MÚTUO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NOTIFICAÇÃO
RESERVA DE PROPRIEDADE
Sumário

1 – Ainda que a carta (de resolução do contrato) tenha sido expedida para o morada do actual devedor para lhe comunicar a resolução do contrato, sucedendo que essa carta foi devolvida por não haver distribuição postal, segundo informação dos serviços postais, não foi por sua culpa que o Réu deixou de a receber.
2 - O destinatário não está obrigado a residir apenas onde haja distribuição postal, nem lhe pode ser assacada responsabilidade pela interrupção da distribuição postal.
3 - O artigo 6º, n.º 3, al. f), do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, tem em vista apenas as situações em que o vendedor era e continua a ser proprietário, agora sob reserva, financiando a aquisição, através de qualquer uma das formas ou meios que pode revestir a concessão de crédito, nos contratos de crédito ao consumo (cfr. art. 2º/1.a) do citado Dec-lei).
4 – O citado normativo tem em mira situações em que o crédito é concedido para financiar o pagamento de um bem alienado pelo próprio credor, ou seja, em que a pessoa ou entidade financiadora é a detentora do direito de propriedade do bem alienado.

Texto Integral

Acórdão
       I- Relatório
       S, S.A., intentou esta acção, com processo ordinário, contra V pedindo seja judicialmente declarada a resolução do contrato de crédito nº  e, consequentemente, seja o Réu condenado a restituir-lhe o automóvel de matrícula RS e se lhe reconheça direito ao cancelamento do registo averbado em nome deste.
       Editalmente citado o Réu não contestou, como não contestou o Ministério Público de seguida citado.
       Efectuado o julgamento, na sentença decidiu-se julgar a acção improcedente e absolver o Réu do pedido.

       Desta sentença interpõe a Autora este recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª- O Meritíssimo Juiz a quo julgou a presente acção declarativa improcedente, porquanto entende não ter operado validamente a resolução do contrato de crédito celebrado e ainda não haver lugar à constituição da reserva de propriedade, em face da celebração de contratos de financiamento, uma vez que tal garantia jurídica poderá apenas ser acordada quando estamos perante a celebração de contratos de compra e venda;
2ª- O M. Juiz a quo deu como provados os factos já transcritos supra, nos pontos 1º a 13º, que se dão por integralmente reproduzidos;
3ª- Determina o artigo 804º, n.º 2 do Código Civil que o devedor se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação possível, não foi efectuada no tempo devido;
4ª- Se a obrigação em causa for caracterizada por ter prazo certo, há mora do devedor, independentemente de interpelação, atenta a estatuição do artigo 805º, n.º 2, al. a), do Código Civil;
5ª- No caso dos presentes autos, a obrigação de pagamento de cada uma das prestações acordadas, tinha prazo certo, a saber, o dia 23 de cada mês;
6ª- Ora foi considerado provado pelo tribunal a quo que a Autora enviou ao Réu carta registada com aviso de recepção, datada de 29/10/2004, que, face ao não pagamento de determinadas prestações vencidas, concedia um prazo suplementar de 8 dias úteis para pagamento dos valores em dívida;
7ª- Acontece que no prazo concedido pela Autora nada foi pago por parte do Réu;
8ª- Entende a M. Juiz a quo que o teor de carta de interpelação enviada é incompreensível para um destinatário normal;
9ª- Salvo o devido respeito, não concorda a Autora com tal entendimento, por se retirar, inequivocamente, do teor de missiva enviada quais os valores efectivamente em aberto e objecto de interpelação ao pagamento!;
10ª- O Réu, como parte contratante do contrato de financiamento tem perfeito conhecimento das obrigações que assumiu, desde logo o valor de cada prestação, bem como o valor das prestações de seguro de vida ou automóvel associado;
