CASAMENTO
CAPACIDADE
AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
IMPEDIMENTO
ANULABILIDADE
Sumário

I - Do disposto nas Bases XVIII, al.a) e XXVII, nº2, da Lei nº2098, de 29/7/1959, resulta que a perda da nacionalidade portuguesa se produz imediatamente, no caso de a aquisição da nacionalidade estrangeira ser voluntária, mas que, relativamente a terceiros e no domínio das relações de direito privado, apenas produz efeitos desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize.
II - Todavia, no caso, não estamos perante uma questão de eficácia da perda da nacionalidade perante terceiros, no domínio daquelas relações, mas sim perante a questão de saber se o pai do autor tinha capacidade para contrair casamento no momento em que casou com a ré.
III - Ora, nesse momento, já tinha adquirido voluntariamente a nacionalidade americana e, consequentemente, perdido a nacionalidade portuguesa, pelo que, a sua capacidade para contrair casamento era regulada pela lei americana, nos termos do disposto no art.49º, do C.Civil.
IV - Daí que não haja que invocar o impedimento dirimente absoluto a que alude a al.c), do art.1601º, do C.Civil, onde se prevê que o casamento anterior não dissolvido obsta ao casamento com qualquer outra pessoa, sendo que, o casamento anterior do pai do autor havia sido dissolvido por sentença de divórcio, proferida por tribunal americano em 26/4/72, e não havia que colocar a questão de essa sentença de divórcio não estar revista e confirmada, já que, no caso, a mesma não tem que ter eficácia em Portugal, bastando que a tenha no país em que foi proferida.
V – De todo o modo, a circunstância de o autor não ter alegado factos susceptíveis de elidir a presunção de boa fé dos cônjuges a que alude o nº3, do art.1648º, do C.Civil, sempre implicaria que os actos realizados entre os cônjuges, bem como os negócios efectuados com terceiros, por qualquer deles, ou por ambos, no decurso do período compreendido entre a celebração do casamento e a data do trânsito em julgado da sentença anulatória deste, continuassem a ser apreciados, quanto à sua validade e eficácia, mesmo depois da anulação, tal como se o casamento fosse válido (cfr. os arts.1632º e 1647º, nº1, do C.Civil).

(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

A propôs acção declarativa sob a forma de processo ordinário, destinada a anulação de casamento, contra I., alegando que é filho de B e de M, tendo a sua mãe falecido em 30/7/68 e o seu pai em 6/11/07.

Mais alega que o seu pai casou civilmente com L, em 12/3/69, tendo-se divorciado em 26/4/72, por sentença decretada pelo Tribunal Superior do Círculo Judicial do Estado de New Jersey, nos E.U.A., onde residiam, com o fundamento de se encontrarem separados de facto pelo período de 1 ano.

Alega, ainda, que, em 22/2/75, o seu pai contraiu casamento civil, no Estado de New York, E.U.A., com I, ora ré, casamento esse que foi invocado várias vezes por ambos, quando vieram residir para Portugal há cerca de 30 anos.

Alega, também, que a aludida sentença de divórcio proferida nos E.U.A. nunca foi reconhecida por um tribunal Português, não tendo tal divórcio sido averbado no assento de nascimento do seu pai, antes aí tendo sido averbado o divórcio entre este e a referida L, decretado por sentença de 13/4/78, proferida pelo Tribunal de Família de Lisboa.

Alega, por último, que o divórcio decretado nos E.U.A. não teve qualquer validade perante a Lei Portuguesa, já que a respectiva sentença não foi revista e confirmada, nem o poderia ser, pois que a Lei Portuguesa não reconhecia a separação pelo período de 1 ano como justificação para o divórcio litigioso, sendo que, o divórcio apenas produziu efeitos quando foi decretado por sentença do Tribunal de Família de Lisboa.

Conclui, assim, que o casamento celebrado entre o seu pai e a ré, em 22/2/75, é anulável, nos termos dos arts.1601º, al.c) e 1643º, nº1, al.c), do C.Civil, porquanto, nessa data, existia um impedimento dirimente, uma vez que o seu pai ainda era casado com L.

A final, pede que se anule o casamento contraído entre o seu falecido pai, B, e a ré, e que se anulem todas as menções insertas em actos públicos notariais e registrais, onde se declare que aquele era casado com a ré, em regime de comunhão geral de bens, e que faleceu no estado de casado com esta.

