PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
CONDOMÍNIO
ADMINISTRADOR
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
LITISCONSÓRCIO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ARRESTO
FUNDAMENTOS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
Sumário

I Se de acordo com a acta da assembleia de condóminos em que também esteve presente o administrador de condomínio que nesse sentido propôs que a assembleia deliberasse, aqueles autorizaram uma certa empresa de administração de condomínios a interpor certa acção e providências cautelares do efeito daquela, a mencionada empresa, ao outorgar a procuração na pessoa do ilustre advogado age como representante do Condomínio, nos termos das disposições dos art.ºs 258, 262, 1178, .
II O art. 6º, al. e) do CPC ficciona a personalidade judiciária do condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
III O administrador é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais;
IV O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns;
V A acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio, por defeitos de construção nas suas partes comuns, sendo uma acção obrigacional, pode ser instaurada quer pelo administrador, quer por todos os condóminos, em litisconsórcio necessário;
VI Este é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais;
VII Quando a acção de impugnação pauliana não tiver ainda sido instaurada aquando do requerimento do arresto contra o adquirente dos bens do devedor, complementarmente aos requisitos do arresto exige-se que o requerente aduza factos que tornem provável a procedência da impugnação pauliana;
VIII- Na oposição ao arresto cabe ao requerido alegar e provar não serem verdadeiros os fundamentos que motivaram o arresto.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
APELANTES/REQUERIDAS NO ARRESTO: PR...,S.A.; C, S.A., AN..., S.A.
APELADOS/REQUERENTES DO ARRESTO: CONDOMÍNIO....; P....
Todos com os sinais dos autos
Inconformado com a decisão que conhecendo da oposição ao arresto por parte das requeridas, no sentido da sua improcedência e manutenção do arresto dela apelaram as requeridas em cujas alegações concluem:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão do tribunal a quo que, julgando improcedente a oposição, manteve o arresto decretado;
2. A decisão recorrida é nula, nos termos do art.º 668/1/d do CPC, porquanto o tribunal a quo não conheceu de questão que devia ter conhecido da ilegitimidade do requerente “condomínio”;
3. De facto, o condomínio ou o seu administrador não tem legitimidade para intentar acção ou procedimentos cautelares relativamente a partes não comuns do edifício ainda que em correlação;
4. No caso concreto, os alegados vícios – inexistência de dispositivo de extracção de fumos e/ou gases – dizem respeito a algumas fracções, para os quais, porém, só os proprietários gozam de legitimidade ad causam.
5. Por outro lado, a primeira requerente, não faz prova de se ter constituído em associação civil para gerir o condomínio – havendo erro notório na apreciação da prova de tal questão – sendo que a procuração junta aos autos se encontra outorgada pela sociedade “FS...”, a qual carece de legitimidade para a causa;
6. A ilegitimidade de uma das partes, constituindo uma excepção dilatória do conhecimento oficioso, implica a absolvição da instância – art.º 494, alínea e) e 495 do C.P.C.
7. A resposta à matéria de facto deve ser corrigida, no sentido expresso nas páginas 4 a 7 deste recurso, dando-se como provados os factos constantes nas alíneas a) a j) dos factos não provados, sendo que os meios de prova que impõem decisão diversa, são os depoimentos das testemunhas ÂF, CF e AA, bem como os documentos 5 a 7 juntos com a oposição e que não foram impugnados;
8. Ainda assim, não estão verificados os pressupostos para a eventual procedência da acção de impugnação pauliana de que depende este procedimento cautelar, porquanto os actos não foram gratuitos nem tiveram a intenção de defraudar o eventual crédito dos recorridos, porquanto provado está que os mesmos foram praticados no âmbito da reestruturação do grupo onde está inserida a sociedade Préd...
9. Também não se vislumbra que a secção n.º .... da ...secção da Vara Mista do Funchal tenha a menor viabilidade de êxito, o que faz com que se não mostre preenchido o primeiro requisito do fumus bonum iuris.
10. No que concerne ao periculum in mora também o mesmo não se mostra justificado, à luz dos critérios normais, na medida em que se provou que as requeridas pertencem a um grupo económico sólido e estável na Região Autónoma da Madeira, dão emprego directamente a dezenas de pessoas, têm um vasto património imobiliário.”
11. A decisão recorrida violou, pois, os artigos 6 alínea e), 406, n.º 1, 407, n.º 2 e 668, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil e artigos 610, 611, 612, 619, 1436 e 1437 do Código Civil, devendo estas normas serem interpretadas e aplicadas no sentido expresso nas conclusões deste recurso.
Terminam pedindo a revogação da decisão recorrida a fim de ser substituída por outra que ordene o levantamento do aresto decretado.

Em contra-alegações conclui o requerido condomínio:
1. Por perfeita e insusceptível de qualquer reparo deve a decisão sob recurso ser mantida;
2. Não existe qualquer ilegitimidade activa do condomínio que exerce a competência que lhe é deferida pelo art.º 1430, n.º 1, do cCiv
3. A Sociedade “FS, Lda.” actua com o munus que lhe foi incumbido pelos condóminos reunidos em assembleia e cuja vontade ficou vazada em actas de 06-06-08 e 24-11-2007 junta aos autos onde são atribuídos os necessários poderes para em representação do condomínio demandar o promotor/construtor/vendedor do prédio de forma a obter a eliminação dos defeitos ou salvaguardar o efeito útil destas acções.
4. Os defeitos que dão origem ao direito à eliminação, redução de preço e indemnização, que foram reclamados judicialmente e que estão na origem no arresto como preliminar da impugnação pauliana são defeitos nas partes comuns do prédio, designadamente nas condutas e sistema colectivo de exaustão de gases pelo que é do condomínio e de qualquer condómino que os queriam;
5. Sempre a ilegitimidade activa estaria assegurada pela intervenção de um dos proprietários de uma fracção do prédio ora segundo recorrente ao qual nessa qualidade assiste aqueles mesmos direitos quer relativamente à sua fracção quer relativamente às partes comuns;
6. Não existe qualquer incapacidade ou falta de personalidade judiciária já que o art.º 6, al e) do CPC estende a personalidade para agir em juízo ao condomínio;
7. A resposta à matéria de facto foi dada de forma correcta e insindicável justificando a mesma plenamente o sentido da sentença proferida;
8. Foram dados por provados factos que constituem prova suficiente da existência, anterioridade e não pessoalidade do crédito e da existência da má fé de todos os intervenientes nos actos objecto  de impugnação pauliana e que conduziriam ao esvaziamento total da garantia patrimonial e à total impossibilidade de satisfação do crédito dos ora recorridos e então arrestantes;
9. Aos arrestantes cabia provar a existência do crédito, ainda que litigioso o que fizeram no arresto não tendo os arrestados alegado ou provado aqui ou naquela acção onde se discute aquele crédito qualquer facto impeditivo modificativo ou extintivo, mormente uma caducidade aí não invocada;
10. O “periculum in mora” no arresto como preliminar de acção de impugnação pauliana não depende nem se afere pela solvabilidade do devedor, mas pelo perigo do esvaziamento do efeito útil de eventual sentença condenatória pela transmissão a terceiros do bem cuja aquisição pretende seja ineficaz;
11. É legalmente inadmissível o estilicídio de prova documental fora dos articulados e designadamente em sede de recurso com a finalidade de alterar a matéria de facto dada por provada.

Nesta Relação constatada a inexistência de procurações relativamente às requeridas e recorrentes C..., SA e AN..., SA e bem assim como de despacho de sustentação ou reparo sobre a matéria de nulidade por omissão arguida nas conclusões de recurso sobre a alegada questão da ilegitimidade, ordenou-se a notificação do ilustre advogado para juntar as competentes procurações e ratificação do processado seguida baixa dos autos para pronúncia.
Juntas as procurações com ratificação do processado a fls. 419/420 julga-se sanada a irregularidade processual. Proferido que foi o despacho pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido que suprindo a nulidade proferiu pronúncia sobre as questões de ilegitimidade e falta de personalidade judiciária do Condomínio requerente da providência ficou a mesma sanada como decorre de fls. 455/456.
Foram os autos aos vistos legais e nada foi sugerido pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.

