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CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
1 - Se for de prever que a decisão de uma das acções em determinado sentido origina inutilidade superveniente da lide na outra, nem por isso se pode concluir pela existência de prejudicialidade: é que, ao decretar-se inutilidade superveniente da lide, não se faz qualquer julgamento de mérito, não havendo assim dependência duma decisão de mérito relativamente a outra decisão de mérito, e só neste sentido se pode falar em nexo de prejudicialidade. 2 - Decretada a suspensão da instância, em virtude da pendência de uma outra causa prejudicial, se a decisão desta fizer desaparecer o fundamento ou razão de ser da causa que estivera suspensa, deve esta última ser julgada improcedente (art. 284º, nº 2, do CPC) – o que pressupõe ter havido uma decisão de mérito na causa dita prejudicial.
Texto Integral
Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:
Condomínio, representado pela sua administradora “H, Lda.”, e outros, inconformadoscom a decisão que - na acção declarativa de condenação por eles mesmos intentada contra “J, S.A.”, “R, S.A.” e “A, S.A.” - declarou suspensa a instância, ao abrigo do disposto no art. 279º, nº 1, do CPC, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção pendente na 3ª Vara, 2ª secção, com o nº 6899/03, interpuseram recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo (arts. 733º, 736º e 740º, nº 1, todos do Código de Processo Civil), tendo rematado as alegações que apresentaram com as seguintes conclusões:
“1ª - O presente recurso tem por objecto o despacho proferido de fls. 587 a fls. 591, que declarou suspensa a instância ao abrigo do disposto no artº 279º nº 1 do CPC até ao trânsito em julgado de sentença que vier a ser proferida na acção pendente na 3ª Vara, 2ª Secção, com o nº 6899/03, por se entender existir prejudicialidade entre a presente acção e a acção supra referida.
2ª - Tanto a excepção de litispendência, arguida pelas RR.. e afastada pelo Meritíssimo Juiz a quo, como a causa prejudicial surgem nos presentes autos, em virtude da pendência do referido Procº nº 6899/03, a correr termos na 2ª Secção da 3ª Vara, que, numa primeira análise, suscita a ideia da repetição de uma causa.
3ª - Na primeira acção (nº 6899/03) o A. pede a condenação das RR.. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar, no revestimento das fachadas do empreendimento, o material publicitado e assegurado, conforme consta do projecto inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tech, fundamentando o seu pedido nas brochuras onde se publicitava a construção de um empreendimento de luxo, com acabamentos de alta qualidade, constando da lista de acabamentos que o revestimento exterior das fachadas seria em tijolo maciço e placas de betão com acabamento con-tech, mas o material que acabou por ser aplicado foi monomassa, de qualidade e preço inferiores ao que havia sido publicitado, e ainda que o material foi deficientemente aplicado, apresentando imperfeições e remendos ao longo de toda a fachada, e a desadequada impermeabilização e protecção executadas pelas RR, originam a concentração de água e humidade, e consequentemente, o aparecimento de manchas e fungos.
4ª - Na presente acção, os AA.. pedem a condenação das Rés a proceder à substituição integral do material de revestimento da fachada, por outro que ofereça as garantias e cumpra os requisitos de resistência, durabilidade, estética, aspecto uniforme, impermeabilidade e imunização aos fungos, e previamente a proceder à reparação e boa regularização do suporte do revestimento final, fundamentando o seu pedido nas ocorrências de desprendimento de parte do revestimento da fachada dos edifícios, em 30.08.2006 e em 21.09.2006, e ainda no facto de o revestimento apresentar fissurações e fendilhações disseminadas, sendo que em alguns locais o material está a desagregar-se, existindo inúmeros pontos com manchas escuras, esverdeadas e escorrimentos, provocados pela acumulação e proliferação de fungos.
5ª - Perante o(s) critério(s) de prejudicialidade, sucessivamente alvo de afinações por parte da nossa jurisprudência, somos em crer que não estamos perante uma verdadeira causa prejudicial, que, como tal, arvore a suspensão da presente instância.
