PETIÇÃO DE HERANÇA
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
ACÇÃO POSSESSÓRIA
Sumário

I- A acção de petição de herança apresenta algumas atinências com a acção de reivindicação, designadamente seguindo a mesma forma de processo desta, partindo de um tipo semelhante de interesses e visando igualmente uma pretensão real à restituição. II- Podendo considerar-se a primeira uma acção de reivindicação especial, porque relativa a bens integrantes de herança, podendo ser A. qualquer dos herdeiros. III- Distinguindo-se ambas da típica acção de manutenção da posse, que o C. C. usa contra aquele que o perturba na sua “posse” (nessa qualidade) sem contudo o privar do uso da coisa”. IV- O pedido do reconhecimento do “direito de propriedade e posse da herança” sobre os prédios respectivos corresponde, na circunstância, à afirmação de que tais prédios integram o acervo hereditário, legitimando-se assim a A., enquanto cabeça-de-casal da herança respectiva, a intentar acção possessória de manutenção da posse, que segue a mesma forma processual da acção de reivindicação ou de petição da herança. V- No domínio das acções possessórias em geral, tendo aquelas como causa de pedir tipificada a relação possessória “próprio sensu”, “nada impede, porém, que o Autor, no seu petitório refira a propriedade, se referir igualmente a relação possessória, e tal alegação não for determinante do pedido, em tal hipótese ou se tratará de alegação irrelevante, ou meramente demonstrativa da própria posse.
(sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação
I- Manuela intentou acção declarativa, com processo comum, sob a forma sumária, contra Margarida e marido, Jorge, pedindo a condenação dos RR.:
a) A reconhecer o direito de propriedade e a posse da Herança, representada pela Autora, sobre os prédios identificados no art.º 4 ° da PI, incluindo o caminho particular marginal, situado ao longo da extrema norte dos mesmos;
b) A absterem-se de usar tal caminho para aceder ao seu prédio identificado no articulado 5 ° da PI;
c) A retirarem, à sua custa, as manilhas que colocaram na vala que faz a extrema entre os prédios identificados no art.° 4, e o identificado no art.° 50, vala essa situada a norte do caminho particular.
Alegando, para tanto, que é cabeça-de-casal da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seus pais, e da qual fazem parte os três prédios que identifica.
Tais prédios confrontam a norte com um prédio dos RR., do qual se encontram separados por uma vala.
Ora os RR., não obstante terem acesso directo do seu prédio para a via pública, resolveram agora, sem conhecimento ou consentimento da A., proceder à abertura de uma passagem daquele seu prédio para o caminho existente no prédio da herança, que dá passagem para a via pública.
Colocando manilhas no lugar da vala e cobrindo estas com terra.
Tal acto é turbador da posse da A., diminuindo a sua propriedade.
Contestaram os RR., por excepção, arguindo a ilegitimidade da A., já por invocar, efectivamente, poderes de disposição que lhe falecem, mesmo enquanto cabeça-de-casal, já por desacompanhada de seu cônjuge e dos restantes titulares inscritos ou interessados na herança.
Alegando ainda que o caminho sub judice não faz parte integrante dos prédios “da A.”, sendo um caminho público, utilizado, há mais de 50 anos, pelos RR. por si e pelos seus antecessores, sem oposição da A. ou dos respectivos antepossuidores, e servindo de acesso não só aos três prédios da A., mas também a outros cinco prédios rústicos existentes no local.
Mais dizendo, em reconvenção, que a A. tem vindo durante a noite a invadir o prédio dos RR. nele colocando um prumo de ferro, cravado no solo com cimento e procedendo à abertura de uma regueira, tudo sem autorização dos respectivos donos.
Rematando com a improcedência da acção e a procedência da reconvenção, condenando-se a A. a abster-se de perturbar a passagem e a reconhecer o direito dos RR. a circularem na parcela de terreno que constitui o caminho “sub judice”, por não constituir um “caminho privado”.
Mais pedindo a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Houve resposta da A.
