquer obras na sua dependência/habitação, como ao longo destes quase 45 anos fizeram; (art.º 18º da base instrutória);
EE) Nem pediram aos RR. Qualquer contribuição para tais despesas, o que igualmente aconteceu com as ora RR. E o V; (art.º 19º da base instrutória);
FF) O muro referido em O) foi construído também com a intenção de evitar que o filho da Autor então menor, que sofre de Síndrome de Down, fugisse para a estrada. (art.º 20º da base instrutória);
GG) Quando os réus, começaram a realizar obras na casa que habitavam, logo os autores protestaram e apresentaram várias reclamações, inclusive junto da Câmara Municipal. (art.º 21º da base instrutória);
HH) Foram os réus quem, há poucos meses, construíram o alegado muro de alvenaria, com dois metros de altura e 20 metros de comprimento, do lado oeste, e não norte, da nova casa dos réus e até do lado sul da casa onde a autora tem habitado, encostado ao outro muro, construído pela A e referido no art.º 20º da base instrutória. (art.º 22º da base instrutória).

            IV- Das conclusões das alegações emergem como questões a apreciar no presente recurso, as seguintes:
- A impugnação da decisão da matéria de facto ao abrigo da al a) do nº 1 do art 712º CPC, no tocante no art 15º da base instrutória, entendendo os AA apelantes que os elementos fornecidos pelo processo, “impunham e impõem”, uma resposta de “Não Provado” àquela matéria;
-Improcedência do pedido reconvencional deduzido pelo RR/apelados, por não resultar da matéria de facto, que estes hajam procedido à inversão do título de posse, como é exigido que suceda na parte final do nº 2 do art 1406º CC.

No art 15º da base instrutória pergunta-se:”Os RR e seus antecessores  (V), ao fazerem as obras na casa de habitação que ampliaram, ao substituírem o telhado, pintando a casa, usando o logradouro sempre que queriam e lhes apetecia, actuaram sempre na convicção de que eram donos, senhores e proprietários exclusivos do prédio identificado no art 5º”.
Esta matéria de facto foi dada como provada, e os apelantes pretendem que, “porque o processo contém todos os elementos de prova que deveriam ter produzido decisão diversa”, deverá a resposta em referência ser alterada para “Não provado”.
Não referem, no entanto, os AA/apelantes, que elementos de prova são esses – todos - que forçosamente haveriam de implicar - sem recurso aos depoimentos  testemunhais, “maxime” o de  Filomena, especialmente referido no despacho da fundamentação da decisão da matéria de facto no tocante ao ponto fáctico em referência - uma resposta de “Não provado” à matéria em causa.
Parece que do seu ponto de vista, uma resposta negativa a essa matéria se impõe, sem mais, do puro facto de, eles AA, entenderem que os RR necessariamente só poderiam agir na convicção de serem “donos senhores e proprietários de metade indivisa do prédio cuja área total somava 315 m 2”, bem como da circunstância de uma convicção como a constante da resposta em crise, não se conciliar com a necessidade  que os RR tiveram de criar um novo artigo urbano (o 3560) para o prédio em questão, e com o facto de ter resultado provado  - resposta ao art 21º da base instrutória - que “quando os RR começaram a realizar obras na casa que habitavam, logo os AA protestaram e apresentaram várias reclamações, inclusive junto da Câmara Municipal”.
Ora, a circunstância dos RR usarem este tipo de fundamentos impugnatórios relativamente à resposta ao ponto 15º da matéria de facto, denuncia de imediato a falta de consistência com que agem na impugnação em causa.
Bem sabem que os fundamentos que invocam, nem isolada, nem conjuntamente, correspondem à previsão da al a) do nº 1 do art 712º (ou tão pouco à da al b) desse mesmo preceito legal).
No caso da al a), porque tendo havido gravação dos depoimentos prestados, cabia-lhes ter procedido à impugnação da decisão da matéria de facto nos termos do art 690ºA CPC, para que remete essa alínea a) do nº 1 do art 712º, o que não fizeram. Seria  sempre necessário que todos os elementos em que o tribunal fundou a resposta àquela ponto da matéria de facto estivessem acessíveis a este tribunal da Relação, tal como estiveram para o tribunal de 1ª instância, quando proferiu a decisão recorrida, o que não sucede.
No caso da al b), este tribunal só poderia reponderar e substituir a resposta impugnada, caso essa resposta, não dependendo de depoimentos testemunhais, merecesse legalmente uma decisão diversa, em função dos elementos fornecidos pelo processo, sendo que aquela resposta não haveria de poder ser destruída por quaisquer outras provas. Não é manifestamente o caso do art 15º da base instrutória cuja resposta se baseou concretamente num depoimento testemunhal.
Aliás, a pretendida impugnação, isolada e casuística, da resposta ao art 15º, confirma a falta de seriedade dessa mesma impugnação, na medida em que sempre seria inútil reagir apenas a essa resposta, quanto, muita outra matéria respondida na mesma linha de convicção e argumentação, mereceria também impugnação, sob pena do possível resultado fáctico se vir a mostrar, afinal, incoerente.
Deste modo e sem mais considerações, torna-se evidente a falta de fundamentos para a impugnação da matéria de facto em referência, subsistindo, pois, incólume, a totalidade da decisão da matéria de facto.

