Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
MORA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
FALTA DE REGISTO
CITAÇÃO
EFEITOS
Sumário
I- O contrato de locação financeira poderá ser resolvido, por iniciativa da locadora, no caso da locatária não pagar qualquer das prestações da renda. II- À locadora assiste-lhe o direito potestativo de resolver o contrato mediante declaração unilateral à locatária, verificado que seja o pressuposto do incumprimento estipulado, resolução que opera imediatamente e de pleno direito no momento em que a declaração chega ao poder ou esfera de acção da parte incumpridora ou é dela conhecida. III- Dispõe a cláusula 22.ª n.º 2 das condições gerais que o incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias, quer doutras, tornar-se-á definitivo após comunicação feita com carta registada com aviso de recepção, pelo locador ao locatário, intimidando-o a cumprir ou a satisfazer as obrigações no prazo de trinta dias. IV- Não se demonstrando a existência de aviso de recepção de recepção não é possível considerar que houve incumprimento definitivo e, consequentemente não se operou a resolução do contrato. V- A citação para a acção, não é idónea para converter a mora em incumprimento definitivo (LS)
Texto Integral
I – Relatório.
Banco, S.A. instaurou e fez seguir contra “B..., Ld.ª” a presente acção declarativa com processo ordinário pedindo que a mesma seja julgada procedente e, em consequência:
1. Seja reconhecida judicialmente a resolução do contrato de locação financeira imobiliária junto como documento n.º 4 da providência cautelar que se irá requerer a apensação;
2. Seja decretado o cancelamento do registo de locação financeira imobiliária que impende sobre o bem imóvel, identificado no artigo 6.º da petição inicial;
3. Seja a ré condenada no pagamento de custas e demais encargos legais.
Para tanto e em síntese a autora começa por referir que todos os direitos e obrigações, oriundas das sociedades “C..., S.A.”, cuja denominação foi alterada para “D..., S.A. ”, tendo esta, posteriormente, sido incorporada na sociedade E..., S.A., anteriormente denominada de “F....” e finalmente tendo a E... S.A. sido incorporada na ora autora, transmitiram-se para a proponente desta acção, Banco, S.A.
Que a “C..., S.A.”e F... e G... celebraram, em 24.09.1997, um contrato de locação financeira imobiliária, dando em locação a F... e G... a fracção autónoma designada pela “C” correspondente à loja direita na cave do prédio urbano sito na Av.ª .... n.ºs ...., freguesia da Damaia.
A autora é dona e legítima proprietária do bem imóvel, sendo que a propriedade de tal bem encontra-se registada assim como a referida locação financeira.
Alega a autora ter cedido a F... e G... o gozo e fruição do imóvel, tendo-lhes entregue as chaves do bem em causa.
Em 23.08.1999, F... e G.. cederam a posição contratual de locatários à ora ré “B..., Ld.ª”, cessão essa objecto de alteração em 17.11.1999.
Cessão essa aceite pela ora autora.
Adianta que a ré assumiu a obrigação de pagar à autora as rendas contratadas no total de 120 rendas mensais, sendo a primeira no valor de € 4.489,18 e as restantes de valor variável, sendo que, à data da cessão da posição contratual, encontravam-se já liquidadas as primeiras 23 rendas.
Não tendo a ré procedido ao pagamento das rendas vencidas de 25.09.2004 a 25.02.2005, sendo a vencida em 25.09.2004 no valor cada de € 443,92 e as restantes no valor de € 492,57.
Em face do não pagamento, a autora remeteu à ré carta, datada de 24.01.2005, concedendo-lhe nos termos acordados o prazo de 30 dias para proceder ao pagamento de tais rendas acrescidas dos respectivos juros de mora.
Dado que a ré não procedeu ao pagamento das rendas vencidas no prazo concedido, a autora remeteu à ré carta registada com aviso de recepção, em 18.03.2005, declarando que considerava resolvido o contrato de locação financeira imobiliária.
Alega ainda a autora que a carta foi remetida para a morada que constava do contrato e não foi efectivamente recebida por facto que não é imputável à autora, daí que tenha de se considerar eficaz a declaração enviada.
Conforme o acordado na locação financeira, resolvido que seja o contrato deveria a ré restituir imediatamente o imóvel dado em locação, pagar à autora as rendas vencidas e não pagas acrescidas de juros e pagar à autora uma indemnização por força do incumprimento contratual.
