1 - A omissão da informação a que alude o art.º 141º n.º 4 al. d) CPP, ocorrida durante o primeiro interrogatório judicial de arguido, não contempla qualquer nulidade tipificada na lei, designadamente nos arts. 119º (nulidades insanáveis) ou 120º (nulidades dependentes de arguição) do CPP.
2. Este vício configura, antes, uma mera irregularidade que só determina a invalidade do acto a que se refere edos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados, durante o próprio acto, caso ao mesmo tenham assistido, como prescrito no art.º 123.º n.ºs 1 e 2 do CPP
I – Relatório
1. No inquérito NUIPC 667/05.3GBMTJ-A.L1, recorre o arguido A….,do despacho que indeferiu a arguição da nulidade do 1º interrogatório judicial,proferido em 29 de Janeiro de 2009 pelo juiz de instrução criminal, cujo teoraqui se reproduz:
Invoca o arguido A… a nulidade doprimeiro interrogatório judicial realizado no dia 22/01/2009, na sequência doqual lhe foi aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, alegando nãolhe ter sido dado conhecimento de todos os meios de prova indiciária existentesnos autos, ou seja, das intercepções telefónicas realizadas.
Dispõe o art. 141º, n.º4, al. d), do CPP,que “o juiz informa o arguido: Dos elementos do processo que indiciam osfactos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa ainvestigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para avida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantesprocessuais ou das vítimas do crime”.
O Ministério Público requereu a realizaçãode primeiro interrogatório judicial do arguido, na sequência da sua detenção,fazendo referência a um conjunto de elementos de prova indiciária em que não seincluíam as intercepções telefónicas. Efectivamente, importa ter emconsideração que existem outros suspeitos nos presentes autos.
De toda a sorte, a medida de coacçãoaplicada ao arguido fundamentou-se apenas nos factos indiciados pelos elementosprobatórios indicados no auto de interrogatório judicial. Ou seja, para seconsiderar indiciados os factos que determinaram tal decisão relevaram-seapenas os meios de prova indicados pelos Ministério Público. As intercepçõestelefónicas não foram nessa sede relevadas.
Assim, não foi violada a citada norma etampouco os factos indiciados o foram, em sede de primeiro interrogatóriojudicial, com base das intercepções telefónicas realizadas.
Pelo exposto, indefiro a nulidade arguida.
2. Damotivação apresentada no recurso, por via do qual sustenta a nulidade do 1.º interrogatóriojudicial realizado ao arguido, por violação do artigo 14l° n° 4 alínea d) do C.P.P., e artigo 32°ri" 5 da C.R.P.
1. Orecorrente arguiu a nulidade do 1° interrogatório judicial, por entender quenão foram dados a conhecer todos os meios de prova indiciária existente nosautos, nomeadamente as intercepções telefónicas realizadas, violando o artigo1410 n° 4 al. d) do C.P.Y.
2. No doutodespacho de que ora se recorre, o Meritíssimo Juiz fundamentou o indeferimento de talpretensão com o facto de, apesar de não se ter dado conhecimento das intercepções telefónicas ao recorrente, as mesmas não teremfundamentado o despacho de prisão preventiva.
3. Os elementosque "indiciam os factos imputados" são os meios de prova e os meiosde obtenção de prova que o Ministério Público invoca na sua promoção, pararequerer a realização do 1 ° interrogatório judicial (Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no caso Svipstav. Letónia, Paulo Pinto de Alhuquerque in Comentáriodo Processo Penal, pagina 390, Universidade Católica Editora).
4. Ainda assim, o Juiz pode revelar elementos do processo distintos daqueles que o Ministério Público invoca na sua promoção. A lei n° 48/2007, de 29.8, prevê que o juiz tome umadecisão sobre o conteúdo da comunicação dos elementos do processo e, noexercício desse poder jurisdicional, o juiz élivre de divergir da opinião do ministério Público
(Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Processo Penal, parte final. pagina 390,Universidade Católica Editora).
5. Muito se estranha, que as tais "irrelevantes intercepções telefónicas" que nemsequer foram necessárias para fundamentar o despacho de prisão preventiva,tenham, precisamente, tido importância na decisão de emissão de mandados de busca. de fls. 767 dos autos, às residências.
