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DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
INTERPRETAÇÃO
Sumário
1. Tendo a parte nos articulados questionado apenas o direito à cobrança de determinadas comissões bancárias, não pode suscitar em sede de recurso a responsabilidade da contraparte por falta de informação relativa ao processo de cálculo da indemnização e do preçário dos serviços prestados. 2. A falta de reconhecimento da assinatura ou a aposição de selo branco não afasta automaticamente a autenticidade do documento; significa apenas que o documento não beneficia da presunção legal de autenticidade prevista no artigo 370º, nº 1, CC. 3. Sendo o documento exarado em papel timbrado de um organismo oficial, em resposta a um ofício do tribunal dirigido a esse organismo, é legitimo presumir a sua autenticidade, apesar de não ostentar o selo branco do organismo oficial. 4. O artigo 368º CC não regula a força probatória material dos documentos, reportando-se antes à conformidade da cópia com o original: uma cópia não impugnada vale o mesmo que o original, pelo que um eventual erro na apreciação da força probatória desse documento nunca importaria violação do artigo 368º CC, mas sim do artigo 371º CC.. 5. Se dois documentos autênticos, emanados da mesma autoridade, apresentam conteúdo contraditório, devem ser compatibilizados por via interpretativa, na medida do possível, sob pena de não poderem ser valorados. (sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa 1. Relatório:
Sociedade Agrícola, Ldª, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra o Banco, S.A. –, pedindo a sua condenação no pagamento a quantia de € 25.542,21, acrescida de juros compensatórios à taxa de 12 % (Portaria n.º 262/99 de 12/4 ), contados desde 6 de Fevereiro de 2001, no valor já vencido, até à propositura da acção, de € 9.766,22; ou, caso assim se não entenda, com fundamento em responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483º do C.C.), no pagamento da mesma quantia, mas acrescida de juros de mora à taxa legal, no valor já vencido de € 4.949,39; ou ainda, a título subsidiário, na restituição dessa mesma quantia, mas a título de enriquecimento sem causa, nos termos do art. 437º do C.C..
Alegou para tanto, e em síntese, que, após o 25 de Abril de 1974, viu-se privada do direito de propriedade de que era titular sobre diversos bens móveis e imóveis, ao abrigo da então denominada «Reforma Agrária», tendo o Estado reconhecido o direito a ser indemnizada pelo valor dos bens de que foi expropriada, no quadro legal da Lei de Bases da Reforma Agrária, atribuindo-lhe uma indemnização de € 2.606.345,48. E que, ao contrário do que aconteceu na generalidade dos casos, o Estado, através do Instituto de Gestão de Crédito Público (IGCP), não procedeu ao pagamento da indemnização devida à A. através do depósito de obrigações junto de instituição financeira escolhida pelo titular, tendo procedido ao pagamento da indemnização através de dinheiro depositado em conta aberta em seu nome no banco aqui R., o qual não prestou para o efeito qualquer serviço que lhe tenha sido solicitado pela A..
No entanto, o R. cobrou comissões de 2,2%, sobre o valor dos juros, e 0,35%, sobre o valor do capital, da indemnização que o IGCP atribuiu à A., no total de € 25.543,21, que não se referem a qualquer contraprestação realizada pelo banco.
Acrescentou que reclamou junto do R. para que lhe fosse restituído o valor em causa, mas este recusou, informando que a indemnização resultava de obrigações de tesouro, que tinha feito o processamento e cálculo da indemnização devida à A., e que os montantes retidos correspondem a comissões devidas por esses serviços prestados.
Contestou o R., confirmando que cobrou as comissões sobre os valores indicado na petição inicial, mas realçou que a indemnização atribuída à A., no âmbito da 40ª fase do processo de regularização previsto na Lei da Reforma Agrária, foi atribuída através dos títulos de Obrigações do Tesouro que discriminou, os quais foram depositados em nome da A. em conta aberta para o efeito, com base nos quais foi criada uma existência que permitisse o cálculo e processamento através da aplicação desses títulos. E que as obrigações mantiveram-se na situação de «montante retido» até 16 de Janeiro de 2001, sendo que, só nessa data, é que o IGCP informou o R. de que iria efectuar a liberação da indemnização atribuída à A., o que se concretizou no dia 18 de Janeiro de 2001.
Em conformidade, o R. creditou a favor a A., em conta de depósitos à ordem, com data valor de 18/1/2001 o montante de € 1.718,77,74 de capital e € 887.567,73 referente a juros corridos sobre o capital, tendo cobrado comissões, sujeitas a IVA, à taxa de 17%, tendo informado a A. de todas as operações que assim realizou.
Realizou-se audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto relevante.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, tendo a acção sido julgada improcedente e o R. absolvido do pedido.
Inconformada, recorreu a A., apresentando alegações com as seguintes conclusões:
«Impugnação da matéria de facto constante da resposta aos quesitos 4º, 5º, 8º e 9º (pontos 12º, 15°, 16º e 17º dos fundamentos de facto da sentença recorrida).
(…)
20ª Posto isto, não pode a Recorrente deixar de entender que ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 712.° do CPC, e face à prova produzida é manifesto que a decisão da Ia instância sobre a matéria de facto deve ser alterada nos termos supra referidos. Erro de julgamento por violação das regras dos artigos 363°, 368°, 369°, 370° e 371º do CC.
21ª A ora Recorrente juntou ao processo documentos que, tendo em conta o seu conteúdo e a sua força probatória, obstariam à decisão de improcedência total da acção e consequente absolvição do Recorrido do pedido.
22ª O documento de fls. 73 dos autos, junto pela Recorrente na Audiência de Julgamento, trata-se de um documento autêntico, exarado por uma autoridade pública – Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça – no qual atesta que a indemnização foi atribuída em numerário e depositada no Banco Recorrido na conta à ordem n.°.