Finalmente, alega também a autora que, após a resolução do contrato, solicitou à ré a restituição do imóvel o que esta fez em 21.12.2004.
Não tendo, no entanto, cancelado o registo que a seu favor e como locatária foi feito sobre o imóvel, nomeadamente, não entregando à autora os documentos necessários ao cancelamento do encargo de locação financeira.
Bem como não procedeu ao pagamento da dívida para com a autora.
Por despacho – proferido a fls. 12 – foram solicitados os autos de providência cautelar para apensação o que sucedeu, conforme consta de fls. 16.
Por despacho – proferido a fls. 55 – o Mm.º Juiz a quo pronunciou-se nos seguintes termos:
“Dispõe a cláusula 22.ª n.º 2 das condições gerais que o incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias, quer doutras, tornar-se-á definitivo após comunicação feita com carta registada com aviso de recepção, pelo locador ao locatário, intimidando-o a cumprir ou a satisfazer as obrigações no prazo de trinta dias.
A carta de que existe cópia a fls. 88 do procedimento cautelar apenso, datada de 05.01.24 e a que se reporta o artigo 14.º da petição inicial, não se mostra acompanhada do aviso de recepção respectivo.
Assim, a fim de se aferir do cumprimento da cláusula supra mencionada, deve o autor juntar aos autos o aviso de recepção (artigo 265.º n.º 3 do C.P.C)…”.
A autora informou os autos de que “… não logrou localizar nos seus arquivos o documento ordenado juntar…” – vide fls. 65.
Citada a ré regularmente não apresentou contestação, tendo o Mm.º Juiz a quo ordenado o cumprimento do disposto no art. 484.º n.º 2 do C.P.Civil – vide fls. 69.
Proferiu-se despacho saneador – vide fls. 69.
A autora apresentou alegações por escrito, nas quais conclui “… estarem reunidos os requisitos legais para que a acção proceda nos termos peticionados pelo Banco…” – vide fls. 76/79.
Seguiu-se a sentença cuja parte final é do seguinte teor:
“… Em síntese: não se mostrando junto o aviso de recepção da carta destinada a converter a mora em incumprimento definitivo (nem por qualquer forma demonstrado que ela tenha sido recebida pela ré), não se pode considerar o contrato validamente resolvido, nem, em consequência, se considerar que a autora tenha direito ao cancelamento do registo com esse fundamento.
A acção não pode, por isso, deixar de improceder.
Decisão:
Termos em que, julgando a acção improcedente, absolvo a ré do pedido.
Custas pela autora…”.
Não se conformando com tal decisão dela recorreu a autora para este Tribunal da Relação, recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo – vide fls. 96.
A ora apelante conclui a sua alegação de recurso pela forma seguinte:
A – A ré ao entregar o locado à autora recorrente exprimiu o firme e claro propósito de que não iria cumprir o contrato.
B – Não se pode impor à locadora aqui recorrente quaisquer diligências no sentido de converter a mora em incumprimento definitivo, pois este verificou-se perante a vontade conhecida e reconhecida da ré em se desvincular do contrato celebrado com a aqui recorrente.
C – Deixa assim de se justificar a interpelação da ré para cumprir pois já se sabe de antemão que não irá fazê-lo.
D – O incumprimento definitivo está verificado pelo que a declaração resolutória remetida pela autora recorrente à ré em 18.02.2005 é válida e eficaz.
E – Assim, provado que ficou o incumprimento definitivo nos termos referidos em A) e B) supra e considerando o pedido formulado, o tribunal deve decretar a resolução do contrato ainda que considere que a autora não efectuou extrajudicialmente a declaração resolutória ou que esta é inválida, já que a resolução pode operar judicialmente.
F – O aviso de recepção a que alude a cláusula 22.ª n.º 2 do contrato denominado de locação financeira imobiliário é uma formalidade ad probationem, ou seja, destina-se sómente a tornar mais segura a comunicação.
G – A ré ao ter o comportamento descrito em A e B supra mais não fez do que criar na autora a convicção segura de que o incumprimento era definitivo, pelo que impor a esta a diligência de converter a mora em incumprimento definitivo seria impor uma diligência inútil.