Dispensada a realização de audiência preliminar, prosseguiu o processo seus termos, sendo admitida a reconvenção, com saneamento – relegando-se o conhecimento da arguida excepção de ilegitimidade da A. para momento ulterior – e condensação.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que absolveu os RR. Margarida e marido, Jorge, da instância.
Inconformada, recorreu a A., formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. O que a Autora pede é o reconhecimento do direito da propriedade e da posse sobre uns terrenos, designadamente, sobre o caminho privado ali existente; e que os RR se abstenham de o utilizar;
2. Tais pedidos configuram, claramente, uma acção de cariz possessório;
3. Já que da procedência do pedido não resulta aumento ou diminuição dos direitos da herança;
4. Pelo que, não configura uma acção de cariz reivindicativo;
5. Mesmo que tivesse esse cariz reivindicativo, ele estaria limitado pela faculdade conferido pelos artigos 2078 °, 2088 °, 2091 ° do Código Civil designadamente
6. "A legitimidade para demandar terceiros, desacompanhado dos demais herdeiros, em acção possessória na qual peticiona o reconhecimento e restituição de posse de que foi esbulhado a herança... "
7. pelo que, existindo tal legitimidade da Autora, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 2078, 2088 e 2091 do Código Civil.
8. Devendo, ao contrário, entender-se que os factos se inserem na previsão destas normas, configurando uma acção de cariz possessório, e, por consequência
9. Declarar-se ser a Autora parte legítima para prosseguir nesta acção;
10. E, estando a matéria de facto já definitivamente fixada, condenar-se, em função desta, os RR, conforme peticionado pela Autora.”.
Contra-alegaram os RR., pugnando pela manutenção do julgado.
II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil -  é questão proposta à resolução deste Tribunal,  a de saber se a A. carece de legitimidade para, desacompanhada dos demais herdeiros, intentar a presente acção.
Concluindo-se assistir-lhe legitimidade, e atenta a regra da substituição ao tribunal recorrido, importará então conhecer do mérito da causa.
Considerou-se assente, na 1ª instância, sem impugnação a propósito, e nada impondo diversamente, a factualidade seguinte:
1.- António faleceu em 22 de Janeiro de 1999, na qualidade de viúvo de Maria;         (A dos Factos Assentes)
2- O prédio rústico, sito em C, inscrito na matriz sob o artigo ..., Secção ...., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° ..., da freguesia da L, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de António ou António, viúvo, Manuela, casada com António F, sob o regime de comunhão geral, Olga casada com António T, sob o regime da comunhão geral e Joaquim casado com Paula, sob o regime de comunhão de adquiridos, por, dissolução da comunhão conjugal por morte e sucessão hereditária de óbito de Maria ou Maria, casada com o referido António (B dos Factos Assentes)
3- O prédio rústico, sito em C, inscrito na matriz sob o artigo ..., Secção ..., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°..., da freguesia da L, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de António ou António, viúvo, Manuela, casada com António F, sob o regime de comunhão geral, Olga casada com António T, sob o regime da comunhão geral e Joaquim casado com Paula, sob o regime de comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal por morte e sucessão hereditária de óbito de Maria ou Maria, casada com o referido António. (C dos Factos Assentes)
4- O prédio rústico, sito em C, inscrito na matriz sob o artigo ..., Secção ..., encontra--se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° ..., da freguesia da L, em comum e sem determinação de parte ou direito a favor de António ou António, viúvo, Manuela, casada com António F, sob o regime de comunhão geral, Olga casada com António T, sob o regime da comunhão geral e Joaquim casado com Paula, sob o regime de comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal por morte e sucessão hereditária de óbito de Maria ou Maria, casada com o referido António, (D dos Factos Assentes)
