RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
RECURSO
CAUSA DE PEDIR
ALEGAÇÕES
Sumário

1- Nas alegações de recurso não pode ser alterada a causa de pedir.
2- Quando a questão a apreciar no recurso subordinado é prejudicial da que fundamenta o recurso independente, deve conhecer-se em primeiro lugar do recurso subordinado.
3- A responsabilidade civil do Estado rege-se pelo DL 48.051, de 21.11.67.( até à entrada em vigor da Lei 67/2007, de 31.12, 30 dias após a sua publicação)
4- O princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos lícitos, acolhido no art.9º do DL 48.051, de 21.11.67.
5- São pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por factos lícitos: um acto licito do Estado ou outra pessoa colectiva pública; que o mesmo seja praticado por motivo de interesse público; um prejuízo anormal e especial sofrido pelo lesado; a existência de nexo de causalidade entre tal acto e o prejuízo;
6- O art. 5º do DL 48051, de 21.11.1967 mandava aplicar as regras da prescrição fixadas na lei civil, reportando aos artigos anteriores. Este preceito foi implicitamente revogado pelo DL 267/85, de 16.07 (LPTA) que veio dispor no art. 71, nº2, que o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do art.498 do C.Civil. Aplica-se tanto a responsabilidade por prejuízos decorrentes de factos ilícitos como de actos lícitos.
7- O facto só se torna danoso quando o dano se produz, pelo que em caso de facto continuado o prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento do dano.
(OV)

Texto Integral

Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

P, Lda , intentou acção declarativa com processo ordinário contra Refer, EP
Alegou:
Que tem como actividade fundamental, o fabrico, comercialização e distribuição de produtos de panificação e pastelaria.
Entre outros, é proprietária do estabelecimento comercial “A B”, sito, em Queluz.
Em 1995 começou a preparar um projecto de transformação progressiva da sua estrutura, que continuava a funcionar em moldes que em boa parte pouco diferiam dos iniciais.
Esse projecto, pela sua vastidão, complexidade, mobilização de recursos humanos e materiais, foi o mais importante marco da vida da A. desde a sua fundação, ocorrida no já longínquo ano de 1956.
A preparação, elaboração e análise do projecto consumiram um período de cerca de 2 anos de o debate interno e de profunda reflexão, que culminou com a apresentação da respectiva versão final aos sócios da A., numa, Assembleia Geral ocorrida em oito de Novembro de mil novecentos e noventa e sete.
Como resultado das deliberações aí tomadas foi o referido projecto aprovado, tendo o mesmo começado, ainda nesse ano, a ser posto em prática.
Todas as suas vertentes, económica, financeira, industrial, comercial, tecnológica e humana tinham como desiderato superior, a transformação da A. numa empresa moderna, dinâmica e competitiva.
Os elementos essenciais do projecto consistiam na consolidação e ampliação, para um número várias vezes superior, da rede de estabelecimentos de cafetaria, snack bar e pastelaria de que já então dispunha vulgarmente designados por boutiques de pão, uma vez que as poucas que tinha geravam uma facturação muito maior do que a proveniente depósitos de pão tradicionais que possuía.
Assim, o caminho que pretendia seguir consistia em:
Primeira – Consolidar, por um lado, os seus estabelecimentos “modernos” já existentes.
Segunda - -Modificar a restante componente comercial da A. formada pelos já mencionados depósitos tradicionais, através da progressiva reconversão, nos casos em que tal se justificasse, em estabelecimentos comerciais de cafetaria, pastelaria e snack bar.
Terceira- -Aproveitar, quando valesse a pena e estivesse ao seu alcance, as oportunidades que fossem surgindo para a abertura deste tipo de estabelecimentos em novos locais onde a A. ainda não estivesse presente.
Com esta estratégia, esperava a A.: iniciar ainda a partir desse ano de 1997, uma inversão da situação de crescente deficite, que desde o inicio dessa década vinha ensombrando cada exercício anual; consolidar essa mudança de sentido das contas, através da progressiva diminuição dos prejuízos ao longo dos anos de 1998 e 1999; por termo por essa via, a partir de 2000, a situação de deficit, atingindo nesse ano o ponto de equilíbrio entre as receitas e as despesas.
Como corolário lógico de todos estes passos, atingir finalmente uma situação de lucro a partir do ano de 2001, inclusive.
No ano de 1998, ou seja, logo no exercício subsequente ao ano do arranque do projecto, conseguiu inverter o sentido descendente das suas receitas, situação que se repetiu ainda em 1999.
A recuperação acabou por naufragar.
A situação da A. é hoje bastante difícil.
A esmagadora maioria das receitas da A. é gerada pela actividade de padaria, pastelaria, cafetaria e snack bar, desenvolvida nos seus estabelecimentos “modernos”, ou seja, naquilo que hoje em dia se designa por ‘boutiques de pão “.
Esses estabelecimentos são actualmente em numero de 12
Em Agosto de 1999 a R., enquanto entidade concessionária da rede de caminhos de ferro, estações e demais infra-estruturas ferroviárias, iniciou obras com vista a reorganização física e imobiliária da estação de Queluz e respectivas áreas limítrofes, no âmbito da remodelação global da denominada “linha de Sintra” explorada pela C.P.