H – O mesmo é dizer que a ré teve conhecimento da intenção da autora em considerar o contrato definitivamente incumprido como efectivamente considerou pelo que, em obediência ao estabelecido no art. 224.º n.º 1 do C.Civil, tal conhecimento dispensa a recorrente da prova da efectiva recepção da carta.
I – O contrato de locação financeira imobiliária extinguiu-se, pelo decurso do prazo, em 24.09.2007, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 21.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 149/95 e do art. 663.º n.º 1 do C.P.C. o Tribunal a quo deveria ter tomado tal facto (constitutivo do direito da autora aqui recorrente) em consideração e julgar procedente o pedido de cancelamento do registo de locação financeira.
J – Ao ter decidido como decidiu o tribunal a quo violou o disposto no art. 224.º, 808.º e 436.º, todos do Código Civil e ainda 659.º n.º 3 e 663.º ambos do C.P.Civil.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção procedente condenando a ré nos pedidos formulados pela autora.
Caso assim não se entenda, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida no que respeita ao pedido de decretamento de cancelamento do registo de locação financeira imobiliária e substituída por outra que julgue este pedido procedente com fundamento na caducidade do contrato, pelo decurso do prazo, nos termos do disposto no art.21.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 149/95 e 663.º n.º 1 do C.P.C.
II – Fundamentação de facto.
São os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:
1 - “C...., S.A” e F... e G..., subscreveram em 24 de Setembro de 1997, o escrito de que existe cópia a fls. 45-72 do procedimento cautelar apenso, intitulado «contrato de locação financeira imobiliária», através do qual a 1.ª cedeu aos segundos o gozo temporário da fracção autónoma designada pela letra “C” correspondente à loja direita na cave, do prédio urbano sito na Avenida ...., freguesia da Damaia, concelho de Amadora, descrito na Conservatória do Registo Predial sob a ficha ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., mediante o pagamento de 120 rendas mensais, a primeira no valor de 900.000$00 e as restantes no valor de 100.950$00, variáveis em conformidade com a cláusula 4.ª n.º 6 e segs. do contrato.
2 - O valor residual acordado foi de 865.000$00.
3 -Nos termos da cláusula 22.ª n.º 1 das condições gerais: - «O contrato pode ser resolvido, por iniciativa do locador, não apenas nos casos previstos no artigo 18.º do Dec. Lei n.º 149/95 de 24.06, mas também sempre que o locatário incumpra definitivamente alguma das suas obrigações e, ainda, sempre que o locatário cesse a sua actividade económica ou profissional e não se tenha verificado cessão da posição contratual do locatário previamente autorizada pelo locador».
4 -Estabelece o n.º 2 da mesma cláusula que: - «O incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias quer de outras, tornar-se-á definitivo após comunicação feita, por carta registada com aviso de recepção, pelo locador ao locatário, intimidando-o a cumprir ou satisfazer as obrigações no prazo de trinta dias».
5 -De acordo com o n.º 3: - «Se, decorrido o prazo de trinta dias referido no anterior número dois, o locatário não tiver regularizado a situação, o locador poderá “ipso facto” haver e declarar como resolvido o contrato, sem que o locatário tenha direito a qualquer indemnização ou compensação, ficando porém bem entendido e clara e expressamente acordado que, tratando-se do incumprimento de obrigações pecuniárias, a resolução do contrato não pode operar antes de decorridos sessenta dias sobre o início da mora e que ao locatário assiste a possibilidade de precludir o direito à resolução por parte do locador de harmonia com o referido no número dois do art. 16 do Dec. Lei n.º 149/95 de 24.06».
6 -Em 23.08.1999, F... e G...., subscreveram o escrito de que existe cópia a fls. 79 e segs., estes, com a anuência de D...., S.A., declararam ceder à ré, a sua posição contratual no contrato referido no artigo 1.º.
7 -Os intervenientes supra referidos subscreveram em 17.11.1999, o escrito de que existe cópia a fls. 85 e segs., alterando o acordo anterior quanto à cláusula 2.ª quanto ao preço da cessão.
8 -A ré não pagou as rendas vencidas entre 04.09.25 a 05.02.25.
9 -A autora enviou à ré a carta datada de 05.01.24, de que existe cópia a fls. 88 do procedimento cautelar apenso, do teor seguinte:
«Exm.ºs Senhores.