Devidamente citada, a ré apresentou contestação, que, no entanto, foi mandada desentranhar, para ser devolvida à apresentante, por se ter entendido, através de despacho transitado em julgado, que a mesma era manifestamente extemporânea.

Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se conheceu imediatamente do mérito da causa e se julgou a acção improcedente.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação daquela sentença.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:

1. O A. é filho de B de M, casados catolicamente em 18 de Janeiro de 1947.

2. A mãe do A. faleceu em 30 de Julho de 1968 no estado de casada com o seu pai.

3. O pai do A. faleceu em 06 de Maio de 2007.

4. Em 12 de Março de 1969 o pai do A. casou civilmente com L.

5. Foi proferida sentença em 26 de Abril de 1972, a decretar o divórcio entre o pai do A. e L, em acção intentada por esta contra aquele, pelo Tribunal Superior do Círculo Judicial do Tribunal do Estado de New Jersey, nos Estados Unidos da América, com os fundamentos que constam do documento junto a fls. 95 que se dá por inteiramente reproduzido, e onde consta que o R. foi culpado do abandono intencional da queixosa, ao fim de um ano.

6. Tal divórcio não foi averbado no assento de nascimento do pai do A.

7. No assento de nascimento do A. encontra-se averbado que o casamento entre o pai do A. e L, foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 13 de Abril de 1978, transitada em julgado em 24 de Abril de 1978, proferida pelo Tribunal de Família de Lisboa.

8. Em 22 de Fevereiro de 1975 o pai do A. B contraiu casamento civil, nos Estados Unidos da América, no Estado de New York, com I, ora Ré, no regime de comunhão geral de bens.

9. A existência do casamento entre B e a Ré, no regime de comunhão geral de bens, foi invocada em Portugal, nos actos notariais e registrais documentados no processo, nos documentos juntos sob os números 5 a 8 com a petição inicial.

10. B, adquiriu uma fracção autónoma e uma moradia, respectivamente por escrituras outorgadas em 12 de Março de 1979 e 30 de Julho de 1986, invocando a sua qualidade de casado com a Ré, no regime de comunhão geral de bens, tendo tal menção constado também do registo dos referidos bens na 1a Conservatória do Registo Predial.

11. A Ré declarou para efeitos da Declaração de Óbito de B junto da Conservatória do Registo Civil  que era casada com o mesmo.

12. A Ré é portadora de um Bilhete de Identidade emitido em 23.05.2003, em que declara como Estado Civil, o de solteira.

13. O pai do A. era portador de um Bilhete de Identidade emitido em 12.05.1983, em que declarava como estado civil o de divorciado.

14. A R. perdeu a nacionalidade portuguesa, em 1 de Julho de 1976, por voluntariamente se ter naturalizado e adquirido a nacionalidade americana.

15. O pai do A. perdeu a nacionalidade portuguesa por ter adquirido voluntariamente, por naturalização a nacionalidade americana em 25 de Setembro de 1974.

2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:

l- Nos termos do artigo 511°, n° l do C.P.C., deveria ser aditado ao facto n° 7 dado como provado pelo despacho saneador - sentença Recorrida que o fundamento do divórcio entre o B, Pai do Recorrente e L, foi o da alínea h) do artigo 1978° do Código Civil em vigor, tendo-se verificado a separação de facto durante o Verão de 1971, tal como consta do averbamento ao assento de casamento entre B e L, junto à P.I., sob o documento n° l.

2 - Os factos n°s 14 e 15, dados como provados pelo despacho saneador- sentença Recorrida, foram indevidamente dados como assentes.

3 - Atento o teor dos documentos n°s 2 e 13, juntos à P.I., deveria ter sido dado como provado nesses n°s, e nos termos do artigo 511°, n° l do C.P.C., apenas que:

• No registo de nascimento da Recorrida consta: "N° l - Perdeu a Nacionalidade portuguesa, nos termos da alínea a), Base XXIII da Lei 2098 de 27/7/59, por efeito de ter adquirido voluntariamente por naturalização a nacionalidade americana, em 1/7/1976, sendo identificada com o nome de I, pela lei do país de que é nacional: Boletim n°. ano de 1983. Em 21 de Junho de 1983. (...)";

• No registo de nascimento do Pai do Recorrente consta, sob o averbamento n°, de 2007-11-08: " O registado perdeu a nacionalidade portuguesa nos termos da alínea a) da Base XVIII, da Lei n°. 2098 de 29 de Julho de 1959, por efeito de ter adquirido voluntariamente por naturalização a nacionalidade americana. Aos 25 de Setembro de 1974. Boletim n°.  maço n°  Em 21 de Junho de 1983'.".