As obras tiveram uma 1ª fase, que decorreu desde essa data até finais de Junho do ano subsequente, e consistiram em trabalhos realizados essencialmente ao nível das linhas férreas, que, embora tornando a visibilidade, o acesso e a afluência de clientes mais difícil, não puseram em crise o essencial, isto é a viabilidade e a sustentabilidade do estabelecimento da Autora, “A B”.
Em Julho de 2000 as obras entraram numa 2°fase que se prolongou por cerca de dois anos, marcada fundamentalmente pelos seguintes factos:
a) demolição da estação antiga;
b) supressão do tráfego automóvel na área adjacente afrontaria de “A B”;
c) entaipamento quase literal da frontaria de “A B”, que ficou literalmente invisível e acessível, apenas a peões, através de um acesso com pouco mais de um metro de largura, paralelo a frontaria, o qual, em determinada altura (Fevereiro de 2001) esteve encerrado durante alguns dias, par decisão dos Bombeiros, em virtude de perigo de derrocada.
d) Construção de uma nova estação em local diferente do anterior.
e) Finalmente, por volta de Julho/Agosto de 2002, as obras entraram numa fase terminal, sendo que podemos considerar a configuração actual do local como aquela, que salvo algum imponderável, ficará a ser a traça futura da zona, sendo esta a que resulta do acervo fotográfico que ora se junta (…).
Sucede que tais obras, embora licitas, causaram um profundo impacto de ordem muito negativa, quer no que concerne a “A B “ propriamente dita, quer no que toca à A., de que aquela era uma parte bastante significativa
No ano em que se iniciaram as obras em causa – 1999 -, “A B “ facturou 137.000contos.
No triénio de 1997-1999 a media ponderada de decréscimo das vendas foi de 7,742%/ano.
A tendência de decréscimo da facturação de “A B” estava já em plena fase, senão de extinção, pelo menos de estagnação/consolidação.
Em 2000 as receitas de “A B “ reduziram-se a 80.000 contos.
A realização das obras em causa traduziu-se numa perda total de receitas de “A B”, que acumulada ao longo de 2000, 2001 e 2002 ascendeu à formidável verba de 228.583 cantos.
Concluiu pedindo a condenação da Ré a pagar à A a quantia de € 467.128,80 (quatrocentos e sessenta e sete mil cento e vinte e oito euros e oitenta cêntimos) acrescida de juros a taxa legal desde a data da citação até efectivo e Integral pagamento.
A Ré REFER, na sua contestação, deduziu o incidente de intervenção provocada de TD, SA e invocou as excepções de incompetência absoluta, prescrição, ilegitimidade passiva e impugnou a factualidade alegada com excepção dos factos relativos a terem-se verificado obras na estação ferroviária de Queluz.
A intervenção de TD, SA foi admitida.
A Autora respondeu às excepções invocadas.
Foi proferido saneador sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré e a Interveniente do pedido.
Inconformada, Autora P, Ldª, apelou, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
I- Se numa obra, ainda que feita no interesse público, que tinha o prazo de execução de 540 dias, o dono da obra e a empreiteira levaram mais de 1000 dias a executar a mesma fazendo o prazo passar sensivelmente para o dobro, a sua conduta só se pode presumir de pouco zelosa e diligente, quer na execução da mesma, quer na fiscalização do seu andamento, existe, pois, no caso concreto, uma total ausência de vigilância sobre o ritmo de trabalhos nas vias publicas, donde resultaram prejuízos para peões e para moradores e comerciantes (sendo certo que se os trabalhos são levados a cabo em gestão directa por entidades publicas, como nos parece ser o caso concreto, se soma nesses casos, em pessoas colectivas publicas, responsabilidade por acção e responsabilidade por ausência de fiscalização, dando lugar a obrigação de indemnizar. Era às Apeladas e não à Apelante que cabia o ónus de virem alegar eventuais causas de força maior, catástrofes naturais, actos de terrorismo, ou outras, que pudessem justificar o seu atraso na execução e conclusão da obra- o que não fizeram.
II- Se uma pequena-media empresa portuguesa privada sofre em consequência do atraso superior a um ano de uma obra de construção civil prejuízos superiores a € 460.000, 00, isto após mitigação e prescindindo da totalidade do valor dos danos sofridos – que superavam o € 1.000.000, 00, estes danos são, quer em termos objectivos, ou seja, de valores absolutos; quer em termos subjectivos, capazes por si só se influírem na viabilidade futura da mesma empresa sendo por isso susceptíveis de serem considerados anormais, porque não inerentes aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ou seja, nem todos os cidadãos e nem mesmo todos os comerciantes afectados pela obra sofreram tais prejuízos com o seu atraso que correspondeu a cerca de 20% do rendimento global daquela empresa lesada durante o período em que as obras duraram.