Questões a resolver:
Questões prévias da omissão de pronúncia sobre a ilegitimidade e falta de personalidade judiciária do Condomínio e junção dos documentos com as alegações.
a) Saber se ocorre ilegitimidade da Sociedade “FS, Lda”se é ela quem outorga a procuração de fls. 39 dos autos se a requerente carece de legitimidade por se não ter feito prova de se ter constituído como associação civil para gerir o condomínio;
b) Saber se ocorre ilegitimidade do condomínio ou do seu administrador para intentar a acção ou procedimento cautelar como o dos autos relativamente a partes não comuns do edifício ainda que em correlação;
c) Saber se ocorre erro de julgamento na decisão de facto recorrida quanto aos factos dados como “Não provados”constantes das alíneas a) a j) que se devem considerar como provados;
d) Saber se se não verificam os pressupostos da impugnação pauliana nem o periculum in mora necessários à procedência doa providência pelo que decidindo-se pelo arresto a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 406/1, 407/2, 610, 611, 612, 619 do CPC.


II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1. A primeira autora é uma associação civil de condóminos constituída para gerir e administrar o condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “K...” e localizado na EG n.º .... no sítio da Q, C, SC, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...., inscrito na matriz sob o artigo ....
2. O segundo requerente é proprietário da fracção “M” situada no 5.º piso do Bolo A daquele edifício;
3. No decurso do segundo semestre do ano de 2007 foram detectadas graves deficiência no sistema de extracção de fumos e gases de todo o prédio e de mais de 40% das fracções que o compõem;
4. Os referidos defeitos foram verificados pela “SPP, Lda” empresa fornecedora do gás que vistoriou várias fracções e concluiu que constituíam eminente perigo para a vida e saúde dos proprietários.
5. A “SPP” cortou o gás nas fracções onde a incapacidade de exaustão de gases foi detectada;
6. O defeito é de construção e tem origem na deficiente execução das condutas individuais de cada fracção e colectivas dos Blocos.
7. A construção do prédio ficou concluída em 2005.
8. A administração do condomínio ora requerente e o 2.º requerente, denunciaram os defeitos à promotora e vendedora da obra “Pred, Limitada”, que não os reparou;
9. Os ora requerentes intentaram contra aquela sociedade em 04/10/2007, uma acção declarativa que corre termos na ...Secção do Tribunal de Vara Mista do Funchal sob o n.º ...., onde pediram a condenação daquela na eliminação dos defeitos, indemnização dos prejuízos e redução de preço da fracção.
10. Em 14 de Março do corrente ano de 2008 a mandatária judicial da “Pred, Limitada”, deu conhecimento aos autos que a sua representada tinha deixado de existir enquanto pessoa jurídica uma vez que os sócios a tinham dissolvido;
11. A dissolução reportava-se a 13 de Dezembro de 2007, aproximadamente três meses depois da entrada da acção;
12. Foi efectuada por acta social onde os sócios AFC e a ora primeira requerida “Pr, S.A.” também representada por aquele, declaravam que não existe activo ou passivo para partilhar.
13. Em preparação da dissolução, o referido AFC por si e em representação da outra sócia, ora 1.ª requerida, procedeu à venda do património da sociedade a favor das ora requeridas;
14. As referidas vendas datam de finais de Novembro de 2007 e foram imediatamente registadas em 22/1172007 em nome das novas proprietárias.
15. As vendas tiveram por objecto vários espaços de parqueamento automóvel e uma arrecadação no “K 1” propriedade, à data da entrada da acção cima referida, da aí Ré “Pred, Lda.” e identificadas como fracções “DN”, “DO”, “DR”, “DS”; “DW”, “DX”, “DZ” e “EI”.
16.  As fracções “DN”, “DO”, “DR”, “DS”; “DW”, “DX” foram  vendidas em 09 de Novembro de 2007 à empresa, ora requerida “C..., SA”:
17. A fracção “DZ” foi vendida, em 09 de Novembro de 2007, à sociedade “AFC, S.A”
18. A fracção “EI” foi vendida na mesma data à primeira requerida “PR, SA” que era sócia da “PRED. LDA”, Ré naquela acção e auto-dissolvida depois das vendas.
19. As referidas fracções têm o valor venal de 4.520,00 € cada uma das sete primeiras e 750€ a última e encontram-se descritas na Conservatória do Registo Predial sob as descrições subordinadas .... “DN”, “DO”, “DR”, “DS”; “DW”, “DX”, “DZ” e “EI” e inscritas a favor das sociedades adquirentes.
20. AFC é sócio comum e administrador de todas as sociedades (sendo os demais sócios ou sociedades por ele participadas ou pelos seus filhos) e interveio pessoalmente em todos os actos desde a dissolução da “PRED, LDA” à compra e venda das fracções daquela para as sociedades ora requeridas;
21. Todas as sociedades, inclusive a dissolvida tiveram sede social nas GC, Rua ...., ... Fracção AX, Funchal;
22. Na acta que deliberou a dissolução da “PRED, LDA” o referido sócios declara que a sociedade já não tem activo a partilhar, na consciência de que acabara de esvaziá-la dos seus bens.
23. Na mesma acta faz de forma intencional, declarações dizendo que não há passivo quando em tribunal pende uma acção onde ao abrigo da garantia da compra e venda se pede a remoção de defeitos de obras denunciados e indemnização de prejuízos, ou, subsidiariamente, a redução de preço de venda da fracção propriedade dos requerentes;
24. A grandeza do defeito existente no prédio e sua dificuldade de reparação, implicando obras de construção civil na conduta comum de exaustão de gases que atravessa de alto a baixo todos os blocos onde se localizam as fracções e consequente realojamento temporário dos proprietários ou eventual redução do preço de venda das fracções importam uma estimativa de custo dos trabalhos de reparação que ascendem e ultrapassam 75.000 euros;
25. O direito de crédito dos requerentes já existia á data das transmissões e encontrava-se judicialmente reclamado no processo n.º .....  da ... secção deste Tribunal;
26. Aquele sócio usou as sociedades ora requeridas e suas participadas realizando com e através delas compras e vendas com vista a esvaziar o património da “PRED, LDA” de foram a que, na dissolução que levou a cabo, não houvesse partilha por inexistência de bens e por conseguinte qualquer responsabilidade para os sócios que com a dissolução “nada” receberam.
27. AFC outorgou, enquanto representante dos vendedores e compradores, as escrituras de alienação de todo o património da ”PRED, LDA”, consciente que não se tratavam de verdadeiras compras e vendas mas de operações destinadas a prejudicar de forma deliberada os credores ora requerentes furtando-lhes toda e qualquer garantia patrimonial.
28. Todas as sociedades requeridas porque representadas pelo mesmo sócio e Administrador conheciam aquela intenção de esvaziamento de garantia patrimonial em prejuízo dos credores, mas, apesar disso, colaboraram activamente para a realização desse intento.
29. Não foi pago qualquer preço ou o pagamento do preço foi ocultado;
30. Esse conhecimento é por mais evidente no que toca à venda da fracção “EI” que em vez de aguardar partilha por dissolução foi vendida à própria sócia da “PRED.,. LDA” a ora 1.ª requerida “PR, S.A.”
31. Os requerentes pretendem intentar ao abrigo do artigo 619 do cCiv acção de impugnação pauliana de forma a proceder à restituição ao acervo da sociedade dissolvida das fracções identificadas;
32. Os ora requerentes receiam que, no decurso dessa acção, as sociedades ora requeridas transmitam a terceiros de boa fé os ditos estacionamentos e arrecadação.
33. A Sociedade “PRED” encontrava-se inserida no Grupo Empresarial C..., que tem a sua página no sítio www.......pt
34. No âmbito da estratégia de reestruturação do grupo, decidiu-se concentrar a actividade das empresas de acordo com a vocação para as quais foram criadas, extinguindo-se as muitas outras mais pequenas, tudo numa óptica de racionalização económica e financeira e melhor especialização das empresas.
35. A Sociedade “C, S.A.” está criada para a actividade de comercialização e arrendamento de imóveis.
36. A sociedade “AFC, S.A.” dedica-se à construção civil e obras públicas;
37. A Sociedade “TR, S.A.” está vocacionada para os serviços de transportes;
38. A sociedade “AUTO, LDA” tem como escopo social a actividade de reparação de automóveis;
39. A sociedade “IMO, LDA” dedica-se à actividade de mediação imobiliária.
40. Dentro desta reorganização as outras sociedades foram dissolvidas de forma a concentrar em cada um das supra referidas sociedades os seus activos;
41. As requeridas pertencem a um grupo económico sólido e estável na Região Autónoma da Madeira, dão emprego directamente a dezenas de pessoas, têm um vasto património.

