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PROPRIEDADE HORIZONTAL
ESCRITURA PÚBLICA
PARTE COMUM
Sumário
Se o construtor de um imóvel (que veio, posteriormente, a ser constituído em propriedade horizontal), construiu arrecadações num piso destinado a garagem, em conformidade com um projecto inicial e se aquando da construção afectou as arrecadações do modo que ficou demonstrado, isto é com delimitação em alvenaria e porta de ferro, entrada comum mas destinada a essas arrecadações, instalação eléctrica individualizada, ligada directamente ao quadro eléctrico de certas fracções autónomas destinadas a habitação, ainda que essas arrecadações como outros espaços existentes no imóvel não venham a constar da escritura pública da propriedade horizontal, então é de concluir que ocorre uma destinação objectiva desses arrecadações que a lei presume comuns (por não constarem de qualquer título) às fracções em causa e essa destinação objectiva, assim feita, transfere ab initio a dominialidade desses espaços comuns para os adquirentes das fracções, sem necessidade da alegação e prova dos factos caracterizadores da posse. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO AUTORES/APELANTES: J...., C...; M...; B.. e D... RÉU/APELADO: F...,FALECIDO E SUCESSORES HABILITADOS G..., H..., L... e N....
Os Autores propuseram contra o Réu em 17/12/03 a presente acção declarativa com processo comum ordinário a que atribuiu o valor processual de € 72.000,00 onde pedem que se declare que as arrecadações existentes ao nível da 2.ª cave do prédio sito no ..... em Lisboa fazem parte integrante das fracções autónomas dos Autores e que o R. seja condenado a pagar a título de indemnização a quantia de € 12.000,00 por ter impedido o acesso às referidas arrecadações; caso se venha a entender que as arrecadações são parte integrante do espaço que constitui parqueamento sito na 2.ª cave que o Réu seja condenado a pagar aos Autores a quantia de € 20.000,00 por cada uma das referidas arrecadações, no valor global de € 60.000,00.
Em suma alega:
· Os 1.ª Autores são proprietários e legítimos possuidores do 3.º andar direito e da respectiva arrecadação sita na 2.ª cave, bem como 2/12 indivisos do parqueamento sito na 3.ª cave como consta de documento junto à providência cautelar;
· A 2.ª Autora é proprietária e legítima possuidora do 3.º andar esquerdo e da respectiva arrecadação sita na 2.ª cave, bem como de 1/12 indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave conforme documento junto à providência cautelar;
· Os 3.ºs Autores são proprietários e legítimos possuidores do 4.º andar esquerdo e da respectiva arrecadação sita na 2.ª cave, bem como de 1/12 indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave conforme documento junto à providência cautelar.
· Cada um dos Autores ao adquirir a sua fracção adquiriu também um das arrecadações existentes na 2.ª cave, aquisições que se encontram devidamente registadas na Conservatória do Registo Predial, e cada uma delas tem na sua frontaria a indicação do apartamento habitacional a que respeita.
· No dia 5/05/03 os Autores depararam-se com a porta do átrio que dá acesso às suas arrecadações fechada e com a fechadura trocada, existindo um aviso colocado à porta do referido vestíbulo e no qual a assinatura bem legível é de F...., o que constitui confissão de que foi ele próprio que mandou trocar a fechadura por se arrogar proprietário de todas as arrecadações que se encontram na 2.ª cave.
· Ao actuar do modo como o fez o Réu, sem qualquer título válido, tentou não só esbulhar os Autores da sua posse sobre as arrecadações posse essa de boa fé, pacífica e pública, como apropriar-se das ditas arrecadações sabendo perfeitamente que aquelas arrecadações, embora não constando das escrituras públicas de aquisição fazem parte dos apartamentos dos Autores e são propriedade desse.
· Tal conhecimento por parte do Réu advém-lhe do facto de ser ele próprio proprietário de 2 apartamentos que constituem o 1.º Dtº e 1.º Esq. e, por essa simples razão ser também proprietário de duas das quatro arrecadações sitas na 3.ª cave que foram por ele adquiridas nas mesmas condições que o foram as arrecadações dos Autores sitas na 2.ª cave bem como todas as outras, para além de ser um dos sócios da empresa construtora.
· Nas arrecadações os 1.ºs Autores têm armazenados diversos artigos de alimentação, higiene e limpeza, documentação contabilística e fiscal da empresa que administra a 2.ª Autora te, armazenados diversos livros de elevado valor os quais necessitam de tratamento cuidado ao nível do meio ambiente e os 3.ºs Autores têm armazenados diversos vinhos de colheitas especiais, roupas e mobiliários diversos que necessitam de regular manutenção de qualidade, sendo que os Autores tiveram que adquirir diversos artigos natalícios uma vez que todos esses artigos se encontravam depositados nas já referidas arrecadações, sendo os prejuízos dos Autores resultantes da acção do Réu contabilizados em não menos de € 10.000,00.
· Caso se entenda que as referidas arrecadações são parte integrante do parqueamento pertença do Réu existente na 2.ª cave, ocorre um enriquecimento sem causa do Réu o qual atento valor do metro quadrado naquela zona de Lisboa impõe que o Réu restitua aos Autores valor não inferior a € 20.000,00 por cada arrecadação.