III- Se uma determinada empresa em função da sua localização geográfica, fronteira ao edifício da estação da REFER de Queluz-Belas fica durante dois anos em função de obras ali levadas a cabo privada de acessos condignos e de clientela com;
Supressão do tráfego automóvel na área adjacente a frontaria de a sua loja denominada por “A B”;
Entaipamento quase literal da frontaria de “A HLKJHA”, que tornou literalmente invisível e acessível. apenas a peões, através de um acesso com pouco mais de um metro de largura, paralela à frontaria, o qual, em determinada altura (Fevereiro de 2001) esteve encerrado durante alguns dias, por decisão dos Bombeiros, em virtude de perigo de derrocada;
Construção de uma nova estação em local diferente do anterior com fluxos de passageiros mais desfavoráveis para a empresa e perda definitiva de clientela, esta empresa sofre dano especial, porque não imposto à generalidade das pessoas, mas apenas à referida empresa em função da sua especifica localização e posição relativa, mais nenhum morador ou comerciante daquela artéria sofreu tais danos, por não estarem tão no epicentro da obra. Estes danos decorrentes da obra e que deram a loja como sitiada e forçando mesmo o seu encerramento merecem a tutela do direito e constituem os seus causadores em obrigação de indemnizar.
III- Se a empresa REFER reconhece nos próprios autos pela boca da sua responsável pela comunicação devidamente identificada pelo nome que os comerciantes da Póvoa de Sta Iria merecem ser indemnizados pelos danos sofridos por obras naquela estação, seu atraso e respectiva perda de clientela e de facturação consequente – tal facto é relevante - , o mesmo se passando como os comerciantes do Entroncamento lesados pelo Município daquela cidade em obras em passagem inferior em esta9ao da REFER, conforme Ac. do STA, a Douta Decisão Recorrida ao não admitir agora a pretensão da empresa lesada nestes autos que reclama exactamente o mesmo tipo de danos – perda gravosa de factura9ao originada em atraso de obras de constm9ao civil levadas a cabo ou a mando de entidade pública, - viola o principio constitucional da igualdade de tratamento e da responsabiliza9ao da administração, artigos 2.°, 13.°, 18.° e 266.° da CRP, ao dar à mesma situação fáctica enquadramento jurídico diverso.
IV- Se uma acção vem proposta para efectivação de responsabilidade por acto licito – por se afigurar ser esse o melhor enquadramento jurídico da situação no momento da propositura da mesma -, tal enquadramento não vincula obviamente o Tribunal que conhece do Direito, não estando vedada a este conhecer da responsabilidade civil por facto ilícito ou da culpa dos sujeitos processuais, caso esta se venha em concreto a verificar.
V- A Apelante, no caso concreto, não reclama os danos do período normal de duração da obra – ao contrario do que sucede nos Doutos Arestos citados em seu desfavor -, mas antes, apenas e tão só, o lapso de tempo que extravasou para alem da normal duração desta obra – 540 dias — que as próprias partes outorgantes da empreitada fixaram. Ou seja, reclama o que não é normal nem expectável – ou pelo menos, não o deveria ser – que uma obra que devia durar 540 dias dure mais de 1000, tal constitui circunstância anormal e comprime desnecessariamente para além do tempo razoável os direitos de terceiros também eles susceptíveis de tutela do direito afectando de forma séria e gravosa os interesses patrimoniais daqueles.
VI- Se em resultado da realização de trabalhos de reorganização da linha e de demolição e construção nova estacão de Queluz/Belas com necessária alteração da rede de saneamento, passeios, asfaltamento da Rua ... e outras infra-estruturas, levadas a cabo na mesma Rua, a partir de Junho de 1999, compreendidas na empreitada adjudicada pela Apelada, pelo prazo de 540 dias, ou seja até 30/11/2000 e que viria a durar ate Fevereiro ou Julho/Agosto de2002-ou seja um atraso de quase dois anos –sobre aquilo que seria o prazo normal — no sentido do entre as ali partes convencionado para executar tal obra… tornou-se praticamente intransitável, e o estabelecimento de café e bar, que a Autora e ora Apelante explorava no nº 53 da referida artéria, deixou de ser visitado pela vasta clientela que tinha, diminuindo as receitas conforme supra exaustivamente explanado na parte expositiva das presentes Alegações em mais de € 460.000, 00 (antes de mitigação superior a € 1.000.000, 00). Em consequência, a Apelante que vinha tendo lucros e encetando uma recuperação veio a ter prejuízos que já depois de mitigados ascendem a € 467.128,80 conforme vimos supra tudo por causa directa das obras em causa e respectivo atraso, sendo evidente o nexo de causalidade. Até mesmo cronológico, entre as obras em causa e a dramática queda na facturação da Apelante. Ora, sendo inequívoco que os trabalhos levados a cabo em concretização da empreitada determinada pela Apelada foram realizados no interesse da generalidade dos cidadãos e particularmente dos moradores da zona, melhorando, em diversos aspectos, a respectiva qualidade de vida (saneamento, comodidade e segurança no trânsito de veículos e peões), certo é que, o ónus imposto à Apelante para a respectiva realização, se diferencia, ultrapassando-os, dos normais distúrbios que uma tal situação acarretou ao comum dos clientes daquela artéria. De facto, o período considerável, cerca de 1115 dias em que a Rua ..., em Queluz, permaneceu intransitável por virtude dos trabalhos públicos levados a efeito pela Apelada, prejudicou substancialmente a Apelante no seu modo de vida, passando a ter prejuízos no estabelecimento comercial que explorava na Rua em questão, quando, antes disso, tinha obtido lucros. O montante dos prejuízos cuja verificação foi alegada é anormalmente elevado, pelo que, a situação pode facilmente ser englobada na previsão do artigo 9° do Decreto-Lei n° 48 051, que exige a especialidade e anormalidade do dano, como condições da sua ressarcibilidade.