5- O prédio rústico, sito em C, inscrito na matriz sob o art. ..., secção ... encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°, ..., da freguesia da L, a favor de Margarida, casada com Jorge, por compra. (E dos Factos Assentes)
6-- A A., é cabeça de casal da herança aberta por óbito de seus pais, Maria e António. (1 da .Base Instrutória)
7- Os prédios identificados nas alíneas 2, 3 e 4 confrontam do Norte com o prédio identificado em 5. (2 da .Base 1 instrutória)
8- Os prédios identificados em 2, 3 e 4 são atravessados junto à extrema Norte, por um caminho, destinado a assegurar a passagem, para a via publica, dos prédios inscritos na matriz nos artigos ... e ..., Secção .... (3 da Base Instrutória)
9- O caminho referido em 8 tem a largura de 2,5 metros, orientando-se no sentido Poente Nascente, acompanhando a vala que o limita a Norte (4 da Base Instrutória)
10- Tal caminho mede 24 metros no prédio inscrito no artigo .... (5 da Base instrutória)
11- Aquele caminho constitui o acesso aos prédios inscritos na matriz nos art. ..., ..., ..., ... e ..., Secção ... da freguesia da L. (12 da Base Instrutória)
12- As pessoas que cultivam prédios inscritos na matriz nos art. ..., ..., ..., 70 e ..., Secção ..., da freguesia da L usam o aludido caminho para acederem a tais prédios. (13 da Base Instrutória)
13- O caminho referido em 8 está afecto à circulação de pessoas, veículos e mercadorias para os prédios inscritos na matriz nos art. ..., ..., ..., ... e ..., Secção ..., da freguesia da L, com a configuração actual, há, pelo menos, 50 anos. (20 da Base Instrutória)
14- OS RR. procederam à abertura de uma passagem do prédio identificado em 5 para o caminho referido em 8. (9 da Base Instrutória)
15- Colocando manilhas no lugar da vala e cobrindo estas com terra. (10 da Base Instrutória)
16- A regueira já existe, naquele lugar, há muitos anos. (23 da Base Instrutória)
Vejamos.
II-1. Considerou-se na sentença recorrida que «…no caso vertente, não estamos perante uma “acção possessória”, mas perante uma acção de reivindicação.», «“resultando do art.º 2091, n.º 1, do Código Civil que a acção de reivindicação tem de ser intentada com a intervenção de todos os herdeiros” Logo, a A. é parte ilegítima na presente acção, pois encontra-se desacompanhada dos demais herdeiros».
De acordo com o disposto no art.º 1311º, n.º 1, do Código Civil, “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.”.
Sendo que (n.º 2) “Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.”.
Aplicando-se tais disposições, “com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real”, cfr. art.º 1315º, do Código Civil. 
Da sobredita formulação normativa, e como também assinala Luís A. Carvalho Fernandes,[1] decorrem duas ordens de consequências, sendo uma relativa à legitimidade na acção de reivindicação e outra à conformação do pedido.
No tocante ao primeiro aspecto temos que “Tem nela a posição de autor quem se intitula titular do direito reivindicado; por outro lado ocupa a posição de réu quem tenha a posse ou detenção da coisa”.
Já relativamente à conformação do pedido a dirigir ao tribunal “pode dizer-se que há um ponto principal e outro secundário. O principal é o do reconhecimento da titularidade do direito; o secundário, o de restituição da coisa reivindicada…”.
Em sede de tutela da posse, temos que as anteriores “acções possessórias de prevenção, de manutenção e de restituição de posse” são hoje acções declarativas de condenação, que seguem os termos do processo declarativo comum, com algumas especialidades.
Mantendo-se, contudo, no Código Civil, que não sofreu alteração, nessa parte, a designação tradicional destas acções, cfr. art.ºs 1276º, 1278, 1281º e 1282º.
Correspondendo aquelas várias modalidades de acções possessórias a outras tantas hipóteses de perturbação da situação jurídica do possuidor.
A acção de prevenção supõe a não verificação de qualquer acto material de efectiva perturbação da posse ou de esbulho, mas verificarem-se certas circunstâncias, emergentes de factos de terceiros, que levam o possuidor a ter justo receio de vir a ser perturbado ou esbulhado.