O Réu citado argui a nulidade de todo o processado por ser inepta a petição inicial em virtude da contradição entre o pedido e a causa de pedir e da forma contraditória como está formulado o pedido alternativo. Por impugnação em suma alega:
· Adquiriu por arrematação em processo judicial 3 fracções autónomas do identificado prédio assim como a fracção “B” que constitui a segunda cave no piso menos 2 destinada a estacionamento para automóveis com 12 lugares devidamente numerados e demarcados, sendo que na dita cave apenas existem 11 lugares de estacionamento;
· Na escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio a fracção “B” ficou individualizada e apenas foi adquirida pelo Réu e nela não existem quaisquer arrecadações e se existem são clandestinas e ilegais.
· As declarações de compra e venda contidas no documento n.º 5 da petição inicial e feitas em 6/12/94 não podem ser postas em causa por eventos ilegais posteriores como sejam a criação de arrecadações e suas atribuições naquela fracção “B”, e os Autores não podem comparar a sua situação com a que o Réu tem na cave 3 porque foram os legítimos proprietários que se entenderam como ele nada tendo usurpado.
· Sobre as 3 fracções “B”, “F” e “G” foram inscritas várias hipotecas voluntárias e judiciais e penhoras o que obrigou o Réu a ter de arrematar as 3 fracções na totalidade para delas ter a propriedade expurgada de todos esses ónus e em 21/05/01 fez o registo a seu favor da totalidade das 3 fracções.
· Em violação da constituição da propriedade horizontal e da lei o construtor só marcou 11 lugares de estacionamento na fracção “B” tendo ocupado o espaço destinado a um dos estacionamentos e a indispensável área de entrada e saída com 4 ilegais arrecadações.
· Os Autores não adquiriram qualquer espaço na fracção “B” comprada pelo Réu e registada em seu nome e como este nada lhes vendeu jamais se podem comparar a ele que adquiriu duas arrecadações aos legítimos proprietários e de pleno acordo pagando-lhas.
· Os Autores litigam de má fé pelo que devem ser condenados em indemnização que segundo justo critério seja adequada ao reembolso das despesas com honorários do advogado, técnicos e outros prejuízos sofridos.
Respondendo os Autores sustentam que o Réu bem entendeu a petição inicial tanto que a contestou, não sendo aquela inepta e litigando o Réu de má fé deve o mesmo ser condenado a pagar multa e indemnização a favor dos Autores (é lapso a indicação de RR) não inferior a € 10.000,00.
Marcado dia para a audiência preliminar que estiveram presentes os ilustre advogados das partes, realizada, proferiu-se despacho saneador que julgou inexistir a pretendida nulidade, organizou-se a matéria assente e a controvertida na Base Instrutória. Instruídos os autos com pedido de perícia por parte dos Autores que foi deferido, houve relatório pericial que está a fls. 95/97 do qual o Réu reclamou com base na falta de fundamentação das respostas dadas aos quesitos o que mereceu a oposição dos Autores mas deferimento do Meritíssimo juiz do Tribunal recorrido, de que veio o “Relatório Complementar” de fls. 144 de que houve requerimento do Réu a solicitar fossem juntos pelos Autores o processo camarário e o projecto respeitante ao prédio onde se encontrem previstas e desenhadas as arrecadações e o despacho de aprovação pela C.M.L., o que contou com a oposição dos Autores e terminou com o despacho de 21/11/06 no sentido de serem os Autores e o Réu a diligenciarem pela obtenção dos elementos junto da Câmara Municipal de Lisboa.
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Os Autores, por requerimento de 01/10/07 (cfr. fls. 262/264) vieram modificar o pedido ampliando-o nos seguintes termos: “Deve a acção ser julgada provada e procedente e por visa dela ser o R condenado :
a) A reconhecer a posse dos Autores sobre as respectivas arrecadações que lhe foram distribuídas pelo construtor nos actos de compra e venda dos respectivos apartamentos;
b) Permitir o acesso dos Autores ao vestíbulo de acesso às arrecadações, devendo retirar a corrente de ferro que mantém trancada a porta desse vestíbulo e a entregar-lhes uma chave dessa mesma porta;
c) A pagar a cada um dos Autores uma indemnização a título de danos ao abrigo do disposto no art.º 569, não inferior a € 200,00 por cada mês que desde 5 de Maio de 2001, estiverem impedidos de utilizar as arrecadações e da usufruírem os seus bens que desde essa data se encontram retidos no interior das mesmas e bem como o valor que vier a ser apurado em execução de sentença relativo à deterioração que esses mesmos bens tenham sofrido, tudo acrescido de juros legais, custas e procuradoria.”