6ª - Como se retira do acórdão do STJ de 30.04.2002, in www.dgsi.pt, "as situações de prejudicialidade entre acções situam-se no âmbito das relações de dependência entre objectos processuais”, doutrina perfilhada por Miguel Teixeira de Sousa, em Revista de Direito de Estudos Sociais, ano XXIV, nº 4, Outubro-Dezembro de 1977, 305-306.
7ª - O critério reside, pois, em saber se o objecto de uma determinada acção já proposta consiste em apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto do objecto de uma outra acção. Por exemplo: na acção de divórcio, se o casamento é válido ou nulo, na acção de alimentos a filho menor, se o alimentando tem a qualidade de filho do alimentante, etc.
8ª - Analisando a situação em concreto, temos duas acções, aparentemente respeitantes a uma mesma situação - o revestimento das fachadas do empreendimento Jardim - mas que têm na sua génese factos diferentes e nas quais são peticionadas soluções diversas.
9ª - A presente acção foi interposta em virtude da ocorrência de desprendimentos da dita fachada, a que urge dar uma solução concreta.
10ª - Apesar da pendência da acção anterior não se verifica a existência de qualquer questão que tenha de ser decidida na primeira acção para que a segunda acção possa prosseguir, uma vez que o objecto da primeira acção não é um facto ou situação que seja elemento ou pressuposto do objecto da presente acção.
11ª - Justificar-se-ia, outrossim, a apensação de ambas as acções, como, aliás, foi pedido pelo A. na acção que corre termos pela 3ª Vara, pedido esse que foi indeferido.
12ª - Não colhe, na modesta opinião dos Recorrentes, a justificação de que a procedência da acção que corre termos na 3ª Vara determina a inutilidade da presente acção, pois tal justificação não traduz a existência de uma verdadeira causa prejudicial, em face dos critérios dominantes.
13ª - E se técnico-juridicamente os Recorrentes consideram ter a razão pelo seu lado, assiste-lhes ainda o interesse no andamento regular e célere do presente processo, que deriva claramente dos poderes-deveres que impendem sobre o juiz da causa, na égide do poder de direcção do processo e do princípio do inquisitório.
Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho de fls. 587 a fls. 591, que determinou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado de sentença que vier a ser proferida na acção pendente na 3ª Vara, 2ª Secção, com o nº…, e, em consequência, ordenando-se o prosseguimento dos autos.
Assim, farão V. Exas., como sempre, a tão costumada JUSTIÇA.”
Não houve contra-alegações.
O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do presente recurso de agravo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
A DECISÃO RECORRIDA
O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :
“1.1. As RR. J e P, S.A., e R, S.A. vieram na contestação deduzir a excepção de litispendência entre estes autos e a acção ordinária que corre termos pela 3ª Vara, 2ª secção, com o nº 6899/03, em que são RR. as aqui 1ª e 2ª RR. e Autor H, Lda.,na qualidade de administradora do condomínio do empreendimento Jardim.
Alegam, para tanto, que naquela acção o A. pede a condenação das RR. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar no revestimento das fachadas o material publicitado e assegurado nas brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec.
Na presente acção o condomínio pede a substituição do material de revestimento existente, o que é rigorosamente a mesma coisa.
Caso assim se não entenda, pedem a suspensão da presente instância, por existir uma relação de prejudicialidade entre uma e outra acção, o que aconselha a sobrestar no conhecimento da presente acção, pois que se as RR. fossem condenadas naquela acção a remover o material de revestimento das fachadas e a aplicar o con-tech como é pedido não faria sentido conhecer da presente acção com vista a condená-las a substituir esse mesmo material de revestimento das fachadas.
Os AA. pugnaram pelo indeferimento da excepção de litispendência.
