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SUBEMPREITADA
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
RESOLUÇÃO
Sumário
1. Há incumprimento do contrato de subempreitada, quando se adjudica apenas trabalhos no valor de 1 905 953$00 e o valor dos trabalhos a adjudicar está “estimado” em 2 500 000$00. 2. Só a impossibilidade absoluta superveniente da prestação libera o devedor e extingue a obrigação. 3. A alteração superveniente das condições contratuais, não sendo anormal, não afectando gravemente os princípios da boa fé e estando o risco coberto pelo contrato, não justifica a resolução do contrato, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código Civil. 4. A resolução ilícita do contrato gera a responsabilidade civil pelo dano causado à outra parte. (O.G.)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO E instaurou, em 15 de Novembro de 2004, no 9.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra C, S.A., acção declarativa, sob a forma de processo sumário, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 4 489,18, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com a R., em Junho de 2001, um contrato de “subempreitada”, obrigando-se aquela a adjudicar-lhe trabalhos de instalação de linhas e aparelhos de telecomunicações, pelo valor estimado de 2 500 000$00; no entanto, a R. apenas lhe adjudicou obras no valor de 1 600 000$00, pelo que não cumpriu o contrato, tendo direito a ser indemnizado no montante de € 4 489,18.
Contestou a Ré, alegando que o valor indicado no contrato era uma previsão, pois dependia da quantidade de trabalhos que a PT Comunicações lhe adjudicasse, os quais tiveram uma redução significativa em meados de 2002, o que determinou a rescisão do contrato com o A, e concluindo pela sua absolvição do pedido.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 5 de Junho de 2008, a sentença, que, julgando a acção improcedente, absolveu a R. do pedido.
Inconformado com a sentença, recorreu o Autor, que, alegando, formulou essencialmente as seguintes conclusões: a) A impossibilidade da prestação prevista no art. 790.º, n.º 1, do CC, é uma impossibilidade absoluta e não meramente relativa. b) Não deve confundir-se a impossibilidade da prestação com a alteração das circunstâncias que a torne excessivamente onerosa. c) Dos factos provados não é possível concluir pela impossibilidade absoluta da R. adjudicar trabalhos ao A.
Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida e a procedência da acção relativamente à quantia de 594 047$00 e juros de mora.
Contra-alegou a Ré, no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre, desde já, apreciar e decidir.
Neste recurso, está em causa, essencialmente, o incumprimento de um contrato de subempreitada.
II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 1 de Junho de 2001, A. e R. celebraram um acordo escrito, denominado “contrato de subempreitada”, obrigando-se a R. a adjudicar ao A. a execução de trabalhos de telecomunicações, pelo valor estimado de 2 500 000$00.
2. Os trabalhos do A. consistiam na instalação de linhas e aparelhos de telecomunicações, quer em casa de clientes, quer no exterior.
3. O referido contrato tinha por base um outro da R. com a P, dependendo sempre deste contrato os trabalhos do A.
4. A R. não sabia a quantidade de trabalhos que iria adjudicar ao A.
5. O A. deslocava-se, diariamente, às instalações da R., no Prior Velho, onde recebia a indicação dos trabalhos que teria de executar.
6. No final de cada mês, a R. pagava os trabalhos concluídos, nesse mês, pelo A.
7. A partir de Março de 2002, a R. deixou de entregar trabalhos ao A., rescindindo o contrato.
8. Em meados desse mês, houve uma redução significativa dos trabalhos entregues pela PT Comunicações, o que determinou a referida rescisão.
9. A R. adjudicou, ao A., obras no valor de 1 905 953$00.2.2. Delimitada a matéria de facto provada, que não vem impugnada, importa agora conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi antes destacada.
A sentença recorrida fundamentou a improcedência da acção, por um lado, no cumprimento da obrigação, interpretado o valor de 2 500 000$00 como correspondendo a uma previsão ou estimativa, por outro, na extinção da obrigação, nos termos do n.º 1 do art. 790.º do Código Civil (CC), por impossibilidade da prestação não imputável ao devedor.
Na verdade, em 1 de Junho de 2001, entre o Apelante e a Apelada, foi celebrado um contrato de subempreitada, mediante o qual a última se obrigara a adjudicar ao primeiro a execução de trabalhos de telecomunicações, que consistiam na instalação de linhas e aparelhos de telecomunicações, quer em casa de clientes, quer no exterior, pelo “valor estimado de 2 500 000$00”, adjudicados à Apelada por um terceiro, nomeadamente a P (art. 1231.º do CC). O Apelante, com efeito, obrigou-se perante a empreiteira, a Apelada, a realizar a obra, ou parte dela, a que esta se encontrava vinculada.