O Réu opôs-se e pugnou pelo indeferimento do requerimento e na sessão de julgamento de 3/10/07 foi indeferido o requerimento por extemporâneo com condenação dos Autores nas custas do incidente. Não foi interposto recurso deste despacho.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento com depoimentos gravados e com observância do legal formalismo, decidida a matéria de facto controvertida por despacho de 17/10/07 em sessão a que não estiveram presentes os ilustres advogados, foram escritas as alegações e direito e foi proferida a sentença aos 6/12/07 que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus dos pedidos formulados pelos Autores, decisão que estes apelaram em cujas alegações concluem:
a) O prédio ainda não tem licença de utilização mas é constituído por 3 caves, 2 lojas no r/c, 2 apartamentos em cada um dos 1.º, 2.º, 3.º e 6.º andares (esquerdo e direito) e três apartamentos em cada um dos 4.º, 5.º e 7.º andares (esquerdo, direito e frente) (alínea a) da Matéria Assente- fls. 54);
b) Em cada uma das 3 caves existe um espaço para parqueamento de viaturas automóveis e outro espaço ocupado por quatro arrecadações com um átrio para o qual se tem acesso por uma porta, como também se verifica da planta de fls. 257 entregue na Câmara Municipal em 1990 (alínea b) da Matéria Assente – fls. 54);
c) O espaço para parqueamento, em cada uma das caves, constitui uma fracção autónoma na actual constituição da propriedade horizontal (alínea c) da Matéria Assente – fls. 54);
d) Não constam do título de propriedade horizontal nem as arrecadações existentes nas caves nem os dois apartamentos e sala de reuniões do condomínio sitos no 7.º andar (alínea p) da Matéria Assente- fls. 55);
e) As arrecadações são espaços fechados por paredes de alvenaria e tijolo com vestíbulo de serventia própria com acesso por uma porta comum e sendo cada uma delas isolada com uma porta de ferro (alíneas q), r) e s) da Matéria Assente – fls. 55);
f) Os espaços de estacionamento existentes na 1.ª e 3.ª caves foram vendidos em avos aos seus actuais proprietários (alíneas t), u), v), e x) da Matéria Assente – fls. 55);
g) A fracção “B” – 2.ª Cave – de que o R. é proprietário destina-se apenas a estacionamento de automóveis (alíneas c) e ad) da Matéria Assente – fls. 54 e 55);
h) Consta do título de propriedade horizontal que as partes do prédio não individualizadas, ficam em comum nos termos da Lei (alínea af) da Matéria Assente – fls. 55);
i) As partes comuns são assim, para além das previstas no art.º 1421 do Código Civil as arrecadações existentes na Cave e os dois apartamentos e sala de reuniões existentes no 7.º andar (al. pl da Matéria Assente - fls. 55)
j) Mas dispõe o n.º 3 do art.º 1421 do Código Civil que podem ser afectadas ao uso exclusivo de um condómino certas zonas de partes comuns, tendo sido isso precisamente o que sucedeu por atribuição pelo construtor das arrecadações nas 3 caves aos proprietários de determinados apartamentos (resposta aos quesitos 1.º, 2.º, 3.º e 12 quanto à 3.ª cave, 4.ª a 7.ª, quanto à segunda cave e 8.º a 11.º quanto à 1.ª cave – fls. 312) é essa a razão da existência da cláusula expressa no n.º 1 do art.º 28 dos Estatutos do Condomínio (fls. 213 do Procedimento Cautelar);
k) Ficou assim provado que foi o construtor que atribuiu as arrecadações na 2.ª cave aos Autores (resposta ao quesito 16) e que também foi o construtor que inscreveu na frontaria de todas as arrecadações a identificação do respectivo apartamento a que cada uma passava a estar afecta (resposta ao quesito 15);
l) Também ficou provado que todas as arrecadações têm instalação eléctrica individualizada e ligada directamente ao quadro eléctrico da respectiva habitação (resposta ao quesito 17.º);
m) Temos assim que os AA adquiriram a posse das respectivas arrecadações no acto de aquisição do respectivo apartamento por tradição material do direito de uso efectuado pelo próprio vendedor do apartamento ou seja pelo anterior possuidor e proprietário;
n) O R. não tem qualquer direito sobre as arrecadações, nem de propriedade nem de uso;
o) As arrecadações não fazem parte da garagem sita na cave -2;
p) A actuação do Réu constitui um esbulho da posse dos autores ao seu direito de uso das arrecadações;
q) O “direito de uso” é um direito incluído no “direito de propriedade” (art.º 1305 do CCiv);
r) O direito de uso dos Autores está assim contido no pedido feito nesta acção e …
s) Pelo exposto e pelo que doutamente for suprido por V. Exas. Deve ser revogada a douta sentença recorrida e o Réu ser parcialmente condenado no pedido, ou seja, a reconhecer o “direito de usos” das arrecadações dos Autores enquanto direito contido no “direito de propriedade” das mesmas e, em consequência, a retirar todos os seus bens do corredor das arrecadações e a retirar a coerente que não permite a entrada dos Autores no mesmo corredor.
Em contra-alegações o Réu conclui:
A. O prédio foi constituído em propriedade horizontal não constando do respectivo título e registo as ditas “arrecadações” pelo que são de construção clandestina;
B. O Réu é proprietário de três fracções autónomas, e uma delas é a fracção B a qual adquiriu em 1994 por escritura outorgada e assinada pelo anterior proprietário/construtor senhor CV, e em 24/02/1999, por arrematação em processo judicial;
C. Sobre tais fracções B, F, G, e apesar se adquiridas sem quaisquer ónus ou encargos, - conforme as escrituras – haviam sido inscritas várias hipotecas voluntárias e judicias penhoras, por culpa do antigo vendedor, que o aqui apelado desconhecia, o que levou o réu/apelado a arrematar em 1999 em Tribunal as três fracções na totalidade, para expurgar esses ónus, conforme douto despacho de 17/06/1999 do ... juízo Cível de Lisboa e registo Ap. .... de 21/05/2001 na respectiva Conservatória do R.P.;
D. A fracção autónoma B constitui a segunda cave do piso menos dois, destinada a estacionamento para automóveis com 12 lugares devidamente numerados e demarcados a que corresponde a permilagem de cinquenta do valor total do prédio, a que atribuem o valor de cinco milhões de escudos (escritura da propriedade horizontal).
