CONTRA-ORDENAÇÃO
PERÍODO DE DESCANSO
TRANSPORTE RODOVIÁRIO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
Sumário

1. O DL 237/07, de 19/07, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE do Parlamento e do Conselho, de 11 de Março e nele se regulam e desenvolvem determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho dos trabalhadores que participam em actividades de transporte rodoviário prestadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006.
2. Consideram-se “trabalhadores móveis” os condutores e os demais trabalhadores viajantes que participam nas actividades de transporte rodoviário abrangidas pelo referido regulamento.
3. Os intervalos de descanso dos “trabalhadores móveis” estão estabelecidos no art. 8º, n.ºs 1, 2 e 3 do DL 237/2007, de 19/06, não podendo estes prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo.
4. As interrupções e as pausas de condução estão estabelecidas no art. 7º do Regulamento (CE) n.º 561/2001 do Parlamento e do Conselho, de 15 de Março de 2006, não podendo os condutores prestar mais de quatro horas e meia de condução consecutivas.
5. O disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do art. 8º do DL 237/07, de 19/7, não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no art. 7º do Regulamento.

(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I. RELATÓRIO

B…, Lda, com sede na Rua …, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho [ACT], que lhe aplicou uma coima no valor de € 864,00, pela prática do ilícito contra-ordenacional previsto e punido pelos arts. 7º e 10º, n.º 3 do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, conjugado com o art. 7º, n.º 1 do DL 272/89, de 19/8, e 620º, n.º 3, al. b) do Código do Trabalho.

O Tribunal do Trabalho de Sintra [TTSNT] julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão da ACT.

            Inconformada, a arguida interpôs recurso da sentença proferida pelo TTSNT, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:

            1ª) – Vem fundamentalmente a recorrente acusada de uma contra-ordenação por o seu motorista ter conduzido 5h e 10m, sem efectuar as devidas pausas;

            2ª) - Ora, com a entrada em vigor do DL 237/2007, de 19 de Junho, é permitido e legal conduzir durante 6 horas consecutivamente;

            3ª) - Tal afirmação baseia-se no conteúdo e interpretação do n.º 2 do art. 8º do citado DL 237/2007;

            4ª) O Sr. Juiz “a quo” não atendeu à pretensão da recorrente, tendo alicerçado a sua sentença no n.º 4 do art. 8º do mesmo diploma legal, quanto a nós, sem razão;

            5ª) - Tal interpretação vem colidir com a douta interpretação e jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/02/2008, proferido no processo 0744812, a qual dá razão à recorrente em causa: os tempos máximos de condução foram alargados para seis horas consecutivas;

            6ª) - Assim, os factos resultantes da prova foram incorrectamente julgados e a decisão deveria ter sido outra: o provimento do recurso.

            Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que a absolva da contra-ordenação que lhe foi imputada.


O Digno Magistrado do MºP não contra-alegou.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e com o regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, uma vez que nada obsta ao seu conhecimento.

A questão fulcral que se suscita neste recurso consiste em saber se os tempos máximos de condução dos condutores de veículos de transporte rodoviários, de mercadorias e de passageiros, foram ou não alargados para 6 horas consecutivas pelo DL 237/2007, de 19/06.

           

            II. FUNDAMENTOS DE FACTO

           
A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto.

            1. No dia 3/09/2007, o condutor do veículo pesado de mercadorias com a matrícula …, L…, encontrando-se em circulação ao serviço da arguida, efectuou um período de condução de 5 horas e 10 minutos, sem assinalar os tempos de pausa e sem efectuar pausas de 45 minutos após 4 horas e meia de condução ou uma pausa de 15 minutos seguida de outra com pelo menos 30 minutos repartidos;

            2. A arguida agiu sem o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz;

            3. A arguida dedica-se à actividade de extracção, comercialização e transporte de britas;

            4. A arguida tem ao seu serviço pelo menos 10 trabalhadores;

            5. A arguida apresentou mapa de pessoal com volume de negócios no montante de € 1.216.040,00, referente ao ano de 2006.

           

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

            Nos termos do art.º 2 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20/12/1985 e dos arts. 1º e 2º do DL 272/89, de 19/08, a obrigatoriedade de instalação e de utilização de tacógrafos abrange os veículos de transporte de mercadoras e de passageiros, bem como todos os condutores de veículos de matrícula portuguesa que efectuem transportes internacionais abrangidos pelo AETR.