11ª- Pelo que o teor de missiva datada de 29/10/2004 é claro, inequívoco e evidente, e apenas quem não tem interesse em retirar da mesma o que dela consta é que não o fará!;
12ª- Ademais, consta de aliás douta sentença recorrida que a referida carta de interpelação datada de 29/10/2004 foi enviada para uma morada que não a contratual!;
13ª- A Autora, em sede de p.i. alegou que a morada contratual indicada pelo Réu tinha sido alterada, pelo próprio, pelo que a carta de interpelação enviada é-o para uma morada actualizada!!!;
14ª- De má fé seria a Autora, tendo prévio conhecimento de que o Réu já não tinha morada na morada indicada contratualmente e ainda assim remeter para tal local a sua carta de interpelação sob pena de resolução do contrato de crédito celebrado!;
15ª- Aliás, em sede de audiência de discussão e julgamento foi prestado o esclarecimento pela testemunha arrolada pela Autora de que o Réu tinha, efectiva e concretamente solicitado a alteração da sua morada junto dos serviços da Autora, ao que esta nada opôs, logicamente!;
16ª- Pelo que não alcança a Autora o fundamento da improcedência do pedido de resolução contratual formulado, patente na sentença recorrida;
17ª- Assim, a carta em causa, muito embora não tenha sido enviada para a morada contratualmente fixada, mas para a morada actualizada do Réu, morada por este indicada, nos termos do disposto no artigo 224º n.º 2 do Código Civil produz, os seus efeitos!;
18ª- Em conformidade, por via da manutenção da dívida, após o decurso do prazo concedido para a sua regularização, foi considerado o incumprimento do Réu como definitivo, exercendo a aqui Autora o seu direito potestativo de resolução do contrato celebrado;
19ª- Ou seja, encontra-se perfeitamente realizada a interpelação admonitória prevista no artigo 808º do Código Civil, o que determina o não cumprimento da obrigação;
20ª- Em conformidade, não tendo o aqui Réu pago atempadamente as prestações acordadas, ficou constituída em mora, o que a obriga a ressarcir os prejuízos causados à Autora;
21º- Assim, o facto de se considerarem vencidas as prestações vincendas, vencidas antecipadamente, no caso do não pagamento do valor em atraso, corresponde, unicamente, ao montante necessário para ressarcir a Autora dos prejuízos sofridos, com base na conduta da Réu;
22ª- Na verdade, verificada a simples mora, acordaram as partes no vencimento antecipado de todas as prestações (cláusula 7ª das Condições Gerais);
23º- Ademais, mesmo que não se considerasse validamente operada a resolução contratual por via da carta registada com aviso de recepção, teria, necessariamente, de se considerar que, mediante a citação do Réu para os presentes autos, seria, por essa via, efectuada a declaração de resolução contratual prevista no art. 436º do Código Civil;
24ª- Pelo que considera a Autora que operou de forma válida a resolução contratual, ficando em consequência o Réu obrigado a restituir a viatura financiada à aqui Autora;
25ª- Acontece que para o Meritíssimo Juiz a quo não basta que se verifique a existência de reserva de propriedade inscrita a favor da Autora, nem que se verifique o incumprimento das obrigações que originaram a mesma, é necessário, também, que a referida reserva de propriedade seja garantia do cumprimento de um contrato de compra e venda resolvido, e não de qualquer outro;
26ª- Ora, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da lei;
27ª- A reserva de propriedade, tradicionalmente uma garantia dos contratos de compra e venda, tem vindo, face à evolução verificada nas modalidades de contratação, a ser constituída como garantia dos contratos de mútuo, sobretudo, daqueles cuja finalidade e objecto é financiar um determinado bem, ou seja, quando existe uma interdependência entre o contrato de mútuo e o contrato de compra e venda;
