RECURSO DE REVISÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
LEI APLICÁVEL
Sumário

I – Do despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão de sentença não cabe reclamação.
II – Ao recurso extraordinário de revisão de decisão proferida em acção proposta antes de 01.01.2008 aplica-se o regime de recursos anterior ao introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, mesmo que o recurso seja interposto após 31.12.2007.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 28 de Novembro de 2008 Maria interpôs na ... Vara Cível, ... Secção, da Comarca de Lisboa, ao abrigo da alínea c) do art.º 771.º do Código de Processo Civil, recurso extraordinário de revisão de sentença contra a sentença, proferida naquela Vara e Secção na acção declarativa n.º ...., intentada pela ora recorrente contra Herança Aberta por óbito de José e outros, que julgou improcedente o pedido de que fosse declarado o direito da autora à titularidade das eventuais prestações por morte por óbito de José.
Por despacho proferido em 11.12.2008 o Mm.º Juiz indeferiu liminarmente o recurso de revisão, por entender que não há motivo para revisão e que o recurso não foi instruído com o documento previsto na alínea c) do art.º 771.º do Código de Processo Civil.
A recorrente apresentou na ...Vara Cível de Lisboa reclamação, dirigida ao Tribunal da Relação de Lisboa, contra o despacho referido supra.
Em 08.02.2009 foi proferido, pelo Mm.º Juiz a quo, o seguinte despacho:
“Nos termos do disposto no art.º 688º, n.º 1 do CPC, "Do despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e bem assim do despacho que retenha o recurso, pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso”.
Ou seja, a reclamação só é admissível, como taxativamente previsto, nos recursos ordinários de apelação, agravo e revista, mas já não o é no recurso extraordinário de revista, como é o caso dos autos.
Assim, por a lei não o permitir, não admito a reclamação do despacho que indeferiu o recurso de revisão.
Custas pela reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.”
A recorrente recorreu deste despacho, tendo de imediato apresentado a respectiva motivação.
O recurso foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
No final da motivação do recurso a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1. Com o devido respeito que muito é mas a Meritíssima juíza "a quo"ao não admitir a Reclamação dos autos aplicou a redacção do art.º 688º do Código Processo Civil em vigor até 31-12-2007, e não a redacção do art.º 688.º do C.P.C. actualmente em vigor.
2. A lei Processual nova deve ser aplicada imediatamente não só às acções que venham a instaurar-se após a sua entrada em vigor, mas também às acções pendentes.
3. Ora com o devido respeito que muito é pelo douto despacho proferido, pelo Tribunal "A quo”, mas nos termos do art.º 142.° do C.P.C. mas a forma de processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a acção é proposta e acontece que o Recurso de Revisão Extraordinário de Revisão de sentença é uma Acção nova pelo que a lei a aplicar é a nova redacção do art.º 688.º do C.P.C que determina que:
Do despacho que não admita o Recurso pode o recorrente reclamar para o tribunal que seria competente para dele conhecer no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão.
2º O recorrido pode responder à reclamação apresentada pelo Recorrente em prazo idêntico ao referido no número anterior.
3º A reclamação dirigida ao Tribunal superior é apresentada na secretaria do tribunal Recorrido autuada por apenso aos autos principais e é sempre instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objecto de reclamação.
4º A reclamação é apresentada logo ao relator, que no prazo de 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou mantenha o despacho reclamado.
5º Se o relator não se julgar suficientemente elucidado com os documentos referidos no n° 3, pode requisitar ao tribunal recorrido os esclarecimentos ou as certidões que entenda necessárias.
6 ° Se o recurso for admitido, o relator requisita o processo principal ao tribunal recorrido, que o deve fazer subir no prazo de 10 dias.
4. Pelo que face à nova redacção do art.º 688° deixou de a Reclamação restringir a sua aplicação aos processos de Recurso Extraordinário como estava taxativamente previsto na redacção anterior, pois só se aplicava aos Processos Ordinários.
5. Contudo e face a nova redacção do art.º 688° do Código de Processo Civil, e mesmo que se considerasse que a Reclamação não é uma nova Acção, a interpretação, de que a Reclamação só é admissível nos recursos ordinários de Apelação, Agravo e Revista seria sempre Inconstitucional.
6. Pois esta Interpretação estaria a favorecer os cidadãos que instaurassem acções novas em detrimento das acções antigas, o que iria contra o art.º 13.º, 20.º e 26.º todos da CRP.