23ª O Instituto, enquanto entidade pública, atesta factos que o próprio praticou logo, seguindo a lição de Antunes Varela, "estes se têm não só por verdadeiros, como cobertos pela força probatória plena do documento autêntico' (in Manual de Processo Civil, págs. 467 e segs., Coimbra Editora, 2004).
24ª De acordo com o n.° 1 do art. 372º do CC "a força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade”.
25ª O Recorrido não logrou provar o contrário daquilo que foi afirmado pelo IGCP, logo, mal se entende que o douto tribunal a quo não tenha dado como provado que, efectivamente, a indemnização foi atribuída em numerário e depositada na conta à ordem nº...
26ª A ora Recorrente juntou também aos autos um fax emitido pelo Instituto de Gestão Financeira (documento de fls. 111) onde se informa que o apuramento do valor indemnizatório dos prédios expropriados é da responsabilidade do Ministério da Agricultura.
27ª Trata-se de uma reprodução mecânica que nos termos do art. 368º do CC "faz prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão”.
28ª O Recorrido não impugnou a exactidão do fax, ora em questão, pelo que os factos nele descritos estão providos de força probatória plena bem como também não logrou provar que os cálculos da indemnização não eram realizados pelo Ministério da Agricultura e pelo IGCP.
29ª Pelo exposto, entende a Recorrente que outra deveria ter sido a decisão do Tribunal a quo, já que, devia ter sido dado como provado que foi o Ministério da Agricultura e o IGCP que calcularam os valores indemnizatórios, tendo posteriormente depositado o montante apurado na conta à ordem da Cliente n.° e, em consequência, ter sido condenado o ora Recorrido a proceder à devolução das comissões ilegalmente retidas. Erro de julgamento por violação das regras dos artigos arts 74° e 75° do RGICSF, art. 1187º, 798°, 473º e segs. do CC.
30ª Em face da decisão e do teor da causa, a questão fulcral que se coloca nos presentes autos é a de saber se o R. Banco tinha legitimidade para proceder à cobrança de comissões bancárias.
31ª O Estado atribuiu à Recorrente a quantia de € 1.718.777,75 (um milhão setecentos e dezoito mil euros e setenta e sete cêntimos) a título de capital e 887.567,73 (oitocentos e oitenta e sete mil, quinhentos e sessenta e sete euros e setenta e três cêntimos) a título de juros.
32ª Nos termos do art. 18º da Lei n.° 80/77, de 26 de Outubro:
"Com excepção do disposto no art. 20º o direito à indemnização, tanto provisória como definitiva, efectiva-se mediante a entrega ao respectivo titular, pelo Estado, de títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado nos termos e condições constantes dos artigos seguintes”.
33ª Como foi amplamente demonstrado no decorrer do processo, no caso sub judice, tal operação não ocorreu com a indemnização devida à recorrente, pela justa razão de que as obrigações do tesouro, que titulavam os pagamentos, encontravam-se integralmente amortizadas.
34ª Ao reter o valor das comissões e ao ficcionar a existência de uma conta de títulos onde, supostamente, foram depositadas obrigações que não existiam à data, o Banco apropriou-se indevidamente de dinheiro do cliente.
35ª Ainda que tivesse havido um depósito de títulos escriturais na conta, o que não se concede, esse depósito não passou de uma manobra engendrada pelo ora Recorrido, tendo em vista a cobrança de comissões a que não tinha direito.
36ª O Banco, através da sua atitude, violou as normas legais do contrato bancário, na medida em que, não informou o Cliente dos procedimentos que adoptou aquando da recepção do montante atribuído pelo IGCP.
37ª Dado o que acima se disse, mostra-se incompreensível, na opinião da Recorrente, que mesmo tendo o douto tribunal a quo dado como não provada a existência de títulos, tenha considerado legitima a cobrança de comissões.
38ª Segundo o art. 1187.° do CC, o depositário fica essencialmente obrigado a restituir a coisa e os seus frutos.
39ª Acontece que, no caso ora em questão, o Banco não procedeu à devolução integral do dinheiro da Cliente, depois de descontada uma justa retribuição pelos seus serviços, nem a informou correctamente dos procedimentos adoptados.
40ª A Recorrente reconhece que o depósito de contrato bancário se presume oneroso. Contudo, a cobrança de um custo ou comissão só é legítima se figurar no preçário dos bancos. Estes têm liberdade para definir o preço dos seus serviços mas lei obriga-os a que esses custos constem do preçário e que este esteja fixado em todas as dependências, em lugar visível, sendo fornecido ao Cliente.
41ª Aquilo que constava do preçário do Banco Recorrido seria os custos inerentes ao cálculo das indemnizações quando estas eram atribuídas pelo Estado aos titulares, através de títulos de divida pública.
42ª O documento de fls. 117 dos autos "Folha T – 0920" é um preçário relativo ao pagamento de reembolsos, juros, dividendos e outros rendimentos de títulos (e/ou outros valores! mobiliários). Trata-se de um documento interno que, não se encontrando assinado, está destituído de qualquer valor probatório.
43ª Mesmo que o Recorrido tivesse que proceder ao cálculo e processamento do montante atribuído pelo IGCP, o que não se concede, ainda sim, ao não informar a Cliente do valor e tipo de comissões bancárias aplicáveis, violou os deveres de informação inerentes ao contrato de depósito bancário, causando graves prejuízos à ora Recorrente.
44ª O Recorrido não só incumpriu o contrato de depósito bancário quando ilegitimamente procedeu à cobrança de comissões, não devolvendo integralmente o dinheiro depositado como, quando não informou a ora Recorrente dos procedimentos e preçários vigentes à data do pagamento da indemnização.
45ª Não tendo informado a Recorrente dos preços praticados nem da alegada abertura da conta de títulos, o Recorrido violou os normativos legais acima reproduzidos, pelo que deverá indemnizar a Recorrente no montante global de € 25.543,21, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
46ª Caso não se considere procedente o anteriormente alegado, o que se admite sem conceder, o caso sub judice, sempre configuraria uma situação figurativa do Instituto do Enriquecimento sem Causa.