4 - Menções que significam que apenas em 21 de Junho de 1983, foi averbada pela Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, nas respectivas certidões de Nascimento, a Perda da Nacionalidade Portuguesa, tanto da Ré, como do Pai da Recorrente, e que deveriam ter sido dado como provadas, nos termos do artigo 511º, no1, do C.P.C..

5 - Não podendo pois a Meritíssima Juiz dar como assentes as datas em que ocorreu a perda da nacionalidade Portuguesa da Recorrida e do Pai do Recorrente, conclusões que constituem matéria de direito, sem previamente explicitar porque razão chegou a tal conclusão, verificando-se aqui uma nulidade do despacho saneador -sentença, prevista no artigo 668°, n° l, alínea b) do Código do Processo Civil, por omissão dos fundamentos de direito que levaram a tais conclusões.

6 - Conforme a certidão do registo de perda da nacionalidade que ora se junta sob o documento n° l, emitida pela Conservatória dos Registos Centrais, o registo da perda da nacionalidade do Pai do Recorrente, apenas foi requerido em Portugal, em 31 de Maio de 1983, lavrando-se o registo definitivo da perda da nacionalidade, em 16 de Junho de 1983. Facto que, deverá também ser dado como provado, nos termos do artigo 511°, n° l do C.P.C..

7 - Atenta a factualidade que deveria ter sido dado como provada pelo despacho saneador - sentença Recorrida, teremos que considerar que em consonância com o n° 2 da Base XXVII da Lei da Nacionalidade n° 2098, de 29 de Julho de 1959, o artigo 35°, n° 2, da lei da nacionalidade n° 37/81, de 03 de Outubro e o artigo 372° do Código do Registo Civil, dado que o registo da perda da nacionalidade do Pai do Recorrente, apenas ocorreu em 16 de Junho de 1983, tendo sido averbado na sua certidão de nascimento em 21 de Junho de 1983, o mesmo apenas é oponível perante terceiros, neste caso o Recorrente, produzindo efeitos nas relações de direito privado, somente desde essas datas.

8 - Neste sentido, o acórdão o acórdão do STJ n° 070116, de 25 de Novembro de 1982 (Rec. n° STJO , do Senhor Juiz Conselheiro Moreira da Silva), cuja orientação perfilhamos inteiramente.

9 - Assim, ao contrário do afirmado pela sentença recorrida, à data da celebração do casamento cuja anulação o Recorrente pretende, entre o Pai e a Recorrida, em 22 de Fevereiro de 1974, o Pai do Recorrente ainda era um cidadão Português, dado que não tinha registado a perda da nacionalidade portuguesa por aquisição voluntária da nacionalidade Americana.

10 - Nos termos do artigo 49° do Código Civil, verifica-se que sendo o Pai do Recorrente cidadão Português, em 22 de Fevereiro de 1974, o seu casamento com a Ré foi inválido, dado existir um impedimento dirimente ao mesmo, previsto no artigo 1601°, alínea c) do Código Civil.

11 - Com efeito, o divórcio entre B e L, apenas produziu efeitos, quando foi decretado por sentença de 13 de Abril de 1978, transitada em julgado em 24 de Abril de 1978, proferida pelo Tribunal de Família de Lisboa.

12 - Sendo que, o divórcio entre B e L, ocorrido nos Estados Unidos da América, não teve qualquer validade perante a Lei Portuguesa, dado que a sentença proferida pelo Tribunal Estrangeiro não foi revista e confirmada perante um Tribunal Português.

13 - Tendo sido certamente por esse motivo que foi necessário interpor uma acção de divórcio litigioso em Portugal, para que o casamento entre B e L fosse dissolvido. O que, não teria sucedido obviamente se como a sentença recorrida considera, o Pai do Recorrente, à data, já não fosse cidadão Português.

14 - Nesta conformidade, o casamento celebrado entre o Pai do Recorrente e a Recorrida, em 22 de Fevereiro de 1975, no Estado de New York, nos E.U.A., não é válido, sendo anulável, nos termos dos artigos 1601°, alínea c) e 1643°, n° l, alínea c) dado que nessa data existia um impedimento dirimente, obstando ao casamento de B, com qualquer outra pessoa, por o mesmo à data ser casado com L e ser cidadão Português, sendo a lei Portuguesa a sua lei pessoal, reguladora da sua capacidade para contrair casamento, nos termos do artigo 49° do Código Civil.