Quanto a esta, há que se evidenciar e transcrever, de uma forma sistemática e organizada, a matéria de facto que se tem como relevante para a apreciação da segunda questão acima evidencida.

Antes de 16/2/1960, o art urbano nº 479 da freguesia de S. Martinho, era composto na sua totalidade por um prédio de rés do chão, com a superfície coberta de 49 m 2, dependência com 82 m 2, e superfície descoberta de 184 m 2, num total de 315 m 2.
Esta propriedade, assim inscrita nas Finanças, não se encontrava descrita na CRP.
Por escritura pública de 16/2/1960, V (marido da R Maria e pai das RR Marília e Maria Helena), declarou comprar a João e mulher, e a António José (conhecido por José M) e mulher, CC (que também usava CCAP), (pais dos AA Elisa e José), e estes declararam vender-lhes, “metade indivisa de umas casas térreas para habitação, com dependência e logradouro, situadas no mencionado lugar de N, confinando do norte e Nascente com estrada, do sul com herdeiros de AM e do poente com herdeiros de PT, não descrito na Conservatória, inscrito na matriz respectiva sob o artigo...”.     
Este prédio tinha o formato constante da planta junta a fls 110 (doc nº 1 junto com a contestação).
Encontrava-se dividido em 2 partes, por um muro de pedra solta encimado por arame farpado e por uma sebe de silvas, compondo-se uma parte da casa de habitação e logradouro, e a outra da dependência e logradouro, sendo uma e outra, respectivamente assinaladas a azul e verde na planta de fls 110.
Na sequência das declarações negociais constantes da acima referida escritura, António José e mulher, passaram a viver na parte assinalada a verde na planta de fls 110.
A A Elisa, pouco tempo depois da morte do seu pai, António José, ocorrida em 6/7/77, passou a viver diariamente na dependência, entretanto transformada em habitação, e passou a gozar do logradouro adjacente a sul da mesma, tal como o pai desde 1960 o fazia.
Há cerca de 15 anos a A Elisa retirou o muro de pedra solta atrás referido, e no seu exacto lugar, construiu um muro de alvenaria com largura de 1,70 m por 20 de comprimento ao longo de todo o limite norte do prédio ocupado e utilizado pelos RR.
Por seu turno, também logo após a escritura de 1960, V e mulher (a aqui R Maria), fizeram algumas obras na casa de habitação e passaram a nela viver e a ocupar o logradouro da mesma, sito a nascente e sul do acima referido muro de pedra solta, na área correspondente à referida parte azul da planta de fls 110, que corresponde a uma superfície coberta de 51 m 2 e uma descoberta de 197 m 2.
Assim, o V e mulher, passaram, desde 1960, a ocupar, gozar, utilizar, fruir na forma que querem e bem lhes apetece e sem dar contas a ninguém, nomeadamente aos aludidos vendedores e aos seus sucessores, ora AA, de tal parte do prédio, e após a morte do V, ocorrido a 25/09/81, sua viúva Maria e as filhas do casal, Marília  e Maria Helena, ora RR.A A. Marília nasceu na casa de habitação atrás referida e ambas as AA., Marília e Maria Helena, foram aí criadas.
Desde tal data - 1960 - que os AA. e (ou) os seus antecessores, os referidos João e António e mulheres, foram excluídos de qualquer utilização, ocupação, gozo e fruição daquela parte do prédio, em simultâneo com o V e RR, opondo-se a que aqueles, sem sua autorização, entrassem ou utilizassem por qualquer forma tal parte do prédio – a azul no doc. 110. O que os AA sempre aceitaram, nunca tendo repelido a utilização, ocupação, fruição e gozo que, de forma exclusiva, os RR. e o V desde 1960 exerceram sobre a mesma. E tais actuações foram levadas a cabo de forma pacífica, ininterrupta desde 1960, à frente de todos, assistindo o António, e após a morte deste, os AA, a todos estes actos e práticas, diariamente, pois viviam na dependência habitação que confrontava com o aludido prédio dos RR., nunca a tal se tendo oposto ou manifestado qualquer má vontade. Nunca tendo pedido aos RR. ou ao V autorização para fazerem quaisquer obras na sua dependência/habitação, como ao longo destes quase 45 anos fizeram, nem pediram aos RR qualquer contribuição para tais despesas, o que igualmente aconteceu com as ora RR. e o V.