47ª Nos termos e para os efeitos do n.° 1 do art. 473.° do CC "Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou."
48ª A obrigação do Banco era receber o dinheiro do IGCP e depositá-lo numa conta à ordem da Recorrente. Pelo contrário, o Recorrido abriu uma alegada conta de títulos destinada ao depósito de obrigações amortizadas...ficcionando um complexo processo de cálculos de indemnização quando, ficou amplamente demonstrado, ao longo destas alegações, que essa tarefa cabia ao IGCP.
49ª De acordo com o n.° 2 do artigo 473.° do CC "A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido".
50ª Daqui resulta que, o Recorrido deve devolver à A. a quantia de € 25.543,21, acrescida dos juros moratórios à taxa legal, na medida em que se trata do montante que indevidamente se locupletou.
Pelo exposto no presente recurso e nas conclusões feitas acima resulta que, no caso em apreço, verificam-se in totum os pressupostos que obrigam à devolução das comissões ilegalmente retidas, pelo que a douta sentença recorrida, ao julgar totalmente improcedente a acção, enferma de manifestos erros de julgamento, tendo violado o disposto nos arts 74° e 75° do RGICSF, 363°, 368°, 369°, 370°, 371°, 473°, 798º e 1187° do CC.
NESTES TERMOS,
Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) Ser reapreciada a prova dos autos e alterada a decisão do Tribunal de 1ª Instância sobre a matéria de facto, nos termos e com os fundamentos constantes do capítulo III-a) das presentes alegações (arts. 690°-A e 712° do CPC);
b) Ser revogada a douta sentença recorrida de fls. 154 e segs. dos autos, por violação, entre outros, dos artigos 74° e 75° do RGICSF e 363°, 368°, 369°, 370°, 371°, 473º, 798°, 1787° do Código Civil, com as legais consequências».
Contra-alegou o recorrido, concluindo pela forma seguinte:
(…)
19. Pelo que deverão as respostas a tais quesitos ser mantidas.
20. Alega a douta sentença sob recurso não violou o direito probatório material. Na verdade, a Autora não transcreve o teor de todo o documento de fls. 73.
21. Bastará atentar na leitura completa do presente documento para percebermos que o seu conteúdo não é absolutamente correcto ou pelo menos não deverá ser considerado isoladamente.
22. O referido documento justifica a não emissão de títulos relativamente à Autora porque em 1998 todas as obrigações foram amortizadas passando as indemnizações a ser pagas em numerário. Ora, é amplamente sabido e do conhecimento geral que estas amortizações dos Títulos não corresponderam a um pagamento efectivo aos indemnizandos. Isto é, não consubstanciaram um resgate. Também, é amplamente sabido que o Estado manteve um procedimento em tudo semelhante ao anterior, fazendo referência aos títulos em causa, remetia às instituições bancárias o conhecido mapa 158 com a indicação dos indemnizandos e dos títulos a que cada um correspondia.
23. Ou seja, quando o doc. de fls. 73 refere que todas as indemnizações passaram a ser pagas em numerário visto encontrarem-se amortizadas todas os Títulos de Obrigações do Tesouro, tal não significa que o IGCP tenha, pura e simplesmente, pago todas as indemnizações desde 1998 através do depósito ou transferência desse valor para as contas dos indemnizandos.
24. Todos sabemos que estes processos não se passaram assim! Todos sabemos que os bancos cobravam e cobram comissões por este serviço Se assim não fosse entendido os tribunais portugueses estariam, então, inundados de processos semelhantes a estes, pelo menos desde 1998, data em que foram amortizados todos os títulos!
25. Da leitura da segunda parte do documento e conjugada com a primeira parte, com o mapa 158, junto a fls. 114, e com o facto de os valores para pagamento da indemnização se terem mantido na situação de “montante retido” até 16 de Janeiro de 2001, data em que o IGCP informou o R. de que iria efectuar a liberação da indemnização (Cfr. resposta ao artigo 6º da Base Instrutória) temos que concluir que o IGCP não se limitou a proceder à transferência do valor da indemnização para a conta da Autora sem ter havido qualquer intervenção do banco neste processo. Na verdade, o processamento da indemnização efectuou-se antes do pagamento com data-valor de 18/01/2001, tendo o montante ficado retido até a liberação referida. Enfim, a única diferença que existiu no pagamento desta indemnização à Autora é o mero facto de tal indemnização ter ficado retida pela Direcção Regional de Agricultura do Alentejo. Sendo assim, o documento não levaria a dar como não provados os factos em causa mas antes nos leva a concluir como o Mmo. Juiz a quo na douta sentença sob recurso que: “Esta operação é substancialmente diversa da que a A. indicou na sua petição inicial, pois o Estado não se limitou a depositar na conta aberta à ordem daquela o valor líquido da indemnização que lhe atribuiu”.
26. Em todo o caso, o documento de fls. 73 encontra-se assinado, alegadamente, por uma coordenadora do IGCP, a quem não foram atribuídos poderes de representação do Instituto e sobre quem se desconhecem as efectivas competências. A assinatura não está reconhecida nem foi aposto o selo da instituição. Não pode assim, e sem mais considerar-se este documento como um documento autêntico.
27. Porém, ainda que se considere como documento autêntico o documento de fls. 73, sempre se deverá considerar, atentos os argumentos supra expostos, que o banco Réu fez prova do contrário.
28. Por tudo o exposto, resulta não ser verdade que o Estado tenha indemnizado a Recorrente mediante o depósito de numerário na Instituição bancária na conta à ordem nº.
29. Nem se diga que o Banco “engendra” um depósito de títulos escriturais para cobrar comissões aos seus clientes. Tal afirmação é gritante e revela o desespero da Autora que tenta por todas as formas obter um proveito que sabe não lhe ser devido.