Para conhecer do pedido de suspensão da instância, impõe-se conhecer, desde já, por existência de encadeamento lógico, da excepção de litispendência. 1.2. Da excepção de litispendência
A excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa - artigo 497º, nº 1 -, a qual se verifica quando são idênticos, nas duas acções, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir, coados estes elementos pelo objectivo de se evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, tudo como resulta do disposto nos artigos 497º e 498º do CPC.
A excepção de litispendência - como a do caso julgado - visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior: a excepção de litispendência garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica - Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "O objecto da sentença e o caso julgado material (O Estudo sobre a Funcionalidade Processual", in B.M.J., nº 325, págs. 49 e segs., maxime, págs. 175 e segs. e 200 e segs.).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Ou seja, a diversidade de posição processual não obsta à identidade de sujeitos. Assim, o facto de numa das acções figurar como autor quem na outra figura como réu não destrói a identidade de litigantes.
Há identidade de pedidos quando numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico. E "para que haja identidade de pedido entre duas acções não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas" - Cfr. Calvão da Silva, "Estudos de Direito Civil e Processual Civil", 1996, pág. 234.).
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas procede do mesmo facto e a tal não obsta que numa das acções o pedido tenha sido formulado por via reconvencional e noutra como pedido da acção.
A causa de pedir é constituída pelos factos concretos que se servem de suporte ao pedido.
Será que essa tríplice identidade que caracteriza a repetição de causas, integrante da litispendência e do caso julgado (artigos 497º e 498º) se verifica na situação em presença?
A litispendência pressupõe a pendência de duas acções, o que acontece no caso em apreço.
Decorre da certidão junta a fls. 537 a 585 que a acção ordinária nº que corre termos pela 3ª Vara, 2ª secção, foi intentada por H, Lda., na qualidade de administradora do condomínio do empreendimento Jardim, contra J, S.A., e R, S.A.
Naquela acção o A. pede a condenação das RR. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar no revestimento das fachadas do empreendimento o material publicitado e assegurado, conforme consta do projecto inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec.
Como factos concretos para fundamentar o pedido, invoca a A. que nas brochuras publicitava-se a construção de um empreendimento de luxo, com acabamentos de alta qualidade, constando da lista de acabamentos que o revestimento exterior das fachadas dos edifícios seria em tijolo maciço e placas de betão com acabamento con-tech, contudo o material que acabou por ser aplicado foi monomassa, de qualidade e preço inferior ao que havia sido publicitado.
Para além disso, aquele material foi aplicado de forma deficiente, apresentando imperfeições e remendos ao longo de toda a fachada, sendo que devido ao facto de as RR. não terem efectuado a impermeabilização nem a protecção adequadas, originou a concentração de água e humidade, e consequentemente o aparecimento de manchas e fungos.
Por seu turno, na presente acção, instaurada pelo Condomínio, representado pela sua administradora H, Lda., e outros contra J, S.A., R, S.A. e A, S.A., pedem os AA. a condenação das RR. a proceder à substituição integral do material de revestimento da fachada por outro que ofereça as garantias e cumpra os requisitos de resistência, durabilidade, estética, aspecto uniforme, impermeabilidade e imunização de fungos e previamente a proceder à reparação e boa regularização do suporte do revestimento final; subsidiariamente, caso não procedam voluntariamente à eliminação dos defeitos, pedem a condenação das RR. a pagar as quantias que vierem a despender com essa eliminação.
Como factos concretos para fundamentar o pedido, invocam os AA. o desprendimento de parte do revestimento da fachada dos edifícios em 30-8-2006 e em 21-9-2006, e que o revestimento da fachada apresenta fissurações e fendilhações disseminadas, sendo que em alguns locais o material está a desagregar-se, existindo inúmeros pontos com manchas escuras, esverdeadas e escorrimentos, provocados por acumulação e proliferação de fungos.
Temos, assim, de concluir que não existe identidade de sujeitos (ainda que haja coincidência parcial quanto aos sujeitos: os sujeitos da 1ª acção são os mesmos da 2ª acção, que para além desses comporta do lado activo outros dois AA. e do lado passivo outra R.), pedido e causa de pedir (a causa de pedir na 1ª acção assenta na venda de coisa defeituosa, enquanto que na 2ª acção assenta na existência de defeitos na construção dos edifícios) nas duas acções.