O Tribunal recorrido deu como “Não provados” os seguintes factos
a) A maioria das vendas deu-se no ano de 2005;
b) Relativamente à sociedades dissolvidas não existem quaisquer dívidas;
c) A venda das fracções pela sociedade PRED e PR, S.A., além de não terem sido gratuitas, não tiveram por finalidade frustrar quem quer que seja, designadamente os requerentes
d) Tendo sido decidida a extinção da sociedade e tendo este passivo bancário, foi decidido proceder à venda das fracções restantes para desse modo liquidar a dívida bancária;
e) Pela aquisição que efectuou a sociedade C..., SA pagou à sociedade PRED, LDA a quantia de € 290.500, 00;
f) Pela aquisição da minúscula arrecadação a sociedade PR, SA. Pagou a quantia de € 800,00;
g) A sociedade AFC, S.A., pagou a quantia de € 4.500,00;
h) Todos estes foram pagos e deram, entrada nas contas da sociedade PRED;
i) Todas estas fracções são lugares de estacionamento e arrecadação;
j) As Requeridas têm elevados activos financeiros;


III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 694, n.º 4 do CPC são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539).

Questão prévia da omissão de pronúncia sobre a ilegitimidade e falta de personalidade judiciária do Condomínio
Proferido que foi o despacho pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido que suprindo a nulidade proferiu pronúncia sobre as questões de ilegitimidade e falta de personalidade judiciária do Condomínio requerente da providência ficou a mesma sanada como decorre de fls. 455/456.

Questão prévia da junção dos documentos com as alegações.

Os recorrentes juntaram com as suas alegações de recurso fotocópias de cheques (fls 375 a 377 e de extractos bancários de fls. 378 a 381) com base no art.º 693-B do Código do Processo Civil redacção do DL 303/07 de 24/08 que é na verdade aqui aplicável por força do disposto nos art.ºs 11 e 12 do referido diploma.
Dispõe o art.º 693-B que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 524, no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância e nos casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art.º 691.”

A junção de documentos às alegações justifica-se no âmbito de três situações (art.º 693-B):
1. Quando não tenha sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ou por a parte não ter conhecimento da sua existência ou, conhecendo-a, por não lhe ter sido possível fazer uso deles, ou ainda por os documentos se terem formado ulteriormente;
2. Quando a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância;
3. Quando se impugnem as decisões previstas nas alíneas a) a g) e i) a n) do n.º 2 do art.º 691.[1]
Os recorrentes não justificam a sua junção nesta fase. Analisando as fotocópias constata-se que os cheques têm datas de 27/11/07 e que os extractos combinados do Banco... se referem a 30/11/07 e 31/01/08.O encerramento da audiência de discussão e julgamento em 1.ª instância ocorreu em 8/10/08 pelo que nenhuma razão sendo invocada para a sua apresentação com as alegações em princípio se não deveria aceitar a junção. A alínea l) do n.º 2 do art.º 691 é uma das situações ressalvadas pela parte final do art.º 693-B do C.PC e refere-se ao despacho que se pronuncie quanto à concessão da providência cautelar, determine o seu levantamento ou indefira liminarmente o respectivo requerimento.

A providência foi concedida inicialmente na sequência da oposição, mantida.
Sobre as situações previstas em 3 defende ainda Amâncio Ferreira: “(…) Na terceira situação, a junção de documentos justifica-se por não haver lugar nem a audiência de discussão, nem a julgamento, pelo que não podem ser apresentados com aqueles, em momento posterior à audiência ou a sua necessidade resultar do julgamento. Trata-se de impugnação de decisões proferidas no termo dos articulados ou de incidentes, no decurso dos procedimentos cautelares ou determinada por vicissitudes, de conhecimento oficioso, surgidas ao longo do processo ou depois de proferida a decisão final. A impugnação destas decisões, antes da RPC2007 baseava um recurso de agravo.”[2]
Por conseguinte, face à redacção do art.º 693-B, diferente que é da do art.º 706, entretanto revogado, estando em causa uma decisão que mantém a providência cautelar como está devem ser admitidos os documentos

Saber se ocorre ilegitimidade da Sociedade “FS, Lda” que outorga a procuração de fls. 39 dos autos por se não ter feito prova de se ter constituído como associação civil para gerir o condomínio

Uma vez decretada em 8/7/2008 a providência cautelar de arresto requerida, vieram as requeridas deduzir oposição onde os requeridos já sustentavam (art.ºs 6 e 7) que pelo intróito da petição de arresto e da própria procuração quem intenta a acção é o CONDOMÍNIO o prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “K 1” representado pelo administrador, uma sociedade denominada “FS”, não se retirando do documento junto como documento n.º 1 junto com o requerimento que haja sido constituída qualquer associação civil.
Apreciando:
Decorre linearmente do cabeçalho do requerimento providencial que a Requerente é “CONDOMÍNIO DO K 1”, com o número de identificação fiscal ...., com sede na EG, n.º..., C, “aqui representado pela empresa de administração de condomínio denominada FS, Lda.”, NIPC ...., com sede na Rua ...., ...., ......
Consta de fls. 142/144, na sequência de despacho judicial fundado nos art.ºs 1436/1437 do CCiv que ordenou a junção de documento nesse sentido, a acta da Assembleia Extraordinária de Condóminos do Edifício “K 1”, convocada pelo seu administrador Sr MF, e que se realizou na sala de Condomínios daquele edifício no dia 16/6/2008, onde foram por unanimidade dos condóminos presentes aprovadas as propostas do senhor administrador no sentido de : “usar-se de todos os meios judiciais no sentido de anular aquelas vendas (as vendas feitas pela Pred antes de se auto-dissolver) feitas com má fé para essas sociedades (as referidas alienações nomeadamente de estacionamentos do prédio feitas pela Pred a empresas do mesmo grupo económico na tentativa de fugir às suas responsabilidades) de forma a recuperar para o património da sociedade dissolvida aqueles bens que embora insuficientes sempre poderão servir para custear algumas obras de eliminação de defeitos. Dada a postura que vem sendo assumida pelos responsáveis daquelas sociedades convém que se tome medidas no sentido de acautelar o efeito útil das sentenças. Foi igualmente proposto que os pedidos de eliminação dso defeitos sejam também contra os donos do terreno e promotores originários d obra e contra o construtor e empreiteiro.” Também consta da parte final da acta a fls. 144 que os condóminos deliberaram autorizar a firma “FS, Lda”, para em nome do Condomínio e com os necessários poderes forenses e os de substabelecer interpôr as acções e desencadear as providencias ou procedimentos judiciais ainda que cautelares contra as sociedades adquirentes e entidades referidas ou outras, rectificando-se o que porventura tenha sido já processado de forma a prosseguir o objectivo último da eliminação de defeitos do edifício e indemnização de danos causados.
Decorre do art.º 6/e do Código de Processo Civil que o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador tem personalidade judiciária, estatuição que se deve harmonizar com o disposto nos art.ºs 1436 e 1437/1 do Código Civil[3].
Dispõe o art.º 1436/h que é função do administrador a de executar as deliberações da assembleia e o art.º 1437/1 que o administrador tem legitimidade para agir em juízo quer contra qualquer dos condóminos quer contra terceiro na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.