28ª- É entendimento da Relação de Lisboa em 1/31/2008: “I. É admissível a cláusula da reserva da propriedade no contrato de crédito ao consumo, na modalidade de mútuo, nomeadamente quando este está intensamente conexionado com o contrato de compra e venda. II. Reconhecida a resolução do contrato de mútuo, por incumprimento do mutuário, justifica-se a entrega do respectivo bem ao mutuante” (consultado na site www.dgsi.pt, Proc. n.º 405/2008-6);
29ª- Nestas situações, tem-se verificado uma sub-rogação do mutuante na posição jurídica do vendedor, isto é, o mutuante ao permitir que o comprador pague o preço ao vendedor, subroga-se no risco que este correria caso tivesse celebrado um contrato de compra e venda a prestações, bem como, nas garantias de que este poderia dispor, no caso, a reserva de propriedade;
30ª- Este entendimento encontra pleno acolhimento no artigo 591º do Código Civil, bem como, no principio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405º do Código Civil, uma vez que, não se vislumbram quaisquer objecções de natureza jurídica, moral ou de ordem pública relativamente ao facto de a reserva de propriedade ser constituída a favor do mutuante e não do vendedor;
31ª- Ora, a própria lei que regula o crédito ao consumo o admite no n.º 3 do seu artigo 6º quando refere que “o contrato de crédito que tenha por objecto o financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante pagamento em prestações deve indicar ainda: (...) f) O acordo sobre a reserva de propriedade”;
32ª- Entendimento este que também tem sido sufragado em diversos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, entre os quais destacamos o acórdão de 27/6/2002, consultado na base de dados do Ministério da Justiça em www.dgsi.pt, cujo n.º de documento é RL200206270053286, o acórdão de 13/5/2003 consultado na mesma base de dados de que não se encontra disponível o n.º de documento e que teve como relator a Meritíssima Juíza Desembargadora Rosa Maria Coelho, e o acórdão datado de 26/1/2006;
33ª- Por outro lado, o direito que a recorrente tem de reaver a viatura decorre da propriedade que tem sobre ela, bem como, face à resolução contratual verificada e dada como provada pelo M. Juiz a quo, tem direito ao cancelamento do registo averbado a favor do recorrido, na Conservatória de Registo Automóvel;
34ª- A propriedade da recorrente será condicionada, é certo, mas ao não se verificar a condição que implicaria a transmissão da mesma para o mutuário, então a propriedade permanece na sua esfera jurídica;
35ª- Posto isto e encontrando-se inscrita a favor da recorrente reserva de propriedade sobre a viatura que se requereu a restituição, bem como, estando provado que a mutuária não cumpriu as obrigações que originaram a constituição da reserva de propriedade, conforme resultou da matéria provada, pelo que, e em conformidade, assiste à Autora o direito de reivindicar o veículo que adquiriu, ao abrigo do disposto no artigo 1311º do Código Civil;
36ª- Ou seja, enquanto a reserva a favor da recorrente se mantiver, o Réu é apenas mero detentor do veículo automóvel financiado, pelo que fica necessariamente sujeito a que, se não pagar o preço acordado, a reservatária possa exigir a sua restituição!;
37ª- Acresce que, tendo em consideração a tese já defendida de interpretação actualista da lei, necessário será apelar também à interpretação actualista do n.º 1 do artigo 18º do Decreto-lei n.º 54/75, de 12/12, devendo este normativo, englobar, também, as situações de contrato de mútuo conexo com o contrato de compra e venda;
38ª- O mesmo entendimento encontra-se presente em diversa jurisprudência, já indicada a título exemplificativo supra;
39ª- Certo é que, aquando da celebração de um contrato de mútuo com vista ao financiamento do contrato de compra e venda de veículo automóvel, quem, efectivamente, corre o risco relativamente ao incumprimento não é o vendedor mas antes o mutuante!!!;