A acção de manutenção, e como se retira do art.º 1278º, n.º 1, do Código Civil, é o meio processual a que o possuidor deve recorrer no caso de haver perturbação da sua posse, sem que, contudo, chegue a haver esbulho.
Finalmente a acção de restituição está reservada para os casos em que a violação da posse se traduz na privação desta.
Deixando de lado a aqui manifestamente desinteressante acção de prevenção, dir-se-á que a legitimidade activa para a acção de manutenção, é atribuída ao perturbado e seus herdeiros, e para a acção de restituição, ao esbulhado e seus herdeiros, cfr. art.ºs 1281º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
2. Em matéria de direitos relativos a herança, porém, dispõe-se no art.º 2091º, n.º 1, do Código Civil, que “fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art.º 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.”.
Sendo os “artigos anteriores” a que o preceito se refere, e como anotam P. Lima e A. Varela, “o que define os bens sujeitos à administração do cabeça-de-casal (art.º 2087º), os que tratam da entrega dos bens, da cobrança das dívidas, da venda dos bens da herança e da satisfação de alguns encargos dela. Por seu turno, o artigo 2078º, cuja doutrina o artigo 2091º pretende respeitar, refere-se à acção de petição da herança, que pode ser intentada por qualquer dos herdeiros, isoladamente.”.[2]
Assim, e no que agora interessa, temos por um lado, que pode o cabeça-de-casal “pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega de bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e usar contra eles de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído.”, vd. cit. art.º 2088º, n.º 1, do Código Civil.
Ou seja, atribui-se “ao cabeça-de-casal legitimidade para recorrer às acções possessórias, não só contra terceiros (…) mas também contra os próprios herdeiros. E aqui – neste ponto – é que a solução mais facilmente poderia já chocar (…) porque o herdeiro pode ser verdadeiro possuidor dos bens hereditários que estejam em seu poder, enquanto o cabeça-de-casal, como tal, verdadeiro possuidor não é.”.
“É que as funções específicas do cabeçalato interessam de tal modo aos participantes na herança e aos próprios credores dela, que a lei (…) à imagem e semelhança do que fez no art.º 1037º, n.º 2, não duvidou em facultar ao cabeça-de-casal, apesar de não o considerar como possuidor, o recurso às acções possessórias (…) para defender o seu poder, contra os próprios herdeiros que tenham posse sobre os bens cuja entrega lhes é pedida.”. [3]
E, por outro lado, atribui-se ao herdeiro a legitimidade para “pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.”, cfr. cit. art.º 2075º, n.º 1, do Código Civil.
Estatuindo-se que “sendo vários os herdeiros, qualquer deles tem legitimidade para pedir separadamente a totalidade dos bens em poder do demandado, sem que este possa opor-lhe que tais bens lhe não pertencem por inteiro.”, cfr. art.º 2078º, n.º 1, do Código Civil.
Isto, sem prejuízo do “direito que assiste ao cabeça-de-casal de pedir a entrega dos bens que deva administrar, nos termos do capítulo seguinte.”, vd. n.º 2 do mesmo art.º.
3. Assinale-se que embora a acção de petição de herança seja distinguida por certos autores da acção de reivindicação, reconhecem os mesmos algumas atinências da primeira com a segunda, designadamente seguindo “a mesma forma de processo da acção de reivindicação (rei vindicatio)”, partindo “de um tipo semelhante de interesses” e visando “igualmente uma pretensão real à restituição.”.[4]
Indo mais longe ensina Oliveira Ascensão[5] que “em tudo o que não respeita aos poderes do cabeça-de-casal, e exceptuando o que a seguir diremos sobre o testamenteiro, vale a regra do artigo 2091º-1: fora dos casos especialmente previstos na lei, como o da reivindicação dos bens em poder de terceiro, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.”