De acordo com o cabeçalho do requerimento da providência que se harmoniza com a procuração de fls. 39, o requerente da providência é o CONDOMÍNIO DO K 1, representado pela referida sociedade FS Lda que constitui seu procurador o ilustre advogado subscritor do requerimento inicial. De acordo com a acta os condóminos autorizaram a mencionada Sociedade a interpor a referida acção com aquele alcance, por isso a Sociedade ao outorgar a procuração na pessoa do ilustre advogado age como representante do Condomínio, nos termos das disposições dos art.ºs 258, 262, 1178, nenhuma irregularidade existindo na procuração de fls. 39 dos autos. No instrumento de procuração de fls. 39 existe um carimbo a óleo de “Administração Condomínio K I,” com uma assinatura que de acordo com o instrumento pertencerá à referida empresa de administração de condomínio FS, assim resultando do contexto em que ocorre a firma.

E nada impede que assim ocorra, não obstante o administrador do condomínio ser por força da lei e em regra o órgão executivo do condomínio cujo órgão deliberativo é a assembleia de condóminos. Neste sentido veja-se, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, disponível on line em www.dgsi.pt que a seguir se sumaria, com relevância para o sublinhado nosso:
*
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07A1484 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
REPRESENTAÇÃO DO CONDOMÍNIO
 
Nº do Documento: SJ20070529114841
Data do Acordão: 29-05-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO
 
Sumário :
É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal. 
(…)
Antes da alteração introduzida ao art. 1433º pelo D.-L. nº 267/94, de 25 de Outubro, Abílio Neto defendia que “o condomínio não constitui um ente autónomo, dotado de personalidade jurídica própria, nem tão-pouco a lei lhe reconhece personalidade judiciária” e, por isso mesmo, defendia que “o ou os condóminos que pretendam impugnar em juízo deliberações tomadas numa dada assembleia geral, terão de intentar a correspondente acção contra todos os condóminos, individualmente considerados, que as hajam aprovado, que se tenham abstido ou que não tenham estado presentes ou representados, os quais serão, assim, os verdadeiros réus na acção” (in Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, pág. 113 e 114).
À luz das disposições legais da época, temos por acertada esta posição.
Mas, hoje em dia, a lei reconhece ao condomínio resultante da propriedade horizontal personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (cfr. al. e) do art. 6º do CPC, na redacção actual).
No preâmbulo do D.-L. 329-A/95, de 12 de Dezembro, o legislador frisa a consagração do condomínio como ente dotado de personalidade judiciária – “…prevê-se expressamente a personalidade judiciária do condomínio resultante da propriedade horizontal”.
Isto significa que caiu, com a entrada em vigor do código adjectivo de 95, a razão da tese defendida por Abílio Neto.
Disso mesmo nos dá conta Aragão Seia:
“Face à actual redacção da al. e) do artigo 6º do CPC, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1, do artigo 231º, do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção” (in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios -, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217).

Também Moitinho de Almeida alinha nas mesmas águas face às alterações legislativas sublinhadas:
“Além das funções enumeradas no art. 1436º, compete também ao administrador, nos termos do art. 1433º, nº 6, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas acções anulatórias de deliberações de condóminos” (in Propriedade Horizontal, pág. 98).
Igualmente Sandra Passinhas parece ir de encontro a estas ideias ao defender que o administrador “age como representante orgânico do condomínio” e que “a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados). E, sendo um acto do condómino, a legitimidade passiva cabe ao administrador” (in Assembleia de Condóminos E O Administrador Na Propriedade Horizontal, pág. 337).

Estamos inteiramente de acordo com as posições referidas que consideram que, hoje em dia, é ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal.
*

Há evidente erro de apreciação dos factos e do direito por parte recorrente ao sustentar que a referida Sociedade FS é a requerente da providência. Esta sociedade representa o Condomínio e este é que é o requerente da providência. Quanto à questão da inexistência de documento que comprove a natureza de associação por parte do Condomínio tal como ficou consignado no ponto 1 da decisão de facto, sempre se dirá que tal constitui impugnação da decisão de facto para a qual o recorrente não especifica os requisitos constantes dos artigos 690-A e 712 do CPC, pelo que em conformidade com o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 690-a do CPC não se conhecerá de tal.

Saber se ocorre ilegitimidade do condomínio ou do seu administrador para intentar a acção ou procedimento cautelar como o dos autos relativamente a partes não comuns do edifício ainda que em correlação;

Entende o Meritíssimo Juiz inexistir qualquer ilegitimidade porquanto estando em causa reparações nas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal identificado nos autos, não só o condomínio tem personalidade judiciária como legitimidade activa e suporta-se em 3 arestos da Relação de Lisboa, um de 5/5/08 no processo 10842, um segundo de 8/5/08 no processo 2053 e um terceiro e 6/5/08 no processo 1772/08.

Os recorrentes alegando que a inexistência do dispositivo de extracção de fumos e/ou gases dizem respeito a algumas fracções, partes não comuns, suportados em passagens da obra “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal” de Sandra Passinhas, sustentam que o administrador do condomínio está legitimado a intentar uma acção respeitante à conservação das partes comuns do edifício apenas quando age ex re e não quando embora em correlação com tais partes se discuta o cumprimento das obrigações que respeitam só aos condóminos e aos seu contraente directo e que embora legitimado a propor acção prevista no art.º 1225 do CCiv não pode ao invés reconhecer-se a sua legitimação para propôs uma acção contratual destinada a fazer valer a garantia da coisa vendida ainda que referentes às partes comuns do edifício. Os recorridos afastando a posição daquela jurista sustentam que o exercício dos direitos quer relativamente às partes comuns como às próprias é assegurada pela intervenção dos 2.ºs requerentes proprietários da fracção “M”.
Apreciando
Ficou comprovado:
No decurso do segundo semestre do ano de 2007 foram detectadas graves deficiência no sistema de extracção de fumos e gases de todo o prédio e de mais de 40% das fracções que o compõem.
O defeito é de construção e tem origem na deficiente execução das condutas individuais de cada fracção e colectivas dos Blocos
A administração do condomínio ora requerente e o 2.º requerente, denunciaram os defeitos à promotora e vendedora da obra “Pred, Limitada”, que não os reparou
Os ora requerentes intentaram contra aquela sociedade em 04/10/2007, uma acção declarativa que corre termos na ... secção do Tribunal de Vara Mista do Funchal sob o n.º ...., onde pediram a condenação daquela na eliminação dos defeitos, indemnização dos prejuízos e redução de preço da fracção
Por conseguinte defeitos de construção nas condutas individuais e colectivas dos sistemas de extracção de fumos e gases dos Blocos que compõem o condomínio requerente; deficiência essas que afectam todo o prédio (marcação nossa) e mais de 40% das fracções que o compõem. Em relação às condutas individuais apenas o proprietário da fracção “M” aparentemente, denunciou os defeitos das suas condutas próprias ou seja as condutas de extracção de fumos e gases da sua própria fracção. Este, no tocante às suas individuais e aquele condomínio relativamente às colectivas denunciaram oportunamente os defeitos em causa.
O condomínio tem personalidade judiciária para interpôr acções que se insiram no âmbito dos poderes do administrador do condomínio (art.º 6/e do C.P.C)
O administrador do condomínio supre a falta de capacidade judiciária do condomínio apenas dotado de personalidade judiciária, agindo em representação dos condóminos (cfr art.º 1433/6 e 1437/1), a menos que os condóminos reunidos em assembleia de condóminos deliberem que a representação do condomínio cabe  a uma terceira pessoa.
Tendo a assembleia de condóminos deliberado autorizar a referida Sociedade FS a propor as acções e providências julgadas necessárias ao efeito constante da deliberação está esta legitimada pelo mandato consubstanciado na acta de condóminos.
As condutas em causa presumem-se comuns, por força do disposto na alínea e) do n.º 2 do art.º 1421 e relativamente a elas o administrador teria sempre legitimidade para agir contra terceiros, representando o Condomínio que tem sempre personalidade judiciária para intentar acções ou providências com esse escopo, estando in causa devidamente mandatada a Sociedade FS para o efeito.
Não ocorre assim a excepção de ilegitimidade. Neste sentido, entre outros, embora a propósito de uma outra situação de ilegitimidade passiva do administrador em acção de anulação de deliberação de condóminos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/06, disponível on line no sítio www.dgsi.pt, que a seguir se transcreve mesmo em sede de fundamentação que se julga relevante, num raciocínio a contrario quanto à legitimidade passiva do administrador quando intervém no exercício dos seus poderes funcionais:
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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 06A2913 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
ADMINISTRADOR
PODERES FUNCIONAIS
LEGITIMIDADE PASSIVA
 
Nº do Documento: SJ200611290029131
Data do Acordão: 29-11-2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO.
 