6. A seguir se transcreve o despachojudicial para emissão de mandados de busca: "...Fundamentatal requerimento nos indícios existentes da prática pelos arguidos de um crimede tráfico, p. e p. pelo artigo 21 ° n° 1, doDecreto-lei n". 15/93, de 22/1, os quais se encontraram sustentadospelo teor das intercepções de telecomunicações que têm sido executadas (negrito nosso)."
7. Face aofundamento que autorizou judicialmente a emissão demandados de busca, em queera visado, entre outros. o recorrente, dever-se-ia, na mais elementarprudência, comunicar o teor das intercepções telefónicas carreadas para osautos.
8. Acresce que o cérebro humano não possui compartimentosestanques pelo que, a simples existência de intercepções telefónicas nuncapoderá ser julgada inócua ou irrelevante. Com efeito, quer as mesmas tenham conteúdo capazes de suportar osindícios recolhidos até ao momento pela acusação, quer quando isso nãoacontece, à Defesa interessa o seu conhecimento por forma a ter o ensejo de as explicar (afastando os indícios que lhe sãodesfavoráveis), exercendo o seudireito ao contraditório em tempo de discussão sobre medidas de coacção;tal como, em caso negativo, usar esse mesmo conhecimento,para tirar dividendos favoráveis com base na própria ausência de transcriçõesde gravações de conversação em escutas telefónicas com relevo para os autos.
9. Isto é, o conhecimento dasescutas telefónicas interessa à Defesa, qualquer que seja o seu conteúdo.
3. Respondeu o Ministério Público, pugnando pela manutençãodo despacho recorrido (que por lapso, aquando da identificação do objecto dorecurso, a fls. 1104 dos autos, fls. 34 destes autos de recurso, indica ser odespacho judicial que determinou a aplicação da medida de coacção de prisãopreventiva), sustentando em conclusão que:
1 – O despacho judicialrecorrido não violou qualquer um dos dispositivos invocados pelo recorrente.
2 – O despacho judicialrecorrido faz uma correcta aplicação do direito.
3 – As intercepções telefónicasnão são meio de prova mas sim meio de obtenção de prova.
4 – Por último o despachojudicial não é merecedor de qualquer censura como pretende fazer crer orecorrente.
4. Adigna Procuradora junto deste Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido daimprocedência do recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade do 1ºinterrogatório judicial, reiterando que as escutas telefónicas a que orecorrente se refere não foram tidas em conta na decisão judicial que aplicou amedida de coacção na sequência da realização do primeiro interrogatóriojudicial, pelo que nenhuma nulidade foi cometida.
5. Foi cumprido o disposto no art. 417.º/2 do CPP, não tendohavido resposta.
6. Cumpridos os vistos legais nada obsta a que se decida.
II - Fundamentação
1.Cumpre decidir, constituindo o objecto do recurso a apreciação se foi, ou não,cometida a nulidade do 1º interrogatório judicial invocada pelo arguido, istoé, a nulidade consistente na falta de cumprimento do disposto no art. 141/4d)do CPP em desrespeito do princípio do contraditório constitucionalmenteconsagrado no art. 32/5 da CRP.
Pretendeo recorrente que o seu 1º interrogatório está ferido de nulidade por não lheterem sido dados a conhecer todos os meios de prova indiciária existentes nosautos, nomeadamente a intercepções telefónicas realizadas.
Nos termos do art. 141/4d) do CPP, durante o interrogatóriojudicial, o juiz deve informar o arguido «dos elementos do processo queindiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa ainvestigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para avida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantesprocessuais ou das vítimas do crime».
A omissão desta informação, não contempla, todavia, qualquernulidade tipificada na lei, designadamente nos arts. 119 (nulidades insanáveis)ou 120 (nulidades dependentes de arguição) do CPP.
Este vício configura, portanto, uma mera irregularidade quesó determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes quepossa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados, durante o próprioacto, caso ao mesmo tenham assistido, como prescrito no art. 123.º/1 e 2 doCPP. E, a proceder, tal vício pode ser logo objecto de renovação expurgada dosvícios apontados.