É, pois, manifesto que não se verifica uma situação de litispendência entre a presente acção e o processo que corre termos pela 3ª Vara, pelo que se julga improcedente a invocada excepção. 1.3. Da existência de causa prejudicial
O nº1 do art. 279º do CPC concede ao Tribunal o poder de ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, isto é, quando pender uma causa prejudicial, ou quando ocorrer outro motivo justificado.
Sustenta Alberto dos Reis que “uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda” (Comentário ao Código Processo Civil, vol. 3, p. 268).
No mesmo sentido veja-se os Ac. da Relação de Coimbra de 18-2-1984, CJ, t. 5,, p. 101, de 21-4-1981, CJ, t. 2, p. 41, e de 23-4-1985, CJ, t. 2, p. 64 e Ac. do STJ de 28-5-1991, BMJ, 407, p. 455, e de 26-5-1994, CJ-STJ, t. 1, p. 290.
No caso dos autos, temos, por um lado, uma acção na qual se peticiona a remoção do material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicação de placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec; e do outro, uma acção na qual se pede a substituição integral do material de revestimento da fachada por outro que ofereça as garantias e cumpra os requisitos de resistência, durabilidade, estética, aspecto uniforme, impermeabilidade e imunização de fungos e previamente a proceder à reparação e boa regularização do suporte do revestimento final.
Ora, daqui resulta que a procedência da acção que corre termos pela 3ªVara determina a inutilidade da presente acção, destruindo a razão de ser desta acção, donde no específico caso concreto entende-se existir prejudicialidade entre a presente acção e a acção acima referida.
Termos em que declaro suspensa a instância, ao abrigo do disposto no art. 279º, nº 1 do CPC, até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção pendente na 3ª Vara, 2ª secção, com o nº 6899/03.
Notifique.”. O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1][2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3][4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelos ora Agravantes que o objecto do presente recurso de agravo está circunscrito a uma única questão:
1) Se a acção declarativa de condenação que corre termos pela 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº 6899/03, não constitui sequer “causa prejudicial” relativamente à presente acção declarativa de condenação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 279º-1 do Código de Processo Civil. FACTOS PROVADOS Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo: 1) Na presente acção, instaurada pelo Condomínio Jardim das Laranjeiras (representado pela sua administradora H Lda.), e outros contra “J, S.A.”, “R, S.A.” e “A, S.A.”, os AA. pedem, a título principal, a condenação das RR. a proceder à substituição integral do material de revestimento da fachada por outro que ofereça as garantias e cumpra os requisitos de resistência, durabilidade, estética, aspecto uniforme, impermeabilidade e imunização de fungos e previamente a proceder à reparação e boa regularização do suporte do revestimento final; subsidiariamente, caso as RR. não procedam voluntariamente à eliminação dos defeitos, os AA. pedem a condenação das RR. a pagar as quantias que aqueles vierem a despender com essa eliminação. 2) Para fundamentar tal pedido, os AA. invocam o desprendimento de parte do revestimento da fachada dos edifícios em 30-8-2006 e em 21-9-2006, e que o revestimento da fachada apresenta fissurações e fendilhações disseminadas, sendo que em alguns locais o material está a desagregar-se, existindo inúmeros pontos com manchas escuras, esverdeadas e escorrimentos, provocados por acumulação e proliferação de fungos. 3) Na acção ordinária que, sob o nº 6899/03, corre termos pela 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção - intentada por “H, Lda.”, na qualidade de administradora do condomínio do empreendimento Jardim das Laranjeiras, contra “J, S.A.”, e “R, S.A.” -, o A. pede a condenação das RR. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar no revestimento das fachadas do empreendimento o material publicitado e assegurado, conforme consta do projecto inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec. 4) Para fundamentar esse pedido, a A. invoca que, nas brochuras, publicitava-se a construção de um empreendimento de luxo, com acabamentos de alta qualidade, constando da lista de acabamentos que o revestimento exterior das fachadas dos edifícios seria em tijolo maciço e placas de betão com acabamento con-tech, contudo o material que acabou por ser aplicado foi monomassa, de qualidade e preço inferior ao que havia sido publicitado.