Sumário : I - O administrador não tem legitimidade para ser demandado como réu quando esteja em causa a impugnação de deliberações do condomínio.
II - O n.º 6 do art. 1433.º, quando conjugado com o art. 1437.º, ambos do CC, e com a al. e) do art.6.º do CPC, não pode ser interpretado no sentido de conferir legitimidade processual passiva ao administrador do Condomínio, assim como o art. 6.º, al. e) do CPC não concede personalidade judiciária ao condomínio quanto às acções em que pode intervir o administrador, pura e simplesmente, mas apenas quanto àquelas em que o administrador intervém no exercício dos seus poderes funcionais.

III - No caso das acções em que se impugnam deliberações da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador.
 
 
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

(…)
Dispõe o Art.º 6º e/ do C.P.C. que tem personalidade judiciária” o condomínio resultante da propriedade horizontal relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Portanto, fora do âmbito dos poderes do administrador, o condomínio não tem personalidade judiciária, isto é, não pode ser parte em juízo, competindo, assim, aos condóminos, agir em juízo em seu nome próprio.
Como é sabido, a atribuição de personalidade judiciária a determinadas entidades não dotadas de personalidade jurídica, como é o caso do condomínio, visa a “ordenação dos interesses subjacentes a essas entidades” (cof. Luís Carvalho Fernandes – Teoria Geral).
Ora, no caso do condomínio, o Art.º 1437 do C.C. confere ao administrador legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhes pertencem (legitimidade activa), assim como lhe confere legitimidade passiva para ser demandado, mas apenas nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
(Como parece evidente refere-se o preceito à chamada legitimidade formal, isto é a capacidade judiciária ou processual – (susceptibilidade de estar a parte, pessoal e livremente em juízo) – e não à legitimidade “ad causam” que só em concreto e caso a caso pode ser averiguada.
É que nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade processual. Pode falhar esta, apesar de existir aquela.
É o que se passa no condomínio, ao qual é reconhecida personalidade judiciária embora sem a correspondente capacidade processual. E, sendo assim, torna-se necessário que o exercício dos direitos processuais fique a cargo de terceiro, que assim adquire legitimidade formal, agindo no processo, embora em nome e no interesse das partes que representam (cf. Anselmo de Castro – Direito Processual Civil declaratório). Quer dizer, na falta de capacidade processual há necessidade do seu suprimento e é exactamente essa a função do Art.º 1437 do C.P.C.).
Portanto, de acordo com o disposto no preceito em análise, como se diz no Ac. deste S.T. de 2/2/2006 “só quanto a actos de conservação e punição dos cargos comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade”.

Parece, pois, poder concluir-se que a introdução mo Art.º 6 do C.P.C. da alínea e/, quando da reforma de 1995, não trouxe nada de novo que não resultasse já da lei substantiva (Art.º 1437 do C.C.)., pois, que, se o administrador podia já agir em juízo no âmbito dos seus poderes funcionais, é porque a lei reconhecia implicitamente ao condomínio, a necessária personalidade judiciária, sem que o preceito seria absurdo.

De resto, como observa L. Freitas (C.P.C.), citando A. Varela e Teixeira de Sousa “a ideia de elencar as entidades às quais é atribuída personalidade judiciária visou desfazer duvidas quanto ao âmbito da categoria de património autónomo semelhante à herança cujo titular ainda não estivesse determinado, embora alguma doutrina e jurisprudência usasse, sem grande rigor, no que respeita ao condomínio, nele subsumir as figuras a que se referem as novas alíneas b) c) e e)”

Parece-nos, assim, que o Art.º 6º e) do C.P.C. não visou abranger a situação de representação judiciária prevista no nº4 (hoje nº6) do Art.º 1433 do C.C., até porque, em matéria de deliberação da assembleia de condóminos o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. A apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando, nessa sede, o administrador, qualquer papel.
O que lhe compete, isso sim, é o dever de executar as deliberações da assembleia (Art.º 1436 b) do C.C.) e nessa actividade funcional, se porventura a execução da deliberação tiver a ver com actos conservatórios relativos às partes comuns, já nada impedirá que o condomínio prejudicado, por ex, accione directamente o administrador. Então, estaremos em pleno âmbito do disposto no Art.º 1437 nº2.

(…)
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/97, relatado pelo ilustre Conselheiro Santos Bernardino e agora a propósito de acção contra o empreiteiro por defeitos nas partes comuns do prédio:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 07B1875 
 
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS BERNARDINO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
ADMINISTRADOR
CAPACIDADE JUDICIÁRIA
LEGITIMIDADE
 
Nº do Documento: SJ20071004018752
Data do Acordão: 04-10-2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
 
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
 
Sumário :
1. Na propriedade horizontal, a administração das partes comuns cabe, em conjunto, à assembleia dos condóminos e ao administrador do condomínio.
2. Este é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe o desempenho das funções referidas no art. 1436º do CC, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
3. O art. 6º, al. e) do CPC ficciona a personalidade judiciária do condomínio relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
4. O art. 1437º do CC consagra a capacidade judiciária do condomínio, ao estabelecer a susceptibilidade de o administrador, seu órgão executivo, estar em juízo em representação daquele, nas lides compreendidas no âmbito das funções que lhe pertencem (art. 1436º), ou dos mais alargados poderes que lhe forem atribuídos pelo regulamento ou pela assembleia, sendo que, em qualquer dos casos, as acções deverão ter sempre por objecto questões relativas às partes comuns.
5. A acção destinada a efectivar a responsabilidade dos construtores/vendedores do prédio, por defeitos de construção nas suas partes comuns, sendo uma acção obrigacional, pode ser instaurada quer pelo administrador, quer por todos os condóminos, em litisconsórcio necessário.
6. Mas, sendo movida pelo administrador, deve este estar para tanto autorizado pela assembleia, pois a reparação das partes comuns do prédio constitui um acto de administração que extravasa o âmbito das funções que a lei lhe comete.
7. Tendo proposto a acção sem estar autorizado pela assembleia, deve o administrador providenciar pela supressão de tal vício de representação, obtendo, para o efeito, a devida deliberação, sob pena de, não o fazendo no prazo que, para o efeito, lhe for fixado, ser o réu absolvido da instância.
8. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, o art. 1437º do CC mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial.
9. O art. 1437º não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, porque este age, em juízo, enquanto órgão do condomínio e, portanto, em representação deste. Do que, no fundo, se trata, é de atribuir ao administrador legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.
10. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício, é o condomínio, sendo relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade.
11. Sendo inquestionável, no caso concreto, atenta a relação jurídica objecto do pleito, a legitimidade do condomínio, representado pela sociedade administradora, a hipotética incapacidade judiciária desta, decorrente da eventual procedência da acção de anulação judicial da deliberação da assembleia de condóminos que a autorizou a instaurar a presente acção, redundará tão-somente num vício de representação, o qual se deve ter por suprido, à luz do disposto no art. 25º do CPC, com a deliberação da assembleia de 12.04.2005, que, sem votos contra e apenas com uma abstenção, ratificou os actos praticados, na acção, pela administradora. 