Esse contrato de subempreitada, formalizado por escrito, consta dos autos (fls. 14).
Os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo ser modificados ou extintos por mútuo consentimento dos contraentes, ou nos casos admitidos na lei (art. 406.º, n.º 1, do CC).
No caso vertente, a empreiteira obrigou-se a adjudicar ao subempreiteiro trabalhos de telecomunicações, no valor “estimado” de 2 500 000$00. A prestação foi, assim, quantificada em termos pecuniários. O valor mencionado não pode deixar de constituir um referencial, resultante da impossibilidade ou dificuldade de atribuição do valor certo da retribuição, derivadas da incerteza da quantidade de trabalhos que seria adjudicada à empreiteira. Desse modo, os contraentes quiseram prevenir uma certa incerteza sobre um elemento importante do contrato de subempreitada, como é o caso da retribuição.
O valor estimado servia tanto ao subempreiteiro como à empreiteira. Ao primeiro permitia saber a retribuição que iria auferir, mais ou menos determinada, mas da qual não podia haver um afastamento significativo, enquanto à última possibilitava a medida dos trabalhos a adjudicar ao subempreiteiro.
O valor estabelecido no contrato funcionava, assim, como a medida da retribuição e dos trabalhos a realizar, valendo como retribuição a receber pelo subempreiteiro, na ausência de uma especificação mais concreta.
Esclarecido o sentido normal da cláusula contratual, em conformidade com as normas previstas nos artigos 236.º e 238.º do CC, não pode deixar de se concluir que a Apelada não cumpriu integralmente o contrato, faltando ao pagamento parcial da retribuição devida ao subempreiteiro.
Efectivamente, a Apelada apenas adjudicou trabalhos no valor de 1 905 953$00, quando o valor estimado se cifrava em 2 500 000$00, o que implicou uma diferença substancial de 594 047$00.
Nos termos do contrato celebrado, para haver cumprimento, ou a Apelada adjudicava mais trabalhos ao Apelante, perfazendo o valor de 2 500 000$00 ou aproximando-se desse valor, de modo a transformar a diferença numa insignificância, a desprezar, ou, então, tinha de pagar a quantia de 594 047$00 (€ 2 963,09).
A diferença da retribuição paga em relação à prevista no contrato, atento o valor concretamente apurado, não pode deixar de ser classificada como relevante, pois, sendo superior a um quinto do valor estimado no contrato para a retribuição, afasta qualquer possibilidade de considerar tal diferença como residual ou insignificante.
Por outro lado, a facticidade apurada nos autos não mostra que a prestação se tivesse tornado objectivamente impossível por causa não imputável ao devedor e, assim, se tivesse extinguido a respectiva obrigação.
Como é entendimento corrente, só a impossibilidade absoluta superveniente da prestação libera o devedor e extingue a obrigação (art. 790.º, n.º 1, do CC). A impossibilidade relativa, traduzida numa simples dificuldade ou onerosidade, por regra, não extingue a obrigação.
No caso vertente, a Apelada não deixou de ter trabalhos de telecomunicações para adjudicar ao Apelante. É certo que os trabalhos adjudicados, na sua qualidade de empreiteira de terceiro, sofreram uma redução significativa, mas não deixaram de existir. Por isso, era ainda possível a realização da prestação, embora num contexto diferente, susceptível de causar-lhe uma maior onerosidade, quando confrontada com a previsão contratual. A impossibilidade objectiva superveniente só ocorreria se ao empreiteiro não tivessem sido adjudicados quaisquer trabalhos, o que, efectivamente, não sucedeu.
Por isso, não se verificando uma situação impossibilidade objectiva superveniente, a obrigação de pagar a retribuição prevista no contrato não podia considerar-se extinta, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 790.º do CC.
No entanto, não pode deixar de se considerar que as condições contratuais, que presidiram à respectiva outorga, sofreram uma modificação superveniente, dada a redução significativa dos trabalhos entregues à Apelante, sendo certo que existia uma relação de dependência com o contrato de empreitada, que envolvia a Apelante com a P.
Terá sido essa modificação anormal, nos termos previstos no art. 437.º do CC, que justificasse, legalmente, a resolução do contrato de subempreitada, e legitimasse a falta de pagamento da retribuição?
A norma consagrada no art. 437.º do CC aparece como uma excepção à força vinculatória do contrato (RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, I, 2.ª edição, 1977, pág. 127), baseada na afectação grave dos princípios da boa fé contratual (MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, II, 1984, pág. 1106 e segs.).