30. Mas mais gritante ainda é a alegação de que a Autora nunca conheceu uma conta de títulos em seu nome. Quiçá a Autora se terá esquecido que, nos termos do artigo 18º da Lei 80/77 de 26 de Outubro, indicou o Banco réu como sendo a entidade bancária através da qual seria paga a indemnização que lhe era devida. Recorde-se a este propósito o testemunho de C.
31. Como bem refere a sentença sob recurso os preços cobrados pelo banco relativamente aos serviços que presta estão sujeitos a divulgação pública pelos meios comerciais tidos por adequados (art. 74º e 75º do DL nº 298/92 de 31 de Dezembro), o que implica a adesão, ao menos tácita, à tabela de preços praticados por esse banco.
32. O mero facto do documento junto a fls. 117 não estar assinado não significa que não tenha valor probatório. Na verdade, a esse documento fizeram referência as testemunhas (…) nos depoimentos gravados no local já supra identificado tendo explicado o seu conteúdo e vigência.
33. E nem se diga, como faz a Autora, que o preçário se aplica ao depósito de títulos e não quando os mesmos se encontram amortizados pois vimos já que essa amortização não implicou o pagamento. Assim, a conta da Autora passou a reflectir, de forma escritural é certo, a existência de um depósito com a menção aos títulos mencionados no ponto 3º da Base Instrutória. Ou seja, existiu um depósito de títulos escriturais.
34. Aliás, encontra-se provado que: “pelo depósito dos títulos da dívida pública de montante igual ao valor fixado de indemnização as instituições bancárias cobram uma comissão” (Cfr. ponto 4º da Base Instrutória).
35. Acresce que a Autora não pôs em causa que o Banco praticava esses preços e por esses serviços. Só agora vem levantar essa questão quando verificou a fragilidade da sua posição.
36. O que a Autora pôs em causa foi, tão somente, que o Banco Réu tivesse prestado esses serviços, isto é, os serviços que determinavam a aplicação das comissões. Não o tendo feito anteriormente Sib imput.
37. Repete-se, também, novamente que o Banco Réu não abriu uma conta de depósito de títulos sem qualquer fundamento. O fundamento está no facto da Autora ter indicado o Banco Réu como instituição bancária através da qual deveria ser paga a indemnização da reforma agrária que o Estado lhe veio a atribuir. E quando indicou o Banco Réu para esse efeito sabia, ou devia saber, quais os preços que o Banco praticava pela prestação desse serviço.
38. Enfim, dos factos provados não resulta que o banco tenha violado o direito à informação nem que tenha incumprido o contrato de depósito celebrado com a Autora. Aliás, estas questões não são sequer levantadas em sede própria, isto é, aquando da apresentação da PI.
39. Do supra exposto encontra-se sobejamente afastada a impossibilidade da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa. Assim, abstemo-nos de repetir os mesmos argumentos que reputamos claros e óbvios.
40. Porém, note-se que a Autora alega que o Banco foi um mero intermediário no processo indemnizatório e que deveria ter-se limitado a receber o dinheiro do IGCP e depositá-lo numa conta à ordem.
41. Ora, se nenhuma necessidade de intervenção do Banco Réu tivesse havido em todo o processo e este poderia apenas “pegar” no dinheiro e depositá-lo numa conta à ordem porque é que esse mesmo instituto não se limitou a dar uma ordem de transferência para a conta da Autora sem dar disso conhecimento directamente ao Banco Réu ou, pura e simplesmente, não entregou tal quantia directamente à Autora? Através de cheque ou numerário?
42. Ao decidir como decidiu na sentença ora recorrida, o Mm. Juiz a quo não violou qualquer disposição legal.»
2. Fundamentos de facto
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1) Nos termos da legislação relativa à reforma agrária, a A. recebeu uma indemnização no montante global de 522.525.354$00, sendo 344.484.000$00 a título de capital, e 177.941.354$00, a título de juros – (alínea A) dos factos assentes );
2) A R. foi depositária do valor correspondente à indemnização atribuída à A. – (alínea B) dos factos assentes );
3) Em 6/2/2001, a R. creditou na conta de depósito à ordem n.º o montante referido em 1), que a A. levantou no mesmo dia – (alínea C) dos factos assentes );
4) Pelo depósito dos títulos de dívida pública de montante igual ao valor fixado de indemnização as instituições bancárias cobram uma comissão – (alínea D) dos factos assentes );
5) A R. cobrou as seguintes comissões:
- 2,2% sobre o valor relativo aos juros, em montante que ascendeu a Esc.: 3.914.710$00 (contravalor de € 19.526,49 – dezanove mil, quinhentos e vinte e seis euros e quarenta e nove cêntimos)
- 0,35% sobre o valor relativo ao capital, em montante que ascendeu a Esc.: 1.206.044$00 (contravalor de € 6.015,72 – seis mil e quinze euros e setenta e dois cêntimos ) – (alínea E) dos factos assentes);
6) Por carta datada de 26/6/2003, a A. interpelou a R. para, no prazo máximo de 30 dias, proceder à devolução do montante de € 25.542,21, conforme doc. de fls. 14 a 16 que aqui se dá por integralmente reproduzido – (alínea F) dos factos assentes);
7) Por carta datada de 29/7/2003, a R. respondeu, alegando não existirem razões para proceder à devolução de qualquer montante, conforme doc. de fls. 18 a 19 que aqui se dá por integralmente reproduzida – (alínea G) dos factos assentes );
8) Em 6/2/2001, a R. enviou à A. a nota de crédito cuja cópia se encontra junta a fls. 32 e que aqui se dá por integralmente reproduzida – (alínea H) dos factos assentes );
9) O montante indemnizatório e juros do capital relativos à 40ª fase de pagamentos de indemnização devidas à A., em processo relativo à reforma agrária, foi pago pelo Instituto de Gestão de Crédito Público, através do R., conforme consta de 1) e 2) – ( Resposta ao 1º da Base Instrutória );
10) As obrigações de tesouro de montante igual ao valor da indemnização, que titulavam os pagamentos das indemnizações devidas à A. encontravam-se amortizadas, sendo que as obrigações mais recentes datavam de 1977 e amortização terminava em 1998 – ( Resposta ao 2º da Base Instrutória );
11) Anteriormente a indemnização atribuída à A. estava titulada pelos seguintes títulos:
- 50 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe I;
- 75 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe II;
- 125 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe III;
- 200 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe IV;
- 300 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe V;
- 425 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe VI;
- 575 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe VII;
- 750 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe VIII;
- 950 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe IX;
- 1.175 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe X;
- 1.425 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe XI; e
- 338.534 Obrigações de Tesouro Indemnização Classe XII – (resposta ao 3º da base instrutória );
12) Antes do R. receber provisão e autorização para pagamento das indemnizações, o IGCP emitia e remetia ao banco um mapa, onde se encontravam discriminados títulos de Obrigações de Tesouro por referência aos quais eram pagas as indemnizações aos respectivos beneficiários, sendo com base nesse mapa que o R. abriu uma conta em nome da A., com o n.º , na qual se passou a reflectir, de forma escritural, a existência de um depósito com a menção aos títulos mencionados em 11) – (resposta ao 4º da base instrutória );
13) O depósito com referência às Obrigações mencionadas em 11) era meramente escritural e destinava-se a permitir o cálculo e processamento da indemnização por parte do banco por referência aos títulos que já se encontravam amortizados – (resposta ao 5º da base instrutória );
14) Os valores para pagamento da indemnização mantiveram-se na situação de “montante retido” até 16 de Janeiro de 2001, data em que o IGCP informou o R. de que iria efectuar a liberação da indemnização – (resposta ao 6º da base instrutória);
15) Em 18 de Janeiro de 2001 a R. foi informada pelo Instituto de Gestão do Crédito Público do montante correspondente à indemnização devida à A. – (resposta ao 7º da base instrutória );
16) De imediato a R., enquanto intermediária financeira escolhida pela A., iniciou o processamento e cálculo dos valores correspondentes ao capital e juros devidos à A., tendo por base as obrigações referidas em 11) – (resposta ao 8º da base instrutória );
17) Este processo de recepção, processamento e pagamento dos valores resultantes da indemnização foi concluído pela R. em 6 de Fevereiro de 2001 – (resposta ao 9º da base instrutória ).
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine).
Constitui entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência que os recursos se destinam a reapreciar decisões e não a decidir questões novas.
Como refere Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2ª, ed., pg. 94:
«A natureza do recurso como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objecto, decorrente do facto de, em regra,
apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e
não a analisar questões novas, salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e do processo contenha todos os elementos imprescindíveis»
Compreendem-se perfeitamente as razões por que o sistema assim foi arquitectado. A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devam ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios».
Arroga-se a recorrente credora de uma indemnização correspondente ao valor das comissões cobradas pelo recorrido com fundamento na violação, por parte deste, do dever de informação consagrado nos artigos 74º e 75º do Decreto-Lei 289/92, de 31.12, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em virtude de o recorrido não a ter informado acerca dos procedimentos de cálculo da indemnização, da abertura de uma conta de títulos em seu nome e do preçário dos serviços prestados (cfr. conclusões 36º, 40ª e 41ª a 45ª).
Ora, estas questões não foram veiculadas na sede própria – petição inicial -, como se impunha, não tendo sido objecto de discussão. Não foram por isso alegados factos que suportem a alegada violação dos deveres de informação.
Na petição inicial - único articulado apresentado pela recorrente -, apenas foi questionada a cobrança com fundamento na não prestação dos serviços por parte do recorrido, tendo sido este o objecto da discussão.
Da afirmação efectuada na sentença de que «esses preços estão sujeitos a divulgação pública pelos meios comerciais tidos por adequados (art. 74º e 75º do Decreto-lei nº 289/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), havendo sempre que considerar a supervisão do Banco de Portugal (art. 116. ° e ss do RGICSF)», retirou a recorrente a conclusão que as instituições bancárias só podem cobrar comissões se os custos constarem do preçário.
Isso não legitima, porém, que a questão seja suscitada em sede de recurso.
Com efeito, na mesma sentença se refere em seguida:
«Debruçando-nos agora sobre a questão que opõe verdadeiramente as partes temos de e dizer que a A. não pôs verdadeiramente em causa que o R. praticava esses preços e por esses serviços.
De facto, o que a A. sustenta é que o R. não prestou os serviços que determinavam a aplicação das condições previstas nas condições gerais estabelecidas a fls. 117.»
Nessa conformidade, este Tribunal não conhecerá desta questão.
Assim, o objecto de recurso consubstancia-se nas seguintes questões:
- impugnação da decisão da matéria de facto relativamente às respostas aos artigos 4º, 5º, 8º e 9º da base instrutória;
- violação do direito probatório material relativamente aos documentos juntos a fls. 73 e 111 (artigos 363º e 368º a 371º CC);
- erro de julgamento por violação das regras dos artigos 1187º, 798º e 473º CC
3.1. Da violação do direito probatório material relativamente aos documentos juntos a fls. 73 e 111 (artigos 363º e 368º a 371º CC)
Por razões de ordem lógica, apreciar-se-á em primeiro lugar a problemática da violação do direito probatório material relativamente aos documentos juntos a fls. 73 e 111 e ss., por a resposta a esta questão condicionar os termos da reapreciação da matéria de facto, em virtude de tais documentos terem sido utilizados para a fundamentação da convicção do Tribunal.
O documento de fls. 73 consiste num ofício em papel timbrado do IGCP – Instituto de Gestão do Crédito Público, IP, datado de 2005.04.25, subscrito por C (coordenadora), dirigido ao Mmº Juiz de Direito da 3ª Vara Cível de Lisboa, 3ªsecção, do teor seguinte:
«Em resposta ao v/ ofício Nº 8115591 de 29 de Março p .p., informamos V. Exª que:
a) não foram emitidos quaisquer Títulos de Dívida Pública para pagamento da indemnização devida à Sociedade Agrícola, Ldª, visto que desde 1998 todas as indemnizações passaram a ser pagas em numerário devido à amortização de todos os títulos;
b) o processo da Sociedade Agrícola, Ldª deu entrada neste instituto na 40ª Fase de indemnização, cujo processamento se efectuou em 12 de Janeiro de 2002. Devido a um pedido de suspensão do pagamento, por parte da Direcção Geral de Agricultura do Alentejo, para análise do processo, o mesmo foi pago, isoladamente, em numerário para a conta 04304512001 do Banco, com data valor de 18 de Janeiro de 2001, após liberação da dita Direcção Regional.
Com os melhores cumprimentos
C
Coordenadora»
O ofício do Tribunal que foi objecto de resposta através do ofício supra, consta de fls. 72, e solicita mandar informar, no prazo de vinte dias, relativamente ao solicitado no ponto nº 2, alínea a) e b) do requerimento apresentado pela recorrente a fls. 65, de que se juntou cópia, bem como de fls. 49 a 53.
As questões eram as seguintes:
a) se no caso do pagamento à A. da indemnização decorrente de expropriação pelo Estado de propriedades suas e previstas na Lei da Reforma Agrária, foram alguma vez emitidos títulos da dívida pública e, em caso afirmativo, se os mesmos foram alguma vez depositados na instituição bancária R.;
b) como é que o pagamento da mencionada indemnização por aquele instituto à A. se processou, designadamente se foi efectuado através do depósito de obrigações do tesouro ou de depósito em numerário na conta bancária mencionada na alínea c) dos factos assentes.
O documento de fls. 111-2 consiste em cópia de um ofício em papel timbrado do IGCP – Instituto de Gestão do Crédito Público, IP, datado de 2001.03.02, subscrito por C, dirigido à Sociedade de Advogados Associados, do teor seguinte:
«Em resposta ao fax de V. Exªs, informamos que o apuramento do valor indemnizatório dos prédios ocupados é da responsabilidade do Ministério da Agricultura.
Relativamente ao valor do capital e juros depositados no Banco juntamos o mapa explicativo em anexo.
Quanto à taxa de juro aplicada a cada classe (montante máximo), para cálculo dos juros capitalizados, é seguinte:
Classe I- 13% 50.000$00
Classe II- 12,8% 75.000$00
Classe III- 12,4% 125.000$00
Classe IV- 11,8% 200.000$00
Classe V- 11% 300.000$00
Classe VI- 10% 425.000$00
Classe VII- 9,8% 575.000$00
Classe VII- 8,4% 750.000$00
Classe IX- 6,8% 950.000$00
Classe X- 5% 1.175.000$00
Classe XI- 3% 1.425.000$00
Classe XII- 2,5% valor ilimitado
Com os melhores cumprimentos
C,
Coordenadora»
Segundo a recorrente, os documentos supra enunciados, atento o seu conteúdo e valor probatório, obstariam à decisão de improcedência da acção.
Entende que o documento de fls. 73, porque assinado pela coordenadora do IGCP, dentro dos limites da sua competência, respeitando as formalidades legais, configura documento autêntico, cuja força probatória plena apenas pode ser atacada por via do incidente da falsidade. E que, nessa conformidade, o tribunal deveria ter dado como provado que a indemnização foi atribuída em numerário e depositada na conta à ordem nº.
E, relativamente ao documento de fls. 111 e ss., sustenta que a cópia do fax emitido pelo IGCP está dotado de força probatória plena por não ter sido impugnada a sua exactidão (artigo 368º CC), pretendendo que se considere provado que foi o Ministério da Agricultura e o IGCP que calcularam os valores indemnizatórios, tendo posteriormente depositado o montante apurado na conta à ordem da Cliente n.° e, em consequência, ter sido condenado o recorrido a proceder à devolução das comissões ilegalmente retidas.
O recorrido, para além de entender que o conteúdo dos documentos não é correcto, ou que pelo menos não deverá ser considerado isoladamente, afirma que o documento de fls. 73 não poderá considerar-se, sem mais, autêntico, por se desconhecer as efectivas competências da pessoa que o subscreveu, e a assinatura não estar reconhecida nem ter sido aposto o selo da instituição.
Ainda reportado ao documento de fls. 111 e ss., relembra que o apuramento do valor indemnizatório por parte do Ministério da Agricultura significa apenas que este Ministério procede a um primeiro apuramento de valor que é necessariamente diferente do valor que recebem os indemnizandos.
Apreciando:
Nos termos do artigo 363º, nº 2, CC, são autênticos os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividades que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública.
E de acordo com o artigo 369º, nº 1, CC, o documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar, acrescentando, porém, o nº 2 deste artigo que se considera exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça publicamente as respectivas funções, a não ser que os interveniente ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura.
O artigo 370º, nº 1, CC, consagra uma presunção de autenticidade, ao estabelecer que se presume que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço.
Esta presunção de autenticidade pode ser ilidida, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, mediante prova em contrário, e pode ser excluída oficiosamente pelo tribunal quando seja manifesta pelos sinais exteriores do documento a sua falta de autenticidade; em caso de dúvida, pode ser ouvida a autoridade ou oficial público a quem o documento é atribuído.
Estes normativos reportam-se à autenticidade do documento, ou seja, à sua proveniência (força probatória formal).
Na conclusão 26ª das contra-alegações, afirmou o recorrido que o documento de fls. 73 encontra-se assinado, alegadamente, por uma coordenadora do IGCP, a quem não foram atribuídos poderes de representação do Instituto e sobre quem se desconhecem as efectivas competências. A assinatura não está reconhecida nem foi aposto o selo da instituição. Não pode assim, e sem mais considerar-se este documento como um documento autêntico.
A questão dos poderes de representação por parte da subscritora dos documentos de fls. 73 e 111 e ss., não foi oportunamente suscitada aquando da junção dos mesmos, sendo irrelevante que o tenha sido nas contra-alegações.
A falta de reconhecimento da assinatura ou a aposição de selo branco não afasta automaticamente a autenticidade do documento; significa apenas que o documento não beneficia da presunção legal de autenticidade.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª edição, pg. 327,
«Ao estabelecer-se uma presunção de autenticidade (consagrando assim expressamente a velha máxima jurídica do scripta publica probant se ipsa) não quer dizer que não possa, noutros casos, considerar-se o documento como autêntico. O que não existe é uma presunção legal; mas pode inclusivamente existir uma presunção de facto suficiente para formar a convicção do tribunal».
O documento foi exarado em papel timbrado do IGCP, em resposta a um ofício do tribunal, e dirigido a esse organismo, sendo por essa razão legítimo presumir a sua autenticidade.
Como recordam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pg. 503-4,
«Uma coisa é saber se o documento provém realmente da pessoa ou entidade a quem é imputado (força probatória formal); outra, muito distinta, é saber em que medida os actos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade (força probatória material)»
O artigo 371º, nº 1, CC, regula a força probatória dos documentos autênticos: os documento autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pelo autoridade ou oficial público respectivo, assim como os factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
Esta força probatória apenas pode ser abalada através da prova do contrário a produzir em sede de incidente de falsidade, por força do disposto no artigo 372º, nº 1, CC, incidente que não foi oportunamente deduzido.
Carece, assim, de fundamento legal a afirmação do recorrido constante da conclusão 27ª das contra-alegações de que se deverá considerar, atentos os argumentos supra expostos, que fez prova do contrário.
Assente que está que o documento de fls. 73 faz prova plena dos factos aí atestados, importará determinar o seu alcance, isto é, interpretá-lo, dada a necessidade de o compatibilizar com os documentos de fls. 111 e ss. e de fls. 140, emanado da mesma funcionária e de teor em parte aparentemente contraditório.
No que ao documento de fls. 111 e ss. concerne, a recorrente entende ter sido violado o disposto no artigo 368º CC, relativo às reproduções mecânicas, e que consagra que as reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.
Não lhe assiste razão. Este artigo reporta-se claramente à conformidade da cópia com o original: uma cópia não impugnada vale o mesmo que o original (cfr. Galvão Teles, Contrato-promessa de compra e venda – prova do contrato e efeitos da execução específica em relação a terceiro, CJ, 84, IV, pg. 8).
Por outras palavras, o artigo 368º CC não regula a força probatória material do documento. Estabelecida a conformidade da cópia com o original, ela terá o mesmo valor deste. Daqui resulta que um eventual erro na apreciação da força probatória desse documento nunca importaria violação do artigo 368º CC, mas sim do artigo 371º CC..
Estamos agora em condições de determinar o alcance dos três documentos emanados do IGCP.
O documento de fls. 73 aparentemente confirma a tese defendida pela recorrente de que as indemnizações foram pagas em numerário pelo IGCP, sem qualquer intervenção do banco recorrido que justificasse a cobrança da comissão cuja restituição se pretende. A justificação que é dada é a de a partir de 1998 os títulos terem sido todos amortizados.
No entanto, a verdade é que a amortização dos títulos não equivaleu ao seu resgate. Apesar de terem deixado de ter existência física, não deixaram de constituir a base de cálculo da indemnização .
E tanto assim é que o documento de fls. 111 e ss., da autoria da mesma funcionária, refere que o capital e juros da indemnização foram calculados de acordo com mapa explicativo em anexo – o mapa 158. E as taxas de juro são reportadas aos títulos, que se encontravam divididos em 12 classes.
A circunstância de o mapa 158, junto a fls. 114, conter rasuras e notas manuscritas não inutiliza totalmente a sua força probatória, sendo livremente apreciado pelo tribunal (artigo 371º, nº 2, CC), designadamente em conjugação com a prova testemunhal.
Se o cálculo final fosse efectuado pelo Ministério da Agricultura e o banco recorrido fosse mera «placa giratória» da indemnização, como pretende a recorrente, mal se compreenderia que o IGCP enviasse ao recorrido um ofício datado de 2001.02.09, subscrito pela mesma funcionária, junto a fls. 140, do teor seguinte:
«Assunto : Indemnizações processadas segundo as disposições da Lei n°. 80/77 40ª Fase
Tendo em atenção ao já referido no ofício remessa dos mapas da fase anterior, e considerando que esta fase de emissão teve alterações nas sociedades anónimas, enviamos em anexo o seguintes mapas: Mapa 102 - Incompatibilidades detectadas para o mesmo titular, em função da primeira informação transmitida ao Instituto de Informática do Minist°, das Finanças; Mapa 151 - Demonstração de Valores; Mapa 156 A - Relação de "dossiers"/contas a considerar nessa instituição de crédito, com origem exclusiva da Reforma Agrária e/ou Sociedade por Quotas; Mapa 158 - Relação dos valores representativos, por classes, das indemnizações a atribuir nesta fase a cada um dos titulares aí discriminados; Mapa 168 - Relação das cautelas a anular, por efeito de modificação; Mapa 170 - Relação de titulares totalmente indemnizados c/valor definitivo. Para esclarecimento de qualquer matéria sobre este assunto, poderão contactar:
Dra C…
D. D… Com os melhores cumprimentos.»
Deste ofício decorre claramente que a indemnização foi processada de acordo com a Lei 80/77, de 26.10, e por referência a obrigações, e que o recorrido teve participação activa no cálculo da indemnização, única razão que justifica o envio dos referidos elementos.
O documento de fls. 73, ao referir que as indemnizações foram pagas em numerário, está a reportar-se à circunstância de os títulos terem sido amortizados em 1998, deixando de ter existência física, e não que foram pagas directamente pelo IGCP.
Recorde-se que este ofício respondia à pergunta formulada pelo tribunal sobre se tinham sido emitidos títulos da dívida pública para o pagamento da indemnização devida ao recorrente e se esses títulos tinham sido depositados na instituição bancária recorrida.
E a alínea b) do ofício do tribunal, quando perguntava como é que se processou o pagamento da indemnização, colocava a alternativa se tinha sido efectuada através de depósito de obrigações do tesouro ou depósito de numerário na conta bancária nº 04304512001.
Porque os títulos se encontravam amortizados desde 1998, deixando de ter existência física, obviamente que a resposta relativamente à questão do depósito dos títulos tinha de ser negativa, restando o outro termo da alternativa: a indemnização foi paga em numerário depositado na conta bancária supra enunciada.
Isto não deixa de ser verdade: a indemnização acabou por ser depositada na referida conta bancária.
Face à forma como a questão foi equacionada, a resposta não podia deixar de ser esta.
Isso não significa, porém, que as indemnizações tenham deixado de ser reportadas a obrigações do tesouro.
Na verdade, os termos da alternativa constante do ofício do tribunal não esgotavam o leque das situações possíveis, designadamente a de os títulos não terem existência física e no entanto o cálculo da indemnização a eles se reportar.
O pagamento por depósito na conta foi a fase final de todo o processo, o que não invalida que os procedimentos de cálculo efectuados pelo banco, nem implica que a transferência do numerário para a conta da recorrente tenha sido feita pelo IGCP directamente.
Por outro lado, a afirmação constante do documento de fls. 111, de que «o apuramento do valor indemnizatório dos prédios ocupados é da responsabilidade do Ministério da Agricultura» está naturalmente reportada a um momento anterior ao da intervenção do banco recorrido no processo.
Obviamente que o apuramento do valor da indemnização tem de caber aos serviços do Estado, seja o Ministério da Agricultura, seja o IGCP, ou qualquer entidade.
Com efeito, só após se determinar o valor devido, de acordo com os critérios legais e feita a distribuição pelas diversas classes de obrigações (mapa 158) é que se processa a intervenção das entidades bancárias. Como refere a própria recorrente, não seria legalmente admissível que fosse o banco a determinar um valor a pagar por uma entidade pública.
Estamos, pois, a falar de dois momentos distintos.
Só assim é possível compatibilizar o teor de três documentos emanados de uma mesma entidade e subscritos pela mesma funcionária: o de fls. 73, o de fls. 111-2 e o de fls. 140.
A consequência da não aceitação desta compatibilização por via interpretativa seria considerar o teor dos dois documentos contraditórios e, nessa medida, inválidos por impossibilidade lógica: se a mesma entidade atesta realidades incompatíveis entre si, não se pode dar prevalência a uma em detrimento das outras.
Pelo exposto, a decisão recorrida não violou qualquer regra de direito probatório material, não merecendo acolhimento a pretensão da recorrente no sentido de estar plenamente provado que a indemnização foi paga em dinheiro pelo IGCP, sem qualquer intervenção do recorrido, o que importaria resposta negativa aos artigois da base instrutória objecto de impugnação.
3.2. Da impugnação da matéria de facto
Nos termos do artigo 712º, nº 1, alínea a), CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da
matéria de facto em causa, ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, CPC, a decisão com
base neles proferida.
E, de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
O artigo 690º A CPC estabelece os ónus que impendem sobre o impugnante, sob pena de rejeição do recurso:
- especificar quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a);
- especificar quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b);
- indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no nº 2, do artigo 522º C, quando tenham sido gravados (nº 2).
Tendo a recorrente dado cumprimento aos ónus que sobre si impendiam estamos em condições de reapreciar a matéria de facto.
Apreciando:
É o seguinte o teor dos artigos da base instrutória impugnados e respectiva resposta:
Artigo 4º
As obrigações mencionadas no antigo anterior foram depositadas na conta de títulos nº , em nome da A. ? Provado que, antes do R. receber provisão e autorização para pagamento das indemnizações, o IGCP emitia e remetia ao banco um mapa, onde se encontravam discriminados títulos de Obrigações de Tesouro por referência aos quais eram pagas as indemnizações aos respectivos beneficiários, sendo com base nesse mapa que o R. abriu uma conta em nome da A., com o nº , na qual se passou a reflectir, de forma escritural, a existência de um depósito com a menção aos títulos mencionados no ponto 3º da base instrutória.
Artigo 5º
As obrigações ficaram aí depositadas sob a forma de cautelas/títulos provisórios por forma a criar uma existência que permitisse o cálculo e processamento através da aplicação de títulos? Provado apenas que o depósito com referência às obrigações destinava-se a permitir o cálculo e processamento da indemnização por parte do banco por referência aos títulos que já se encontravam amortizados.
(…)
Artigo 8º
De imediato a R., enquanto intermediária financeira escolhida pela A., iniciou o processamento e cálculo dos valores correspondentes ao capital e juros devidos à A., tendo por base as obrigações referidas em 3º?. Provado.
Artigo 9º
Este processo de recepção, processamento e pagamento dos valores resultantes da indemnização foi concluído pela R. em 6 de Fevereiro de 2001? Provado.
O Mmº Juiz a quo fundamentou a sua convicção nos termos seguintes:
(…)
Segundo a recorrente, as respostas supra enunciadas carecem de qualquer apoio na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que aponta para uma resposta negativa sem qualquer restrição.
Não lhe assiste razão, embora a resposta ao artigo 4º padeça de uma pequena imprecisão que oportunamente se corrigirá.
(…)
Não tendo a matéria de facto sofrido alteração relevante, não logrou a recorrente demonstrar que a cobrança das comissões por parte do recorrido tenha sido abusiva, improcedendo o alegado erro de julgamento por violação das regras dos artigos 1187º, 798º e 473º CC.
Com efeito, a alteração da decisão jurídica da causa pressupunha a alteração da factualidade provada; mantendo-se no essencial a matéria de facto provada, a decisão tem de ser necessariamente confirmada.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2009.06.18
Márcia Portela
Manuela Gomes
Olindo dos Santos Geraldes