B....
Av. ...
Damaia de Baixo
2720 Amadora
N/Ref.: DCC – AT – Inc2 – …
Lisboa, 24.01.05.
Assunto: Contrato de Locação Financeira Nr. ....
Exm.ºs Senhores
Relativamente ao contrato de locação financeira identificado em epígrafe constituíram-se V. Ex.as em incumprimento por não terem procedido ao pagamento das seguintes rendas:
- Nr. Renda 85, data de vencimento, 25.09.2004, valor da renda, € 443,92;
- Nr. Renda 86, data de vencimento, 25.10.2004, valor da renda, € 492,57;
- Nr. Renda 87, data de vencimento, 25.11.2004, valor da renda, €492,57;
- Nr. Renda 88, data de vencimento, 25.12.2004, valor da renda, € 492,57.
Nos termos das Condições Gerais do referido contrato, o incumprimento tornar-se-á definitivo, caso V. Ex.as não façam cessar a mora, repondo a situação que se verificaria se não tivesse havido incumprimento, no prazo de trinta dias, a contar da recepção da presente intimação para cumprimento, com as consequências daí resultantes.
Informamos ainda V. Ex.ªs de que sobre o valor das rendas vencidas e não pagas, incidem os respectivos juros de mora que perfazem o valor de € 65.95 calculados até 23.02.05.
Aproveitamos também para informar que se encontram por liquidar outros valores relativos a este contrato no total de € 196,53.
Por último, resta referir que, no caso de incumprimento do presente contrato de locação financeira se mantiver por período superior a noventa dias, comunicaremos de imediato essa situação à Apelease – Associação Portuguesa de Leasing com sede na Avenida ...., em Lisboa, que processará automáticamente essa informação e a distribuirá a toas as suas associadas.
Com os melhores cumprimentos.
Banco, S.A.».
10 -Não se mostra junto aos autos qualquer aviso de recepção relativo a esta carta.
11 -A ré não procedeu ao pagamento das rendas vencidas no prazo concedido pela autora.
12 -A autora enviou à ré a carta registada, com aviso de recepção, datada de 05.03.18 de que existe cópia a fls. 89 – 90 do processo cautelar apenso, do teor seguinte:
«Registado com Aviso de Recepção
Exm.ºs Senhores
B.....
Av. ....
Damaia de Baixo
2720 Amadora
Lisboa, 18.03.2005
N/Ref.:URC COORD Sul - vc – Livr 3 – ...
Assunto: Contrato de Locação Financeira N.º ....
Exmºs Senhores
Não tendo V. Ex.ªs procedido ao pagamento das rendas em débito ao Banco, no valor global de € 1.921,63 apesar de interpelados para o fazer no prazo de dez dias a contar da data de recepção da carta enviada em 24.01.05 incorreram, por isso, em incumprimento definitivo – conforme previsto nas Condições Gerais do contrato de locação financeira.
Entretanto e após a data da carta atrás referida, venceram-se e encontram-se por liquidar as seguintes rendas:
- Nr. Renda 89, data de vencimento 25.01.2005, valor da renda € 492,57;
- Nr. Renda 90, data de vencimento 25.02.2005, valor da renda € 492,57.
Face ao exposto, o Banco, S.A. considera resolvido o contrato de locação financeira identificado em epígrafe e nesta data declara vencido o montante de € 17.977,83, correspondente a:
- Rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora, no valor global de € 3.001,83.
- Indemnização conforme previsto na Condições Gerais do contrato de locação financeira no valor de € 14.777,10.
- Outros valores em aberto no valor de € 198,91.
Serve a presente para comunicar que nesta data se procedeu ao preenchimento da livrança subscrita por V. Ex.ªs cujo vencimento se verificará 8 dias após a data de emissão desta carta.
Tal livrança tem como local de pagamento a morada do Banco, S.A. sita na Av.ª .... Lisboa.
Para pagamento da quantia em dívida, dispõem V.Ex.ªs, do prazo de 8 dias a contar da data da recepção desta carta. Findo este prazo, será imediatamente e sem mais, instaurada a competente acção judicial».
13 – A carta enviada para a morada do contrato foi devolvida ao remetente com a indicação de não reclamada.
14 – A ré restituiu o locado em 21 de Dezembro de 2004, mas não prestou o seu acordo ao cancelamento do registo de locação financeira.