40ª- Assim, e tal como resulta do acórdão datado de 5/5/2005, melhor identificado supra, “aceitar-se a formal e redutora interpretação de que só o incumprimento e consequente resolução do contrato de alienação conduz à apreensão e entrega do veículo alienado, a cláusula da reserva de propriedade deixaria de ter qualquer efeito prático, sempre que a aquisição do veículo fosse feita através do financiamento de terceiro – o que, como se disse, é hoje a regra face à evolução verificada nessa forma de aquisição”;
41ª- A reserva de propriedade acordada funciona como condição suspensiva do efeito translativo do direito de propriedade sobre a viatura em causa, tal como resulta claramente do disposto no artigo 409º do Código Civil;
42ª- Ora tendo-se tornado impossível de verificação prática da condição em causa, retroactivamente extinguiu-se a possibilidade do mutuário vir a ser o efectivo proprietário da viatura dos autos, tal como resulta do estatuído no artigo 276º do Código Civil;
43ª- O contrato de crédito celebrado foi resolvido com fundamento no incumprimento reiterado do Réu, que apesar de interpelado ao pagamento dos valores em dívida, não regularizou os montantes em dívida, verificando-se o seu incumprimento definitivo;
44ª- Ou seja, enquanto a reserva a favor da Autora se mantiver, o Réu é apenas mero detentor do veículo automóvel financiado, pelo que fica necessariamente sujeito a que, se não pagar o preço acordado, a reservatária possa exigir a sua restituição, mesmo através do recurso à apreensão!;
45ª- Nestes termos o direito de propriedade da Autora sobre a viatura financiada, terá que ser, impreterivelmente reconhecido e consequentemente, o Réu deveria ter sido condenado a restituir o veículo à Autora, e ser ainda ordenado o respectivo cancelamento do registo averbado em nome do Réu;
46ª- A decisão recorrida viola ainda o regime legalmente patente no Decreto-lei n.º 54/75, de 12/2, e as disposições legais já indicadas nas presentes alegações de recurso;
47ª- Pelo que, a procedência do presente recurso é manifesta.
       Como resulta do disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação do recorrente servem para delimitar o âmbito do recurso e, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, para colocar as questões que nele devem ser conhecidas.
       Sendo assim a questão resume-se a apreciar a validade da declaração de resolução e suas consequências.

       III- Fundamentação
       Vêm dados como provados os factos seguintes:
1- A Autora é uma sociedade comercial sob a forma anónima cujo objecto é a actividade de locação financeira;
2- Consta de fls. 23 um escrito datado de 29/10/2004, intitulado “contrato de crédito nº” em que figura como locatário V;
3- Nos termos desse escrito, o objecto financiado é um veículo de marca Ford, modelo Transit, com a matrícula TC;
4 - Nas condições particulares consta o seguinte:
“Fornecedor do bem: R
Descrição do bem: viatura mista, marca Ford, modelo Transit, matrícula TC;
Valor do bem: 15.000,00 EUR
Entrada inicial: 1.250,00EUR
Montante do crédito: 14.250,00 EUR
Encargos Administrativos e fiscais: 285,00 EUR (inclui imposto selo sobre o mútuo e selagem do contrato)
Taxa nominal: 15,62%
TAEG: 18,92%
Nº de prestações: 72
Periodicidade e vencimento: mensal postecipadas, com vencimento da 1ª prestação em 23.03.2004
Montante das prestações: 48 prestações de 312,52 EUR
Portes: O valor de cada prestação inclui 1,49 EUR de portes. Quantia sujeita a alteração, de acordo com o previsto na tabela afixada na sede da S disponível para consulta.
Total do financiamento e encargos: 22.679,66 EUR
Garantias: livrança em branco subscrita p/ cliente(s) e reserva de propriedade.
Custo das garantias: Imposto de selo à taxa legal em vigor;
5 - A fls. 24, assinadas pelo Réu, constam as condições gerais de financiamento para aquisição a crédito;
6 - É o seguinte o teor da cláusula 7ª das referidas condições gerais:
“INCUMPRIMENTO, CLÁUSULA PENAL E ANTECIPAÇÃO DO VENCIMENTO
Em caso de mora do Cliente, a S cobrará sobre o montante em débito e durante o tempo de mora, juros de mora à taxa contratual em vigor, acrescidos a título de cláusula penal de quatro pontos percentuais.