 Desta matéria de facto assim congregada, mal andam os AA, ora apelantes, em teimarem - e pelos vistos, já antes da interposição da presente acção, pois que viram proceder contra eles, com base essencialmente nos mesmos factos, acção de manutenção de posse que lhes foi interposta pelos aqui RR, como resulta da sentença que se mostra junta a fls 103 a 109 – em fazerem sobrepor, de forma estática e estanque, a compropriedade e a composse do art matricial nº ..., resultante da  aquisição pelo falecido V e mulher (aqui R Maria), pela escritura de 10/2/60, da  metade indivisa da propriedade a que se reporta aquele art matricial, contra todos os factos, imediatamente subsequentes a essa aquisição, e que se analisam numa divisão da coisa comum.
A verdade é que essa compropriedade foi logo consensualmente ultrapassada com uma divisão de coisa comum, que embora formalmente inválida  - e também por isso, não podendo conduzir a uma posse titulada, cfr art 1259 º CC [1]- nem por isso é  desprovida de efeitos.
Aceitando a divisão da propriedade em duas partes (que já se encontravam fisicamente delimitadas pelo muro de pedra solta encimado a arame farpado), uma que corresponde à área e limites da parte pintada a azul na planta de fls 110, e outra que corresponde à área e limites da parte pintada a verde nessa planta – todos os comproprietários (que não eram só António M e mulher, pais dos AA, e V e mulher, pais das RR na acção, mas também o referido João….)  voluntariamente abdicaram, aqueles da posse da parte pintada a azul, estes da posse da parte pintada a verde (e este último de qualquer posse…)
“ E ao abdicarem, o encabeçado deixa de ver a sua posse e o seu direito (“uti dominus”) constrangido pelos concorrentes direitos e posses dos outros (“uti condominus”), consoante se pronuncia Durval Ferreira[2], relativamente aos efeitos da divisão e partilha na composse, prosseguindo: “Na verdade, rigorosamente, os demais proprietários (…) não cedem ao encabeçado a faculdade de possuir e continuar possuindo: porque essa faculdade, esse “jus possessionis”, ele já a detinha (art 1403º e 1286º/1). Rigorosamente, eles abdicam, renunciam, onerosa ou gratuitamente, a favor do encabeçado, da faculdade que lhes assistia de deterem a continuarem detendo (art 1403º). Ou seja eles perdem a posse por um “abandono” direccionado a favor do encabeçado ( art 1267º/1 al a)”. E mais atrás refere: “ Na divisão ou na partilha existe uma intervenção voluntária dos demais comproprietários ou co-herdeiros. Se bem que, mais do que uma cedência da posse, o que sucede é que os demais comproprietários ou co-herdeiros, abdicam da sua posse”. “Consequentemente, a posse “uti dominus” do encabeçado, após a divisão ou partilha, não é uma posse originária, unilateral e usurpatória ( como no caso da inversão do título da posse)”.
E acrescenta mais adiante, com relevo para o que se quer evidenciar[3]:  “Representam (a divisão e a partilha) tão só um abandono da posse, relativo e direccionado a favor dos encabeçados, por parte dos restantes consortes não encabeçados e relativamente aos bens àqueles atribuídos”.

