REPRESENTANTE DOS TRABALHADORES
COMISSÃO DE TRABALHADORES
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ADMINISTRADOR
Sumário

1. O art. 54º nº 1 al. f) da CRP confere às comissões de trabalhadores o direito, entre outros, de “promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei.
2. O Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 47/2006 (disponível em www.dgsi.pt), decidiu julgar inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da Constituição da República Portuguesa quer o artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, enquanto revoga os artigos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais de empresas públicas, quer o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000, de 10 de Novembro, enquanto aprova os novos estatutos da A., S. A. e revoga os anteriores, na parte em que estes prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais desta empresa pública.
3. A deliberação da Assembleia Geral da Ré a aceitar a designação do A. “como representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração”, não importa para o Autor qualquer desconsideração funcional nem ofende o seu direito enquanto membro efectivo do Conselho de Administração da Ré.
4. A criação de uma Comissão Executiva no âmbito do Conselho de Administração da Ré é uma faculdade que está legalmente prevista (art. 407 nº 3 do CSC e art. 12 dos Estatutos da Ré) e que tem como única consequência a existência de administradores delegados e administradores não delegados, mas que não retira quaisquer direitos aos membros do Conselho de Administração que não integram a Comissão Executiva, os quais continuam a ter todos os seus anteriores poderes de gestão.
5. De acordo o nº 2 do art. 298º do CSC não é possível, no âmbito das sociedades anónimas, o exercício simultâneo das funções de administrador, mesmo não executivo, com as de trabalhador subordinado. Assim, é nulo o segmento deliberativo da Assembleia Geral da Ré que prevê que o A. enquanto membro do Conselho de Administração mantenha o seu posto de trabalho.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            Relatório
A… e Comissão de Trabalhadores da SATA Air Açores, propuseram a presente acção, com processo comum, contra SATA Air Açores - Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos S.A., pedindo:
- seja declarada nula e de nenhum efeito a deliberação tomada em assembleia geral da R., em 10 de Janeiro de 2008, e registada na acta n.º 1/2008, porquanto a mesma é manifestamente ilegal e contrária à lei;
- seja declarada nula e de nenhum efeito a deliberação tomada em assembleia geral da R., em 28 de Junho de 2007, e registada na acta n.º 2/2007, porquanto a mesma é manifestamente ilegal e contrária à lei;
- seja declarada nula e de nenhum efeito a deliberação tomada em assembleia geral da R., em 9 de Outubro de 2006, e registada na acta n.º 3/2006, porquanto a mesma é manifestamente ilegal e contrária à lei;
- que a R. seja inibida de qualificar o 1.º A. — ou qualquer outro representante dos trabalhadores que venha a ser eleito para o cargo de vogal do Conselho de Administração da R. — como sendo um representante dos trabalhadores «junto» do mesmo Conselho, devendo o 1.º A. ser convocado para participar, tomar parte e votar enquanto membro de pleno direito em todas as decisões do Conselho de Administração da R., independentemente da concreta natureza que as mesmas versem;
- seja a R. condenada a pagar à 2.ª A. uma compensação não inferior a €10.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
- em caso de incumprimento das condenações anteriores, que seja a R. condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso na execução da decisão, a fixar em montante nunca inferior a €1.000, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que provisoriamente.
Alegaram, para tanto, que o 1.º A. é vogal do Conselho de Administração e que a deliberação da assembleia geral da R. de 10 de Janeiro de 2008 assim o não reconhece ao tratar o 1.º A. apenas como representante dos trabalhadores junto do Conselho, o que viola o anteriormente decidido pelos tribunais (que reconheceram o direito dos trabalhadores a terem um representante seu no órgão de gestão).
Igualmente nas assembleias gerais de 9 de Outubro de 2006 e de 28 de Junho de 2007 se refere o nome do 1º Autor “como representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração”.
Assim, a ré não deu cumprimento às decisões judiciais que reconheceram aos trabalhadores da Ré o direito a terem um representante (vogal) no órgão social (conselho de Administração) e não “junto” daquele mesmo órgão.
Mais alegaram que a assembleia geral da Ré de 28 de Junho de 2007, deliberou constituir uma Comissão Executiva, que é apenas um expediente para contornar os efeitos prosseguidos com as decisões judiciais.
Resulta da deliberação aprovada e ratificada na assembleia geral de 10 de Janeiro de 2008 que o 1º Autor deverá “manter o seu posto de trabalho e, consequentemente, a sua remuneração como trabalhador”, o que é manifestamente ilegal face ao disposto no nº 2 do art. 398º do CSC.
Durante os mais de 15 anos em que a 2.ª A promoveu a eleição de um representante dos trabalhadores para integrar a gerência da R., nunca existiu qualquer diferença (remuneratória ou outra) entre este representante e os demais vogais.
             
            A R. contestou invocando a sua própria ilegitimidade e a excepção de caducidade. E, por impugnação, alegou que o 1.º A. não tem que ser convocado para a assembleia geral nem para as reuniões da Comissão Executiva (apenas existindo um lapso na acta da reunião deste órgão de 8 de Janeiro de 2008). No mais, alegou que o A. não tem o direito de exercer especificamente o cargo de vogal do Conselho de Administração, seja porque isso não lhe foi reconhecido, seja porque o art.º 54.º da Constituição não se aplica às empresas de capitais exclusivamente públicos. Não obstante, aceita que o 1.º A. possa ser administrador, mas não tem o direito de integrar a Comissão Executiva.
Relativamente ao pedido formulado pela 2.ª A (pedido de indemnização), alega que não há quaisquer danos.

Os AA. responderam requerendo que a R. seja condenada no pagamento de uma indemnização, em montante não inferior a €20.000, bem como em multa, enquanto litigante de má-fé, por efectiva e injustificada falta de colaboração e cooperação dolosa no integral cumprimento das decisões judiciais a que tem vindo a ser condenada; mais requerem, a provar-se que os responsáveis da R. não cumpriram a decisão proferida no âmbito do processo n.º 69/07.TTPDL, não tendo aceite e procedido em conformidade com o seu exacto teor, que seja extraída certidão para efeitos da sua condenação pela prática de um crime de desobediência.

A R. pronunciou-se sobre o pedido da sua condenação como litigante de má-fé.

Realizou-se uma audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as excepções invocadas pela R., tendo sido, também, elaborada a base instrutória.
Efectuou-se depois a audiência de julgamento, durante a qual foram aditados alguns quesitos, tendo no final sido proferido despacho de respostas aos quesitos e respectiva fundamentação.
De seguida foi elaborada a sentença e proferida a seguinte decisão:
            “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, por provada em parte, em função do que:
I- declaro nulas as deliberações da Assembleia-geral da R. SATA Air Açores Sociedade Açoreana de Transportes Aéreos S.A. de 10 de Janeiro de 2008, e registada na acta n.º 1/2008, de 28 de Junho de 2007, e registada na acta  n.º 2/2007 e de 9 de Outubro de 2006, e registada na acta n.º 3/2006;

II- condeno a R. a não qualificar o 1.º A. — ou qualquer outro representante dos trabalhadores que venha a ser eleito para o cargo de vogal do Conselho de Administração da R. — como sendo um representante dos trabalhadores «junto» do mesmo Conselho, devendo o 1.º A. ser convocado para participar, tomar parte e votar enquanto membro de pleno direito em todas as decisões do Conselho de Administração da R., independentemente da concreta natureza que as mesmas versem;

III- em caso de incumprimento das decisões anteriores, condeno a R. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €1.000 por cada dia de atraso na execução das decisões, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que provisoriamente;

IV - absolvo-a dos restantes dos pedidos.

Não condeno a R. como litigante de má-fé.”

A Ré, inconformada com esta decisão, dela interpôs o presente recurso e termina a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
(…)


Os Autores contra-alegaram e terminam a sua alegação nos seguintes termos:
(…)

            Admitido o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
            As questões que emergem das conclusões do recurso são as seguintes:
- impugnação da decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto aos pontos 42, 43, 46 e 47, por tal matéria não encerrar quaisquer juízos de valor não jurídico e por contradição com o facto provados nº 5;
-validade das deliberações da Assembleia geral da Ré, de 3 de Outubro de 2006, de 28 de Junho de 2007 e de 10 de Janeiro de 2008;
- se é de manter a condenação do R. a não qualificar o 1.º RECORRIDO «como sendo um representante dos trabalhadores "junto" do Conselho de Administração»;
- se condenação da Ré na sanção pecuniária compulsória de € 1.000, por cada dia de atraso, é razoável e fundamentada.

Fundamentação de facto

            Na 1ª Instância foram considerados provados os seguintes factos:

1-O 1.º Autor foi eleito para vogal do Conselho de Administração da Ré, em representação dos trabalhadores, em eleição que ocorreu e foi promovida pela 2ª Autora em 28 de Setembro de 2006.

2-O mandato do 1.º Autor enquanto vogal do Conselho de Administração da Ré, em representação dos trabalhadores, é de três anos, a contar da data da sua respectiva eleição.

3-A 2.ª Autora é um órgão unitário de representação dos trabalhadores da Ré e foi eleita em 28 de Setembro de 2006, para o triénio de 2006-2009.

4-Na Assembleia-geral da R., de 3 de Outubro de 2006, foi deliberado «aceitar a designação do Senhor AQ… como representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração»; quanto a este foi deliberado que não auferirá qualquer retribuição.

5-Na Assembleia-geral da Ré, realizada em 28 de Junho de 2007, registada na Acta n.º 2/2007, para «dar cumprimento ao n.º 1 do art.º 12.º dos estatutos da SATA AIR AÇORES, visando uma composição ímpar do conselho de administração face à decisão proferida nos autos cujos termos correm sob o n.º 69/07.7TTPDL, do Tribunal de Ponta Delgada» foi deliberado “constituir uma Comissão Executiva a quem ficará cometida a gestão corrente da sociedade nos termos previstos no artigo 15.º dos Estatutos em conjugação com o disposto no artigo 407.º do Código das Sociedades Comerciais”.

6-Em 1 de Fevereiro de 2008, foi entregue ao 1.º Autor cópia da Acta n.º 1/2008, relativa à Assembleia-geral da SATA AIR AÇORES S.A., realizada no dia 10 de Janeiro de 2008.

7-Em 10 de Janeiro de 2008, teve lugar na sede social da Ré a Assembleia-geral da mesma sociedade, com a seguinte ordem de trabalhos:
“O Conselho de Administração deliberou submeter à Assembleia-geral a aprovação e ratificação de todas as matérias ora deliberadas”, e da qual foi lavrada a Acta n.º 1/2008.

8-Foi deliberado o seguinte ponto único: aprovação e ratificação de todas as matérias deliberadas na reunião da Comissão Executiva da SATA Air Açores, reunida no dia 8 de Janeiro de 2008.

9-Nem ao 1.º Autor – nem a qualquer outro anterior representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Ré – foi remetido qualquer aviso convocatório para referida reunião do Conselho de Administração da Ré.

10-Da mesma maneira, que os Autores tenham conhecimento, quer no mês de Dezembro de 2007 ou de Janeiro de 2008, não foi realizada qualquer reunião que tivesse contado com a presença de todos os membros que formam o Conselho Administração da Ré ou que estes tivessem votado por correspondência.

11-Não existiu qualquer deliberação do Conselho de Administração da Ré no sentido de deliberar que o seu conteúdo devesse ser submetido à aprovação do órgão Assembleia-geral da Ré.

12-A primeira parte da deliberação tomada em Assembleia-geral da Ré, em 10 de Janeiro de 2008, e da qual foi lavrada a Acta n.º 1/2008, tem o seguinte teor: «O Conselho de Administração tomou conhecimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no qual se concluiu que o “representante dos trabalhadores (…), a partir de vinte e oito de Setembro de dois mil e seis, não foi o aqui primeiro Autor AQ…, mas sim o trabalhador A… ».

13-Em consequência de tal decisão, e “atendendo a que se encontra nomeado pelos trabalhadores o senhor A… como seu Representante junto do Conselho de Administração”, foi deliberado “disponibilizar um local, devidamente equipado com todos os materiais e técnicos necessários ao desempenho das suas atribuições e das tarefas que lhe são incumbidas, aonde poderá, pontualmente e sempre que assim o entender, e sem prejuízo do exercício das suas funções laborais, reunir com os trabalhadores, seus representados».

14-Mais se deliberou que: “(…) o representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração está obrigado tão-somente ao conhecimento e controlo da actuação dos Órgãos Sociais” (negritos nossos).

15-Resulta ainda da deliberação aprovada e ratificada pela Assembleia Geral da Ré, em 10 de Janeiro de 2008, que ao 1.º Autor será disponibilizado um local devidamente equipado aonde poderá “pontualmente e sempre que assim o entender, e sem prejuízo do exercício das suas funções laborais, reunir com os trabalhadores, seus representados”.

16-Resulta ainda da deliberação aprovada e ratificada pela Assembleia-geral da Ré, em 10 de Janeiro de 2008, que o 1.º Autor deverá “manter o seu posto de trabalho e, consequentemente, a sua remuneração como trabalhador».

17-A Acta n.º 1/2008 dispõe que “(…) o representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração está obrigado tão-somente ao conhecimento e controlo da actuação dos Órgãos Sociais».

18-A parte final da Acta n.º 1/2008, refere que “o Representante dos Trabalhadores deverá ser convocado para assistir às reuniões do Conselho de Administração que versem sobre assuntos e matérias que ficarem estabelecidos no referido Protocolo”.

19-O Conselho de Administração da Ré é composto por uma Comissão Executiva conforme deliberado em vinte e oito de Junho de dois mil e sete e posteriormente em Setembro de 2007.

20-O 1º A. não é membro da Comissão Executiva da SATA  AIR AÇORES, S.A..

21-O 1.º A., no dia 2 de Janeiro de 2008, apresentou-se junto da Administração da SATA Air Açores, para iniciar e exercício do cargo para que foi eleito durante o período de gestão que aqui está em causa.

22-Para exercer o cargo de representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração da SATA Air Açores.

23-Desde que foi decretada a providência cautelar apensa aos presentes autos, o A. Amaral é sempre convocado para participar nas reuniões do Conselho de Administração.

24-O 1.º A. tem-se recusado a assinar as respectivas actas alegando que das mesmas consta que aquele é vogal em representação dos trabalhadores o que não aceita.

25-Para concretizar esse desempenho ocupou (desde aquela data) um gabinete que lhe foi disponibilizado para o efeito, secretária, armário, telefone e computador.

26-Aí, recebeu os trabalhadores e com eles reuniu sempre que assim o entendeu.

27-A Comissão Executiva, tem a seu cargo a gestão corrente da sociedade sendo que os restantes e eventuais membros do Conselho de Administração serão membros não executivos.

28-Foi a Comissão Executiva e não o Conselho de Administração que deliberou a 8 de Janeiro de 2008 submeter à apreciação da Assembleia Geral as deliberações respeitantes à nomeação do 1º A. como representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração.

29-Do ponto único Acta nº 01/2008 consta “aprovação e ratificação de todas as matérias deliberadas em reunião de Comissão Executiva da SATA Air Açores a oito de Janeiro de dois mil e oito”.

30-Assim, foi deliberado aceitar o 1ºA. como representante dos trabalhadores junto do C.A..

31-Dando-se a possibilidade de o 1º A. exercer todas as funções a que tem direito, bem como a exercer as funções de trabalhador.

32-O que não existiu foi qualquer reunião do Conselho de Administração, como erroneamente se refere no início da deliberação da Assembleia Geral quando se pretendia referir a Comissão Executiva, aliás de acordo com a acta que se encontrava elaborada, daquele órgão de gestão.

33-Aliás, reproduzindo a acta da Assembleia-geral, a mesma refere que a mesma se destinava a “aprovação e ratificação de todas as matérias deliberadas em reunião da Comissão Executiva da SATA Air Açores a oito de Janeiro de dois mil e oito”.

34-O anterior representante dos trabalhadores quando foi empossado judicialmente por ordem do tribunal no cargo de administrador, foi-o como vogal não executivo.

35-Sendo que nessa data também foi nomeado vogal não executivo do Conselho de Administração o senhor JA….

36-Administradores esses que não auferiam qualquer remuneração pelo exercício dessa função, sendo que o Senhor AQ…, passou a receber apenas um terço do vencimento auferido pelos administradores.

37-Foi sempre na qualidade de vogal do Conselho de Administração que os vários representantes eleitos pelos trabalhadores tomaram parte durante os mais de 15 anos em que tal participação ocorreu no órgão Conselho de Administração da SATA AIR AÇORES E.P., empresa à qual a SATA S.A. sucedeu automática e globalmente e continuou a respectiva personalidade jurídica, conservando todos os direitos e obrigações legais ou contratuais integrantes da sua esfera jurídica no momento da transformação.

38-Durante os mais de 15 anos em que os trabalhadores participam como vogais do Conselho de Administração da Ré, sempre os mesmos auferiram uma remuneração idêntica à dos demais membros que com eles formavam o respectivo Conselho de Gerência/Administração, acrescido ainda das diuturnidades conforme a sua respectiva antiguidade na empresa.

39-Durante os mais de 15 anos em que a 2ª Autora promoveu a eleição de representantes dos trabalhadores para integrarem o conselho de Gerência/Administração da Ré, jamais existiu uma qualquer diferença remuneratória ou de qualquer outro tipo entre os vogais eleitos pelos trabalhadores e os demais eleitos pelo respectivo accionista.

40-As remunerações de todos os membros que formam o Conselho de Administração da Ré, sempre foram e ainda hoje são de “montante igual à fixada para os vogais do Conselho de Administração das empresas públicas regionais do grupo I, nível 1”, “nos termos da legislação aplicável”.

41-Foi na qualidade de vogal do Conselho de Administração da Ré que, em cumprimento da Sentença do Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, o anterior representante dos trabalhadores da Ré no seu Conselho de Administração foi investido judicialmente.

42-A Comissão Executiva foi criada à pressa ([1]) entre a decisão do Tribunal de Trabalho de Ponta Delgada, cujos autos correram sob o n.º 69/07.7TTPDL (5 de Junho de 2007), e a tomada de posse do então representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Ré, ocorrida em 2 de Julho de 2007.

43-No passado e até à decisão que ordenou a investidura do anterior representante dos trabalhadores no Conselho de Administração da Ré – enquanto vogal do mesmo Conselho – jamais existiu qualquer necessidade ou conveniência de criação de um tal órgão de cariz “executivo”.

44-Enquanto a R. foi empresa pública, era tradição não entregar qualquer pelouro ao vogal eleito pelos trabalhadores.

45-O vogal eleito pelos trabalhadores participava em todas as reuniões do Conselho de Administração, fosse qual fosse o assunto.

46-A Assembleia-geral criou a Comissão Executiva, em Junho de 2007, quando o trabalhador AQ… foi nomeado para o conselho de Administração e por causa disso.

47-De forma a cingir a administração corrente da empresa aos membros do Conselho de Administração designados pelo Governo([2]).

48-A R. está sujeita às regras gerais da concorrência nacional e comunitária.

49-A R. actua sem qualquer privilégio de direito público ou concessão pública.

50-Opera no mercado de transportes aéreos em condições de igualdade com qualquer outra companhia aérea.


            Fundamentação de direito

            Os antecedentes:
Na sequência de uma acção anterior, entre a Comissão de Trabalhadores e a SATA SA, foi pelo Tribunal Constitucional proferido o acórdão nº 47/2006 (disponível em www.dgsi.pt), que decidiu o seguinte:
“a) Julgar inconstitucional o artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, enquanto revoga os artigos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais de empresas públicas, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da Constituição da República Portuguesa;
b) Julgar inconstitucional o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000, de 10 de Novembro, enquanto aprova os novos estatutos da A., S. A. e revoga os anteriores, na parte em que prevêem a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais desta empresa pública, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da Constituição da República Portuguesa;
c) Confirmar a decisão recorrida no que ao juízo de inconstitucionalidade diz respeito.
Mas concretamente o Ac. do TC declarou inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 54º, nº 5, alínea f), e 89º da CRP, o artigo 40º, nº 1, do Decreto-Lei nº 558/99 e o artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000, na medida em que o primeiro revoga os artigos 8º e 10º do Decreto-Lei nº 260/76 e o segundo revoga, de forma tácita, os artigos 5º e 10º do Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A e refere que essa declaração em nada é prejudicada pela circunstância de a empresa pública SATA E. P., criada pelo Decreto-Lei nº 490/80, se ter transformado em sociedade anónima, com a denominação abreviada de SATA, SA (cf. artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 276/2000).
Na verdade, o Decreto-Lei nº 260/76 (alterado pelos Decreto-Lei nº 353-A/A, de 29 de Agosto de 1977, Decreto-Lei nº 25/79, de 19 de Fevereiro, Decreto-Lei nº 519-S/79, de 28 de Dezembro, Decreto-Lei nº 271/80, de 9 de Agosto, Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, e Lei nº 16/90, de 20 de Julho), que estabelece as bases gerais das empresas públicas, previa a participação dos trabalhadores em órgãos sociais destas empresas: no conselho geral e na comissão de fiscalização (artigos 8º, nº 1, e 10º, nº 5), segundo a redacção primitiva do diploma; e no conselho de administração e na comissão de fiscalização (artigos 7º, 8º e 10º), por força das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 29/84.
E por outro lado, os estatutos da SATA, E. P., que fazem parte integrante do Decreto-Lei nº 490/80, de 17 de Outubro, previam a participação dos trabalhadores em todos os órgãos sociais da empresa – artigo 4º, nº 1, alínea g), quanto ao conselho geral, artigo 7º, nº 3, relativamente ao conselho de gerência, e 11º, nº 2, no que diz respeito à comissão de fiscalização. Posteriormente, a participação dos trabalhadores da empresa passou a ser no conselho de administração (artigo 5º, nº 2) e na comissão de fiscalização (artigo 10º, nº 3) – os órgãos sociais obrigatórios, a partir das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 29/84 –, por força do Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A, de 5 de Fevereiro, que aprovou os novos estatutos da SATA, E. P.
Esse Acórdão do T. C. confirmou, assim, o juízo de inconstitucionalidade também já formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 28 de Abril de 2004, em que havia recusado “a aplicação do Decreto-Lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, e dos estatutos da A., anexos ao Decreto-Lei nº 276/00, de 10 de Novembro, na parte em que revogam, expressa (Decreto-Lei nº 558/99) e tacitamente (estatutos) os normativos do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril e dos anteriores estatutos, que consagravam a participação de representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais da A., por enfermarem de inconstitucionalidade por acção, na medida em que infringem os artigos 89º e 54º, nº 5, alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
Este acórdão refere-se também que “a recusa do tribunal em aplicar as citadas normas, face à sua inconstitucionalidade, conduz à repristinação dos preceitos que tais normas pretendiam revogar, por falta de apetência das normas inconstitucionais para produzirem o efeito revogatório, devendo, por isso, ser aplicado à situação em análise o DL n.º 260/76 e os estatutos da SATA, publicados em anexo ao DL n.º 490/80, pelo que assiste aos trabalhadores da empresa direito a terem um seu representante no Conselho de Administração daquela”.
Ficou assim, inequivocamente assente, por decisão transitada em julgado, que os trabalhadores da SATA Air Açores – Sociedade Anónima Açoreana de Transportes Aéreos, SA, têm o direito de ter um representante seu no Conselho de Administração da Empresa, por efeito da represtinação das normas dos anteriores estatutos da empresa que previam a participação dos trabalhadores nos órgãos sociais da empresa, nomeadamente no Conselho de Administração (art. 5º nº 2 dos estatutos aprovados pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/88/A, de 5 de Fevereiro).
Desta forma cumpre-se o ditame constitucional que confere às comissões de trabalhadores o direito, entre outros, de “promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei”- (art. 54º nº 1 al. f) da CRP) o que se relaciona com o disposto no art. 89º da CRP que dispõe: “nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão”.

Posto isto, analisemos o objecto do recurso.

Quanto à impugnação da matéria de facto
        
           A Recorrente começa por impugnar a matéria de facto, quanto aos pontos 42, 43, 46 e 47, alegando tratar-se de meras conclusões de conteúdo jurídico, sem suporte factual, e sem relação de compatibilidade com os factos provados, pelo que devem considerar-se como não escritas nos termos do nº 4 do art. 646º do CPC, além de que existe contradição entre o que consta do nº 47 e o facto provado constante do nº 5 da matéria de facto.
Analisando os referidos números da matéria de facto, verifica-se que o nº 42º contem afirmações factuais relativas ao momento da constituição da Comissão executiva, balizando-a entre dois momentos precisos (entre a decisão do Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada (5 de Junho de 2007) e a tomada de posse do então representante dos trabalhadores no Conselho de Administração, ocorrida em 2 de Julho de 2007, pelo que, quanto a nós, só a expressão “à pressa” é que é conclusiva, por se tratar de uma qualificação que nada acrescenta de factual ao que já consta do referido nº 42 da matéria de facto.
Por isso, decide-se eliminar desse nº 42 a expressão: “à pressa”.
O nº 43 contém uma afirmação que carácter factual, que pode ser redundante e desnecessária, mas que não deixa de ser uma constatação de carácter factual, não vendo necessidade da sua eliminação da matéria de facto.
O nº 46 reporta-se ao momento da criação da Comissão Executiva, indicando um dos motivos para a sua criação, o que configura uma constatação factual e não conclusiva, não se justificando a sua eliminação da matéria de facto.
O nº 47, ao referir “de forma a cingir a administração corrente da empresa aos membros do Conselho de Administração designados pelo Governo”, contém sim uma mera conclusão jurídica, que, aliás, está em contradição com o nº 5 dos factos provados onde se refere que a Comissão Executiva foi constituída para “dar cumprimento ao n.º 1 do art.º 12.º dos estatutos da SATA AIR AÇORES, visando uma composição ímpar do conselho de administração face à decisão proferida nos autos cujos termos correm sob o n.º 69/07.7TTPDL, do Tribunal de Ponta Delgada”.
Assim, decide-se eliminar o nº 47 da matéria de facto.

Análise das questões de direito suscitadas pela Recorrente.
A decisão recorrida declarou nulas as deliberações da assembleia geral da Ré de 9.10.2006, de 28.06.2007 e de 10.01.2008, fundamentando essa nulidade quer no art. 280º do Cód. Civil, nomeadamente no seu nº 2 na medida em que faz referência à “ordem pública” designadamente àquilo que a Constituição aceita como fundamental para a sociedade portuguesa que as citadas deliberações teriam violado; quer na violação do art. 205º nº 2 da CRP, por desobediência às decisões dos tribunais, quer ainda, quanto à criação da comissão executiva, no abuso de direito, art. 334º do Cód. Civil.
Analisemos, então, cada uma dessas deliberações.

a) deliberação da Assembleia Geral da Ré de 9 de Outubro de 2006.
Conforme consta da matéria de facto na Assembleia-geral da R., de 9 de Outubro de 2006, foi deliberado «aceitar a designação do Senhor AQ… como representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração».
A decisão recorrida considerou nula esta deliberação, por entender que a Ré com essa deliberação não reconhece verdadeiramente o representante dos trabalhadores como real membro do Conselho de Administração da Ré, tal como foi definido pelas decisões judiciais transitadas em julgado.
A Recorrente discorda deste entendimento, referindo que a Ré reconhece o 1ª Autor como membro, por imposição judicial, do seu Conselho de Administração, e que a opção vocabular utilizada não tem qualquer relevância jurídica, uma vez que não acarreta nenhuma “ablação jurídica dos seus poderes”.
Entendemos que a razão está do lado da Recorrente.
Em primeiro lugar, porque a referência ao 1º Autor como “representante dos trabalhadores” não diminui em nada os seus poderes enquanto membro efectivo desse órgão, apenas evidenciando a origem da sua nomeação (eleito em representação dos trabalhadores) em contraponto aos restantes membros do Conselho de Administração que são nomeados pelo accionista Governo Regional, uma vez que se trata de uma empresa de capitais públicos.
Na verdade, o que importa considerar é a situação jurídica do representante dos trabalhadores no Conselho de Administração e não o nome que lhe é dado. E a referência a “representante dos trabalhadores” não acarreta diminuição dos seus direitos nem diminui a sua consideração social.
Por outro lado, também o vocábulo “junto”, não importa para o 1º Autor qualquer desconsideração funcional enquanto membro efectivo do Conselho de Administração da Ré. Essa expressão é utilizada frequentemente em diplomas legais que procedem à nomeação de certas pessoas para integrarem de pleno direito órgãos colegiais (cfr. Decreto do Presidente da República nº 138/2008, publicado no DR nº 211, 1ª Série, de 30.10.2008, que “nomeia o embaixador …para o cargo de representante de Portugal junto da Organização das Nações Unidas – ONU em Nova Iorque”.
A referência ao 1º Autor como “representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração”, constante da acta da deliberação da Assembleia Geral de 9 de Outubro de 2006, não importa para ele qualquer diminuição jurídica dos seus poderes, inexistindo qualquer base factual ou jurídica para sustentar um juízo de desvalor que importe a nulidade da referida deliberação.
A expressão “junto” constituiu, pois, uma mera opção vocabular que, em si mesma, não tem qualquer significado jurídico relevante. Contudo, não podemos deixar de referir que não vemos qual seja o interesse da Ré em persistir na utilização dessa expressão, que aparece nas três actas em causa, pois tal expressão presta-se a equívocos de semântica, geradores de potenciais conflitos, pelo que tudo aconselha a que deixe se ser usada tal expressão.
Deste modo, é de revogar a decisão recorrida que declarou nula a referida deliberação.

a) a deliberação da Assembleia Geral de 28 de Junho de 2007
Conforme resulta dos factos provados na deliberação da Assembleia-geral da Ré, realizada em 28 de Junho de 2007 e registada na Acta n.º 2/2007, para «dar cumprimento ao n.º 1 do art.º 12.º dos estatutos da SATA AIR AÇORES, visando uma composição ímpar do conselho de administração face à decisão proferida nos autos cujos termos correm sob o n.º 69/07.7TTPDL, do Tribunal de Ponta Delgada» foi deliberado “constituir uma Comissão Executiva a quem ficará cometida a gestão corrente da sociedade nos termos previstos no artigo 15.º dos Estatutos em conjugação com o disposto no artigo 407.º do Código das Sociedades Comerciais”.
            A decisão recorrida referindo embora ser legítima a constituição da Comissão executiva, no caso verificar-se-ia abuso de direito porque a constituição dessa Comissão executiva visou esvaziar os poderes de intervenção do 1º Autor na gestão da Ré, o que acarretaria a nulidade da deliberação.
Vejamos:
O art. 407º nº 3 do Código das Sociedades Comerciais prevê que o contrato de sociedade possa autorizar o conselho de administração a delegar num ou mais administradores ou numa comissão executiva, formada por número ímpar de administradores, a gestão corrente da empresa.
E o nº 2 do art. 12º dos Estatutos da Ré (aprovados pelo Decreto legislativo Regional nº 23/2005 – A de 20 de Outubro), dispõe que “o conselho de administração pode, dentro dos limites legais, conferir competências suas a um administrador-delegado ou a uma comissão executiva, fixando-lhes as atribuições e regulamentando a respectiva delegação, a qual não pode compreender a constituição de sociedades ou a aquisição, alienação e oneração de participações sociais.”
            A criação de uma Comissão executiva no âmbito do Conselho de Administração da Ré é, pois, uma faculdade que está legalmente prevista e que tem como única consequência a existência de administradores delegados e administradores não delegados, mas que, ao invés do pensamento expendido na decisão recorrida, não esvazia os direitos dos membros do Conselho de Administração que não integram a Comissão Executiva, os quais continuam a ter todos os seus anteriores poderes de gestão.
            Conforme refere Pedro Maia ([3]), “os administradores não delegados, mantendo intactos os seus poderes sobre a administração, vêem reduzidos os seus deveres. Dizemos que mantêm intactos os seus poderes porque o Conselho de Administração não fica inibido de deliberar sobre matérias objecto da delegação. Por ser assim, nada impede que qualquer administrador (não delegado) provoque a intervenção do Conselho, não obstante não estar obrigado individualmente a fazê-lo. Mas outro tanto já não sucede no que toca aos deveres que impendem sobre os administradores (não delegados). É que o administrador não delegado, se antes da delegação tinha um autêntico dever de administrador, depois dela só está obrigado por um dever de vigiar genericamente a actividade dos administradores delegados e, se for esse o caso, provocar a intervenção do conselho para tomar as medidas adequadas”.
Este entendimento resulta do nº 8 do art. 407 do CSC, nos termos do qual “a delegação” de poderes numa comissão executiva “não exclui a competência do conselho para tomar resoluções sobre os mesmos assuntos”.
E no mesmo sentido se pronuncia Soveral Martins ([4]) quando afirma: “não podemos esquecer que, como revela o nº 8 do art. 407, o conselho de administração não perdeu competência para deliberar sobre matérias objecto da delegação. Para além disso, os membros do conselho de administração que não são membros da comissão executiva podem querer provocar a intervenção do conselho para tomar medidas(…)”.
Por outro lado, nos termos do art. 407º nº 6 a) do CSC o presidente da comissão executiva deve “assegurar que seja prestada toda a informação aos demais membros do conselho de administração relativamente à actividade e às deliberações da comissão executiva”, permitindo dessa forma que os membros não executivos do conselho possam cumprir o seu dever de vigiar a actividade dos administradores delegados.
Assim sendo, não se vê em que medida é que a criação da comissão executiva pelo conselho de administração da Ré poderia ser considerada abusiva por “esvaziar de conteúdo os poderes de intervenção do 1º Autor na gestão da Ré”, como se refere na decisão recorrida, porquanto o representante dos trabalhadores no conselho de administração da Ré, mesmo após a constituição da comissão executiva, continua a manter todos os poderes jurídicos que tinha antes de criada a referida comissão executiva, podendo, a qualquer momento, solicitar a apreciação e a tomada de medidas, pelo conselho de administração, relativamente a qualquer assunto mesmo dos apreciados pela comissão executiva.
Em suma, a criação da comissão executiva não diminuiu a posição jurídica do representante dos trabalhadores no conselho de administração da Ré, nem alterou qualquer direito enquanto membro do conselho de administração não delegado, apenas reduzindo alguns dos seus deveres.
A constituição dessa comissão executiva não integra qualquer espécie de abuso de direito, nem constitui desobediência a qualquer decisão judicial, já que as decisões judiciais determinaram o direito dos trabalhadores a terem um representante seu no Conselho de Administração e não necessariamente na comissão executiva. Também não se vislumbra que a criação daquela comissão executiva, sendo uma faculdade legalmente prevista, possa constituir qualquer tipo de violação da ordem pública.
Assim, é de revogar, a decisão recorrida que declarou nula esta deliberação.

c) deliberação de 10 de Janeiro de 2008;
Resulta dos factos provados e da acta n.º 1/2008, junta a fls. 26 a 29 do procedimento cautelar apenso, que em 10 de Janeiro de 2008, teve lugar na sede social da Ré a Assembleia-geral da mesma sociedade, com a seguinte ordem de trabalhos:
“O Conselho de Administração deliberou submeter à Assembleia-geral a aprovação e ratificação de todas as matérias ora deliberadas”.  
E foi deliberado o seguinte ponto único: aprovação e ratificação de todas as matérias deliberadas na reunião da Comissão Executiva da SATA Air Açores, reunida no dia 8 de Janeiro de 2008, cujo teor transcreve.
O teor das matérias da referida deliberação da comissão executiva era o seguinte, conforme consta da respectiva acta:
1. O Conselho de administração tomou conhecimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de cinco de Dezembro de 2007 (…). Ora conclui o acórdão: “e esse representante dos trabalhadores, a partir de vinte e oito de Setembro de 2006 não foi o aqui primeiro A. AQ…, mas sim o trabalhador A….
Em consequência e atendendo a que se encontra nomeado pelos trabalhadores o Sr. A… como seu representante junto do conselho de administração, delibera disponibilizar um local, devidamente equipado com todos os materiais técnicos necessários ao desempenho das tarefas que lhe são incumbidas, aonde aquele poderá, pontualmente e sempre que assim o entender, e sem prejuízo do exercício das suas funções laborais, reunir com os trabalhadores, seus representados.
2. Considerando que o representante dos trabalhadores junto do Conselho de administração está obrigado tão somente ao conhecimento e controlo da actuação dos órgãos sociais; considerando que sobre aquele impende o direito à informação geral da actividade da sociedade ficando a gestão corrente apenas acometida à Comissão executiva; considerando que é reconhecido o poder dever de se informarem e serem informados tempestiva e adequadamente sobre a actividade social, a fim de cumprir o dever geral de vigilância geral da sociedade;
O Conselho de Administração delibera propor aos trabalhadores a elaboração de um Protocolo, no qual se definam todas as matérias que serão sujeitas à apreciação do representante dos trabalhadores.
Mais deliberou que as referidas matérias devem ser relacionadas com as seguintes questões:
(…).
            3. Atendendo aos considerandos tecidos supra, o Conselho de administração deliberou que o Representante dos Trabalhadores deverá ser convocado para assistir às reuniões do Conselho da Administração que versem sobre assuntos e matéria que ficarem estabelecidos no referido Protocolo, mantendo ainda o posto de trabalho e consequentemente, a sua remuneração como trabalhador”.
           
A decisão recorrida considerou nula a supra citada deliberação por entender que, através dela, a Ré pretendeu “restringir a intervenção do 1.º A. a um elenco de matérias (em cuja elaboração, aliás, ele não participou) que a R. entende serem só aquelas que dizem respeito à sua qualidade de representante dos trabalhadores, está obviamente a retirar-lhe qualquer poder de gestão”.
            Em primeiro lugar há que referir que na acta supra citada a referência ao Conselho de Administração, no início da ordem de trabalhos, é um mero lapso, como aliás resulta dos factos provados, querendo dizer-se Comissão Executiva. Assim, não padece tal deliberação de qualquer nulidade da referida deliberação (nos termos do art. 56º do CSC) pelo facto de o Autor não ter sido convocado para a alegada reunião do Conselho de Administração, uma vez que o que foi submetido à apreciação da assembleia Geral foi o teor da deliberação da comissão Executiva.           
Em segundo lugar, a deliberação que a sentença recorrida considerou afectar e diminuir a posição jurídica do 1º A., reduzindo-a a um elenco de questões pré-determinadas, mais não é do que uma simples proposta a apresentar aos trabalhadores com vista à elaboração de um protocolo onde seriam elencadas as questões sobre as quais o representante dos trabalhadores seria ouvido, como, aliás, resulta claramente do seu próprio texto: “o Conselho de Administração delibera propor aos trabalhadores a elaboração de um Protocolo…”.
            E sendo uma proposta, essa deliberação não tem valor jurídico imediato, pois carece do acordo dos trabalhadores para se tornar efectiva.
            Trata-se de uma deliberação meramente programática sem qualquer efeito jurídico próprio, sendo por isso insindicável judicialmente.
            No entanto sempre se dirá que nada impede que a Recorrente possa propor aos trabalhadores um protocolo que regule o tipo de matérias que devam ser especialmente submetidas à consideração do representante dos trabalhadores no Conselho de administração, sem que este perca naturalmente qualquer dos poderes que para si resultam da lei.
            Deste modo, os pontos 2 e 3 da referida deliberação da Comissão Executiva de 8 de Janeiro de 2008, aprovados na Deliberação da Assembleia Geral da Ré de 10 de Janeiro de 2008 são, como se disse, meramente programáticos, pois que não passam de uma proposta que não se torna vinculativa enquanto não for aceite pela comissão de trabalhadores. Trata-se de uma deliberação marcada pela sua não juridicidade, sendo por isso, judicialmente insindicável.
            Assim, não pode tal deliberação constante dos referidos nº 2 e 3, enquanto mera proposta que é, ser considerada nula.
            Já quanto ao nº 1 da mesma deliberação e parte final do nº 3, que foi aprovado pela Assembleia Geral da Ré, há um ponto que entendemos ser claramente violador da lei e que por isso não pode deixar de ser considerado nulo. É o que se refere ao facto do representante dos trabalhadores no Conselho de Administração continuar a exercer as suas funções laborais.
            Refere-se na acta que “depois de constatar que por decisão judicial o Sr. A… ser o representante dos trabalhadores junto do conselho de administração, delibera disponibilizar um local, devidamente equipado com todos os materiais técnicos necessários ao desempenho das tarefas que lhe são incumbidas, aonde aquele poderá, pontualmente e sempre que assim o entender, e sem prejuízo do exercício das suas funções laborais” e “mantendo ainda o posto de trabalho e a remuneração”.
            Ora, este segmento deliberativo que pretende manter em funções laborais o representante dos trabalhadores no Conselho de Administração é manifestamente ilegal por contrariar o disposto no nº 2 do art. 298º do CSC.
            Segundo esta disposição quando for designada administrador uma pessoa que na sociedade exerça funções ao abrigo de um contrato de trabalho subordinado, tal contrato extingue-se se tiver sido celebrado há menos de um ano, ou suspende-se caso tenha durado mais do que esse ano.
Não é possível, no âmbito das sociedades anónimas, o exercício simultâneo das funções de administrador, mesmo não executivo, com as de trabalhador subordinado.
Assim, por violar a lei declara-se nulo o referido segmento deliberativo que prevê que o 1º Autor, enquanto membro do conselho de administração da Ré, mantenha o exercício das suas funções laborais.

d) quanto à designação do 1º Autor como “representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração”.
A decisão recorrida condenou a Ré a não qualificar o 1º Autor, ou qualquer outro representante dos trabalhadores que venha a ser eleito para o cargo de vogal do Conselho de Administração, como “representante dos trabalhadores junto do Conselho de Administração, pois “tal expressão diminui a consideração que é devida a um vogal de um qualquer conselho de administração, como se ele não fosse o que afirma ser”.
Na verdade essa expressão aparece nas três deliberações acima referidas, sendo essa a forma normal da Ré designar o 1º Autor, enquanto membro do seu Conselho de Administração.
Mas, quanto a este ponto, remetemos para o que já foi dito a propósito da deliberação de 9 de Outubro de 2006, aqui dando por reproduzida a respectiva fundamentação, concluindo que essa opção vocabular não coloca em causa nenhuma decisão judicial, nem a ordem pública, e muito menos importa a diminuição de quaisquer poderes jurídicos enquanto membro do Conselho de Administração da Ré, nem implica para ele qualquer tipo de desconsideração social, embora seja aconselhável que a Ré deixe de utilizar esse tipo de opção vocabular, por se prestar a equívocos potencialmente geradores de conflitos desnecessários, já que o representante dos trabalhadores integra efectivamente o Conselho de administração da Ré.
Assim, também é de revogar esse segmento decisório de sentença recorrida.

 e) quanto à sanção pecuniária compulsória.
A decisão recorrida condenou a recorrente no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 1.000,00 por cada dia de atraso na execução das decisões, a contar da data em que a decisão seja exequível, ainda que provisoriamente.
Esta decisão encontrava fundamento como meio de obrigar a Ré a cumprir diligentemente as decisões tomadas pela sentença recorrida.
Acontece que tais decisões foram revogadas na sua quase totalidade por este acórdão, apenas se mantendo a nulidade da deliberação de 10.01.2008, na parte em que pretendia manter o 1º Autor, enquanto membro do seu Conselho de Administração e simultaneamente no exercício de funções de trabalhador subordinado, a qual não justifica a condenação da Ré em qualquer sanção pecuniária, nos termos do disposto no art. 829º-A do Cód. Civil, pelo que também é de revogar a decisão recorrida nesta parte.
Procedem, pois, na sua quase totalidade as conclusões do recurso.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em revogar parcialmente a decisão recorrida, mantendo a nulidade da deliberação da Assembleia Geral da Ré de 10 de Janeiro de 2008, mas restrita apenas ao segmento deliberativo que prevê que o 1º Autor, enquanto membro do Conselho de Administração da Ré, continue simultaneamente a exercer as suas funções de trabalhador subordinado, absolvendo-se a Ré quanto a tudo o mais em que foi condenada.
Custas da acção e do recurso, a cargo dos AA e da Ré na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Lisboa, 24/6/2009


      Seara Paixão
              Ferreira Marques
              Maria João Romba

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[1] Expressão eliminada por conclusiva por decisão deste acórdão abaixo proferida.
[2] Eliminado por decisão deste acórdão abaixo proferida.
[3] Função e Funcionamento do conselho de administração da sociedade anónima, Coimbra Editora, STUDIA IYURIDICA, 62, 2002, 250-251 (citado nas alegações da recorrente). 
[4] “Comissão executiva, comissão de auditoria e outras comissões na administração”, in Reforma do Código das Sociedades Comerciais, Coimbra: IDET, Colóquio, nº 3 Almedina, 2007, pag. 248, também citado nas alegações da recorrente.