E. Na dita cave existem apenas 11 lugares de estacionamento e um espaço ocupado pelas ditas arrecadações.
F. O Réu /Apelado é proprietário pleno e sem quaisquer ónus ou encargos da Fracção autónoma “B” – que constitui a segunda cave no peso menos dois, destinada a estacionamento, com 12 lugares, devidamente enumerados (escrituras de compra e venda).
G. E quer, e sempre pediu, que a sua propriedade lhe permita o gozo de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição… art.º 1305 do C.C., como Direito Real de Propriedade que é. Foi esse o objectivo da sua aquisição, e é apenas isso que pretende defender.
Conclui pedindo a improcedência do recurso e a confirmação da sentença
Recebido o recurso, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juizes-adjuntos os quais nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do recurso.
Questões a resolver: a) Saber se face à matéria de facto provada se deve concluir que as arrecadações existentes nas caves e os dois apartamentos e sala de reuniões existentes no 7.º andar se devem considerar partes comuns do prédio, devendo considerar-se partes comuns as arrecadações sitas na 3 caves; b) Saber se o construtor do prédio as afectou ao uso exclusivo dos Autores adquirindo estes a posse das respectivas arrecadações no acto da compra das respectivos apartamentos por tradição material do direito de uso efectuado pelo próprio vendedor e ante possuidor, direito de uso esse que deve ser reconhecido. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos:
1. O prédio sito no ......, em Lisboa, é constituído fisicamente por três caves, duas lojas no rés-do-chão, dois apartamentos em cada um dos 1.º, 2.º, 3.º e 6.º andares (esquerdo e direito) e três apartamentos em cada um dos 4.º, 5.º e 7.º andares – esquerdo direito e frente. (A).
2. Em cada uma das caves existe um espaço para parqueamento de viaturas automóveis e outro espaço ocupado por quatro arrecadações com um átrio para o qual se tem acesso por uma porta ( B)
3. O espaço para parqueamento, em cada uma das caves, constitui uma fracção autónoma na actual constituição da propriedade horizontal ( C )
4. O 1.º andar esquerdo e 1.º andar direito pertencem a F....., ora Réu ( D )
5. O 2.º andar esquerdo pertence a H.... (herdeiros) – ( E ).
6. O 2.º andar direito pertence a P.... ( F ).
7. O 3.º andar esquerdo pertence a M... (G).
8. O 3.º andar direito pertence a J... ( H ).
9. O 4.º andar esquerdo pertence a B.... ( I ).
10. O 4.º andar direito pertence à Sociedade, Lda. ( J )
11. O 5.º andar esquerdo pertence a Q.... ( L ).
12. O 5.º andar direito pertence a T.... ( M ).
13. O 6.º andar esquerdo pertence à Sociedade, Lda. ( N ).
14. O 6.º andar direito pertence a V..... ( O )
15. O prédio foi constituído em propriedade horizontal não constando do título nem as arrecadações nem os dois apartamentos e sala de reuniões do condomínio sitos no 7.º andar ( P ).
16. As arrecadações da 3.ª cave são espaços fechados por paredes de alvenaria e tijolo, com vestíbulo de serventia própria com acesso por uma porta comum e sendo cada uma delas isolada por uma porta de ferro (Q ).
17. As arrecadações da 2.ª cave tem configuração igual à da 3.ª cave ( R )
18. As arrecadações da 1.ª cave têm configuração igual às da 2.ª e 3.ª caves ( S ).
19. Os espaços de estacionamento nos parques sitos nas 3 caves foram vendidos aos seus actuais proprietários, correspondendo a cada espaço 1/12 avos de cada parque ( T ).
20. Os primeiros autores são proprietários e legítimos possuidores do 3.º andar direito bem como de 2/12 indivisos do parqueamento sito na 3.ª cave ( U ).
21. A 2.ª Autora é proprietária e legítima possuidora do 3.º andar esquerdo, bem como de 1/12 indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave ( V ).
22. Os terceiros autores são proprietários e legítimos possuidores do 4.º andar esquerdo bem como de 1/12 indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave ( X ).
23. No dia 5 de Maio de 2003, os autores depararam-se com a porta do átrio que dá acesso às arrecadações fechada e com a fechadura trocada (Z ).
24. Existia ainda um “aviso” colocado à porta do referido vestíbulo com a assinatura bem visível “F.....” ( AA ).
25. Nesse “aviso” é dito pelo réu que foi ele que mandou trocar a fechadura por se arrogar proprietário de todas as arrecadações que estão na 2.ª cave (AB).
26. O Réu é proprietário de 3 fracções autónomas, e, uma delas, é a fracção “B”, a qual adquiriu por arrematação judicial ( AC ).
27. A fracção “B” constitui a segunda cave no piso menos dois, destinada a estacionamento para automóveis com 12 lugares devidamente numerados e demarcados de acordo com a escritura de constituição da propriedade horizontal (AD).
28. Na dita cave apenas existem 11 lugares de estacionamento ( AE ).
29. Consta do referido título que: “As partes do prédio não individualizadas, ficam em comum nos termos da lei” ( AF ).
30. Sobre as três fracções “B”, “F” e “G” foram inscritas várias hipotecas voluntárias e judiciais e penhoras, o que levou o réu a arrematar as três fracções na totalidade para expurgar esses ónus ( AG ).