Isto depois de referir que “Também se distinguia a petição e a reivindicação da herança, afirmando alguns que de petição só se poderia falar quando houvesse controvérsia sobre a qualidade de herdeiro. O Código actual eliminou a distinção: a acção deve ser proposta contra quem possua os bens «como herdeiro ou por outro título, ou mesmo sem título».[6]
De qualquer modo ponto é que na acção de petição da herança a causa de pedir é apenas a sucessão mortis causa.
Tendo um duplo objecto: o reconhecimento judicial da qualidade sucessória do requerente, em primeiro lugar; e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, indevidamente retidos pelo demandado.
4. No caso em apreço temos que a A. pede, antes de mais, a condenação dos RR. “A reconhecer o direito de propriedade e a posse da Herança, representada pela Autora, sobre os prédios identificados no art.º 4 ° da PI, incluindo o caminho particular marginal, situado ao longo da extrema norte dos mesmos;”.
E, consequentemente, a condenação daqueles “A absterem-se de usar tal caminho para aceder ao seu prédio identificado no articulado 5 ° da PI;” e “A retirarem, à sua custa, as manilhas que colocaram na vala que faz a extrema entre os prédios identificados no art.° 4, e o identificado no art.° 50, vala essa situada a norte do caminho particular.”.
Logo assim se alcançando, na sequência do exposto quanto à caracterização dessas vias processuais, não nos confrontarmos seja com uma acção de reivindicação, seja com uma acção de petição de herança (para a qual, de resto, a C.C., enquanto herdeira, teria, por si só, legitimidade…).
E, deste modo, por isso que não vem pedida a restituição de imóvel, ou de parte de imóvel, integrante do acervo hereditário.
Que sim, e “apenas”, a condenação dos RR. na abstenção da utilização do caminho particular marginal, situado ao longo da extrema norte dos prédios respectivos, com retirada das manilhas que colocaram na vala que faz a extrema entre os prédios respectivos.
Sem que se alegue, por qualquer forma, que tal utilização dos RR. redunda num apossamento do dito caminho particular por aqueles.
Antes pretendendo a A., por um lado, que por via dos actos dos RR., relativamente a tal caminho, pode “até pelo decurso do tempo, o prédio pertencente à herança vir a ficar onerado com o dever de servidão a favor do prédio dos RR.”, vd. art.º 13º da p.i. (aperfeiçoada).
Tratando-se, a servidão predial – e designadamente a de passagem, constituída por usucapião – de um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, cfr. art.ºs 1543 e 1547, n.º 1, do Código Civil.
Não excluindo o dono do prédio serviente da posse sobre o mesmo.
Mas traduzindo-se numa “restrição ao gozo efectivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o exercício da servidão”.[7]
Mais sustentando a A., convergentemente, que “Os RR. ao colocarem as manilhas e construírem o acesso ao caminho particular pertencente à herança administrada pela A. praticaram um acto turbador da posse da A.”, vd. art.º 16º dessa mesma p.i.
Ou seja, o que a A. veio fazer a juízo foi, invocando a sua qualidade de cabeça-de-casal, e imputando aos RR. a prática de actos que perturbam a sua  “posse”, nessa qualidade, sobre os prédios que identifica, peticionar  a sua “manutenção” na plenitude daquela, pela imposição aos RR. de adequados actos de abstenção e de actos positivos.
Tratando-se, nesta perspectiva de uma típica acção de manutenção da posse, “que usa o possuidor usa contra aquele que o perturba na sua posse, sem contudo o privar do uso da cousa”.[8]
O pedido do reconhecimento do “direito de propriedade e posse da herança” sobre os prédios respectivos corresponde à afirmação de que tais prédios integram o acervo hereditário, legitimando-se assim a A., enquanto cabeça-de-casal da herança respectiva, a intentar acção possessória de manutenção da posse, que, como visto, segue a mesma forma processual da acção de reivindicação ou de petição da herança.
De resto, e no domínio das acções possessórias em geral, como refere Guerra da Mota,[9] tendo aquelas como causa de pedir tipificada a relação possessória “próprio sensu”, “nada impede, porém, que o Autor, no seu petitório refira a propriedade, se referir igualmente a relação possessória, e tal alegação não for determinante do pedido, em tal hipótese ou se tratará de alegação irrelevante, ou meramente demonstrativa da própria posse.”