15 – Por decisão tomada de 06.05.02, a fls. 164 e segs. do procedimento cautelar apenso, foi determinado o cancelamento do registo de locação financeira incidente sobre a fracção autónoma supra identificada, decisão notificada à autora por ofício de 06.05.04.
16 – C...., S.A. alterou a sua denominação para D... S.A.
17 – Posteriormente veio a D... S.A. a ser incorporada na F...., S.A. que alterou a denominação para E..., S.A.
18 – O E... S.A. foi incorporado por fusão no Banco, S.A.
III – Fundamentação de direito.
Os recursos são meios de impugnação de decisões, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
Donde, o tribunal de recurso não deve conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha de cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Para além desta limitação, o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões da recorrente, de harmonia com o disposto nos arts. 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1, ambos do C.P.Civil; só abrangendo as questões que nelas se contém, ainda que outras tenham sido afloradas nas alegações propriamente ditas, salvo tratando-se de questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente, conforme dispõe o art. 660.º n.º 2, aplicável “ex vi” do art. 713.º n.º 2, ambos do citado diploma legal.
Por outro lado, e em regra, não pode o Tribunal da Relação alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, a menos que decorra algum dos casos excepcionais que vêm enunciados no art. 712.º n.º 1, alíneas a), b) e c), do C.P.Civil:
«(…) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; (…) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; (…) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (…)».
Ora, a este propósito, nada referiu o apelante nas conclusões da sua alegação, razão pela qual a reapreciação da matéria de facto está, desde logo, afastada do âmbito do presente recurso.
*
Ora, da leitura das conclusões da alegação de recurso, a questão que se coloca consiste em saber se os procedimentos efectuados pela autora se mostram suficientes para operar a resolução do contrato de locação financeira imobiliária, conforme defende a autora, ora apelante, ou, pelo contrário, como decidiu o Tribunal a quo tais diligências não são idóneas, pois que “… não se mostrando junto o aviso de recepção da carta destinada a converter a mora em incumprimento definitivo (nem por qualquer forma demonstrado que ela tenha sido recebida pela ré), não se pode considerar o contrato validamente resolvido, nem, em consequência, se considerar que a autora tenha direito ao cancelamento do registo com esse fundamento...”.
Vejamos, embora desde já se adiante que se nos afigura não merecer censura a decisão da 1.ª instância.
O contrato de locação financeira tem actualmente a sua disciplina geral consagrada no Dec. Lei n.º 149/95, de 24 de Junho. A reforma introduzida no regime jurídico do contrato de locação financeira, então previsto no Dec. Lei n.º 171/79, de 06 de Junho, por aquele diploma legal, trouxe como inovações principais, entre outras, a simplificação da forma do contrato, limitando-a a simples documento escrito e enunciaram-se mais completamente os direitos e deveres do locador e do locatário, de modo a assegurar uma maior certeza dos seus direitos e, portanto, a justiça da relação, bem como alargou o objecto da locação financeira a quaisquer bens susceptíveis de serem locados – conforme preâmbulo do citado Dec. Lei n.º 149/95, de 24.06.
Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados – art. 1.º do citado diploma legal.
Para o Prof. Leite de Campos,” Ensaio de análise tipológica do contrato de locação financeira”, in BFDUC, vol LXIII, 1987, pág. 10, a locação financeira é um contrato a médio ou longo prazo dirigido a “financiar” alguém, não através de uma quantidade em dinheiro, mas através do uso de um bem. Está-lhe subjacente a intenção de proporcionar ao “locatário” não tanto a propriedade de determinados bens, mas a sua posse e utilização para um determinado fim.
A locação financeira apresenta – como refere o Prof. Pedro Martinez, in Contratos Comerciais, Publicações Universitárias e Científicas, pág. 61 – “… vantagens e inconvenientes e destes o mais relevante respeita ao elevado preço que se acaba por pagar nas retribuições periódicas, em especial quando as taxas de juro são altas, mas também é importante o facto de o locatário não ter a total disponibilidade do bem, pois não é o respectivo proprietário…”.
O capítulo dos direitos e deveres do locador e locatário constituem, efectivamente, o ponto que mais caracteriza o contrato de locação financeira.