Os juros de mora e a cláusula penal poderão ser capitalizados em conformidade com os usos instituições bancárias.
O disposto na alínea anterior não prejudica o direito da S de considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do contrato e exigir o cumprimento imediato caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação.”
(…)
7 - A cláusula 9ª das condições gerais tem o seguinte teor:
“ GARANTIAS E RESERVA DE PROPRIEDADE
a) Em garantia do bom pagamento do capital emprestado, respectivos juros e demais obrigações decorrentes do presente contrato, o cliente presta as garantias que venham referidas na Condições Particulares do mesmo;
(…)
e) Até ao integral cumprimento deste contrato, a S poderá constituir, no seu interesse, reserva de propriedade sobre o(s) bem(s) objecto deste contrato, salvo se a S dela prescindir.”;
8 - O veículo com a matrícula TC encontra-se registado a favor do Réu com encargo de reserva a favor da Autora;
9 - O Réu não pagou parte da renda n.º 13, vencida a 23/3/2005, no valor de € 35,81, bem como as rendas n.ºs 14, 15, 16 e 17, que se venceram em 23/4/2005, 23/5/2005, 23/6/2005 e 23/7/2005;
10 - A Autora remeteu ao Réu a carta registada com aviso de recepção que se mostra junta a fls. 26 a 29, com o seguinte teor:
“Assunto: contrato de crédito nº 505246
Cliente nº 3,509,830
Exmº(s) Senhor(es),
Em relação ao contrato em epígrafe, encontra(m)-se vencido(s) o(s) valor(es) a seguir discriminado(s):
Referência        Data                Valor                Referência        Data                           Valor
REN 13  23-Mar-2005             35,81            ASV 13            21-Mar-2005             4,98 €
REN 14  23-Abr-2005           311,03 €          ASV 14           23-Abr-2005              4,98 €
DPO 14  23-Abr-2005               1,49 €          REN 15           23-Mai-2005        311,03 €
ASV 15  23-Mai-2005              4,98 €           DPO 15           23-Mai-2005               1,49 €
REN 16  23-Jun-2005 311,03 €          DPO 16           23-Jun-2005               1,49  €
ASV 16  23-Jun-2005     4,98 €                    
A contar da data de recepção desta carta, vimos ainda conceder um prazo suplementar de oito (8) dias para que proceda(m) à liquidação da(s) das importância(s) em atraso, acrescida(s) dos juros de mora contratuais, no total de 1.215,52 €.
Se decorrido tal prazo, o pagamento ora solicitado não se encontrar efectuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências, nomeadamente o accionamento de todas as garantias ao nosso dispor, nos termos contratualmente previstos.
Na data da resolução do contrato, quando aplicável, denunciaremos o(s) contrato(s) de seguro associado(s), chamando a particular atenção de V. Exª(s). para a responsabilidade em que incorrerá(ão), nos termos legais.
Mais informamos que, mantendo-se o incumprimento, por período superior a 90 dias, de imediato informaremos o Banco de Portugal processará automaticamente aquela informação, distribuindo-a a todas as Instituições Financeiras, para seu conhecimento.
Ao abrigo do nº 3 do artº 10º da Lei 67/98 e na falta do pagamento pelo valor aqui reclamado ou da entrega da viatura, nos prazos ora indicados, informamos ainda V. Exª(s). que iremos comunicar à F, Lda., com sede social em Leiria, os V/ dados pessoais existentes nos nossos ficheiros, referentes ao contrato acima identificado, na estrita medida em sejam necessários para aquela empresa poder assegurar o levantamento do equipamento financiado ou cobrar o incumprimento contratual em aberto nos nossos livros.
Sem outro assunto de momento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos.