7. Ora por força do artigo 18.°, n.º 1, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, de que fazem parte os artigos supra referidos, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, assim com o devido respeito que muito é mas é a Interpretação dada ao art.º 688º seria inconstitucional pois feriria gravemente o princípio da Igualdade, pelo que a Reclamação não deve ser indeferida.
A recorrente terminou pedindo que a decisão do tribunal a quo seja revogada e a reclamação dos autos seja apreciada.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar nos autos é se, do despacho de indeferimento liminar do recurso extraordinário de revisão de sentença cabe reclamação.
O circunstancialismo a levar em consideração e que se encontra documentado nos autos é o supra indicado no Relatório.
O Direito
Na decisão recorrida aplicou-se o regime dos recursos anterior ao resultante das alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Nos termos do n.º 2 do art.º 774.º do Código de Processo Civil, redacção “antiga”, o tribunal a quem for dirigido o requerimento do recurso de revisão (tribunal que deve ser o que proferiu a decisão cuja revisão se pretende - art.º 772.º n. 1) “indeferi-lo-á quando não vier deduzido ou instruído nos termos do artigo anterior e também quando se reconheça logo que não há motivo para revisão.”
Dessa decisão de indeferimento imediato cabe recurso de agravo, ainda que o valor da causa esteja contido na alçada do tribunal a quo, já que tal despacho corresponde ao de indeferimento liminar da petição inicial (art.º 234.º-A, n.º 2, 475.º n.º 2 e 772.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – neste sentido, cfr. Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, 2005, Almedina, pág. 379; José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 3.º, 2003, Coimbra Editora, pág. 204; Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 236). Não há lugar a reclamação de tal despacho, pois esse expediente processual destina-se à reacção contra a não admissão ou a retenção de recursos ordinários (art.º 688.º n.º 1 do Código de Processo Civil), sendo certo que a competência para a apreciação da reclamação cabe ao presidente do tribunal competente para a apreciação do recurso rejeitado ou retido, ou seja, tem-se aqui em vista tribunal de instância superior à do tribunal que não admitiu ou reteve o recurso (artigos 688.º n.º 1 e 689.º n.º 1 do C.P.C.). Tal regime é incompatível com a reclamação do despacho de não admissão do recurso de revisão, pois a competência para o conhecimento de tal recurso extraordinário é do tribunal que o rejeitou.
O Dec.-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, reformou o regime dos recursos cíveis, incluindo o recurso extraordinário de revisão. Quanto a este, realce-se a sua fusão com o anterior recurso extraordinário de oposição de terceiro, passando ambos a constituir o novo recurso de revisão (cfr. anteriores artigos 778.º a 782.º do Código de Processo Civil e actuais artigos 771.º, alínea g), 772.º n.º 2, alínea c) e n.º 3, 776.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Tal como no regime anterior, também agora o recurso de revisão é interposto perante o tribunal que proferiu a decisão a rever (art.º 772.º, n. 1), o qual indeferi-lo-á liminarmente se o requerimento não estiver instruído nos termos legais ou quando se reconheça de imediato que não há motivo para revisão (art.º 774.º n.º 2 do C.P.C.).
Igualmente, de tal decisão de indeferimento cabe sempre recurso, ainda que o valor da causa esteja contido na alçada do tribunal a quo, pois essa decisão corresponde ao indeferimento liminar da petição inicial (artigos 234.º-A n.º 2, 475.º n.º 2 e 772.º n.º 5; neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, 2008, Almedina, pág. 336; Cardona Ferreira, obra citada, pág. 236; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2008, Almedina, pág.205).
Tal recurso é a apelação, a qual fundiu a antiga apelação e o antigo agravo interposto em 1.ª instância (art.º 691.º n.º 1).
Também no novo regime não cabe, assim, reclamação do aludido despacho de indeferimento, pois a reclamação tem por objecto a apreciação da rejeição de recurso ordinário, recurso cuja apreciação cabe a tribunal de instância superior, a quem caberá igualmente apreciar a reclamação (art.º 688.º do C.P.C..-, neste sentido, também Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em processo civil, Coimbra Editora, 2009, pág. 204).
Conclui-se, assim, que tanto à luz do regime anterior como à luz do actual, do despacho proferido pelo tribunal a quo em 11.12.2008 (rejeição liminar do recurso de revisão) não cabia reclamação, mas sim recurso. Consequentemente, a decisão ora em apreciação, de não admissão da reclamação deduzida, não merece censura.