31. As fracções autónomas correspondentes aos 1.º direito, 1.º esquerdo, 2.º direito e 2.º esquerdo do prédio referido em A), ficaram afectas quatro arrecadações construídas na 3.ª cave (1.º, 2.º, 3.º e 12.º);
32. Às fracções autónomas correspondentes aos 3.º direito, 4.º direito e 4.º esquerdo do prédio referido em A) ficaram afectas quatro arrecadações construídas na 2.ª cave (4.º a 7.º e 13.º).
33. Ás fracções autónomas correspondentes aos 5.º direito, 5.º esquerdo, 6.º direito e 6.º esquerdo do prédio referido em A), ficaram afectas quatro arrecadações construídas na 1.ª cave (8.º a 11.º e 14.º).
34. A distribuição das arrecadações foi efectuada pelo construtor que inscreveu na frontaria de cada uma delas a identificação do respectivo apartamento a que passavam a estar afectas (15.ª).
35. Foi com base nessa distribuição que o construtor atribuiu três das quatro arrecadações sitas na 2.ª cave aos autores (16.ª).
36. Todas as arrecadações têm instalação eléctrica individualizada, ligada directamente ao quadro eléctrico da respectiva habitação (17.ª).
37. O réu adquiriu as fracções “G” e “F” correspondentes aos 1.º andar direito e ao 1.ºandar esquerdo referidos em D) dos Factos assentes através da venda judicial, em 24.02.1999; os 1.ºs, 2.ºs e 3.ºs autores adquiriram as fracções referidas em H), G) e I) dos Factos Assentes, respectivamente, em 18.10.2000, 20.08.1999, e 24.09.1999 ( 20 ).
38. Os 1.ºs Autores tinham armazenados, em 20 de Julho de 2005, numa das arrecadações aludidas na resposta aos quesitos 4.º a 7.º e 13.º, artigos de alimentação, higiene e limpeza, bem como documentação contabilística e fiscal (22.º e 23.º).
39. O réu, em data anterior à referida na alínea Z dos Factos Assentes, colocou um aviso na porta que dá acesso às arrecadações para os autores desocuparem as arrecadações ( 32.º)
40. O prédio referido em 1. mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, encontrando-se a titularidade da fracção “B” correspondente à 2.ª cave inscrita a favor do réu – Ap. .... de 2001.05.21, conforme documento de fls. 275 a 294. III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
São as conclusões nas alegações de recurso que delimitam o seu objecto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (cfr. art.ºs 660, n.sº 1 e 2, 288, 514, 684/3, 690/4, 716 do C.P.C.). É entendimento uniforme na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Por isso apreciaremos cada um das questões acima enunciadas.
a) Saber se face à matéria de facto provada se deve concluir que as arrecadações existentes nas caves e os dois apartamentos e sala de reuniões existentes no 7.º andar se devem considerar partes comuns do prédio; devendo considerar-se partes comuns as arrecadações sitas na 3 caves;
Os Autores sustentam que face à matéria de facto resulta indiscutível que com a compra das suas fracções autónomas adquiriram a posse sobre as arrecadações pois sempre actuaram por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade (art.º 1305 do CCiv). O art.º 28 do Regulamento do Condomínio junto a fls. 213 da providência cautelar prevê que determinadas zonas comuns sejam afectadas a um condómino e que a razão de ser de tal tem a ver com as arrecadações; a posse dos Autores sobre elas é pacífica, pública e foi adquirida por tradição material pela anterior possuidor (art.ºs 1261, 1262 e 1263 do CCiv), pelo que a actuação do Réu constitui um esbulho violento da posse dos Autores (art.ºs 1261/2 3 1279 do CCiv). A sentença conclui a fls. 360 v.º e 361 que os Autores tem sobre as arrecadações um direito de uso.
A sentença incorre na seguinte contradição:
· A fls. 361 v.º conclui que as arrecadações teriam de ser consideradas partes comuns do prédio.
· Quando o Réu adquiriu por escritura de 6/12/94 as fracções G e F e os 2 espaços de parqueamento na garagem da 2.ª cave o vendedor disse-lhe que poderia usar as duas arrecadações sitas na 3.ª cave conforme depoimento de parte do R e plantas de fls. 260 e 257 entregues na câmara em 1990; o Réu na qualidade de co-proprietário do prédio subscreveu o contrato cuja cópia está a fls. 62 e 63 dos autos constando ainda que se não encontra constituído na sua totalidade pelo que se comprometiam a completar a construção de harmonia com o projecto, resultando claro que a propriedade horizontal foi constituída com o prédio não totalmente construído com base apenas na licença de construção motivo porque ainda hoje não tem licença de utilização.
· Da conjugação dos art.ºs 47 e 28 dos Estatutos do Condomínio juntos a fls. 205 a 225 do Procedimento Cautelar elaborados em Novembro de 2001 resulta que os espaços comuns afectos apenas a algum dos condóminos só podem ser as arrecadações construídas e atribuídas pelo construtor aos AA, das quais nunca foi proprietário o Réu.
· Da sentença proferida na providência cautelar a fls. 270 que condenou o Réu a abster-se de actos que impeçam o aceso dos autores às arrecadações e que facultasse uma chave aos Autores da porta que dá acesso ao credor onde se situam as arrecadações, não obstante o agravo pelo R desse despacho interposto não ter tido efeito suspensivo, o R nunca a acatou.