VII- Não se impugna matéria de facto, dado que, não chegou a existir produção de prova, para os efeitos do artigo 690.°, n.° 2, alíneas a) a c) do CPC, considera-se que o decidido violou os termos 2.°. 13.°, 18.° e 266.° da CRP ao tratar de forma desigual situação idêntica e sujeitos na mesma posição jurídica – comerciantes lesados com perda de facturação grave por atraso em obra pública - interpretou erroneamente o artigo 9º do Decreto-Lei n° 48 051 quando não considera especial e anormal o prejuízo verificado; e omite a aplicação dos artigos 483.°, 493.°, n.° 1 e 501.° do CC quando não atribui culpa pela demora na execução da obra e na ausência ou deficiente vigilância da mesma e do respectivo ritmo de andamento, que conduziu fatalmente ao seu atraso.
Termina dizendo que deve ser revogada a sentença, substituindo-a por outra que permita o prosseguimento dos autos para julgamento, seguindo o processo os ulteriores tramites ate final, com as legais consequências.

Refer E.P. contra - alegou, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
1- A Recorrente na primeira parte do seu recurso volta a repetir a matéria alegada na P.I. quanto a enunciação e existência de prejuízos decorrentes, alegadamente, da obra em causa nos autos.
2- Porém, tal matéria que se encontra totalmente impugnada, situa-se fora do âmbito da decisão recorrida, dado estar apenas em questão determinar se a Recorrente tem direito a reclamar indemnização.
3- Por outro lado, a Recorrente veio, inexplicavelmente, fundamentar o seu recurso com matéria que não constava na sua P.I. , ou seja, a causa de pedir expressa na P.I. tem como fundamento a ocorrência de prejuízos (perda de facturação) devido à obra em causa nos autos, qualificando a A. a acção como de responsabilidade civil extracontratual por facto licito,
4- A própria decisão recorrida refere na sua fundamentação que a recorrente não atribui qualquer ilicitude ou negligencia ao modo de execução da obra.
5- Contudo, o recurso tem como fundamento a ocorrência de prejuízos (perda de facturação) devido a atraso ilícito da obra em relação ao prazo contratual previsto e ausência de fiscalização ou vigilância sobre o ritmo dos trabalhos, ou seja, por facto ilfcito – conclusões 1, 2, 4, 5 e 6.
6- Tal alegação ou procedimento é, manifestamente, desleal e censurável, até porque a recorrida estruturou toda a sua defesa em função da matéria alegada na P.I., sendo certo que não existiu qualquer altera$ao da causa de pedir, apesar da A. ter sido notificada, com a contestação da recorrida, do contrato de empreitada relativo à obra em causa e ter deduzido réplica.
7- Trata-se, assim, o recurso de matéria nova que não pode ser objecto de apreciação, ate porque não o foi anteriormente, devendo consequente o recurso ser rejeitado ou não se proceder ao seu conhecimento.

8- Por outro lado, a cautela, mesmo nos termos do art. 9º do DL 48051, a Recorrente não é titular de qualquer direito de indemnização porque não se verificam os requisitos de anormalidade e especialidade.
9- Com efeito, o escopo da obra – construção da estação de Queluz/Belas e modernização de via – foi o interesse público, concretamente a melhoria das condições de segurança, acesso, utilização e bem-estar dos cidadãos, em geral, que utilizam os comboios, tendo existido, ainda, a preocupação de reordenamento urbanístico da envolvente da estação.
10- Como a A. , alias, confessa em 100 da P.I.
11- Se a execução da obra foi susceptível de causar transtornos, incomodidades e eventualmente, prejuízos, tal situação repercutiu-se na generalidade das pessoas moradoras ou utilizadoras da zona ou nos comerciantes estabelecidos no local, como a própria A afirma em 84, 113 e 114 da P.I.
12- Consequentemente, os, eventuais, condicionalismos resultantes da realização da obra afectaram, de igual modo, a generalidade das pessoas e comerciantes da zona, tendo, porem, como contrapartida a melhoria das condições referidas para as mesmas pessoas e comerciantes, não se verificando, assim, os requisites de anormalidade e especialidade.
13- Além de, em relação à A., ter existido o cuidado de, no decurso da obra, manter acesso livre ao estabelecimento da mesma para se evitar interferir, na medida do possível, com a actividade da A.