            As normas dos referidos diplomas visam garantir a segurança rodoviária em geral e dos motoristas em particular e a obrigatoriedade de instalação e utilização do tacógrafo visa controlar os seus tempos de condução e de repouso, com vista a evitar que os mesmos, por excesso de trabalho e de fadiga, aumentem o risco da circulação rodoviária e contribuam para o aumento da sinistralidade com as inerentes consequências na integridade física e saúde destes trabalhadores e dos demais utentes das vias públicas.

            Para o efeito, as empresas devem organizar o trabalho dos seus condutores de forma a que estes possam dar cumprimento às disposições dos regulamentos comunitários, devem dar instruções adequadas aos seus condutores e devem efectuar controlos regulares para se assegurarem de que os mesmos estão ou não a ser respeitados (art. 10º, n.º 2 do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03/2006). Os condutores, por seu turno, devem preocupar-se em accionar os dispositivos de comutação que permitam distinguir os grupos de tempo a registar (art. 15º, n.º 3 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho de 20/12).

            O legislador pretende, assim, reduzir ao máximo as possibilidades de fraude na utilização e manuseamento do tacógrafo, obrigando os empregadores e os condutores a velarem pelo bom funcionamento e por uma utilização correcta deste aparelho a fim de garantir uma adequada fiscalização e verificação do respeito pelas normas que regulam esta matéria.

            O Regulamento (CEE) n.º 3820/85, de 20/12, foi revogado e o Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20/12, foi alterado pelo Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 561/2006, de 15/03, de molde a permitir uma maior harmonização na interpretação, aplicação, execução e controle das normas referentes aos tempos de trabalho semanal, às pausas e períodos de repouso das pessoas que exercem funções no sector rodoviário.

            Este Regulamento veio também acabar com a polémica que ultimamente se vinha suscitando sobre se as empresas podiam ser responsabilizadas pela prática deste tipo de infracções cometidas pelos seus condutores, no exercício da condução.

            Na vigência da Lei 116/99, de 4/8, que estabelecia o regime geral das contra-ordenações laborais [RGCOL], em infracções semelhantes às descritas nos presentes autos, embora a materialidade dos factos constitutivos da contra-ordenação fosse cometida pelo condutor, a punição do respectivo empregador encontrava suporte no disposto no art. 4º, n.º 1, al. a) do RGCOL, no qual expressamente se estabelecia que as entidades patronais eram responsáveis pelas contra-ordenações laborais e pelo pagamento das coimas.

Com a entrada em vigor do Código do Trabalho, em 1/12/2003, a Lei 116/99, de 4/8, foi expressamente revogada (cfr. art. 21º, n.º 1, al. aa) da Lei 99/03, de 27/8) e, neste novo diploma, não se encontra normativo idêntico ao aludido art. 4º, n.º 1.

            O Código do Trabalho trata da responsabilidade contra-ordenacional nos arts. 614º e seguintes e o seu art. 617º - que fala dos sujeitos responsáveis pela infracção e que, de certa forma, tem alguma correspondência com o art. 4º do RGCO - já não contém em si a genérica responsabilização da entidade empregadora, que anteriormente existia. O art. 614º, por seu turno, limita-se a definir como contra-ordenação laboral todo o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito das relações laborais e que seja punível com coima. Não se afasta de todo em todo a responsabilização do empregador nos casos em que o facto ilícito em si é praticado pelo trabalhador e o sujeito da contra-ordenação, não é directamente a entidade patronal, mas para que tal responsabilização possa vir a ocorrer, exige-se que o auto de notícia, a participação ou a acusação, contenham materialidade fáctica que impute directamente a prática do ilícito ao empregador, quer seja a nível de exclusiva autoria, quer de co-autoria, quer de cumplicidade (cfr. arts. 26º e 27º do Cód. Penal, aplicáveis aos ilícitos contra-ordenacionais laborais, por força do disposto nos arts. 32º do DL 433/82, de 27/10 e 615º do Código do Trabalho).

            Esta situação foi, entretanto, alterada, com o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03, em vigor a partir de 11 de Abril de 2007 (cfr. art. 29º), o qual no seu Capítulo III, sob a epígrafe “Responsabilidade das Empresas de Transportes” e no seu art. 10º, n.º 3, estabelece que as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa, ainda que essa infracção tenha sido cometida no território de outro Estado-Membro ou de um país terceiro.

            Assim, a situação em vigor à data da entrada em vigor do Código do Trabalho, acabou por ser reposta pela adopção pelo Estado Português do citado Regulamento, relativo à harmonização nos Estados-Membros de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários.