· Considerou a sentença que as caves foram vendidas por quotas – partes destinadas a estacionamentos individuais, inclusive ao Réu que adquiriu por escritura de 6/12/94 (fls. 35 a 43 do procedimento cautelar), encontrando-se a compra registada na Conservatória em 15/5/95 (cfr. fls. 286), e depois os restantes 10/12 avos que se encontravam hipotecados desde 14/09/1998
· Conclui a sentença contraditoriamente a fls. 363 que a fracção “B” já não é só a parte destinada a parqueamento mas a sua integralidade, violando o próprio título de constituição da propriedade horizontal e apesar de aceitar que estavam projectadas arrecadações nas diversas caves que compõem o edifício e portanto a 2.ª cave.
Em contra-alegações e em conclusão o Réu sustenta que as referidas arrecadações não constam do respectivo título e registo sendo de construção clandestina, ao Réu comprou as fracções B) (2.º cave de estacionamento), F e G por arrematação conforme despacho de 17/6799 e registo na Conservatória de 21.05-01, devendo improceder a pretensão dos AA.
Matriz jurídica relevante: Art.ºs 1251, 1252/2, 1259, 1260, 1261, 1262, 1263 1414, 1415, 1416, 1417/1, 1418, 1419, 1420, 1421, 1422, 1422-A, sendo os art.ºs 1418, 1419, 1421, 1422 e 1422-A, na redacção que lhes foi dada pelo DL 267/94 de 25/10 aqui aplicável, atenta a data em que a acção entrou em juízo (Dezembro de 2003), 1311, 1405, 1406.
Art.º 1414: “As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.”
Art.º 1415: “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituíres unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.”
Art.º 1416/1: “A falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime de compropriedade, pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do art.º 1418 ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção.”
N.º 2: “Têm legitimidade para arguir a nulidade do título os condóminos e também o Ministério Público sob participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções.”
Art.º 1417/1: “A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.”
N.º 2: “A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo art.º 1415”
Art.º 1418/1: “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma a que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada tracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.”
N.º 2: “Além das especificações constantes do número anteriores, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum; b) Regulamento do Condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação quer das partes comuns, quer das fracções autónomas; c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.”
N.º 3: “A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo.”
Art.º 1419/1: “Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 1422-A, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos.”
N.º 2: “O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura pública a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste da acta assinada por todos os condóminos.”
N.º 3: “A inobservância do disposto no art.º 1415 importa a nulidade do acordo; esta modalidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do art.º 1416.”
Art.º 1421/1: “São comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instilações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.”
N.º 2: “Presumem-se ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos;”
N.º 3: “O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.”
Art.º 1422/1: “Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.”
Art.º 1422-A/1: “Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção numa só de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que sejam contíguas.”
N.º 2: “Para efeitos do disposto no número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens.”
N.º 4: “Nos casos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o pode de, por acto unilateral constante de escritura pública, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.”
n.º 5: “A escritura pública a que se refere o número anterior deve ser comunicada ao administrador no prazo de 30 dias.”
Art.º 1311/1: “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.”
Art.º 1405/1: “Os comproprietários exercem em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, separadamente participam nas vantagens e encargos da coisa em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.”
Art.º 1406/1: “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.”
n.º 2: “O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.”
Art.º 1251: “Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
Art.º 1252/2: “Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do n.º 2 do art.º 1257”
Art.º 1258: “A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.”
Art.º 1259: “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir independentemente quer do direito do transmitiste, quer da validade substancial do negócio.”
N.º 2: “O Título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.”
Art.º 1260/1: “A posse diz-se de boa fé, quando o p+possuidor ignorava., ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.”
N.º 2: “A posse titulada presume-se de boa fé e a não titulada presume-se de má fé.”
N.º 3: “A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.”
Art.º 1261/1: “Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.”
N.º 2: “Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor usou de coacção física ou de coação moral, nos termso do art.º 255.”
Art.º 1262: “Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.”
Art.º 1263: “A posse adquire-se: a ) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito ; b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor; c) Por constituto possessório; d) Por inversão do título de posse.”
Art.º 1268/1: “O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.”
N.º 2: “Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva.”
Breves considerações sobre a propriedade horizontal:
Num determinado prédio urbano coexistem fracções autónomas de que cada condómino é proprietário exclusivo ao lado de partes comuns que pertencem em comunhão a todos os condóminos, e assim temos num único edifício direitos de propriedade plena sobre fracções autónomas, distintas e isoladas entre si ao lado da comunhão na propriedade das partes comuns. Na propriedade horizontal cada uma das fracções resultantes da divisão do prédio não tem autonomia estrutural e só adquire autonomia funcional através da utilização de partes do edifício que estão afectadas ao serviço de todas as fracções. As partes comuns têm uma função instrumental ou acessória em relação às fracções autónomas, donde alguns aspectos do regime legal como a existência de partes imperativamente comuns (art.º 1421/1) a impossibilidade de renúncia à participação na parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição e a circunstância de o direito de comunhão não poder ser alienado separadamente do direito sobre a fracção autónoma (art.º 1420/2), concluindo-se que existe uma relação de incindibilidade e indivisibilidade entre estes dois direitos.[1]
Nas partes comuns há que distinguir as partes imperativamente comuns (art.º 1421/1) das partes presumidamente comuns (art.º 1421/2); nas primeiras a doutrina distingue aquelas que são as partes comuns estruturais do edifício (alíneas a) b) e d) do n.º 1 do art.º 1421) das que são elos ou elementos comunicantes (as entradas, os vestíbulos, escadas, corredores mencionados na alínea c) razão do pressuposto de contiguidade interpenetração da propriedade horizontal.[2]
As coisas imperativamente comuns (quer as estruturais quer as que funcionam como elos ou elementos comunicantes) são insusceptíveis de apropriação individual, por usucapião, forma de aquisição originária ou qualquer outra forma de aquisição originária ou derivada, na medida em que estão objectiva e funcionalmente ao serviço das partes próprias.[3]
No caso que nos ocupa não estão em causa partes imperativamente comuns, já que o não são nem as garagens, nem os lugares de estacionamento nem as arrecadações.