No caso dos autos o defensor (mandatária constituída) queassistiu o arguido durante o seu interrogatório, apesar de ter usado da palavraque lhe foi facultada, na sequência da promoção da medida de coacção propostapelo MP, findas as declarações produzidas pelo arguido, nada referiurelativamente à questão que constitui o objecto do presente recurso. Só no diaseguinte, pelo requerimento junto a fls. 898 dos autos (fls. 21 do presenterecurso), viria suscitar a nulidade do interrogatório por omissão da divulgaçãoda existência de escutas telefónicas na investigação.
Verifica-se, assim, antes do mais, a intempestividade naarguição da irregularidade invocada, ainda que a coberto da errada qualificaçãodo vício como nulidade.
Diferente seria se o arguido tivesse suscitado a nulidade dodespacho subsequente ao primeiro interrogatório. Na verdade, dispõe o art.194.º/4b) do CPP, que a fundamentação do despacho que aplicar qualquer medidade coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade eresidência, contém, sob pena de nulidade, para além de outros elementosali elencados, a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factosimputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa ainvestigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para avida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantesprocessuais ou das vítimas do crime. De todo o modo, também esta nulidade teriade ser arguida, não pertencendo ao elenco das nulidades insanáveis previstas noart. 119.º do CPP.
Acontece que, e diferentemente do consignado pelo MP naresposta que apresentou ao recurso, o presente recurso não incide sobre odespacho judicial que determinou a aplicação da medida de coacção de prisãopreventiva. O presente recurso incide, isso sim, sobre o despacho que conheceuda nulidade arguida do primeiro interrogatório judicial, julgando inverificadaa referida nulidade. Ora, no que respeita a esta questão, como acima jáassinalado, verifica-se a intempestividade da reclamação apresentada.
Não se trata de mera subtileza formal esta diferenciação deregime dos vícios processuais que assenta, desde logo, no princípio dalegalidade das nulidades e no princípio da atipicidade e relevância material dasirregularidades. Pretende-se salvaguardar, na medida do possível, os actospraticados, com excepção, naturalmente, para os vícios intoleráveis,designadamente que ponham em causa o processo justo ou os direitosfundamentais. Daí que os interessados sejam convocados a reclamar no próprioacto de todas as irregularidades e mesmo algumas nulidades (designadamente asque traduzem vícios menos relevantes e que, nessa medida, a lei trata comosanáveis), de forma a permitir a imediata renovação do acto com a sanação dovício.
Não há nenhuma inconstitucionalidade nesta imputação deresponsabilidade processual à defesa, como de resto o Tribunal Constitucionaljá teve ocasião de expressar a propósito de variadas questões em que sesuscitava a qualificação de vícios de actos praticados na presença do arguido.Ponto é que sejam asseguradas as garantias de defesa, conforme se determina non.º 1 do art. 32.ª da CRP, o que, em sede substancial, implica que à defesaseja dada efectiva possibilidade de exercício (cfr. Acs. do TC n.ºs 208/2003 e203/2004). Esta possibilidade, por sua vez, pressupõe o acesso do interessado àinformação necessária para tornar cognoscível a medida processual tomada comvício das regras legalmente prescritas. Acontece que, no caso em análise, oacesso aos mandados de busca que assinalavam a realização de escutastelefónicas nos autos como suporte das suspeitas conducentes às buscasordenadas (e que o recorrente invoca como sustentáculo da impossibilidade deconsiderar as escutas irrelevantes na aquisição da prova indiciária reunida nainvestigação), é necessariamente anterior ou pelo menos contemporâneo dointerrogatório realizado ao arguido detido na sequências da execução destasúltimas diligências, como decorre com evidência da sequência cronológica dosfactos indiciariamente imputados ao arguido divulgado no seu interrogatório, eregistado no respectivo auto. Ao não ouvir fazer constar do elenco das provasreunidas contra o arguido as escutas telefónicas, a mandatária do arguido logopoderia (e quiçá deveria, se detectasse efectiva falta de elementos necessáriospara o seu constituinte se poder defender de algum facto concreto que lhe eraimputado) ter reagido, reclamando contra a não divulgação daquele meio deprova, no âmbito de uma diligência em que, se tomava conhecimento não apenas doresultado das buscas realizadas, e sustentadas de informação aparentementerecolhida na realização de intercepções telefónicas (de acordo com o oratrazido aos autos pelo recorrente), como inclusivamente se aludia, em sede deenunciação dos motivos da detenção, ao uso de telemóveis para estabelecimentode comunicações e recebimento de contactos entre consumidores e compradores porum lado, e o arguido, por outro (cfr. fls. 872 dos autos, e 3 do presente recurso).