No caso vertente, estamos perante um contrato de locação financeira que teve por objecto a fracção autónoma sobre a qual incide o registo de locação financeira cujo cancelamento se pretende.
Tendo em conta o que agora nos ocupa, é obrigação do locador conceder o gozo do bem para os fins a que se destina – art. 9.º n.º 1, alínea b); sendo obrigação do locatário pagar as rendas – art. 10.º n.º 1, alínea a), do supra mencionado diploma legal.
O incumprimento das obrigações de qualquer das partes, locador ou locatário, faculta à outra parte a resolução do contrato, nos termos gerais; não sendo, pois, aplicáveis as normas especiais, constantes de lei civil, relativas à locação – art. 17.º.
A resolução do contrato, tanto fundada na lei como em convenção, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, é genéricamente admitida no art. 432.º do Cód. Civil.
Sendo que à luz do art. 436.º do C.Civil acolheu-se o sistema declarativo, afastando, em regra, a necessidade de intervenção do tribunal na resolução.
E como é sabido, ela traduz-se na destruição da relação contratual operada por um acto posterior da vontade de um dos contraentes, que pretenda fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 265.
Acontece que o contrato de locação financeira poderá ser resolvido, por iniciativa da locadora, no caso da locatária não pagar qualquer das prestações da renda.
Ou seja, à locadora assiste-lhe o direito potestativo de resolver o contrato mediante declaração unilateral à locatária, verificado que seja o pressuposto do incumprimento estipulado, resolução que opera imediatamente e de pleno direito no momento em que a declaração chega ao poder ou esfera de acção da parte incumpridora ou é dela conhecida nos termos do n.º 1 do art. 224.º do C.Civil.
A este propósito escreveu-se nos fundamentos de direito da sentença recorrida que “… estando em causa uma declaração receptícia (que apenas se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, ou que só por sua culpa não tenha sido oportunamente recebida – art. 224.º n.ºs 1 e 2, C.C.), a data do recebimento releva para a contagem do prazo de trinta dias concedido para a purgação da mora, já que apenas depois de decorrido esse prazo é que a resolução poderia ser declarada. E sem recepção não existe comunicação…”.
No caso em apreço, a locadora, ora apelante, ao instaurar a presente acção teve em vista que seja reconhecida judicialmente a resolução do contrato de locação financeira imobiliária em que a ré figura como locatária (por ter sucedido na posição contratual de entidade que celebrou esse contrato com entidade a quem a autora sucedeu) e que teve por objecto a fracção autónoma, designada pela letra “C”, correspondente à loja direita na cave, do prédio urbano sito na Av.ª ...., freguesia da Damaia, concelho de Amadora, e bem ainda que seja decretado o cancelamento do registo de locação financeira imobiliária que impende sobre o aludido bem imóvel.
Sustenta a decisão recorrida que não se pode considerar o contrato válidamente resolvido, nem, em consequência, considerar-se que a autora tenha direito ao cancelamento do registo com esse fundamento, pelo que absolveu a ré do pedido.
Escreveu-se na douta sentença impugnada, a dado passo, o seguinte:
“… O pedido de reconhecimento judicial da resolução do contrato traz implícita a ideia de que o contrato de locação financeira foi resolvido e que não é necessária a intervenção do tribunal para fazer operar a resolução, mas tão só para reconhecê-la, numa intervenção meramente confirmativa de uma resolução extrajudicial, …, o que a autora pretende é uma intervenção meramente declarativa do tribunal, …, No que ao pedido de cancelamento do registo concerne, e atendendo a que o cancelamento do registo de locação financeira já foi decretado em sede cautelar, este pedido tem de ser interpretado como o pedido de reconhecimento do direito ao cancelamento do registo…”.
Posto isto, tenhamos agora em conta quer o teor dos n.ºs 1, 2 e 3 da cláusula 22.ª do contrato de locação financeira imobiliária – constante de fls. 45 a 73, do procedimento cautelar apenso à presente acção declarativa – descrito nos pontos 3, 4 e 5 da fundamentação de facto deste acordão (vide fls.6 e 7), quer ainda da factualidade dada como provada e descrita nos pontos 8 a 13 da dita fundamentação de facto deste acordão (vide fls. 7 a 10).
Ora, como é sabido a simples mora não extingue a obrigação enquanto esta se mantiver possível e mantiver interesse para o credor.