Assim, o que sucede com a divisão da coisa comum – ainda que não seja respeitada a forma exigida por lei - é que, por acordo, fica extinta a compropriedade e a composse, se esta tiver chegado a existir,  por abandono recíproco, relativamente aos bens atribuídos aos outros (iniciais) comproprietários e compossuidores, e adquirida nova posse por  apossamento relativa e reciprocamente a estes bens.
Lembre-se que o abandono, constitui o inverso do apossamento.
 Tal como ele, tem natureza unilateral e material, e tal como ele, tem de assumir o mínimo de intensidade e publicidade, de modo a poder ser cognoscível pelos interessados.[4]
Assim o abandono implica o desaparecimento dos dois elementos da posse  - o corpus e o animus. Pressupõe um acto material praticado intencionalmente de rejeição da coisa ou do direito (situação que é diferente da inércia ou inacção do titular).
Por outro lado, o apossamento, que é um modo de aquisição unilateral e originária da posse – art 1263º al a) – corresponde, nos termos desse preceito legal, à pratica reiterada com publicidade dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito.

Do que se vem de dizer resulta, como se pretende deixar claro, que o pressuposto de que partem os apelantes na impugnação da decisão da matéria de direito – o de que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título, nos termos do art 1406º/1, sustentando depois que os factos provados não seriam bastantes para alicerçarem esta inversão do título – não chega a verificar-se.
È que na situação dos autos, não houve inversão do título de posse.
Em rigor, parece que nem terá chegado a haver uso em comum da coisa que resultou comum depois da aquisição pela escritura de 1960 da metade indivisa da propriedade pelo V e R Maria.
Os factos que se traduziram, por um lado, no uso exclusivo pelos pais dos AA da parte do prédio pintado a verde na planta de fls 110, e por outro, no uso exclusivo pelos pais e marido dos aqui RR da parte do prédio a que corresponde a zona azul na planta de fls 110 – com superfície coberta de 51 m 2 e descoberta de 197 m 2 - nada têm a ver com a inversão do titulo de posse, que, aliás, pressuporia, o que parece nem sequer terá ocorrido nos autos, isto é, que alguma vez, uns e outros tivessem exercido em conjunto a posse de toda a propriedade, e nesse comum uso se tivessem autolimitado e compatibilizado.
Note-se que na composse os compossuidores têm o corpus (domínio de facto) sobre toda a coisa (quer porque a possuam directamente, quer porque a possuam por intermédio de outro dos compossuidores) e daí que este domínio de facto se possa sempre estender a toda a coisa, desde que não prive os outros consortes do uso a que igual e qualitativamente têm direito – art 1406º/1 – mas o seu animus (a sua razão de detenção) é exercido sempre com respeito pelo uso dos restantes compossuidores.
E é em razão deste animus com respeito pelos demais consortes, que a usucapião por um dos compossuidores aproveita igualmente aos demais como o refere o art 1291º CC.
É também em função deste animus que o compossuidor pode inverter o titulo de posse, como o refere o citado art 1406º/2  - deixa de ter um animus que respeite o exercício da posse pelos demais – e passa a deter a totalidade ou parte da coisa comum como exclusivo dono, invertendo o titulo da posse, seja por oposição explicita, ou implícita, ou por acto de terceiro capaz de lhe transferir a posse.
De todo o modo, na inversão do título de posse, há uma conduta unilateral e usurpatória contra os demais consortes,  que na situação dos autos não houve.
 Assim, mostra-se inútil procurar na matéria de facto provada, sinais referentes a uma inversão do título da posse.
Como já se referiu, parece nem ter chegado a haver uso da coisa comum, mas logo uso exclusivo e excludente da compropriedade, na sequência de acordo de divisão da coisa comum, e, consequentemente, logo corpus e animus correspondentes aos de proprietário exclusivo.