Não sofrendo crise caber àquele a administração da herança, até à sua liquidação e partilha – art.º 2079º do Código Civil – abrangendo essa administração a totalidade do património hereditário – vd. art.º 2087, n.º 2, do mesmo Código – nem a necessidade da operação de detenção material dos bens hereditários em causa, na perspectiva do exercício da gestão que os citados art.ºs confiam ao cabeça-de-casal como administrador da herança.
Em suma, diversamente do concluído na sentença recorrida, assiste legitimidade à A. para a presente acção.
E continuaria a ser assim ainda quando – o que apenas a benefício de exposição se representa – tendo-se em atenção a qualidade de herdeira daquela, se pretendesse tratar-se já não de uma acção possessória, nos quadros do art.º 2088º do Código Civil, mas de uma acção de petição de herança, nos quadros dos art.ºs 2075º e 2078º do mesmo Código – que consideramos uma acção de reivindicação especial, porque relativa a bens integrantes de herança, sendo A. qualquer dos herdeiros.
Procedendo, nos referidos termos, as conclusões da Recorrente.
5. Do que se vem de expender logo resulta o improcedente da, pelos RR., pretendida ilegitimidade activa da A., também na circunstância de litigar desacompanhada dos proprietários dos prédios dominantes, inscritos na matriz nos artigos ... e ..., Secção ... inscritos na matriz nos artigos ... e ..., Secção ..., e cuja passagem para a via pública é assegurada pelo dito caminho.
Pois, e desde logo, tal nouvel arguição – sempre tempestiva, posto que de conhecimento oficioso, essa matéria da ilegitimidade – pressupõe a configuração da presente como uma “comum” acção de reivindicação, afora dos quadros do fenómeno sucessório.
O que, como visto, se não acolheu.
O que também prejudica a discussão acerca da (in)existência de litisconsórcio necessário activo, em acção de reivindicação, entre os proprietários do prédio serviente e os proprietários do prédio dominante.
II-2- Como resulta da factualidade apurada, e nem tal é questionado pelos RR., os três prédios rústicos sitos em C, inscritos na matriz sob os artigos ..., ... e ..., Secção ..., e descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.° ..., ... e  ..., da freguesia da L, respectivamente, integram a herança aberta por óbito Maria e António, pais da A. que é cabeça-de-casal daquela.
Sendo atravessados junto à extrema Norte, por um caminho, destinado a assegurar a passagem, para a via pública, dos prédios inscritos na matriz nos artigos ... e ..., Secção ....
E constituindo o acesso aos prédios inscritos na matriz nos art. ..., ..., ..., ... e ..., Secção ... da freguesia da L.
Ora, está provado, os RR. procederam à abertura de uma passagem do seu prédio – inscrito na matriz sob o art. ..., secção ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.°, ..., da freguesia da L – para o sobredito caminho.
Colocando manilhas no lugar da vala e cobrindo estas com terra.
Assim procurando ampliar, na prática, o que se configura como uma servidão de passagem – cfr. art.ºs 1543º e 1544º, do Código Civil – a que se mostram sujeitos os prédios inscritos na matriz sob os art.ºs ..., ... e ... da Secção ..., em proveito dos prédios inscritos sob os art.ºs ... e ... da mesma Secção - e que constitui o acesso a todos aqueles prédios – de molde a aproveitar também ao seu próprio prédio.
Com o que claramente perturbam a posse sobre os prédios integrantes da herança aqui representada pela cabeça-de-casal.
Entendido o acto de turbação como aquele que diminui, altera ou modifica o gozo e o exercício do direito, sem destruir a retenção ou a fruição existente ou a sua possibilidade.[10]
E que assim, sendo mais do que uma simples ameaça, é menos do que um esbulho.