Em relação às restantes coisas comuns, as presumidamente comuns, a susceptibilidade de afectação exclusiva da coisa comum ao domínio individual pelo uso (por que é de domínio que se trata no art.º 1421 por via da afectação ao uso exclusivo de um dos condóminos (alínea e) do n.º 1 do art.º 1421), segundo uns depende de formalização no título constitutivo[4]; segundo outros a afectação ou pelo menos a destinação objectiva da coisa reportada a data anterior à da constituição da propriedade horizontal, não tem de constar do título.[5]
Parece-nos que se o legislador quisesse excluir da comunhão presumida apenas aquelas coisas cujo uso exclusivo estivesse afecto a um dos condóminos no título constitutivo da propriedade horizontal, teria utilizado uma outra fórmula legal do género “São comuns salvo menção em contrário no título constitutivo da propriedade horizontal(…)” e não foi essa a fórmula utilizada como decorre da conjugação da alínea e) do n.º 1 com o n.º 2 do art.º 1421.
Acompanhamos Sandra Passinhas, obra citada, quando afirma que a simples afectação de facto nunca atribuirá a um condómino um direito de propriedade, já que a exclusão do rol de coisas comuns de alguma das partes do edifício que se presumem comuns incide sobre a constituição ou a modificação de um direito real sobre um imóvel devendo resultar ad substantiam de escritura pública em conformidade com o disposto no art.º 875 do CCiv e Código do Notariado, o que não impede que o condómino adquira a propriedade sobre coisa presumidamente comum através da usucapião que pressupõe uma posse exclusiva, incompatível com a possibilidade de gozo comum, através da inversão do título de posse previsto no art.º 1406/2 do CCiv; e também acompanhamos a mencionada Autora quando refere que a destinação objectiva de uma coisa presumidamente comum a uma fracção autónoma do prédio torna-a própria do proprietário da fracção o que há-de aferir-se pela estrutura objectiva, pela situação dela, como por exemplo pela circunstância de o único acesso a tal parte ter de se processar pelo acesso forçoso e necessário à fracção ou qualquer outra circunstância juridicamente relevante. Volvendo ao caso entre o mais entendeu-se na sentença: “(…)Como acima ficou dito a afectação de cada espaço das arrecadações à fracção autónoma de cada um dos autores, como a estes pertencentes, teria de constar desse título, o que não sucede.(…). Mas, para além da prova da construção de arrecadações nas três caves que o prédio detém, igualmente se provou que as quatro arrecadações existentes na 2.ª cave, ficariam afectas às fracções correspondentes aos 3.º direito, 3.º esquerdo, 4.º direito e 4.º esquerdo. DE igual modo ficou demonstrado que os autores desde que adquiriram as respectivas fracções autónomas sempre utilizaram três dessas arrecadações, nelas armazenando produtos. Tais arrecadações foram distribuídas pelo construtor, estando identificadas na parte superior das respectivas portas o apartamento a que passavam a estar afectas e tendo as mesmas instalação eléctrica individualizada ligada directamente ao quadro eléctrico dos respectivos apartamentos- N.s- 32, 34 a 36 38 dos Fundamentos de facto. Sucede que os Autores utilizam essas arrecadações por força da afectação de facto, material e ab initio destas. Mas não se pode entender que esta circunstância seja susceptível de afastar a presunção legal de comunhão de que gozam as aludidas arrecadações, apenas se podendo considerar que os autores têm, sobre as mesmas, um direito de uso, mas não um direito de propriedade.(…) Não gozam, pois, os Autores, por via da demonstrada afectação, de facto, de três das quatros arrecadações existentes nas 2.ª cave do direito de propriedade sobre as mesmas, mas tão só de um eventual direito pessoal de gozo já que as mesmas teriam de ser consideradas partes comuns do prédio, logo do domínio de todos os condóminos.(…)A actuação dos Autores sobre o espaço das arrecadações não é todavia, susceptível de consubstanciar-se em actos de posse, porque embora assente na sua utilização reiterada, através de actos materiais de gozo e fruição dos referidos espaços, nada foi alegado quanto aos demais elementos da posse – prática reiterada, como sendo um direito próprio, ao longo do tempo. In casu nunca esta forma de aquisição poderia ser considerada atenta a configuração dada à acção sem que hajam invocado, expressamente, a usucapião, nem formulado pedido nesse sentido e era forçoso, para ser considerada, que tal tivesse acontecido – v art.303 ex vi do art.º 1292, ambos do Cc. Todavia, sempre as datas de celebração dos contratos de compra e venda das fracções por parte dos autores – 1999 e 2000- obstaculizaria à procedência de um eventual pedido de declaração de aquisição de direito de propriedade, por usucapião. Não fizeram os autores prova de serem as arrecadações existentes na 2.ª cave parte integrante das fracções autónomas pertencentes aos autores e sendo certo que a este cabia, nos termso do art.º 342, n.º 1 do Cc, porque a existir tal direito na esfera jurídica dos autores essa alegação era constitutiva do mesmo. Ao invés demonstrou o Réu ter adquirido ,mediante venda judicial, entre outras a fracção “B” que constitui a 2.ª cave, destinada a estacionamento para automóveis com 12 lugares(…) DE acordo com ao art.º 7, n.º 1 do Código do Registo Predial, o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe nos precisos termso em que o registo o define, pelo que há que concluir que a fracção B tal como consta do registo da respectiva Conservatória como fracção autónoma própria, em regime de propriedade horizontal, corresponde à 2.ª Cave do prédio, pertence ao réu, em exclusividade.(…) Nada constando do título constitutivo da propriedade horizontal que na 2.ª cave exista, para além do estacionamento, qualquer arrecadação, é manifesto que tem o réu de ser considerado proprietário da aludida 2.ª cave, na sua integralidade(…) muito embora, na verdade, das cópias do projecto de construção juntas aos autos, seja admissível a conclusão de que nele estavam projectadas arrecadações(…)acrescer que a presente acção não tem como escopo a anulação do título constitutivo da propriedade horizontal, razão pela qual não há que apreciar a pretensão dos autores à luz desse caminho.(…).