Confere ao credor o direito de ser indemnizado, indemnização que, nas obrigações pecuniárias, corresponde aos juros de mora – art. 806.º n.º 1 do C.Civil.
De todo o modo, dispõe o art. 808.º n.º 1 do mesmo diploma legal que, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, esclarecendo o n.º 2 que a perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.
Este sistema, conforme se pronunciou Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, vol II, pág. 55, não constitui uma violência para o devedor que «(…) apenas de si próprio se poderá queixar, por não ter cumprido, nem quando inicialmente devia fazê-lo, nem dentro do prazo que para o efeito posteriormente lhe foi fixado (…)».
Relacionado com este assunto pode ler-se, in Obra Dispersa, vol I, pág. 125 e segs., Pressupostos da Resolução por Incumprimento, do Prof. Batista Machado, o seguinte:
“… A interpelação admonitória com fixação de prazo peremptório para o cumprimento a que se refere a segunda parte do n.º 1 do art. 808.º é, pois, uma intimação formal, dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. Assim, através da fixação de um prazo peremptório, obtém-se uma clarificação definitiva de posições.
A interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo. Trata-se, pois, de uma declaração intimativa.
Uma intimação para cumprir que não contenha um termo preciso, mas se reporte apenas a um prazo «breve» ou «brevíssimo», ou a um prazo «razoável», não pode valer para o efeito. E muito menos vale para o efeito a interpelação em que o credor se limite a ameaçar o devedor com a compra de uma cobertura ou o convide a declarar-se pronto a cumprir dentro do prazo fixado…”.
Como refere a sentença recorrida “… a interpelação admonitória destina-se a dar um ultimatum ao devedor, concedendo-lhe uma derradeira oportunidade de pôr termo à mora e assim evitar a resolução do contrato…”.
Ora, conforme se alcança da matéria de facto dada como provada a autora enviou a carta destinada a converter a mora em incumprimento definitivo, não se mostrando junto aos autos qualquer aviso de recepção relativo a esta carta – vide pontos 9 e 10 da fundamentação de facto deste acordão.
Conforme se alcança dos autos, a fls. 55, o Mm.º Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
“Dispõe a cláusula 22.ª n.º 2 das condições gerais que o incumprimento temporário, ou como tal reputado, quer de obrigações pecuniárias, quer doutras, tornar-se-á definitivo após comunicação feita com carta registada com aviso de recepção, pelo locador ao locatário, intimidando-o a cumprir ou a satisfazer as obrigações no prazo de trinta dias.
A carta de que existe cópia a fls. 88 do procedimento cautelar apenso, datada de 05.01.24 e a que se reporta o artigo 14.º da petição inicial, não se mostra acompanhada do aviso de recepção respectivo.
Assim, a fim de se aferir do cumprimento da cláusula supra mencionada, deve o autor juntar aos autos o aviso de recepção (artigo 265.º n.º 3 do C.P.C)…”.
Tendo a autora, após ter pedido prorrogação de prazo para o efeito, declarado a fls. 65/66 que não logrou localizar nos seus arquivos o documento ordenado juntar…” – vide fls. 65 – mais aí alegando que no artigo 20.ºda petição inicial referiu ter a ré entregue voluntáriamente o imóvel, em 21.12.2004, facto que foi confessado pela ré e que essa entrega demonstra bem que a carta em causa chegou ao destino e conhecimento da ré.
Seguindo de perto a sentença da 1.ª instância, pode ler-se mais adiante que:
“…Não assiste razão à autora, em primeiro lugar, da entrega da fracção locada, sem mais, não se pode inferir legitimamente o conhecimento do envio de uma carta, tanto mais que a carta que aqui está em causa – a referida no ponto 7 da matéria de facto (que corresponde ao ponto 9 da fundamentação de facto deste acordão) – destinava-se tão só a reclamar o pagamento da dívida no prazo de trinta dias, não solicitando a entrega do imóvel, …, em segundo lugar, tendo a entrega do imóvel ocorrido em 04.12.21, data anterior ao envio da carta que é de 05.01.24 – não se vê como dessa entrega se possa inferir que a carta foi recebida! Trata-se de um impossível de ordem lógica, …, nem se diga que a falta de contestação permite considerar que a carta foi recebida, já que no artigo 14,º da petição apenas se alega que a carta em causa foi enviada 05.01.24, nada se dizendo quanto ao seu recebimento que sirva de suporte a uma confissão por ausência de contestação, …, pelo exposto, nada nos autos permite concluir que a carta em causa tenha sido recebida, não se podendo considerar que a autora tenha convertido a mora em incumprimento definitivo, pressuposto essencial para a validade da resolução do contrato…”.