Para além disso, a A. alega que aquele material foi aplicado de forma deficiente, apresentando imperfeições e remendos ao longo de toda a fachada, sendo que o facto de as RR. não terem efectuado a impermeabilização nem a protecção adequadas originou a concentração de água e humidade e, consequentemente, o aparecimento de manchas e fungos.
O MÉRITO DO AGRAVO
1) Se a acção declarativa de condenação que corre termos pela 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº 6899/03, não constitui sequer “causa prejudicial” relativamente à presente acção declarativa de condenação, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 279º-1 do Código de Processo Civil.
Sustentam os ora Agravantes que a acção pendente na 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº 6899/03, não constitui sequer “causa prejudicial” relativamente à presente acção, porquanto, embora se trate de duas acções aparentemente respeitantes a uma mesma situação - o revestimento das fachadas do empreendimento Jardim das Laranjeiras -, elas têm na sua génese factos diferentes para os quais são peticionadas, numa e noutra acção, soluções diversas (enquanto a presente acção foi interposta em virtude da ocorrência dedesprendimentos da dita fachada, a que urge dar uma solução concreta, a acção pendente na 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº 6899/03, tem uma causa de pedir e um pedido diferentes da presente: nas brochuras, publicitava-se a construção de um empreendimento de luxo, com acabamentos de alta qualidade, constando da lista de acabamentos que o revestimento exterior das fachadas dos edifícios seria em tijolo maciço e placas de betão com acabamento con-tech; todavia, o material que acabou por ser aplicado foi monomassa, de qualidade e preço inferior ao que havia sido publicitado; daí que o pedido aí formulado, a título principal, seja a condenação das RR. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar no revestimento das fachadas do empreendimento o material publicitado e assegurado, conforme consta do projecto inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec).
Consequentemente, apesar da pendência da acção anterior, não se verificaria, incasu, a existência de qualquer questão que tenha de ser decidida na primeira acção para que a segunda acção possa prosseguir, uma vez que o objecto da primeira acção não é um facto ou situação que seja elemento ou pressuposto do objecto da presente acção. Quid juris ?
O nº1 do artº 279º do C.P.C. concede ao Tribunal o poder de ordenar asuspensão da instância “quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta”, isto é, quando pender uma causa prejudicial.
Na doutrina, entende-se consensualmente por "causa prejudicial " aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada [5].
Enquanto, nos termos e para os efeitos do artº 97º do C.P.C., a questão prejudicial é somente de natureza criminal ou administrativa, o citado artº 279º, nº1 abrange todas as questões prejudiciais, seja de que natureza forem[6].
De modo que, no caso deste artº 279º, «não é por uma razão de competência que o juiz suspende a instância, é por uma razão de conveniência»[7]. «Uma vez que está pendente a causa prejudicial julga-se conveniente aguardar que ela seja decidida»[8].«O juiz da causa subordinada pode ser normalmente competente para decidir a causa prejudicial; mas como esta está proposta e o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa, considera-se razoável a suspensão da instância subordinada” [9].
Quanto ao que seja uma "causa prejudicial ", sustenta ALBERTO DOS REIS [10] que «uma causa é prejudicial em relação a outra quando a razão da primeira pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda». «Sempre que numa acção se ataca um acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, aquela é prejudicial em relação a esta»[11]. Assim, por exemplo, a acção de nulidade de um contrato é prejudicial relativamente à acção de cumprimento das obrigações dele emergentes[12]. A acção da anulação de testamento é prejudicial da acção de entrega de legado ou da acção de petição da herança fundadas no mesmo testamento[13].