Atentamente
Direcção de Controle de Crédito.”;
11- A carta referida em 10 foi remetida para a seguinte morada: Vila de Frades;
12- A carta aludida em 10[1] foi devolvida com a indicação “Não há distribuição”, aposta pelos serviços postais;
13- O Réu não pagou nem procedeu à entrega do veículo de marca Ford, modelo Transit, com a matrícula 94-04-TC.

       Na sentença ponderou-se o seguinte: «pode afirmar-se que a carta de resolução tem que ser fundamentada, o que significa que têm de ser invocados os fundamentos concretos que legitimam o exercício da resolução, e que, caso se trate de quantias monetárias, o seu exacto montante.
       No caso dos autos, a A. pretende ver o contrato resolvido por falta de pagamento das prestações.
       Da carta de resolução junta a fls. 26 consta sob os títulos “Referência”, “Data” e “Valor” um conjunto de elementos que se afiguram incompreensíveis para um declaratário normal (artº 236º, nº 1, do CC). O fundamento invocado como suporte da resolução deve corresponder à verdade e ser apreensível por um cidadão médio.
       Acresce que na referida carta é indicado, em termos genéricos, que se encontra por liquidar a quantia de 1.215,52, valor que se desconhece com base em que critério foi apurado, sendo certo que não corresponde à soma dos valores descritos na carta e é referida como “importâncias em atraso, acrescida dos juros de mora contratuais, sem que se perceba qual o valor que corresponde às prestações em atraso e aquele que se refere aos juros (10 dos factos provados), questão que é pertinente, atenta a desproporcionalidade existente entre as partes.
       Ainda no que se refere à carta de resolução, constata-se que a mesma foi remetida para a seguinte morada: Vila de Frades, (11 dos factos provados), tendo a mesma sido devolvida com a indicação “Não há distribuição”, aposta pelos serviços postais (12 dos factos provados).
       Compulsado o contrato junto a fls. 23, do mesmo consta como morada do R. o Rua das Taipas, Portel.
       Não tendo o A. alegado e demonstrado que a carta de resolução foi remetida para a nova morada do R., depois de este lhe ter comunicado essa alteração, não pode tal carta ter a virtualidade de ter operado validamente a resolução, como a A. pretende.
       Para além de ter de especificar os seus fundamentos, a carta com vista a resolver o contrato tem de chegar ao conhecimento do devedor, pois é apenas e só nesse momento que tal resolução opera (artº 224º, nº 1, do CC).
       Nesta conformidade, não se mostra validamente resolvido o contrato de financiamento em causa e, em consequência, não pode o R. ser condenado a restituir o veículo marca Ford, modelo Transit, de matrícula TC, nem ser reconhecido o direito ao cancelamento do registo averbado em nome do R.».
       Ponderou-se ainda na sentença o seguinte:
       «A reserva de propriedade constituída no âmbito de um contrato de compra e venda não pode ser accionada no âmbito de um contrato de financiamento, ainda que a quantia mutuada tenha sido utilizada na aquisição do automóvel.
       Assim, a acção de que o procedimento dependeria tem necessariamente de ser uma acção de resolução do contrato de alienação, como diz expressamente o artigo 18º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, e não a validade da resolução do contrato de financiamento.
       É manifesto que quando a lei diz, no artigo 18º, nº 1, do citado diploma, que o titular do registo da reserva de propriedade deve propor a acção de resolução no prazo de 15 dias, está a pressupor a coincidência de titularidade do direito de resolução e da reserva de propriedade, pois não faria qualquer sentido admitir que alguém que não pode propor a acção principal pudesse requerer uma providência cautelar que é sempre dependência dessa acção. É nesse sentido que Moitinho de Almeida refere que a legitimidade, quer no procedimento cautelar, quer na acção de resolução, pertence ao titular do registo (O processo cautelar de apreensão de veículo automóvel, pg. 33).                                                   
       A forma de fazer funcionar a reserva de propriedade é precisamente através da resolução do contrato de compra e venda por falta de pagamento do preço. E resulta claramente desta acção que o contrato objecto de resolução foi o de financiamento (cfr. 2 a 8 e 10 dos factos provados).».