15 - Violou o despacho saneador - sentença Recorrida, de forma ostensiva os n° 2 da Base XXVII da Lei da Nacionalidade n° 2098, de 29 de Julho de 1959, o artigo 35°, n° 2, da lei da nacionalidade n° 37/81, de 03 de Outubro, o artigo 372° do Código do Registo Civil e o artigo 49° do Código Civil, ao considerar que o Pai do Recorrente perdeu a nacionalidade Portuguesa em 25 de Setembro de 1974, e que à data em que o mesmo casou com a Recorrida, a sua lei pessoal era a Americana, não existindo qualquer impedimento a tal casamento.

Termos em que, deve ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho saneador-sentença proferido em 1a Instância, e produzida decisão que considere anulado o casamento celebrado entre o Pai do Recorrente e a Recorrida e que considere procedentes por provados os demais pedidos formulados na Petição Inicial.

2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a douta sentença recorrida.

2.4. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:

1ª – saber se a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode, no caso, ser alterada pela Relação;

2ª – saber se, face à matéria de facto apurada, haverá que concluir que, quando o pai do autor casou com a ré, em 22/2/75, ainda não se encontrava dissolvido por divórcio o casamento anterior contraído, em 12/3/69, com L, o que obstava ao casamento celebrado em 22/2/75, sendo determinante da sua anulabilidade, nos termos do disposto nos arts.1601º, al.c) e 1631º, al.a), do C.Civil.

2.4.1. Quando a 1ª instância elencou os factos que considerava provados teve em conta os documentos juntos aos autos, de fls.10 a 46 e de fls.94 a 103, como é referido expressamente a fls.127.

Assim, constando do documento de fls.41 (junto como doc.nº10 e não como doc.nº1, como certamente por lapso se refere na conclusão 1ª da alegação do recorrente) o averbamento nº2, de que se faz menção no ponto 7º da matéria de facto assente, mas onde se acrescenta: «com fundamento na al. h) do art.1778º do Código Civil, tendo-se verificado a separação de facto durante o Verão de 1971», deverá aditar-se este acrescentamento ao aludido ponto 7º, tendo em conta que a selecção da matéria de facto deve ter em consideração as várias soluções plausíveis da questão de direito.

Quanto aos pontos 14º e 15º da matéria de facto assente, entende o recorrente que os respectivos factos foram indevidamente dados como assentes, em virtude de os mesmos resultarem do que consta dos averbamentos aos assentos de nascimento do seu pai e da ré, mas não se mencionando que tais averbamentos foram efectuados em 21/6/83, como neles se alude, sendo que, o registo definitivo da perda da nacionalidade do seu pai foi lavrado em 16/6/83, conforme documento que juntou com as alegações de recurso (cfr. fls.166).

Entendemos, no entanto, que não se trata de factos indevidamente dados como assentes, pois que resultam do teor dos documentos juntos a fls.13 e a fls.46 dos autos. E muito menos se trata de nulidade da sentença, nos termos do art.668º, nº1, al.b), do C.P.C., por omissão dos fundamentos de direito, pois que estamos no âmbito da fundamentação de facto. De todo o modo, haverá que dar também como assente o que demais consta daqueles documentos, designadamente, no que respeita à data dos averbamentos e à data do registo definitivo da perda de nacionalidade do pai do recorrente.

Consideramos, pois, que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode, no caso, ser alterada pela Relação, já que, do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (cfr. a al.a), do nº1, do art.712º, do C.P.C.). Assim, os pontos 7º, 14º e 15º da matéria de facto assente, passam a ter a seguinte redacção:

- ponto 7º: «No assento de nascimento do A. encontra-se averbado que o casamento entre o pai do A. e L, foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 13 de Abril de 1978, transitada em julgado em 24 de Abril de 1978, proferida pelo Tribunal de Família de Lisboa, com fundamento na al.h) do art.1778º do Código Civil, tendo-se verificado a separação de facto durante o Verão de 1971»;

- ponto 14º: «A R. perdeu a nacionalidade portuguesa, em 1 de Julho de 1976, por voluntariamente se ter naturalizado e adquirido a nacionalidade americana, facto esse que foi averbado no respectivo assento de nascimento em 21/6/83»;

- ponto 15º: «O pai do A. perdeu a nacionalidade portuguesa por ter adquirido voluntariamente, por naturalização a nacionalidade americana em 25 de Setembro de 1974, facto esse que foi registado definitivamente na Conservatória dos Registos Centrais no dia 16/6/83 e averbado no respectivo assento de nascimento em 21/6/83».