Esta posse exclusiva e em nome próprio, pacifica e pública, ainda que não titulada - como acima já se fez sobressair – mas inequívocamente de boa fé (pois que desde o seu início, V e a ora R, sua mulher,  ignoravam que estivessem a lesar direitos de outrém, art 1260º do CC, por estarem necessariamente convictos de que exerciam um direito próprio na sequência da divisão que fizeram com os pais dos AA da propriedade,[5]  - conduziu no prazo, há muito decorrido, de 15 anos – art 1296º/1ª parte CC -  à usucapião agora invocada pelos RR.

Nem digam os apelantes que a divisão da coisa comum seria inadmissível por se mostrar em desconformidade com as normas injuntivas de urbanismo, designadamente do obrigatório loteamento (conclusão q).
Para além do apelante estar a introduzir uma questão nova, não aflorada ao longo do processo, e nem sequer suficientemente factualizada, como se imporia, se houvesse lugar ao respectivo conhecimento neste recurso[6], sempre se dirá que o facto de a posse dos RR ter, porventura, infringido normas sobre o urbanismo, se mostraria completamente inócuo.  
È que, como tantas vezes Durval Ferreira o faz sobressair, “a posse é agnóstica”.Justamente, em sede de “Usucapião e Leis de Ordenamento do Território” [7] afirma este autor: “ A eventual ilicitude ou imoralidade de tal apoderamento serão irrelevantes, pois, a posse é agnóstica” E acrescenta: “Em tema de posse ou de usucapião, a eventual ilicitude substantiva do título não macula: ao invés até beneficia”, invocando aqui o disposto no art 1259º CC. Referindo de seguida: “Mas será essa posse boa para, pelo decurso do tempo, poder conduzir à aquisição do direito, a cuja imagem se possui, por usucapião? A resposta è igualmente afirmativa”.
Por isso, e como bem se decidiu na 1ª instância, o pedido reconvencional formulado pelos RR nos autos, mostra-se procedente.
V – Pelo exposto, acorda este tribunal em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
                                   Lisboa, 19 de Março de 2009            
                                   Maria Teresa Albuquerque
                                    Isabel Canadas
                                   José Maria Sousa Pinto

[1] Ao contrário do que é referido na sentença recorrida . No sentido da posse decorrente de divisão de coisa comum ser não titulada – e ainda que a divisão de coisa comum obedeça à forma legal – cfr Durval Ferreira, “Posse e Usucapião”, 2ª ed, p 213
[2] “Posse e Usucapião”, 2ª ed, p 215 e ss
[3] Obra citada , p 218
[4] Por virtude do abandono pode ser constituída uma nova posse de terceiro, mas depois dele, o apossamento levado a cabo por esse terceiro, já não constitui, por definição, um esbulho.

[5] Note-se que as reclamações que se provou que os AA fizeram junto da Câmara  Municipal, se referem às obras iniciadas já pelas RR em 2005, como resulta do documento de fls 119, nenhum relevo tendo para excluir a posse dos RR ou de lhe retirar os acima referidos caracteres.
[6] Que, não há, porque os recursos não servem para dirimir questões novas, referindo a este propósito Amâncio Ferreira, obra atrás citada, p 138: “Os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais superiores , e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre”, apenas havendo que exceptuar as questões de conhecimento ofícioso e ainda não decidida com trânsito em julgado
[7] Obra citada, Cap V , p 469 e ss