       Estabelece-se no artigo 432º, n.º 1, do Código Civil, que a resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.
       Efectivamente deve entender-se que a declaração de resolução do contrato tem de ser suficientemente precisa quanto aos motivos e à intenção, não é suficiente invocar que se resolve o contrato, pois para verificar a situação de incumprimento e apreciar a sua gravidade é necessário concretizar essa situação, impõe-se sempre a concretização indispensável para apreciar a validade do fundamento alegado para a resolução[2].
       A carta que a Autora expediu para o Réu para lhe comunicar a resolução do contrato é suficientemente precisa quanto motivos da resolução, contém a concretização indispensável para apreciar a validade do fundamento alegado para a resolução.
       Com efeito da carta constam as prestações em atraso e pede-se a liquidação desses montantes que, com acréscimo de juros de mora contratuais, totalizam € 1.215, 52.
       Deste modo cumpre concluir, como se conclui, que na carta a Autora especifica suficientemente os fundamentos da resolução do contrato.
       Operando a resolução do contrato mediante declaração à outra parte, visto o disposto no artigo 224º, n.º 1, 1ª parte do Código Civil, a respectiva declaração deve ser havida como uma declaração receptícia[3], ou seja apenas se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida.        
       Importa, todavia, considerar que, nos termos do artigo 224º, n.º 2, do Código Civil, a declaração receptícia, a declaração que tem um destinatário, é também considerada eficaz quando só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.             
       Pretende-se, assim, proteger o declarante em casos como quando suceda que o declaratário se ausenta para incerta ou se recuse a receber a carta, ou quando o declaratário não vá levantar a carta à posta-restante[4].
       A Autora, no artigo 12º da petição inicial, alega que a carta, que expediu para o Réu para lhe comunicar a resolução do contrato, foi enviada para a sua morada actual conforme por este comunicado e solicitado.
       Esta alegação, a alegação de que a carta foi enviada para a morada actual do Réu conforme por este comunicado e solicitado, não foi objecto de pronúncia em sede de julgamento da matéria de facto.
       Contudo ficou demonstrado que a carta que a Autora expediu para o Réu para lhe comunicar a resolução do contrato foi enviada para essa morada indicada pela Autora como sendo a morada actual do Réu conforme por este comunicado e solicitado.
        Sucedendo que essa carta foi devolvida por não haver distribuição postal, segundo informação dos serviços postais, não foi por sua culpa que o Réu deixou de a receber.
        Com efeito o Réu não está obrigado a residir apenas onde haja distribuição postal, nem lhe pode ser assacada responsabilidade pela interrupção da distribuição postal.
       Deste modo cumpre concluir, como se conclui, que com essa a carta, ainda que se admita que foi expedida para a correcta morada do Réu, a Autora não fez operar a resolução do contrato.
       Por outro lado é evidente que não tem cabimento, senão à revelia do disposto nos artigos 467º, n.º 1, al. d), e 481º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, considerar que, mediante a citação, foi efectuada a declaração de resolução contratual.
       Improcedem, portanto, as razões da recorrente para concluir que foi efectuada a comunicação da resolução do contrato.
       Não estando estabelecida a comunicação de resolução do contrato esta não pode operar e, consequentemente, improcede o peticionado pela recorrente.
       Em todo o caso cabe referir que, ainda que se pudesse considerar comunicada ao Réu a resolução do contrato de crédito, a resolução da compra e venda do automóvel é que permitiria obter a sua restituição e o cancelamento do registo da propriedade e assim, nem estando peticionada essa resolução, não poderiam obter provimento os pedidos de restituição do automóvel e de reconhecimento do direito ao cancelamento do registo.