14- Por outro lado é inexplicável que a A. alegue diminuição not6ria de facturação desde Julho de 2000 devido a obra e, só após a conclusão da mesma obra, venha reclamar indemnização correspondente a quebra de facturação, sofrida desde essa data até ao final da obra, sem que antes tenha tornado quaisquer medidas para evitar a ocorrência de prejuízos, concretamente, o recurso aos tribunais, logo que verificou a quebra abrupta de facturação.
15- Situação essa que, também, coloca em causa a presente acção, nos termos do artg° 570 n° 1 do C.Civil.
16- O Tribunal não violou qualquer principio constitucional de igualdade de tratamento, em primeiro lugar, porque as situações a este propósito referidas pela Recorrente nada têm a ver com o caso dos autos e, em segundo lugar, limitou-se a aplicar a lei, perante a matéria factica alegada pela Recorrente na sua Petição Inicial.
Termina dizendo que deve ser rejeitado ou negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Refer E.P. apresentou recurso subordinado apresentando as seguintes conclusões das alegações:
1- O despacho ora recorrido indeferiu a suscitada excepção da prescrição, por considerar que o prazo prescricional só começou a correr após o fim das obras, em causa nos autos, e não se aplicar o prazo prescricional do artg° 498 à responsabilidade decorrente de actos lícitos.
2- Perante uma acção de responsabilidade civil extracontratual por facto licito com fundamento em quebra de facturação da A. devido a obra iniciada pela Recorrente em Agosto de 1999 na estação de Queluz.
3- Como resulta do alegado em 73 da P.I. e do próprio documento 13 junto a mesma P.I., com a data de 21 de Outubro de 1999, pelo menos desde Outubro de 1999, a A. refere a existência de prejuízos – quebra de facturação – devido à obra, prejuízos esses já então quantificáveis.
4- Sendo certo que o direito de indemnização impetrado nos autos, prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do mesmo, embora com desconhecimento da extensão integral dos prejuízos, começando a correr quando o direito puder ser exercido, nos termos dos artgsº 306 n° 1 e 498 nº1 do C. Civil.
5- Consequentemente, estando em causa um facto unitário, quebra de facturação devido a obras que se iniciaram em 1999, o prazo da prescrição, contrariamente ao despacho recorrido, conta-se, pelo menos, a partir de Outubro de 1999,
6- Sendo certo que, mesmo desconhecendo o montante dos danos, a data em que interpusesse a acção, sempre poderia vir a liquidar esse montante em execução de sentença ou em momento posterior – artg° 471 n° 1 alínea b) e 2 do C.P.C. (na redacção vigente à data em que interpusesse a acção, sempre poderia vir a liquidar esse montante em execução de sentença ou em momento posterior – artg° 471 n° 1 alínea b) e 2 do C.P.C. (na redacção vigente à data da propositura da acção) e 569 do C.Civil.
7- Assim a decisão recorrida, ao considerar que o prazo da prescrição se iniciou unicamente com o fim das obras, violou o disposto nos artgsº 306 n° 1 , 498 n° 1 do C.Civil.
8- Desta forma, iniciando-se o prazo da prescrição em Outubro de 1999, quando a acção deu entrada em juízo, em 28 de Agosto de 2003, já estava prescrito o direito indemnizatório que a A. ora se arroga.
9- Prazo da prescrição aplicável ao caso, contrariamente ao defendido na decisão recorrida é do artg° 498 n° 1 do C.Civil, como resulta do artg° 71 n° 2 da L.P.T.A., vigente à data da propositura da acção.
10- Não existindo qualquer desvio a esse prazo em função da natureza licita ou ilícita do acto praticado, tendo assim a decisão recorrida, violado, a este propósito o disposto no artg° 71 n° 2 da L.P.T.A., na redacção vigente à data da propositura da acção e 498 n° 1 do C.Civil.
Termina dizendo que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, no que tange à prescrição e, consequentemente, declarar-se prescrito o direito de indemnização que a A. reclama nos autos, absolvendo-se a Recorrente do pedido.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 e 2 do CPC, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
- Recurso de P, Lda
Direito da Apelante a ser indemnizada pela Refer E.P
- Recurso de Refer E.P ( subordinado)
Prescrição
Quando a questão a apreciar no recurso subordinado é prejudicial da que fundamenta o recurso independente, deve conhecer-se em primeiro lugar da questão do recurso subordinado ( Ac. RL, de 19.04.90, CJ, 2º, 150)
A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível, ou não declarado por lei isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante um certo tempo (artº 298ºdo C.Civil)
A prescrição configura-se como excepção peremptória que, nos termos do nº3 do artº 493º do C. Processo Civil, importa a absolvição do réu do pedido, por causa impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
Assim, entendemos que deve ser em primeiro lugar apreciado o recurso subordinado.
Na petição inicial P, Lda pediu a condenação de Refer E.P, no pagamento de uma indemnização por prejuízos que sofreu por ter vista diminuída a sua facturação, como consequência de uma obra realizada pela Ré.
O pedido de indemnização formulado pela P, Lda fundamenta-se na responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos que está genericamente prevista no art.9º do Dec. Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967.