2.4.2. Na sentença recorrida considerou-se que, à data da celebração do casamento entre o pai do autor e a ré, em 22/2/75, aquele já havia adquirido a nacionalidade americana, o que aconteceu em 25/9/74, enquanto que a ré ainda tinha a nacionalidade portuguesa, pelo que, não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, para apreciar a validade do acto, haverá que recorrer à lei americana, por corresponder à lei da residência habitual comum, nos termos do disposto no art.52º, nº2, do C.Civil. Mais se considerou que, face à lei americana, o casamento entre o pai do autor e a ré é válido, uma vez que o casamento anterior daquele já havia sido dissolvido por sentença que, em 26/4/72, decretou o divórcio, proferida por tribunal americano. Considerou-se, ainda, que, sendo a capacidade para contrair casamento regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, nos termos do art.49º, do C.Civil, não existia, face á lei dos E.U.A., lei pessoal do pai do autor e da residência habitual do cônjuges, à data da celebração do casamento com a ré, qualquer impedimento para o mesmo. Para, depois, se concluir, naquela sentença, que não há fundamento legal para a anulação do casamento e que, por isso, a acção improcede.

Segundo o recorrente, a perda da nacionalidade, no caso, apenas produz efeitos para com terceiros, no domínio das relações de direito privado, desde a data do registo, ocorrido em 16/6/83, e do averbamento ao assento de nascimento do seu pai, realizado em 21/6/83, nos termos do disposto no nº2, da Base XXVII, da Lei nº2098, de 29/7/1959. Assim, à data da celebração do casamento entre o seu pai e a ré – 22/2/75 – aquele ainda era um cidadão português, dado que não tinha registado a perda da nacionalidade portuguesa por aquisição voluntária da nacionalidade americana. Por outro lado, o divórcio entre o seu pai e L, ocorrido nos E.U.A., não teve qualquer validade perante a lei portuguesa, pois que a respectiva sentença não foi revista e confirmada perante um tribunal português. Certamente por isso é que foi necessário interpor uma acção de divórcio litigioso em Portugal. Consequentemente, o casamento celebrado entre o pai do recorrente e a ré, em 22/2/75, nos E.U.A., é anulável, nos termos dos arts.1601º, al.c) e 1643º, nº1, al.c), do C.Civil, dado que, nessa data, existia um impedimento dirimente que obstava ao casamento, por o mesmo ser casado com L e ser cidadão português, sendo a lei portuguesa a sua lei pessoal, reguladora da sua capacidade para contrair casamento, nos termos do art.49º, do C.Civil.

Vejamos.

Nos termos do disposto na Base XVIII, al.a), da Lei nº2098, de 29/7/1959, aplicável ao caso dos autos, perde a nacionalidade portuguesa o que voluntariamente adquira nacionalidade estrangeira. No que respeita aos efeitos da perda da nacionalidade fundada na aquisição voluntária de nacionalidade estrangeira, dispõe o nº2, da Base XXVII, da mesma Lei, que tal perda apenas produz efeitos para com terceiros, no domínio das relações de direito privado, desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize. O estatuído naquele nº2 traduz uma excepção ao disposto no nº1, nos termos do qual, os efeitos das alterações de nacionalidade dependentes de actos ou factos não obrigatoriamente sujeitos a registo se produzem desde a data da verificação dos actos ou factos que as determinem.

Das citadas disposições legais resulta que a perda da nacionalidade portuguesa se produz imediatamente, no caso de a aquisição da nacionalidade estrangeira ser voluntária, mas que, relativamente a terceiros e no domínio das relações de direito privado, apenas produz efeitos desde que seja levada ao registo e a partir da data em que este se realize. Assim, uma vez que o pai do recorrente perdeu a nacionalidade portuguesa por ter adquirido, voluntariamente, por naturalização, a nacionalidade americana em 25/9/74, não se pode dizer que, à data da celebração do seu casamento com a ré – 22/2/75 – ainda era um cidadão português. Na verdade, nesta data já tinha adquirido a nacionalidade americana e perdido a nacionalidade portuguesa, embora a eficácia erga omnes dessa perda, no domínio das relações de direito privado, só se tenha vindo a produzir a partir da data em que se realizou o registo, ou seja, a partir de Junho de 1983.