       Efectivamente, termos dos artigos 433º, 1316º do Código Civil, 1º, n.º 1, 5º, n.º 1, al. a), 15º, n.º 1, 18º, n.ºs 1 e 3,e 29º do Registo Automóvel, 28º do Regulamento do Registo Automóvel e 13º do Código do Registo Predial, a acção de resolução do contrato de alienação é que permite ao reservatário da propriedade consolidar a tomada de posse do veículo e proceder ao cancelamento do registo de reserva de propriedade.
       Ao contrário do que pretende a recorrente, a propósito do artigo 6º, n.º 3, al. f), do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, deve entender-se que «o normativo em questão tem em vista apenas as situações em que o vendedor era e continua a ser proprietário, agora sob reserva, financiando a aquisição, através de qualquer uma das formas ou meios que pode revestir a concessão de crédito, nos contratos de crédito ao consumo (cfr. art. 2º/1.a) do citado Dec-lei). O mesmo é dizer que tal normativo tem em mira situações em que o crédito é concedido para financiar o pagamento de um bem alienado pelo próprio credor, ou seja, em que a pessoa ou entidade financiadora é a detentora do direito de propriedade do bem alienado.»[5].
       Por outro lado não se mostra possível interpretação que permita considerar que o disposto no n.º 1 do artigo 18º do Registo Automóvel engloba o contrato de mútuo conexo com o contrato de compra e venda.
       Com efeito «no art. 409º n.º 1, logo o elemento gramatical constitui um sério obstáculo à pretendida interpretação actualista. Já o dissemos e voltamos a afirmá-lo: na sua referência clara e expressa a contratos de alienação e a alienante não se enxerga a possibilidade de aí incluir o contrato de mútuo ou financiamento, nem mesmo quando se trate de um contrato de mútuo a prestações conexionado com um contrato de compra e venda do bem financiado. O contrato de empréstimo ou mútuo entre o comprador e o financiador não é um contrato de alienação. Contratos de alienação são contratos translativos de um direito real – efeito que não reveste o contrato de mútuo»[6], por outras palavras o «art. 409º, nº 1, do Código Civil ao aludir a “contratos de alienação” de modo algum se pode considerar que pode abarcar o contrato de mútuo ou de financiamento; os contratos de alienação são os translativos de um direito; no caso que nos ocupa o direito de propriedade.»[7].
       A recorrente pretende ainda que nestas situações o mutuante se sub-roga nas garantias de que o vendedor poderia dispor, no caso, a reserva de propriedade, com pleno acolhimento no artigo 591º do Código Civil, bem como, no principio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405º do Código Civil.
       Efectivamente na sub-rogação o terceiro «adquire os direitos do credor originário em relação ao respectivo devedor.»[8].
       Ora, não estando demonstrado qualquer negócio de alienação do automóvel estabelecido entre o Réu como comprador e um qualquer vendedor, antes resultando, como se refere na sentença, que a Autora se apresentou na Conservatória do Registo Automóvel na qualidade de vendedora do veículo, como decorre de fls. 151 a 154, não se vislumbra que direitos de um qualquer vendedor sobre o Réu adquiriu a Autora.
      III – Decisão
       Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso e, assim, confirmam a sentença recorrida.
       Custas pela recorrente: artigo 446º, n.º 1, do Código do Processo Civil
       Processado em computador.
                                                    Lisboa, 2.6.2009
                                                José Augusto Ramos
                                                João Aveiro Pereira
                                                       Rui Moura             
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[1] Na sentença por lapso consta «aludida em 9».
[2] Vd. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª Ed., pgs 183,184.
[3] Vd. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª Ed., pg 179.
[4] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª Ed., pg. 199.
[5] Cfr. Ac. S.T. J., de 10/7/2008, processo 08B1480, www.dgsi.pt., neste sentido também Ac. S.T.J. Uniformizador de Jurisprudência, de 9/10/2008, D.R. IS, de 14/11/2008.
[6] Cfr. Ac. S.T. J., de 10/7/2008 processo 08B1480, www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. S.T. J., de 2/10/2007 processo 07A2680, www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª ed., pg. 822.