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Estando em causa como está também um eventual crédito dos condóminos por defeitos do prédio constituído em propriedade horizontal nas partes comuns estaria sempre o administrador do prédio enquanto órgão executivo da administração “legitimado” para propor as providências cautelares dessas acções, do mesmo modo que o estariam os condóminos todos em litisconsórcio necessário activo. Tendo havido deliberação dos condóminos, cuja validade se não discute nestes autos, no sentido de autorizar a Sociedade FS a propor as mencionadas providências e acções, encontra-se o Condomínio não só devidamente representado como legitimado ad causam.
Improcede, pelo exposto, nessa parte, o recurso.

Saber se ocorre erro de julgamento na decisão de facto recorrida quanto aos factos dados como “Não provados”constantes das alíneas a) a j) que se devem considerar como provados;

Na motivação da decisão quanto aos factos não provados encontramos o seguinte a fls.351: “(…)Alínea a): a data das vendas demonstra-se pela junção das respectivas  escrituras e não por uma “relação” feita pela parte, que é meramente conclusiva; Alínea b): a inexistência de dívidas das sociedades dissolvidas prova-se por documentos e não por testemunhas; Alínea c): trata-se de matéria puramente conclusiva; Alínea d): esta matéria só seria provada com a junção de documentos que comprovassem a existência de uma dívida bancária e a sua posterior liquidação; Alíneas e), f), g), e h): só podem ser demonstradas pela junção de documentos contabilísticos que atestem que tais valores saíram das contas das sociedades que adquiriram as fracções e entraram nas suas contas da Pred...; fotocópias de cheques nada demonstram, sobretudo por estarmos perante empresas com a mesma administração; i) esta alínea só é demonstrável mediante a escritura que constituiu a propriedade horizontal dos respectivos edifícios ou mediante junção das escrituras de compra e venda; j) trata-se de matéria puramente conclusiva.(…)”
Os recorrentes contestam a decisão e sustentam que as alíneas deveriam ter resposta de “provado”, a alínea a) com base no depoimento da testemunha ÂF, a alínea b) com base nos depoimentos das testemunhas AA e CT, a alínea c) deve também ser considerado provado com base nos depoimentos das testemunhas ÂF, CM e AA; a alínea d) deve ser alterada com base nos depoimentos das testemunhas ÂF e CM; as respostas às alíneas e) a h) devem ser alteradas com base nos documentos 5 a 7 juntos com a oposição e depoimentos das testemunhas ÂF e CM, juntando também com as alegações e ao abrigo do disposto no art.º 693-B do CPC documentos contabilísticos que inequivocamente provam os factos dados por assentes. No que toca à alínea i) (é lapso a indicação e alínea j) comos e vê do contexto do corpo das alegações) o Tribunal desrespeitou a força probatória plena dos documento n.º 1 junto com o requerimento inicial (certidão do registo predial) do qual se retira inequivocamente que as fracções em causa são estacionamentos e arrecadação, como de resto está melhor descrito a fls. 14 dos autos para a qual inicialmente a decisão judicial remeteu. A alínea j) é ilação ou conclusão que se retira dos pontos 33 a 41e do depoimento das testemunhas ÂF, CM e AA que referiram valores na ordem dos milhões de euros.
Tendo os recorrentes observado os requisitos previstos nos art.ºs 685-B e 522-C do CPC quanto à impugnação da decisão de facto está esta Relação em condições de reapreciar a prova quer testemunhal gravada quer a documental que foi junta aos autos, nos termso do art.º 712, n.sº 1 e 2 do CPC. Saber se ocorre erro de julgamento na sua apreciação é algo que se aferirá pela reapreciação da prova sendo certo que como tem vindo a ser entendimento dos Tribunais Superiores não se busca na reapreciação da prova uma nova convicção agora pelos juízes deste colectivo da Relação de Lisboa antes aferir se ocorreu erro manifesto na apreciação da prova. Convirá dizer que nenhum dos 6 documentos juntos com a oposição constituem elementos contabilísticos das sociedades aqui em questão, seja a PRED, a PR, a C..., S.A. a AFC, S.A. sociedades do denominado grupo C... da Região Autónoma da Madeira.
Foi ouvido o suporte áudio (CD).
As testemunhas referidas no recurso e cujo depoimento se encontra gravado, foi considerado na fixação dos factos 33 a 41 de fls. 350 e que constituem parte da alegação da oposição das recorrentes. O depoimento dessas testemunhas relevou, como se diz na motivação, na fixação da decisão dos factos provados porquanto relativamente a eles demonstraram conhecimento. Já no tocante à matéria dos factos que o Tribunal recorrido deu como Não provados, o seu testemunho é pobre para não se dizer nulo.
No tocante à alínea a) dos factos não provados sobre ela depôs a testemunha MÂF, chefe de escritório do grupo de empresas em que se inserem as requeridas que se baseou na listagem junta com a oposição a fls. 228/232 cuja autoria não vem consignada no documento que é um documento interno com alcance desconhecido. À pergunta do ilustre advogado das recorridas sobre se a listagem era efectivada aquando das vendas das fracções correspondendo às mesmas respondeu laconicamente “Pode sim!”
No tocante à matéria dos pontos b), c), d), a respectiva matéria de facto podendo ser provada por documentos por se não lhe aplicar a restrição dos art.sº 393 e 394 do CCiv, não recebeu da parte das testemunhas uma resposta peremptória e definitiva. A testemunha referiu que a PRED foi dissolvida juntamente com outras pequenas empresas por uma razão de especialização de actividades económicas das empresas do grupo, numa operação de reestruturação das empresas do grupo começada há dois anos; nesse mesmo sentido depôs a testemunha AA, revisor oficial de contas e Fiscal Único das Requeridas salientando que a reestruturação do grupo passou pela eliminação de algumas empresas, redução de custos operacionais e simplificação e melhoria de gestão; nesse mesmo sentido foi o depoimento da testemunha CM técnico oficial de contas das requeridas. E esses depoimentos, claros e inequívocos que foram, nessa matéria, receberam consagração nos pontos 34 a 41 da decisão de facto provada.
No tocante às dívidas das sociedades dissolvidas a 1.ª testemunha disse “Tanto quanto sei não existem dívidas…”; a , a 2.ª testemunha disse “Á data da dissolução não tenho conhecimento que houvesse dívidas para pagar”; a 3.ª testemunha no mesmo sentido. Todas elas manifestaram algum desconforto por não terem documentação que suportasse o por si alegado e o Tribunal não se convenceu;
A matéria da alínea c), ou seja à pergunta de saber se a venda das fracções pela Sociedade PRED às outras sociedades do grupo “não tiveram por finalidade frustrar quem quer que seja, designadamente os requerentes”, as testemunhas limitaram-se a referir o facto objectivo das vendas, e quanto ao intuito das mesmas nada esclareceram, e compreende-se que assim seja já que atendendo às respectivas actividades profissionais nas empresas do grupo, as vendas não foram decididas pelas testemunhas que também nelas não intervieram.
Quanto aos valores pagos pelas empresas do grupo na aquisição daquele imobiliário da PRED, assim como à entrada desses valores nas contas da PRED, tal como perguntado nas alíneas e) a h), dada a inexistência documental relativa às contas de qualquer das empresas do grupo, assim como da PRED, o Tribunal referiu que tal matéria apenas se pode provar por documento contabilístico. Se assim é em relação à matéria da alínea h) que indiscutivelmente se deve manter improvada, já no tocante à matéria das restantes alíneas e) a g), porque os pagamentos de imóveis são feitos por qualquer forma em direito permitida poderia ele resultar do cotejo de documentos (cheques, extractos de contas bancárias etc) com os depoimentos de testemunhas. Juntaram os recorrentes os documentos com as alegações de fls. 375 a 377 cuja autenticidade os recorridos impugnaram nas suas contra-alegações. Trata-se de fotocópias de cheques com diversos valores que não foram sacados pelos recorridos nem a eles entregues pelo que não têm o valor probatório que os art.sº 373, 374 e 376 do CCiv atribuem aos documentos particulares ou seja a de fazerem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor. O mesmo se diga de fls. 378 a 380, extractos bancários de um banco que não parte na providência. O teor de tais documentos não foi confrontado com as testemunhas, diga-se também que todos os documentos juntos com a oposição foram impugnados pelos recorridos requerentes. Sobre esses valores de venda nenhuma das testemunhas foi capaz de os corroborar. A 1.ª testemunha referiu entre o mais: “As fracções que a PRED tinha nas K 1 foram vendidas mas não sei o montante(…)”; a 2.ª por seu turno disse “(…) não sei precisar o valor(…)” e a 3.ª adiantou “(…) Não me lembro das vendas do activo(…)”