Todavia, no caso, não estamos perante uma questão de eficácia da perda da nacionalidade perante terceiros, no domínio daquelas relações, mas sim perante a questão de saber se o pai do autor tinha capacidade para contrair casamento no momento em que casou com a ré. Ora, nesse momento, já tinha adquirido voluntariamente a nacionalidade americana e, consequentemente, perdido a nacionalidade portuguesa. Logo, a sua capacidade para contrair casamento era regulada pela lei americana, nos termos do disposto no art.49º, do C.Civil. Daí que não haja que invocar o impedimento dirimente absoluto a que alude a al.c), do art.1601º, do C.Civil, onde se prevê que o casamento anterior não dissolvido obsta ao casamento com qualquer outra pessoa. Aliás, o casamento anterior do pai do autor havia sido dissolvido por sentença de divórcio, proferida por tribunal americano em 26/4/72. Não havendo que colocar a questão de essa sentença de divórcio não estar revista e confirmada, já que a mesma não tem que ter eficácia em Portugal, bastando que a tenha no país em que foi proferida.

Haverá, deste modo, que concluir que, quando o pai do autor casou com a ré, em 22/2/75, já tinha perdido a nacionalidade portuguesa e adquirido a nacionalidade americana em 25/9/74, pelo que, sendo a sua capacidade para contrair casamento regulada pela lei americana, nos termos do art.49º, do C.Civil, não há que invocar o impedimento dirimente previsto na al.c), do art.1601º, do mesmo Código, sendo que, o casamento do pai do autor com L, celebrado em 12/3/69, havia sido dissolvido por sentença de divórcio proferida por tribunal americano em 26/4/72. O que vale por dizer que inexiste fundamento legal para a pretendida anulação do aludido casamento, celebrado em 22/2/75 (cfr. o art.1631º, al.a), do C.Civil), bem como, para as demais pretendidas anulações.

Dir-se-á, ainda, a propósito destas últimas anulações, requeridas a final na petição inicial, que as mesmas nunca poderiam proceder, já que, o art.1632º, do C.Civil, consagra a regra de que a anulabilidade do casamento não produz nenhum efeito, enquanto não for reconhecida em juízo, mediante acção própria. O que significa, além do mais, que o casamento anulável começa por produzir todos os seus efeitos e que a anulação judicial não os destrói a todos retroactivamente, como resulta do disposto nos arts.1647º e 1648º, do C.Civil, respeitantes ao casamento putativo (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.IV, 2ª ed., págs.166 e 167). Assim, segundo aqueles autores, ob.cit., pág.202, enquanto não houver sentença que, em acção anulatória, reconheça a anulabilidade e decrete a anulação do casamento, este produzirá todos os seus efeitos, não ao abrigo do regime do casamento putativo, mas como matrimónio válido. Isto é, só depois de anulado haverá lugar à aplicação do regime fixado no art.1647º, caso se verifiquem os pressupostos nele exigidos, designadamente, a boa fé de ambos ou de um dos cônjuges, sendo que, o nº1, do art.1648º, define a boa fé, e o nº3, do mesmo artigo, presume-a em ambos os cônjuges. Ou seja, sempre teria o autor que alegar factos susceptíveis de elidir tal presunção. Não o tendo feito, o regime fixado no nº1, do art.1647º, conduziria a que os actos realizados entre os cônjuges, bem como os negócios efectuados com terceiros, por qualquer deles, ou por ambos, no decurso do período compreendido entre a celebração do casamento e a data do trânsito em julgado da sentença anulatória deste, continuassem a ser apreciados, quanto à sua validade e eficácia, mesmo depois da anulação, tal como se o casamento fosse válido (cfr. os mesmos autores, ob.cit., pág.204).

Não merece, assim, censura a sentença recorrida, pelo que, deverá ser mantida.

3 – Decisão.

Pelo exposto, embora se altere a redacção dos pontos 7º. 14º e 15º da matéria de facto assente, nos termos atrás referidos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pelo apelante.

                                   Lisboa, 2 de Junho de 2009

                                   Roque Nogueira

                                   Abrantes Geraldes

                                   Tomé Gomes