O art. 5º do Dec. Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967 mandava aplicar as regras da prescrição fixados na lei civil, mas reportado ao direito “regulado nos artigos anteriores”. Este preceito foi implicitamente revogado pelo Dec. Lei 267/85, de 16 de Julho (LPTA), que veio dispor no art. 71º, 2: “o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos (…) por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do art. 498º do C. Civil”.
O artº71º da LPTA, ( uma disposição em matéria de direito substantivo, que versa sobre o prazo de prescrição, que está, excepcionalmente, inserida numa lei geral, a lei administrativa processual) - demonstra que foi intenção do legislador clarificar e uniformizar o regime de prescrição da responsabilidade civil extracontratual do Estado prevista na lei - diz no seu nº2 “ o direito de indemnização por responsabilidade extracontratual dos entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artº498º do Código Civil.
O artº 498º, do C. Civil, referindo-se ao instituto da prescrição, diz no seu nº1 que “ O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária (…)”.
O art. 71º, 2, da LPTA refere-se a toda e qualquer responsabilidade civil extracontratual por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, pelo que não suscita dúvida que a sua previsão abrange a responsabilidade emergente de actos lícitos.
A doutrina defende que não existem razões para que a responsabilidade por factos lícitos tenha um prazo de prescrição diferente, pois só desse modo se acautelam os interesses do responsável, que agiu licitamente e sem culpa, nomeadamente neste sentido, se pronunciou VAZ SERRA, Fundamento da Responsabilidade Civil, pág. 292 “…baseando-se a prescrição na curta vantagem de uma não distante apreciação dos factos, esta mesma vantagem existe para a indemnização por actos lícitos”
No mesmo sentido GOMES CANOTILHO, O Problema da Responsabilidade do Estado por actos lícitos, pág. 124 e 125: “Os diferentes prazos de prescrição atribuídos a uma e outra espécie não podem deixar de ser uma sequela conceitualística da doutrina que negava à responsabilidade por actos lícitos o carácter de verdadeira e autêntica responsabilidade. Mas se a lei não distingue entre prazos prescricionais da responsabilidade por factos ilícitos e culposos e responsabilidade pelo risco, cremos não subsistirem razões para sujeitar a regime diferente a responsabilidade por actos lícitos”.
O prazo do art. 498º, 1, do C. Civil tem em vista os casos em que esse direito não está formalmente reconhecido. Depois da sentença judicial reconhecer o direito à indemnização, a obrigação de indemnizar prescreverá no prazo ordinário de 20 anos (art. 309 e 311º, 1, do C. Civil). Assim, o direito à indemnização por factos ilícitos ou lícitos depois desta ser reconhecida por lei, ou por acto administrativo, prescreverá no prazo geral de 20 anos.
Na base do instituto da prescrição estão razões que se prendem com a certeza e a segurança das relações jurídicas e bem assim razões relativas à proximidade da prova dos factos.
As razões fundamentais do estabelecimento de uma prescrição de curta duração (proximidade temporal do facto causador do dano ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vol I, 10ª Edição, Coimbra, Reimpressão da Edição de 2000, pág. 626) decorrem das dificuldades de prova à medida que o tempo vai passando, isto é, “a prova dos factos que interessam à definição da responsabilidade em regra feita através de testemunhas, torna-se extremamente difícil e bastante precária a partir de certo período de tempo sobre a data dos acontecimentos, e por isso convém apressar o julgamento das situações geradoras de danos ressarcível”.

Assim, a responsabilidade civil de Refer E.P por facto lícito, em que P, Lda fundamenta a acção, é uma modalidade da responsabilidade civil extracontratual, sendo-lhe aplicável, por força do citado artº71º, nº2 da LPTA, o prazo de prescrição previsto no nº1 do artº498º do CC
“A prescrição começa em regra logo que nasce a pretensão accionável” (Vaz Serra, BMJ 106-23) ou, como ensinava Manuel de Andrade face ao C. Civil de 1867, é aplicável «a quaisquer direitos subjectivos» (Teoria Geral, Vol. II-446). E justifica-se, entre outros fundamentos alegáveis (Manuel de Andrade, o. e l. cit.) «na negligência do titular do direito em exercitá-lo no período indicado na lei» ou (segundo Vaz Serra, BMJ 107-193) na «inacção e negligência do credor». Se bem que a doutrina (ver Vaz Serra, RLJ 112-288 e segs.) e a jurisprudência (acórdão ampliado de 26-3-98, BMJ de 23-6-98, BMJ 475-21 e Ac. STJ de 12-3-98, CJ(S) VI 1-127).
O prazo de prescrição conta-se a partir do momento em que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o facto foi praticado e dessa pratica ou omissão resultaram para si danos.
O facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Em relação aos danos não verificados, uma vez que o facto é continuado o prazo de prescrição de três anos só começa a correr a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento dos danos (Ac. STJ de 03.12.98, BMJ, nº482, pág.211), uma vez que as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida pelo lesado)- Ac STJ de 13.12.2001, P. 1983/01 (Relator Pires Figueira)
As obras começaram em 99 e terminaram em 2002.
