I- A notificação judicial avulsa visa dar conhecimento a alguém de algum facto que não seja ilegal ou imoral, não se destinando a resolver qualquer conflito de interesses, pelo que não se configura como uma qualquer acção.
II- Assim sendo, tendo sido requerida notificação judicial avulsa pela Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, visando a notificação dum seu associado para apresentar defesa em processo disciplinar, não está em causa a discussão duma relação jurídica administrativa e consequentemente o dirimir dum conflito enquadrável no art.º 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pelo que os tribunais comuns são competentes para ordenar a realização de tal notificação.
A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas requereu, pelos Juízos Cíveis da Comarca de Sintra, a notificação judicial avulsa de (A), para apresentar a sua defesa, por escrito, no prazo de vinte dias a contar do conhecimento da notificação.
Para tanto, em síntese, alegou que se frustrou a notificação da requerida, por carta registada com aviso de recepção, para responder ao despacho de acusação no processo disciplinar que lhe move no exercício da competência disciplinar exclusiva do seu Conselho Disciplinar sobre técnicos oficiais de contas.
Perante o requerimento foi proferido despacho que, declarando o tribunal absolutamente incompetente em razão da matéria para apreciar da viabilidade em abstracto da diligência solicitada e, consequentemente, para a executar, decidiu indeferir liminarmente a pretensão deduzida.
Para o efeito, essencialmente, ponderou-se que a notificação de um despacho de acusação, proferido em sede de processo disciplinar, consubstancia uma etapa do respectivo procedimento que, por sua vez, consubstancia a manifestação dos poderes de autoridade legalmente conferidos à requerente para exercício do poder disciplinar sobre os seus membros, ou seja consubstancia a manifestação de um poder público, e que tudo que se relacione com o exercício de poderes sancionatórios sobre os associados de uma associação pública é substantivamente tema administrativo e processualmente da competência dos tribunais administrativos.
A requerente interpôs recurso de apelação deste despacho apresentando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª- A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas requereu junto do Tribunal a notificação judicial avulsa de uma sua associada, visando assegurar a sua notificação no âmbito de um processo disciplinar;
2ª- A Mª Juiz de Direito adstrita ao 2° Juízo Cível de Sintra declarou, porém, o Tribunal absolutamente incompetente para apreciar e executar a diligência solicitada;
3ª- Considerou a Mª Juiz que o tribunal competente para a promoção de uma notificação judicial avulsa será o Tribunal Administrativo por estar em causa a notificação de um despacho de acusação prolatado em sede de processo disciplinar o qual consubstancia a manifestação de um poder público atribuído à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas enquanto associação pública;
4ª- O que se discorda, pois é incontroverso que o regra geral atinente à competência material é atribuído globalmente, por via negativa, aos Tribunais Judiciais;
5ª- Mais, a atribuição da competência deve basear-se essencialmente num critério material, assente na natureza das relações jurídicas em causa e não na dos respectivos titulares;
6ª- E, in casu, não está em causa a execução de nenhuma pena ou sanção aplicada pela ora recorrente no exercício das suas funções de autoridade;
7ª- Pretende apenas a ora recorrente que, por via da notificação judicial avulsa, seja dado conhecimento à técnica oficial de contas do despacho de acusação que sobre a mesma recai no âmbito de um procedimento disciplinar;
8ª- Já que, nos termos do disposto no artigo 75º, n.º 2, do Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, o arguido é notificado da acusação pessoalmente ou por carta registada, com aviso de recepção, com a entrega da respectiva cópia e, perante a frustração da notificação à ali requerida por meio de carta registada com aviso de recepção, requereu-se, assim, a sua notificação por meio de notificação judicial avulsa;
9ª- O Tribunal a quo é pois o materialmente competente, em razão da matéria, para executar a diligência requerida - notificação judicial avulsa;
10ª- A natureza jurídica da Câmara, enquanto associação pública, não obsta a que requeira diligências que não corram necessariamente perante os Tribunais Administrativos.
Termos em que pede a revogação do despacho recorrido e a execução da requerida diligência.
Ponderando o disposto no artigo 705º do Código de Processo Civil, cabe proferir, como se profere, a presente decisão sumária neste recurso em que a questão se resume a apreciar se se justifica o despacho de indeferimento da presente notificação judicial avulsa.