Para RODRIGUES BASTOS [14], a decisão de uma causa depende do julgamento de outra «quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar a situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito».
Segundo MANUEL DE ANDRADE, «verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental». Porém, para o mesmo Autor, nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade de maneira a abranger outros casos. Assim, «pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal»[15].
Também para ALBERTO DOS REIS [16], na mesma linha de raciocínio, «há efectivamente casos em que a questão pendente na causa prejudicial não pode discutir-se na causa subordinada; há outros em que pode discutir-se nesta mas sómente a título incidental». «Na primeira hipótese o nexo de prejudicialidade é mais forte, na segunda mais frouxo; na primeira há uma dependência necessária na segunda uma dependência meramente facultativa ou de pura conveniência»[17].
Mais recentemente, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA veio sustentar [18] que «a prejudicialidade refere-se a hipóteses de objectos processuais que são antecedente da apreciação de um outro objecto que os inclui como premissas de uma decisão mais extensa». «Por isso, a prejudicialidade tem sempre por base uma situação de conjunção por inclusão entre vários objectos processuais simultaneamente pendentes em causas diversas». «Estando-se perante eventualidades de prejudicialidade quando a dependência entre objectos processuais é acidental e parcialmente consumptiva, pode definir-se aquela como a situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual, o objecto processual dependente, sem interferir na análise de um outro, o objecto processual prejudicial».
Na jurisprudência, vem sendo progressivamente acolhido o critério, propugnado por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, segundo o qual apenas existe prejudicialidade quando o objecto incidental de uma causa seja uma situação jurídica que constitui o objecto em via principal de outra [19][20].
A esta luz, forçoso se torna reconhecer que, no caso sub judice, a acção pendente na 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº 6899/03, não constitui uma verdadeira “causa prejudicial” relativamente à presente acção, nos termos e para os efeitos do cit. art. 279º-1.
Efectivamente – como justamente salientam os Agravantes (nas respectivas alegações) - , embora se trate de duas acções aparentemente respeitantes a uma mesma situação - o revestimento das fachadas do empreendimento Jardim das Laranjeiras -, elas têm na sua génese factos diferentes para os quais são peticionadas, numa e noutra acção, soluções diversas.
Assim, enquanto a presente acção foi interposta em virtude daocorrência dedesprendimentos da dita fachada, a que urgiria dar uma solução concreta, já a acção pendente na 3ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção, sob o nº, tem uma causa de pedir e um pedido diferentes da presente: nas brochuras publicitárias, anunciava-se a construção de um empreendimento de luxo, com acabamentos de alta qualidade, constando da lista de acabamentos que o revestimento exterior das fachadas dos edifícios seria em tijolo maciço e placas de betão com acabamento con-tech; todavia, o material que acabou por ser aplicado foi monomassa, de qualidade e preço inferior ao que havia sido publicitado. Daí que o pedido aí formulado, a título principal, seja a condenação das RR. a remover o material aplicado no revestimento das fachadas do empreendimento e aplicar no revestimento das fachadas do empreendimento o material publicitado e assegurado, conforme consta do projecto inicial, das brochuras publicitárias e da listagem de acabamentos, ou seja, placas de betão pré-fabricado com acabamento con-tec.
Não colhe, manifestamente, o argumento – esgrimido no despacho ora sob censura – segundo o qual “a procedência da acção que corre termos pela 3ª Vara determina a inutilidade da presente acção, destruindo a razão de ser desta acção, donde no específico caso concreto entende-se existir prejudicialidade entre a presente acção e a acção acima referida”.
Na verdade – como bem se notou no Ac. desta Relação de 31/1/1991, relatado pelo Desembargador ALMEIDA VALADAS e cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt -, «se for de prever que a decisão de uma das acções em determinado sentido origina inutilidade superveniente da lide na outra, nem por isso se pode concluir pela existência de prejudicialidade: é que, ao decretar-se inutilidade superveniente da lide, não se faz qualquer julgamento de mérito, não havendo assim dependência duma decisão de mérito relativamente a outra decisão de mérito, e só neste sentido se pode falar em nexo de prejudicialidade».