Sendo idênticas as soluções logradas à luz de ambos os regimes, caem pela base os argumentos aduzidos pela recorrente no sentido de uma pretensa inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa. Também não se vislumbra em que medida possam ser violadas, pela solução recorrida, as garantias de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, invocado pela recorrente) ou outros direitos pessoais (art.º 26.º, igualmente invocado pela recorrente). Efectivamente, o mecanismo processual do recurso não diminui os direitos da parte, face ao expediente processual da reclamação.
Embora o desfecho final do presente recurso não dependa, como se escreveu, do regime jurídico a aplicar em concreto, sempre se dirá que, a nosso ver, ao recurso de revisão em causa e aos recursos ordinários que nele devam ser interpostos deve aplicar-se o regime anterior ao introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007.
De facto, e quanto aos recursos ordinários, o actual art.º 772º n.º 5 dispõe, à semelhança do que fazia o antigo n.º 4 do art.º 772.º, que “as decisões proferidas no processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas no decurso da acção em que foi proferida a sentença a rever.”
O recurso de revisão visa, em caso de provimento (ou seja, se no final da chamada fase rescindente se considerar verificado o fundamento, constante numa das alíneas do art.º 771.º do C.P.C., invocado para a revisão da decisão transitada em julgado), a “reabertura da anterior instância, onde foi produzido o caso julgado, expurgando-a do vício ou fundamento que inquinou aquele e com a finalidade de, agora, uma outra vez, julgar a mesma acção. Não se trata de nova instância, mas do ressuscitar da mesma instância – tanto que o valor, sujeitos, pedido e causa de pedir mantêm-se os mesmos de anteriormente [aqui haverá que ressalvar as especialidades decorrentes da modalidade de revisão correspondente à anterior oposição de terceiro]; como também a alçada é a mesma e se reporta à data da originária propositura da acção, continuando a ser regulada pela lei então em vigor; e admitindo os mesmos recursos que admitia segundo essa mesma lei, então em vigor” (Luís Lameiras, obra citada, pág. 202).
Assim, uma vez que a acção a que se reporta o recurso de revisão foi instaurada em 2006, regeu-se pelo regime de recursos anterior ao introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto. Este diploma, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2008 (art.º 12.º), estipula que, ressalvadas determinadas normas, que produzirão efeitos após a publicação da portaria prevista no n.º 1 do artigo 138.º-A do Código de Processo Civil e aplicar-se-ão aos processos pendentes nessa data, “as disposições do Decreto-Lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.” (art.º 11.º n.º 1).
Com base na letra da lei o Professor Miguel Teixeira de Sousa defende que o novo regime será aplicado aos recursos extraordinários, nomeadamente de revisão, interpostos em processos que já se encontrassem findos à data da entrada em vigor do novo diploma (“Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, in Cadernos de Direito Privado, nº 20, Outubro/Dezembro de 2007, pág. 4).
Opinião contrária tem o Conselheiro Cardona Ferreira, para quem “seria de uma incongruência notável se o novo regime não pudesse aplicar-se a processos pendentes e pudesse aplicar-se a casos ainda mais criadores de situações definidas, ou seja, findos” (“A reforma do regime legal dos recursos cíveis, de 2007. Algumas notas”, in O Direito, ano 140.º (2008), II, pág. 319).
O Desembargador Abrantes Geraldes, embora admita que não se deve fazer a distinção entre processos que em 31.12.2007 se encontrassem “pendentes” e os que já se encontrassem “findos”, defende que se justifica uma interpretação restritiva do art.º 11.º, limitando-o aos recursos ordinários (Recursos em processo civil, novo regime, 2ª edição, 2008, Almedina, pág. 18, nota 6).
Afigura-se-nos, à semelhança daquele ilustre Conselheiro, que o que o legislador pretende definir é quais são os processos a que se aplicará o novo regime recursório (não quais os “recursos”, mas quais os processos, a que esses recursos respeitam): os processos iniciados após a entrada em vigor do novo regime. A circunstância de os recursos ordinários a interpor no recurso de revisão deverem regular-se pelo regime aplicável ao processo em que foi proferida a sentença a rever justifica a sobrevigência do regime anterior em relação ao recurso de revisão interposto após 31.12.2007, atinente a acção proposta antes de 01.01.2008.
DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e consequentemente mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Lisboa, 28.5.2009
Jorge Manuel Leitão Leal
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro
Ondina Carmo Alves