Tudo isto certo não estar provada a constituição de uma tal servidão, por qualquer das formas em direito admitidas – cfr. art.º 1547º, do Código Civil – em proveito do referenciado prédio dos RR.
Os quais, na sua contestação, também não enveredaram por essa via de defesa, antes pretendendo que os três prédios da herança aberta por óbito dos pais da cabeça-de-casal “sempre confrontaram quer a norte, quer a sul, com caminhos que se encontram, actualmente, como já se encontravam há méis de cinquenta anos.”, vd. art.º 15º daquele articulado.
Correspondendo à manutenção da “posse” da cabeça-de-casal a peticionada eliminação das obras feitas pelos RR. em ordem ao acesso do seu prédio ao caminho que atravessa os referidos três prédios da herança por aquela administrada.
Mas compreendendo igualmente, está implícito, a intimação – vertente preventiva da acção de manutenção – dos RR. para que se abstenham de usar tal caminho para aceder ao seu prédio, designadamente com renovação das obras a eliminar.
Não cabendo aqui observar que se não provou terem os RR. procedido às ditas obras sem o conhecimento ou autorização da A..
E posto que tal não prejudica a sua autoria de tais obras, perturbadoras da posse sobre os prédios da herança respectiva, sendo ónus dos Réus, assim não actuado, a alegação e prova de terem tido essa autorização, cfr. art.º 342º, n.º 2, do Código Civil.
Isto sem prejuízo da questão outra da (in)eficácia de uma tal autorização, no confronto dos demais herdeiros, e enquanto se considere extravasar a mesma os poderes de administração da cabeça-de-casal.   
II-3- Da reconvenção
De quanto vinha alegado em sede de fundamento daquela, a saber, que a A. tem vindo durante a noite a invadir o prédio dos RR., nele colocando um prumo de ferro, cravado no solo com cimento e procedendo à abertura de uma regueira, tudo sem autorização dos respectivos donos, apenas provado ficou que a regueira existente no referido prédio dos RR. se encontra “naquele lugar, há muitos anos.”.
Sem determinação da autoria material da mesma, e, assim, com referência da sua existência a quadro temporal estranho ao que balizava a sua abertura, na economia da contestação/reconvenção.
Logo sendo pois de concluir pela improcedência da reconvenção.
III- Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam a sentença recorrida, julgando a acção procedente e condenando os RR. a retirarem, à sua custa, as manilhas que colocaram na vala que faz a extrema entre os identificados prédios da herança representada pela aqui A. e o identificado prédio dos RR., vala essa situada a norte do caminho particular que atravessa os ditos prédios da referida herança,
e a absterem-se de usar tal caminho para aceder ao seu identificado prédio.
Julgando improcedente a deduzida reconvenção.
Custas em ambas as instâncias pelos RR. que nelas decaíram totalmente, em partes iguais, cfr. art.ºs 446º, n.ºs 1 e 2, e 446º-A, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
Lisboa, 2009-05-21
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)                                            
(Neto Neves)

[1] In “Lições de Direitos Reais”, 5ª ed., Quid Juris, 2007, pág. 272.
[2] In “Código Civil, Anotado”, Vol. VI, Coimbra Editora, 1998, pág. 152.
[3] Idem, pág. 148.
[4] Assim, Rabindranath Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões”, II, Coimbra Editora, Lda., 1980/82, pág. 41, Nota 598.
[5] In “Direito Civil, Sucessões”, Coimbra Editora, Lda.”, pág. 453.
[6] Idem, pág. 444.
[7] Cfr. P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol III, Coimbra Editora, 2ª ed., 1984, pág., pág. 614.
[8] Cfr. Guerra da Mota, in “Manual da Acção Possessória”, Vol. I, Athena Editora, Porto/1980, pág. 33
[9] In op. cit., pág. 51
[10] Cfr. Manuel Rodrigues, in “A posse”, n.º 91, citado por P. Lima e A. Varela, in “Código Civil, Anotado”, Vol III, Coimbra Editora, 2ª ed., 1984, pág. 49.