De facto, uma vez decretada a suspensão da instância, em virtude da pendência de uma outra causa prejudicial, se a decisão desta fizer desaparecer o fundamento ou razão de ser da causa que estivera suspensa, deve esta última ser julgada improcedente (art. 284º, nº 2, do CPC) – o que pressupõe ter havido uma decisão de mérito na causa dita prejudicial.
Consequentemente, o despacho ora recorrido não pode subsistir, impondo-se a sua revogação, em ordem à sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos termos da acção cuja marcha foi indevidamente declarada suspensa até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida na acção pendente na 3ª Vara, 2ª secção, sob o nº 6899/03.
DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro que determine o normal prosseguimento dos autos.
Sem custas, dada a não oposição dos ora Agravados (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC).
Lisboa, 5.5.2009
Rui Torres Vouga
Maria Rosário Barbosa
Maria Rosário Gonçalves
_______________________________ [1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363. [2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279). [3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso). [4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299). [5] Cfr., explicitamente neste sentido, LEBRE DE FREITAS - JOÃO REDINHA – RUI PINTO, in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. 1º, 1999, p. 501. [6] ALBERTO DOS REIS in "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. 3º, p. 268. [7] ALBERTO DOS REIS, ibidem. [8] ALBERTO DOS REIS, ibidem. [9] ALBERTO DOS REIS, ibidem. [10]In ob., vol. e loc. citt. [11] ALBERTO DOS REIS in "Comentário ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 206. [12] LEBRE DE FREITAS in "Código de Processo Civil Anotado", Vol. I, 1999, p. 501. [13] ALBERTO DOS REIS in "Comentário" cit., Vol. 3º, p. 269. [14]In "Notas ao Código de Processo Civil", vol. II, p. 43. [15] ANDRADE citado por ALBERTO DOS REIS in "Comentário" cit., Vol. 3º, p. 269. [16]Ibidem. [17] ALBERTO DOS REIS, ibidem. [18]In Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXIV, nº 4, Outubro-Dezembro de 1977, p. 306. [19] Segundo o Ac. do STJ de 1/02/95 (publicado in CJ/STJ, ano de 1995, tomo III, p. 266), "as situações de prejudicialidade entre acções situam-se no âmbito das relações de dependência entre objectos processuais. Esta dependência pode ser genética, quando a origem das acções dependentes se baseia na existência de um outro objecto processual que condiciona o seu aparecimento (como se verifica na reconvenção: art. 274, nº 2 do CPC); ou acidental, se a relação de dependência é uma contingência do conteúdo de alguns objectos processuais autonomamente constituídos.
À dependência acidental ligam-se as situações de acessoriedade (que se verifica nos pedidos subsidiários - cf. art. 469 do CPC) e de consumpção entre objectos processuais. Existe uma eventualidade de consumpção entre objectos processuais quando a extensão de um deles se contém na extensão de um outro. Se a consumpção for total e recíproca, verifica-se entre os objectos processuais uma relação de identidade; mas se for parcial e necessariamente não recíproca, depara-se com uma eventualidade de prejudicialidade. Esta eventualidade consiste, assim, na situação proveniente da impossibilidade de apreciar um objecto processual (o objecto processual dependente) sem interferir na apreciação de um outro (o objecto processual prejudicial: arts. 97º e 279º, nº 1 do CPC)". [20] De igual modo, segundo o Ac. do STJ de 30/4/2002 (relatado pelo Conselheiro REIS FIGUEIRA e cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt), «o critério reside, pois, em saber se o objecto de uma determinada acção já proposta consiste em apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto do objecto de uma outra acção. Por exemplo: na acção de divórcio, se o casamento é válido ou nulo, na acção de alimentos a filho menor, se o alimentando tem a qualidade de filho do alimentante, etc., sendo que frequentemente as hipóteses não tão simples assim».