Com tal solução, pretendeu-se, com diferentes fundamentos ao longo do tempo (A. VAZ SERRA, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.º, págs. 345 e segs., e ANTUNES VARELA, em colaboração com M. HENRIQUE MESQUITA, Colectânea de Jurisprudência, Ano VII, 1982, T. 2, págs. 7 e segs.), reagir contra situações de manifesta e intolerável injustiça que a intangibilidade da relação contratual originava, decorrentes da modificação sobrevinda ao quadro negocial primitivo. Explícitas razões de justiça sobrepuseram-se, assim, às exigências de segurança contratual (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 2.ª edição, 1979, pág. 364).
Para que assim opere o direito à resolução ou modificação do contrato, é necessária a verificação de três requisitos. O primeiro corresponde à alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. O segundo respeita à afectação grave dos princípios da boa fé. E o terceiro prende-se com a manutenção do contrato não estar coberta pelos seus riscos próprios (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Abril de 1978, BMJ n.º 276, pág. 253, e de 17 de Fevereiro de 1980, BMJ n.º 293, pág. 301, e I. GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, págs. 343 e segs.).
Confrontando os factos provados, é certo que ocorreu uma modificação superveniente das condições contratuais, traduzida na redução significativa dos trabalhos entregues à Apelada pela P, a partir de meados do mês de Março de 2002. No entanto, face ao contexto da celebração do contrato de subempreitada, aquela modificação não se apresenta como imprevista e anormal, conhecida que era a dependência daquele contrato em relação ao contrato de empreitada que unia a Apelada à P. Aquela, quando contratou com o subempreiteiro, não conhecia, com exactidão, a dimensão da obra a realizar. Prevendo-se que esta podia ser maior ou menor, a sua efectiva redução, ainda que significativa, não tipifica uma alteração anómala das circunstâncias contratuais, pois tal situação estava prevenida, desde o momento da vinculação recíproca das partes, podendo estas, no âmbito do princípio da autonomia privada, ter regulado a situação de um modo diferente, o que não fizeram.
Para além disso, a intangibilidade do contrato não é de molde a surpreender uma afectação grave dos princípios da boa fé, que dominam a execução dos contratos, tendo em conta, designadamente, o nível da retribuição e a duração do contrato.
Acresce ainda, por outro lado, que a alteração contratual verificada não é sequer alheia à álea do respectivo contrato.
Deste modo, a alteração superveniente das condições contratuais, não sendo anormal, não afectando gravemente os princípios da boa fé e estando o risco coberto pelo contrato, não podia justificar a resolução do contrato, ao abrigo do disposto no art. 437.º do CC, como sugere a posição da Apelada, ao ter rescindido o contrato, a partir de Março de 2002.
Neste contexto, a resolução do contrato, eficaz através de declaração receptícia, apresenta-se como ilícita e, como tal, geradora de responsabilidade civil pelo dano acarretado à outra parte, equivalente à quantia de € 2 963,09 (594 047$00), retribuição que o Apelante deixou de receber por efeito da extinção do contrato.
Assim, a título de responsabilidade civil, a Apelada está obrigada a pagar ao Apelante a indemnização correspondente à quantia de € 2 963,09.
Sobre esta quantia pecuniária, incidem juros de mora, à taxa legal, em conformidade com o disposto nos artigos 804.º, 805.º, n.º 1, e 806.º, n.º s 1 e 2, todos do CC.
Aqui chegados, conclui-se pela procedência integral do recurso, com a revogação da decisão recorrida, a ser substituída por outra a condenar a Apelada nos termos antes descritos. 2.3. Em face da exposição precedente, pode extrair-se de mais relevante:
I. Há incumprimento do contrato de subempreitada, quando se adjudica apenas trabalhos no valor de 1 905 953$00 e o valor dos trabalhos a adjudicar está “estimado” em 2 500 000$00.
II. Só a impossibilidade absoluta superveniente da prestação libera o devedor e extingue a obrigação.
III. A alteração superveniente das condições contratuais, não sendo anormal, não afectando gravemente os princípios da boa fé e estando o risco coberto pelo contrato, não justifica a resolução do contrato, ao abrigo do disposto no art. 437.º do Código Civil.
IV. A resolução ilícita do contrato gera a responsabilidade civil pelo dano causado à outra parte.
2.4. A Apelada, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas do recurso e, juntamente com o Apelante, pelo pagamento proporcional das custas da acção, em conformidade com a regra da causalidade, consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil.
O pagamento ao Apelante, no entanto, é inexigível, enquanto beneficiar do apoio judiciário.
III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 2 963,09, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a partir da citação até integral pagamento. 2) Condenar a Apelada (Ré) no pagamento das custas do recurso e ambas as partes, proporcionalmente, as custas da acção, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao Autor.
Lisboa, 1 de Abril de 2009
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)