            Estabelece o art. 7º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03/2006 que “Após um período de condução de quatro horas e meia, o condutor gozará uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos, a não ser que goze um período de repouso. Esta pausa pode ser substituída por uma pausa de pelo menos 15 minutos seguida de uma pausa de pelo menos 30 minutos repartidos pelo período de modo a dar cumprimento ao disposto no primeiro parágrafo.”

            Esta norma corresponde, com ligeiras alterações, ao que dispunha o art. 7º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho, de 20/12/1985.

            No caso em apreço, está provado que L…, condutor do veículo pesado de mercadorias com a matrícula 68-32-2007, efectuou, no dia 3/09/2007, um período de condução de 5 horas e 10 minutos, ao serviço da arguida, sem assinalar os tempos de pausa e sem efectuar uma pausa de 45 minutos após 4 horas e meia de condução ou uma pausa de 15 minutos seguida de outra com pelo menos 30 minutos repartidos.

            A recorrente alega que na data em que os factos ocorreram já se encontrava em vigor o DL 237/2007, de 19/07, que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva 2002/15/CE, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário, e que nos termos do art. 8º, n.º 2 deste diploma, os trabalhadores móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo.

A recorrente sustenta, assim, que com a entrada em vigor do DL 237/2007 é legalmente permitido conduzir durante seis horas consecutivas. Como o seu motorista Luís Almeida só conduziu durante um período de 5 horas e 10 minutos, não lhe pode ser imputada a infracção que a ACT e o TTSINT lhe imputaram neste processo.

Invoca ainda em abono da sua tese o acórdão da Relação do Porto de 18/02/2008, proferido no processo n.º 0744812, no qual se afirma que o DL 237/2007 veio alargar os tempos máximos de condução para 6 horas consecutivas, tendo absolvido a entidade empregadora, arguida nesse processo, da infracção que lhe era imputada, por o seu motorista ter conduzido ininterruptamente durante 5 horas.

            A razão não está, contudo, do lado da recorrente.

            O Regulamento (CE) n.º 561/2006, de 15/03/2006 estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e segurança rodoviária. Revogou e substituiu o Regulamento (CEE) 3820/85 (cfr. art. 28º) e visa eliminar as dificuldades de interpretação, aplicação, execução e controlo que eram apontadas pelas empresas de transportes rodoviários e pelas autoridades a algumas disposições do anterior Regulamento, contendo um conjunto de regras mais claro e mais simples.

            O DL 237/2007, de 19/07, transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2002/15/CE do Parlamento e do Conselho, de 11/03, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário e regula determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho de trabalhadores móveis que participem em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 (cfr. preâmbulo e art. 1º, n.º 1).

Não revoga nem altera, antes regula e desenvolve determinados aspectos da duração e organização do tempo de trabalho de trabalhadores móveis que participem em actividades de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006. Aliás, um DL não pode revogar ou alterar um Regulamento Comunitário.

            Embora os condutores se devam considerar, em nossa opinião, “trabalhadores móveis”, resulta do disposto nos arts. 2º, al. d) e 8º, n.ºs 1, 2 e 4 do DL 237/2007, de 19/06, que nos “trabalhadores móveis” se incluem outros trabalhadores para além dos condutores, encontrando-se estes, no que diz respeito às pausas ou interrupções a observar no decurso do período de trabalho diário, sujeitos a um regime que não abrange os demais trabalhadores móveis.

            O período de trabalho diário e os intervalos de descanso dos trabalhadores móveis estão estabelecidos no art. 8º do DL 237/2007, de 19/06. Os períodos de condução, as interrupções e pausas de condução estão estabelecidos no art. 7º do Regulamento (CE) 561/2006, e esta norma não foi nem podia ser alterada ou revogada pelo art. 8º do DL 237/2007, de 19/06. Aliás, isso foi expressamente salvaguardado no n.º 4 deste artigo, ao estabelecer que o disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação aos condutores do regime de interrupções de condução previsto no art. 7º do regulamento ou do AETR.

            Não tem, portanto, qualquer cabimento sustentar, como sustenta, a recorrente, que o art. 8º, n.º 2 do DL 237/2007, ao estabelecer que os trabalhadores móveis não podem prestar mais de seis horas de trabalho consecutivo, veio alargar para 6 horas consecutivas o tempo máximo de condução.

            Improcedem, assim, as conclusões do recurso interposto pela recorrente, devendo manter-se integralmente a decisão recorrida.

           

IV. DECISÃO

Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Uc.

Lisboa, 17 de Junho de 2009

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes