ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
QUOTA
Sumário

Afirmando-se na escritura de aquisição que a mesma é feita em comum e partes iguais é irrelevante a eventual desigualdade de contribuição de cada um dos consortes para a liquidação do respectivo preço.
sumário do Relator)

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
            A… intentou acção de divisão de coisa comum contra R… relativamente ao U-10194-AA de Cascais.
            No decurso da acção surgiram divergências quanto à fixação das respectivas quotas; defendendo a A. serem iguais e o R. ser a sua proporcional ao que, ao longo do tempo, foi despendendo no pagamento da mesma.
            Decidindo tal questão, com fundamento em que se elidiu a presunção de igualdade de quotas pela demonstração de diferentes contribuições pessoais para a aquisição do bem, determinou-se que “o valor que se apurar na alienação servirá primeiro para pagar o remanescente do valor do empréstimo ainda não pago, após será deduzido o valor das quantias pagas por cada um […]. O que sobrar será distribuído em partes iguais[…]”.
            Inconformada, apelou a A. concluindo, em síntese, dever dar-se prevalência ao constante da escritura de aquisição.
            Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.

II – Questões a Resolver
            Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
            De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
            Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
            Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a única questão a decidir é a da fixação das quotas de cada um dos comproprietários.

III – Fundamentos de Facto
            Porque não impugnada, a factualidade relevante é a fixada em 1ª instância (fls 233-235), para a qual se remete nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC.

IV – Fundamentos de Direito
            Dispõem o nº 2 do artº 1403º do CCiv que “as quotas presumem-se […] quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”.
            Em face desse normativo o que desde logo haverá de extrair é o aspecto quantitativo das quotas é fixado no título executivo; e só na falta dessa fixação (directa ou indirecta) se estabelece uma presunção de igualdade.
            Presunção essa que só é elidível por elementos constantes do título constitutivo, sendo irrelevantes circunstâncias exteriores a esse título.
            No caso concreto dos autos o título constitutivo da compropriedade – a escritura de aquisição – é expresso em referir que a aquisição é “em comum e partes iguais”, assim fixando as quotas de cada um dos consortes.
            E para isso são irrelevantes as contribuições de cada um dos consortes para liquidação do respectivo preço.
            Ao realizar a escritura o R. já sabia que havia contribuído com maior quantia que a A. e não deixou de declarar ser a aquisição em partes iguais, usando, assim, da autonomia da sua vontade para fixar os contorno do direito que constituía. E o que foi pagando a título de amortização do empréstimo (que desde logo não é pagamento do preço de aquisição do imóvel mas amortização do empréstimo que serviu para esse pagamento) deve ser conferido dentro das relações dessa relação jurídica ou em liquidação do património comum do casal que constituíram.
            A eventual conferência do que, em vista da aquisição do imóvel, o R. contribui a mais deve ser feito a outro título que não o da fixação da quota.
            Termos em que se conclui pela procedência do recurso.

V – Decisão
            Termos em que, na procedência da apelação, se revoga a decisão recorrida e, em substituição se fixa em metade a quota de cada um dos consortes sobre o imóvel a dividir.
            Custas pelo Réu.
                                                           Lisboa, 2009JUN30
                                                               (Rijo Ferreira)
                                                            (Afonso Henrique)
                                                                 (Rui Vouga)