Não o tendo feito, restava-lhe a via da eventual impugnaçãodo despacho judicial que aplicou a medida de coacção, via de defesa que,contudo, o arguido não seguiu, pelo menos nestes autos de recurso.
Finalmente, tendo em conta os considerandos de ordemconstitucional tecidos pelo recorrente na sua motivação do recurso, dir-se-á,tão só, que sendo inquestionável a dignidade do princípio do contraditório emsede das garantias constitucionais do nosso processo penal afirmadas no art.32.º da CRP, não é menos certo também que a sua concretização se há-de atersempre a cada caso concreto, perante as condicionantes impostas pelo legisladorordinário à informação ao arguido dos elementos do processo que indiciam osfactos imputados. Designadamente: que a referida informação não ponha em causaa investigação, não dificulte a descoberta da verdade nem crie perigo para avida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade de qualquer participanteprocessual ou vítima do crime (art. 141/4d) do CPP).
Doregime legal assim delineado, resulta, pois, patente, que nem sempre todos oselementos de prova terão de ser divulgados ao arguido. Ponto é que o juiz, casouse elementos de prova que não divulgue à defesa, por despacho devidamentefundamentado, explicite quais as provas que entende não deverem ser divulgadas,e em que perigo assenta uma tal omissão, em ordem a poder aferir-se daproporcionalidade de tal medida, tendo em vista o alcance do equilíbriodesejável entre os fins da investigação e a restrição dos direitos fundamentaisdo arguido, numa lógica de ponderação entre os dois interesses que caracterizao nosso sistema processual penal no respeito pelos princípios constitucionaisimpostos na matéria (arts. 18.ª e 32.ª da CRP).
Esta constitui, pois, uma excepção, reservada à fase doinquérito, ao direito de amplo conhecimento por parte do arguido dos elementosde prova de que se sustenta a apreciação da matéria que lhe é imputada, norespeito ainda pela delimitação constitucionalmente imposta do princípio do contraditóriono art. 32.º/5 da CRP («o Processo criminal tem estrutura acusatória, estando aaudiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinarsubordinados ao princípio do contraditório»). Excepção sublinhada no art.194.º/4b) do CPP, ao prever que a fundamentação do despacho que aplicarqualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo deidentidade e residência, contém, sob pena de nulidade, para além de outroselementos ali elencados, a enunciação dos elementos do processo que indiciam osfactos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa ainvestigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para avida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuaisou das vítimas do crime.
Mas, como acima já amplamente referido, não incidindo opresente recurso sobre o despacho que decretou a medida de coacção ao arguido,não pode, pois, caber no seu âmbito, a apreciação do seu teor, nada mais sendolegítimo adiantar nesta sede.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunalda Relação em:
a) Julgar improcedente o recurso, considerando-se intempestivamenteapresentada a reclamação da irregularidade do 1.º interrogatório judicial invocada.
b) Em consequência, revogar o despacho recorrido,decidindo-se, em sua substituição, não tomar conhecimento do vício invocadoque, desta forma se deve considerar sanado.
c) Fixar a tributação em 4 UCs (art. 513.º n.º 1 e 514.º n.º1 do Código de Processo Penal e art. 87.º n.º 1 al. b) e 3 do Código das CustasJudiciais).
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art.º 94º, nº2 do CPP)
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Lisboa, 7 de Maio de 2009
Maria de Fátima Mata-Mouros
JoãoAbrunhosa