No que toca à alínea i) onde se pergunta se todas as fracções (refere-se às fracções vendidas por AFC por si em representação da 1.ª requerida tal como já consignado nos pontos 13 a 18 da decisão de facto provada), são lugares de estacionamento e arrecadação, matéria que já vinha com o princípio de prova na inquirição inicial dada como provada e que não foi posta em causa na sequência da oposição com suporte nos documentos já anteriormente juntos, designadamente do teor das certidões da Conservatória do Registo Predial deve ser assim respondida:
“As fracção DN é parqueamento automóvel, a fracção DO é parqueamento automóvel, a fracção DR é parqueamento automóvel, a fracção DS é parqueamento automóvel, a fracção DW é parqueamento automóvel, a fracção DX é parqueamento automóvel, a fracção DZ é parqueamento automóvel, a fracção EI é destinada a arrecadação.”
Por último no que se refere à alínea j) a existência de activos financeiros é algo que decorre da análise contabilística, ou seja dos relatórios de contas, balanços, conta de resultados das empresas requeridas na certeza que nenhum elemento desses foi junto e na certeza também de que o depoimento das testemunhas sobre tal foi vago o bastante.
Á excepção da alínea i) dos factos dados como “Não provados” que agora se alterou como acima se refere, a decisão de facto quanto às restantes alíneas a) a g) e j) mantém-se já que o Tribunal recorrido valorou toda a prova produzida, livremente, como lhe cabia valorar a prova, em consonância também com as regras de distribuição do ónus de prova em conformidade com o disposto nos artigos 342, n.ºs 1 e 2 e 515, 516 e 655 do Código do processo Civil.
Saber se se não verificam os pressupostos da impugnação pauliana nem o periculum in mora necessários à procedência da providência pelo que decidindo-se pelo arresto a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 406/1, 407/2, 610, 611, 612, 619 do CPC
Trata-se aqui de arresto de várias fracções autónomas do prédio designado de K 1 no Sítio da Q, C Região Autónoma da Madeira, aresto esse preliminar de acção de impugnação pauliana a intentar contra as requeridas por forma a proceder à restituição ao acervo da sociedade dissolvida PRED das fracções identificadas.
A providência foi oportunamente determinada em conformidade com o pedido e em suma assim se motivou aos 8/7/08 (cfr. fls. 178/179): “(…) Nos termos do artº 406 do CPC o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial dos eu crédito pode pedir o arresto de bens do devedor(…) Perante a factualidade apurada verificamos que os requerentes detêm um direito de crédito sobre a PRED o qual foi reclamado na acção que corre termos nesta secção e vara. Sucede que a dita sociedade já depois de intentada a acção deliberou a sua dissolução mas previamente alienou às requeridas estacionamentos e uma arrecadação de que era dona no edifício Q...., Por outro lado as requeridas são detidas ou participadas por sócios da Pred, pelo que é evidente que tais alienações tiveram por objectivo esvaziar o património daquela, o que não podiam desconhecer as requeridas, já que geridas pelas mesmas pessoas, tendo actuado nessas compras e vendas com manifesta má fé. Sendo assim, entendemos que ainda se mantém o crédito das requerentes e que é justificado o receio de perderem a garantia patrimonial do mesmo já que as requeridas são sociedades ligadas à construção civil, pelo que a qualquer momento poderão desfazer-se dos estacionamentos que adquiriram à Pred. Além disso, face `matéria indiciariamente provada, podemos dizer que existe a probabilidade séria de procedência da impugnação, na medida em que as vendas realizadas poderão ser impugnadas já que é patente a anterioridade do crédito dos requerentes relativamente às vendas efectuadas pela Pred, que do acto, ou seja das vendas efectuadas por aquela sociedade resulta a impossibilidade para os requerentes de obterem a satisfação dos seu créditos e tanto a Pred como as requeridas actuaram de má fé (cfr. art.º 610 e 612 do CCiv).(…)”

Ao invés de terem recorrido da decisão como lhes consente o art.º 388/1/a as requeridas deduziram oposição também consentida pela alínea b) do mesmo número do preceito destinada a “alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução”. Para tanto alegou em suma que o arresto não é o meio processual adequado a acautelar o efeito útil da acção pauliana, porque através desta que é uma acção constitutiva ao autor não vê declarado qualquer direito de crédito, mas tão só vê o tribunal restituir ao património do devedor os bens ilicitamente desviados faltando assim o primeiro requisito que é a aparência da existência de um direito de crédito; segue depois invocando a caducidade do eventual direito de crédito dos requerentes pode defeitos da obra oportunamente invocada na acção relativa à venda das fracções (art.ºs 21 a 29), segue depois dizendo que é SPP a empresa que projectou e executou a obra das instalações de gás do prédio em causa a empresa que deve ser demandada (art.ºs 30 a 50),que a dissolução da sociedade PRED não se deveu a qualquer artifício para se eximir das responsabilidades que porventura possam resultar de tal acção mas porque ao concluir o empreendimento K I E III esgotou o seu escopo (art.ºs 51) que a venda das fracções pela sociedade PRED não teve por finalidade frustrar as requerentes e os valores das vendas (art.ºs  52 a 70).
Nenhuma das testemunhas arroladas pelas requeridas oponentes foi indicada para contraprova dos factos dados como provados preliminarmente com base no princípio de prova carreada pelos requerentes, apenas para prova dos factos novos carreados pela oposição (cfr. acta de fls. 345/346). Daí que tenham quedado intocados os factos preliminarmente alegados pelos requerentes e que constam de fls. 173 a 177 designadamente e com realce para os seguintes:
a) “Aquele sócio (AFC) usou as sociedades ora requeridas e suas participadas realizando com e através delas compras e vendas com vista a esvaziar o património da “Pred, Lda” de forma a que, na dissolução que levou a cabo, não houvesse partilha por inexistência de bens e por conseguinte qualquer responsabilidade para os sócios que com a dissolução “nada” receberam – (ponto 26 da decisão de facto não impugnada).
b) AFC outorgou, enquanto representante dos vendedores e compradores, as escrituras de alienação de todo o património da “Pred, Lda.” consciente que não se tratavam de verdadeiras compras e vendas mas de operações destinadas a prejudicar de forma deliberada os credores ora requerentes furtando-lhes todas e qualquer garantia patrimonial .- (ponto 27 da decisão de facto não impugnada);
c) Todas as sociedades requeridas porque representadas pelo mesmo sócio e Administrador conheciam aquela intenção de esvaziamento de garantia patrimonial em prejuízo dos credores, mas, apesar disso, colaboraram activamente para a realização desse intento (art.º 28 da decisão de facto não impugnada)
d) Não foi pago qualquer preço ou o pagamento do preço foi ocultado (art.º 29 da decisão de facto não impugnada)
e) Esse conhecimento é por mais evidente no que toca à venda da fracção “EI# que em vez de aguardar uma partilha por dissolução, foi vendida à própria sócia da “Pred, Lda”, a ora 1.ª requerida “Pr, S.A.” (art.º 30 da decisão de facto não impugnada)
A matéria que veio a ficar provada na sequência da oposição e que tem a ver com os objectivos de reestruturação das empresas do grupo, ou seja os pontos 33 a 41 não conflitua directamente com aquela matéria de facto dada como provada e que não vem impugnada e que tem a ver com as intenções do sócio e representantes das empresas do grupo o referido AFC que realizou na sua qualidade de representante de todas elas as compras e vendas, e com a colaboração dada pelas sociedades em questão nesse intento de esvaziamento patrimonial da Pred que vendera as fracções do imóvel K I e cujos defeitos suportam o perfunctório crédito das requerentes.
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Estatui o art.º 406, n.º 1 do CPC: “O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.”

Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios e em matéria excluída da disponibilidade das partes é possível por convenção entre as partes limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos bens, no caso de a obrigação não ser voluntariamente cumprida (cfr. art.ºs 601 e 602, n.º 1 do CCiv).
O art.º 619 do CCiv contém uma redacção idêntica à do art.º 406 do CPC e manda aplicar a lei do processo ao exercício do arresto dos bens do devedor.
Do lado de devedor a garantia traduz-se na responsabilidade do seu património pelo cumprimento da obrigação e na consequente sujeição dos bens que o integram aos fins específicos da execução forçada em conformidade com o disposto nos art.ºs 821 e ss. do CPC. Tendo a garantia um valor fundamental para a exequibilidade prática da obrigação, a lei faculta aos credores os meios de a conservarem reagindo contra certos actos que podem diminuir o património ou impedir o aumento do seu valor.[4]
As vias pelas quais pode advir uma diminuição do património do devedor em abstracto podem traduzir-se numa diminuição do activo patrimonial ou no aumento do passivo e o património do devedor como qualquer património diminui desde o momento em que se verifiquem saídas patrimoniais as quais podem ser provocadas por pura fenomenologia jurídica (alienação de um direito, constituição de um direito a favor de terceiro que venha a limitar o direito pré-existente) ou eventos de tipo material, o que deve ser apreciado caso a caso; a diminuição do activo patrimonial pode ainda ser provocada pelo aumento do seu passivo, designadamente pela circunstância de o devedor contrair novas dívidas face a um património insuficiente para a cobertura de todas as obrigações assumidas e ainda por último o não aumento do activo patrimonial a par da não diminuição do passivo.[5]
O art.º 619/2 por seu turno, estatui que o credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnado. O art.º 407/2 do C.P.C. adjectivando aquele direito estatui que sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduzirá ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação. Esta redacção do art.º 407 introduzida pelo DL 180/96, de 25/09, alarga visivelmente a actuação processual do credor, ao invés do que sucedida com o art.º 403/2 do C.P.C anterior.
Destarte os requisitos a preencher no aresto dependem do facto de se encontrar ou não pendente a acção de impugnação pauliana:
a) Se a acção já tiver sido instaurada bastará a alegação e prova dos factos relativos à probabilidade do crédito e ao justo receio da perda da garantia patrimonial, destinando-se o arresto dos bens a dar eficácia à decisão que eventualmente venha a ser proferida;
b) Se a acção ainda não tiver sido instaurada, exige-se complementarmente, a alegação e prova sumária dos pressupostos da impugnação, como factor de credibilidade e de seriedade da pretensão, tanto mais que vai interferir na esfera jurídica de terceiros, porventura alheios à relação creditícia de onde emerge o direito.[6]
Quando a acção de impugnação judicial não tiver ainda sido instaurada, complementarmente aos requisitos do arresto exige-se que o requerente aduza factos que tornem provável a procedência da impugnação.[7]

Atento o disposto no art.º 610 do CCiv a par dos actos de diminuição da garantia patrimonial exige-se que o crédito seja anterior ao acto ou sendo posterior ter sido o acto realizado dolosamente[8] com o fim de impedir da satisfação do direito do futuro credor, que resulte do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito ou agravamento dessa impossibilidade e sendo o acto de diminuição patrimonial oneroso a má fé do devedor e do terceiro, ou seja a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor. (art.ºs 610 e 612 do CCiv). O credor tem o ónus da alegação e prova do montante das dívidas e o devedor ou o terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.º 612 do CCiv).
Recordemos os factos provados:
a)“Aquele sócio (AFC) usou as sociedades ora requeridas e suas participadas realizando com e através delas compras e vendas com vista a esvaziar o património da “Pred, Lda” de forma a que, na dissolução que levou a cabo, não houvesse partilha por inexistência de bens e por conseguinte qualquer responsabilidade para os sócios que com a dissolução “nada” receberam – (ponto 26 da decisão de facto não impugnada).
b)AFC outorgou, enquanto representante dos vendedores e compradores, as escrituras de alienação de todo o património da “Pred, Lda.” consciente que não se tratavam de verdadeiras compras e vendas mas de operações destinadas a prejudicar de forma deliberada os credores ora requerentes furtando-lhes todas e qualquer garantia patrimonial .- (ponto 27 da decisão de facto não impugnada);
c) Todas as sociedades requeridas porque representadas pelo mesmo sócio e Administrador conheciam aquela intenção de esvaziamento de garantia patrimonial em prejuízo dos credores, mas, apesar disso, colaboraram activamente para a realização desse intento (art.º 28 da decisão de facto não impugnada)
d) Não foi pago qualquer preço ou o pagamento do preço foi ocultado (art.º 29 da decisão de facto não impugnada)
e) Esse conhecimento é por mais evidente no que toca à venda da fracção “EI# que em vez de aguardar uma partilha por dissolução, foi vendida à própria sócia da “Pred, Lda”, a ora 1.ª requerida “Pr, S.A.” (art.º 30 da decisão de facto não impugnada)
Resulta provável a existência do crédito dos requerentes (cfr. ponto 25 dos factos dados como provados e não impugnado) o justo receio de perda da garantia patrimonial resulta patente do acto das vendas de todo o património da PRED e do acto dissolutório da mesma sociedade por escritura pública que não acautelou (devendo tê-lo feito porquanto a acção estava pendente quando, em 13 de Dezembro, por isso três meses após a propositura dessa acção, a escritura de dissolução é outorgada) os créditos do requerentes, ainda que contingentes, numa linguagem contabilística.
Por outro lado, é mais do que provável a procedência da acção pauliana sendo que as requeridas não satisfizeram o ónus de prova dos factos impeditivos como lhes competia em conformidade com o disposto nos art.ºs 342/2 e 612 do CCiv: neste sentido entre outros os acórdãos do STJ de 23/7/81 in BMJ 309/300 e 6/6/2000 in CJSTJ, tomo II, RL de 19/3/98 in CJ tomo II, pág. 96, RP de 16/1/91, CJ, tomo III, pág. 255 e de 21/11/91, in BMJ 411/651 e Ac STJ de 6/6/2000 CJSTJ, tomo II, pág. 100.
IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas em ambas as instâncias pelos apelantes que decaem e porque decaem na oposição e no recurso (art.ºs 446 e 453/1, parte final do Código do Processo Civil)
Lxa., 18/6/2009.
joão Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro


[1] Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, , 8:ª edição, Almedina, pág. 204
[2] Autor e obra citados, pág. 205.
[3] Diploma a que pertencem as disposições que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[4] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2.ª edição vol. I, pág. 111.
[5] António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, AAFDL, 1980, págs. 475/477
[6] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, pág. 195.
[7] Mário Júlio da Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 10.ª edição, pág. 876.
[8] O que se suscita na alínea a) do art.º 610 do CCiv é um problema de imputação subjectiva e portanto a questão de saber se o agente actuou ou não com dolo, independentemente de a sua conduta dolosa haver ou não levado o futuro credor a erro; há que distinguir entre o dolo de causar o erro do futuro credor que é o vício da vontade do art.º 253 do CCiv e o dolo dirigido tão só a prejudicar o futuro credor, com indiferença para a existência ou inexistência de erro por parte deste e nesta última situação o dano do futuro credor não tem como suposto necessário o referido vício de vontade. È no dolo de ocasionar prejuízo ao futuro credor que recai o acento tónico do requisito da impugnação pauliana; neste sentido também a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cfr. Acs do STJ de 23/1/92 e 26/4/94 in RLJ, ano 127 e 7/11/2000 in CªJªSTJ, Ano VIII, tomo 3, pág. 102 e ss.