Sustenta a apelante ainda nas conclusões da sua alegação de recurso que o tribunal deve decretar a resolução do contrato ainda que considere que a autora não efectuou extrajudicialmente a declaração resolutória ou que esta é inválida, já que a resolução pode operar judicialmente.
Como já vimos, a autora pretendeu com a presente acção uma intervenção meramente declarativa do tribunal.
A este propósito, pode ler-se in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 323, Livraria Almedina, Calvão da Silva, o seguinte:
“… A inadimplência da específica obrigação prevista é fundamento e pressuposto indispensável da resolução. Dela emerge um direito potestativo que confere à parte adimplente (ou não inadimplente) o poder jurídico de, por um simples acto livre de vontade e só por si, produzir a resolução que inelutávelmente, se impõe à contraparte inadimplente.
Dizemos só por si porque a parte adimplente (ou não inadimplente) pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte (art. 436.º n.º 1) sem necessidade de intervenção do Juiz e sem ter de recorrer ao art. 808.º n.º 1. Aspecto importante, já que a resolução opera imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder ou esfera de acção de parte inadimplente ou é dela conhecida (art. 224.º n.º 1) – momento até ao qual o devedor pode cumprir, purgando a mora.
A declaração resolutiva é, assim, elemento constitutivo da resolução, tendo esta no convencionado específico incumprimento da obrigação (certa e determinada) o pressuposto necessário mas não suficiente.
Eventual intervenção judicial que venha ocorrer ulteriormente não terá a natureza de sentença constitutiva da resolução, mas sim a de sentença de simples apreciação pela qual o juiz unicamente verifica os pressupostos e declara a existência de uma resolução nos termos da lei (sem operar e autorizar qualquer mudança na ordem jurídica preexistente)…”.
Em face destes ensinamentos, afigura-se-nos não poder proceder o entendimento da apelante, contido na alínea E) das conclusões da alegação de recurso, no sentido de que o direito à resolução contratual pode ser exercido judicialmente, tornando-se eficaz com a citação.
Com efeito, no caso sub judice, não está em causa a declaração de resolução – conforme consta do ponto 12 da fundamentação de facto deste acordão, a fls. 8/9 – mas sim a declaração destinada a converter a mora em incumprimento definitivo, pressuposto da declaração de resolução e que não pode ser suprida com a citação da ré para a presente demanda.
*
Em face do quadro factual provado e da sua correcta subsunção às normas jurídicas, efectuadas na douta sentença recorrida e que aqui damos por reproduzida e para todos os efeitos legais, improcedem assim, integralmente, as conclusões da apelação.
Sendo também de indeferir a pretensão da apelante formulada na parte final das conclusões da alegação de recuso, segundo a qual:
“… Caso assim não se entenda, deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida no que respeita ao pedido de decretamento de cancelamento do registo de locação financeira imobiliária e substituída por outra que julgue este pedido procedente com fundamento na caducidade do contrato, pelo decurso do prazo, nos termos do disposto no art.21.º n.º 1 do Dec. Lei n.º 149/95 e 663.º n.º 1 do C.P.C…”.
Ora, sucede que tal pretensão só agora foi colocada e como é sabido o recurso constitui um meio de impugnação da decisão, através do qual se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida.
Ou seja, os princípios que regem os recursos têm-nos como meios de obter a reforma de decisões dos tribunais inferiores e não como vias jurisdicionais para alcançar decisões novas, como resulta, entre outras, do disposto nos arts. 676.º n.º 1, 680.º n.º 1 e 690.º todos do C.P.Civil.
Acresce que a admitir-se a pretensão da apelante, nesta fase processual, estar-se-ia a permitir uma alteração da causa de pedir, de todo inadmissível.
IV – Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 2 de Julho de 2009.
Gilberto Martinho dos Santos Jorge
Maria da Graça de Vasconcelos Casaes Moreira Araújo
José Eduardo Miranda Santos Sapateiro