A Autora pretende indemnização dos prejuízos que sofreu como consequência da segunda fase das obras, iniciada em Julho de 2000.
A acção entrou em juízo em 28.08.2003 e a Ré foi citada em 19.04.2004.
Nos termos do art. 323 do CC a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (nº1). Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

No caso da presente acção a prescrição considera-se interrompida em 02.09.2003
Assim, o direito a indemnização invocado por P, Lda decorrente das obras levadas a cabo por Refer E.P, encontra-se prescrito relativamente aos danos invocados relativos ao período anterior a 02.09.2000.
O Mº Juiz fundamentou a sentença impugnada por P, Lda, através do recurso, dizendo que a Apelante apresenta como causa de pedir os factos a seguir elencados, os quais, ainda que viessem a ser provados, não conferem à Autora o direito a ser indemnizada por prejuízos sofridos, como pretende:
1- ‘Sucede, porém, que em Agosto desse ano, a R., enquanto entidade concessionaria da rede de caminhos de ferro, estações e demais infra-estruturas ferroviárias, iniciou obras com vista a reorganização física e imobiliária da estação de Queluz e respectivas áreas limítrofes, no âmbito da remodelação global da denominada “linha de Sintra” explorada pela C.P.
2- Tais obras iniciaram-se conforme já foi referido em Agosto de 1999, tendo numa 1ª fase que podemos situar desde essa altura até finais de Junho do ano subsequente, caracterizando-se por trabalhos realizados essencialmente ao nível das linhas férreas, que, embora tornando a visibilidade, o acesso e a afluência de clientes mais difícil, não puseram em crise o essencial, isto é a viabilidade e a sustentabilidade de “A B”.
3- Posteriormente, em Julho de 2000 as obras entraram numa 2°fase que se prolongou sensivelmente por dois anos, marcada fundamentalmente pelos seguintes factos:
a) demolição da estação antiga;
b) supressão do tráfego automóvel na área adjacente afrontaria de “A B”;
c) entaipamento quase literal da frontaria de “A B”, que ficou literalmente invisível e acessível, apenas a peões, através de um acesso com pouco mais de um metro de largura, paralelo à frontaria, o qual, em determinada altura (Fevereiro de 2001) esteve encerrado durante alguns dias, por decisão dos Bombeiros, em virtude de perigo de derrocada.
d) Construção de uma nova estação em local diferente do anterior.
4- Finalmente, par volta de Julho/Agosto de 2002, as obras entraram numa fase terminal, senão que podemos considerar a configuração actual do local como aquela, que salvo algum imponderável, ficará a ser a traça futura da zona, sendo esta a que resulta do acervo fotográfico que ora se junta (…)”.
Nos termos do art. 676 do CPC as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos.
Os recursos visam apreciar questões decididas no tribunal de que se recorre e não proferir decisões sobre matéria nova.
O Tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre questão nova, salvo questões que a lei determine o seu conhecimento oficioso.
A causa de pedir, no plano funcional, é o elemento que, com o pedido, identifica a pretensão da parte e que, assim, ajuda a decidir da procedência do pedido desta.
Nos termos do art.273 do CPC na falta de acordo das partes, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo Réu e aceite pelo Autor.
Assim, nas alegações de recurso não pode ser alterada a causa de pedir.
Nas conclusões das suas alegações a Apelante diz que apenas pretende ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu com as obras durante o período que excedeu o prazo previsto para a obra que era de 540 dias, tendo o período de duração efectivo das mesmas sido de 1115 dias, sendo certo que tendo estruturado a acção com vista a pedir indemnização por prejuízos sofridos em resultado de actos lícitos da administração tal não impede o tribunal de atribuir proceder à condenação na indemnização pedida, com base na prática de factos ilícitos pela Administração de que resultaram os factos ilícitos.
Como acima se referiu a causa de pedir não pode ser alterada nas alegações de recurso e na petição inicial apenas foi invocado direito a indemnização por prejuízos sofridos em resultado de factos lícitos da administração, isto é, a realização das obras de alteração da estação de caminho de ferro de Queluz e só agora, nas alegações de recurso, a Apelante invoca o direito a indemnização por as obras de se terem alargado por tempo superior ao previsto no contrato de empreitada da mesma.
A causa de pedir apresentada na petição inicial não foi alterada nos articulados pela Apelante.
Por outro lado, os pressupostos da obrigação de indemnizar por factos ilícitos são o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o prejuízo ou dano, e o nexo de causalidade entre este e o facto. Não foram alegados na petição factos que preenchessem os referidos pressupostos, nem a causa de pedir foi alterada enquanto tal era admitido.
Face ao referido, a questão do direito de indemnização pela prática de factos ilícitos, invocado pela Apelante não pode ser apreciada neste recurso.
Nos termos do art. 22 da Constituição da República Portuguesa, o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
Nos termos do art. 1 do DL 48.051, de 21.11.1967, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo disposto no presente diploma, em tudo o que não esteja previsto em leis especiais.