II- Fundamentação
No artigo 261º, n.º 1, do Código de Processo Civil estabelece-se que as notificações avulsas dependem de despacho prévio que as ordene.
Este despacho é uma garantia contra notificações ilegais e imorais e, não especificando a lei os fundamentos de indeferimento da notificação judicial avulsa, cabe aplicar por analogia, até onde for possível, as razões justificativas do indeferimento liminar da acção[1].
Sendo assim, ponderando o disposto nos artigos 101º, 105º, n.º 1, 234º-A, n.º 1, 493º, n.º1, 494º, al. a), do Código de Processo Civil, cabe apreciar se ocorre, evidente, incompetência absoluta do tribunal, por infracção das regras de competência em razão da matéria, justificativa do indeferimento da notificação judicial avulsa em causa.
As notificações judiciais avulsas, visto o disposto no artigo 262º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não admitem oposição alguma, ou seja o notificando não é admitido a opor-se ao fim que o requerente pretende conseguir com a diligência, nem à pretensão que ele expõe no seu requerimento[2].
Assim, ao contrário do que se estabelece para as acções no artigo 3º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as notificações judiciais avulsas não se destinam a resolver qualquer conflito de interesses, não servem para dirimir litígios, não se configuram como acções.
Acresce, como resulta da respectiva inserção sistemática[3] e do disposto no artigo 229º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que as notificações avulsas se realizam fora de qualquer processo.
Por outro lado as notificações judiciais avulsas, visto o disposto no artigo 228º, n.º 2, parte final, do Código de Processo Civil, limitam-se a servir para dar conhecimento de um facto a alguém.
Portanto nas notificações judiciais avulsas toda a actividade que se exerce é conducente à notificação, estas notificações nada têm a ver com qualquer processo em curso, constituem uma diligência separada e autónoma[4], realizam-se fora de qualquer acção e apenas visam dar conhecimento de um facto a alguém[5].
No tocante à competência material a regra, visto o disposto no artigo 66º do Código de Processo Civil, é a de que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Esta também é a regra inscrita no artigo 18º, n.º 1, da L.O.F.T.J., aprovada pela bem como no artigo 26º, n.º1, da L.O.F.T.J., aprovada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
A competência em razão da matéria afere-se face à relação jurídica que se discute na acção, tal como desenhada pelo autor[6], por isso se pode dizer que a competência se determina pelo pedido do autor[7].
Aproximando estes elementos da notificação judicial avulsa em apreciação verifica-se que nela não há qualquer conflito de interesses a resolver, ou seja nela não se discute qualquer relação jurídica, verifica-se que nada tem a ver com, entenda-se, qualquer processo judicial em curso, tem a ver com o processo extrajudicial invocado pela requerente para justificar o seu interesse na notificação, mas constitui uma diligência completamente autónoma da relação jurídica que intercede entre a requerente e a notificanda, reflectida nesse processo extrajudicial, verifica-se que simplesmente se requer que se dê conhecimento de certo facto à notificanda.
Deste modo em causa não está qualquer relação jurídica e, consequentemente, não é possível afirmar que na notificação judicial avulsa em apreciação se discute uma relação jurídica administrativa, não é possível afirmar que em causa se acha um litígio nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
A causa, na notificação judicial avulsa em apreciação, reduz-se à actividade a exercer conducente a dar conhecimento à notificanda de que pode apresentar a sua defesa, por escrito, no prazo de vinte dias a contar da notificação.
Sendo assim, de acordo com a regra, competente para proceder na presente notificação judicial avulsa é o tribunal recorrido.
III- Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, revoga-se o despacho recorrido para ser substituído por outro que prossiga com os termos da notificação.
Custas pela recorrente: artigo 446º, n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil.
Processado em computador.
Lisboa, 1 de Julho de 2009
José Augusto Ramos
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[1] Vd. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pg. 592.
[2] Vd. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, pg. 743.
[3] As notificações avulsas, sistematicamente, não integram as notificações respeitantes a processos pendentes.
[4] Vd. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, pg. 238.
[5] Vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, pg. 255.
[6] Vd. Ac. S.T.J., de 25/6/2009, processo n.º 1186/07.9 TBVNO.C1.S1, sumariado em www.dgs.pt.
[7] Vd. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1963, pg. 89.