Nos termos do art. 9º, do mesmo diploma, o Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais (nº1). Quando o Estado ou as demais pessoas colectivas públicas tenham, em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público, de sacrificar especialmente, no todo ou em parte, coisa ou direito de terceiro, deverão indemnizá-lo (nº2).
A norma não define o que se deve entender por “ prejuízos especiais e anormais”.
De acordo com a jurisprudência dominante, é prejuízo anormal aquele que se revista de certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites do que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade, isto é, que extravase em importância e peso de sacrifício, os encargos sociais normais, exigíveis em contrapartida da existência e funcionamento dos serviços públicos.
Também de acordo com a jurisprudência prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas que incide designadamente sobre um individuo ou grupo determinado.
São pressupostos fundamentais da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas por actos lícitos:
a) um acto licito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública;
b) que o mesmo seja praticado por motivo de interesse público;
c) um prejuízo anormal e especial sofrido pelo lesado;
d) a existência de nexo de causalidade entre um tal acto e o prejuízo.
A exigência de legal da verificação do pressuposto de que o prejuízo seja anormal e especial resulta do principio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, fundado no princípio da igualdade previsto constitucionalmente (art.13 da CRP) e da proporcionalidade da acção estadual (arts.18, nº2 e 206, nº2 da CRP), de que decorre que todos devem contribuir de forma semelhante para os encargos públicos suportando os sacrifícios decorrentes dessa actividade do Estado, mas se o sacrifício for especial e grave, colocando quem o sofreu em situação de manifesto desigualdade relativamente aos seus pares no universo dos que são onerados com o sacrifício necessário em prol do bem publico, deve ser indemnizado.
Caso contrário o sacrifício suportado pelo lesado deixaria de ser um encargo social normal, exigível a toda a comunidade, e compensado com as vantagens da actividade desenvolvida pelo estado no sentido da melhoria das condições de vida e bem estar da sociedade, para passar a ser um sacrifício que o colocaria em manifesta situação de desigualdade perante os outros membros da comunidade na repartição da obrigação de contribuição para os encargos da sociedade.
A intervenção efectuada pelas Apeladas, de alteração da estação de caminho de ferro de Queluz, acessos e cruzamento da mesma, é natural que tenha causado transtornos, incomodidade e prejuízos aos que necessitaram passar no local, aos que na área residiam e aos que aí exerciam a sua actividade, a uns mais que a outros, certamente, mas o sacrifício suportado por esse universo de cidadãos afigura-se normal e previsível como encargo da vida em sociedade e procura do progresso e bem estar da comunidade.
No entanto, se no universo das pessoas abrangidas pelo referido sacrifício, em razão do bem comum, estão algum ou alguns que são sujeitos a um sacrifico com importância e peso manifestamente excessivos relativamente à restante comunidade, os mesmos devem ser indemnizados.
Para isso há que apurar se se mostram preenchidos os requisitos previstos no art.9º DL 48.051 de 21.11.1967
O principio da igualdade pretende evitar o arbítrio, mediante uma diferenciação de tratamento irrazoável, a que falte inequivocamente apoio material e constitucional objectivo.
O principio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento da responsabilidade por actos lícitos, acolhida no art.º 9.º do DLei 48051 de 21.11.1967 .
No caso dos autos os factos alegados pela Apelante na petição inicial, sendo certo que a causa de pedir não foi alterada até ter sido proferida a decisão, consistem na diminuição da facturação do estabelecimento em resultado da diminuição da clientela em razão das alterações de acesso, e maior dificuldade no mesmo, ao local do estabelecimento da Apelante.
Tal não é suficiente para integrar o conceito de prejuízo “especial” que consta da previsão do art.º 9.º do D. Lei 48051 de 21.11.1967.
Tais factos constituem um sacrifico que quem está próximo de obras efectuadas pela administração sofre com a realização das mesmas.
As referidas obras não provocaram, segundo a causa de pedir, danos na esfera jurídica da Apelante. Apenas frustraram a sua expectativa de vendas instituto da prescrição no seu negócio por alteração das condições de transito tanto de peões como de veículos no local em que se encontrava o estabelecimento.
Ora a Administração na prossecução do progresso e procura da melhoria e bem estar das populações, como é o caso, não está nem pode estar condicionada, nem daí lhe advém ou pode advir qualquer responsabilidade, pelas expectativas que os particulares criaram quando arquitectaram os seus negócios. Trata-se do risco próprio do negócio.
Assim, improcede o recurso de Apelação interposto por P, Lda
Pelo exposto, julga-se:
1- parcialmente procedente o recurso de apelação de Refer E.P considerando prescrito o direito de indemnização invocado por P, Lda, referente ao período anterior a 02.09.2000, revogando parcialmente a decisão recorrida;
2- improcedente o recurso de apelação de P, Lda, confirmando a decisão recorrida.
Custas da Apelação de P, Lda, a cargo desta.
Custas da Apelação de Refer E.P, na proporção de 97/100 a cargo desta e 3/100 a cargo de P, Lda
Lisboa, 16 de Abril de 2009.
Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Carlos Marinho