É patente a contradição no mencionado segmento da fundamentação de direito: primeiro diz-se que as arrecadações gozam da presunção legal de comunhão, mais à frente utiliza-se o condicional “teriam” quanto à consideração das mesmas como partes comuns e por último conclui-se que o Réu não só goza da presunção da propriedade plena como é proprietário pleno relativamente à fracção B que é a 2.ª cave para estacionamento ou parqueamento para 12 lugares onde apenas existem 11 (cfr. pontos 3 da decisão de facto correspondente à alínea C), 26, 27, correspondentes a AC e AD e AE).
Das duas uma ou são partes presumidamente comuns ou são parte integrante das fracções, na certeza de que todas as partes do edifício que não estejam especificadas no título constitutivo como próprias são em regra comuns.[6]
Ora as arrecadações não constam do título constitutivo. Mais, o título constitutivo é omisso não só quanto às arrecadações (existem 4 em cada um dos espaços de parqueamento), como também é omisso quanto aos dois apartamentos e à sala de reuniões do condomínio sitos no 7.º andar. Pelos menos em relação às arrecadações elas estavam previstas nos respectivos projectos nos sítios onde foram construídas, o que poderia levar à nulidade do respectivo título nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2/a e 3 do art.º 1418 do CCiv, matéria de que se não curará por não ser objecto nem da acção nem do recurso.
Os primeiros autores são proprietários e legítimos possuidores do 3.º andar direito e bem assim como de 2/12 avos do parqueamento sito na 3.ª cave; a 2.ª Autora é proprietária e legítima possuidora do 3.º andar esquerdo bem como de 1/12 avos indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave; os terceiros autores são proprietários e legítimos possuidores do 4.º andar esquerdo bem como de 1/12 avos indivisos do parqueamento sito na 1.ª cave.
Nada mais consta das escrituras de aquisição dessas fracções e dos avos comuns dos estacionamentos da 3.ª cave e 1.ª cave, sendo que os primeiros Autores adquiriram a fracção em 18/10/2000, a 2.ª autora em 20.08.1999 e os terceiros autores em 24.09.1999 (cfr. ponto 37 da decisão de facto).
O Réu, por seu turno adquiriu a sua fracção “B”, a 2.ª cave de estacionamento que aqui nos ocupa por arrematação em processo judicial (cfr. ponto26 correspondente a AC).
As garagens e os lugares de estacionamento presume a lei de comuns (art.º 1421/2/d), Trata-se de presunção iuris tantum, afastada que está pela constituição da zona de parqueamento da 2.ª cave do edifício em fracção autónoma que foi vendida. Porque não constam nem das especificações das escrituras de venda das fracções aos autores nem da do Réu e também não constam do título constitutivo de propriedade horizontal, resulta dos próprios termos do título constitutivo, por exclusão de partes (ponto 29 da decisão de facto correspondente à alínea AF) da matéria assente) os espaços correspondentes às arrecadações seriam presumidamente comuns. Estará afastada essa presunção?
b) Saber se o construtor do prédio as afectou ao uso exclusivo dos Autores adquirindo estes a posse das respectivas arrecadações no acto da compra das respectivos apartamentos por tradição material do direito de uso efectuado pelo próprio vendedor e ante possuidor, direito de uso esse que deve ser reconhecido
Interessa saber quando é que ao Réu foi vendida a mencionada fracção “B” do estacionamento.
Temos a fotocópia do documento autêntico que é a certidão da Conservatória do Registo predial do prédio em causa e relativas às fracções “B”, “F” e “G” de fls. 275 a 294, notificado à parte contrária que nada disse, e que por isso se tem por valor equivalente ao original
Dele consta, além do mais, uma primeira aquisição de 2/12 avos dessa fracção e que foi registada provisoriamente mediante a apresentação AP..... de 15/5/1995; seguindo-se penhoras da Fazenda Nacional registadas em 24/5/1995 e 5/2/1997, seguindo-se-lhe a caducidade do registo daquela aquisição em 3/9/1998 (cfr. fls. 287); nessa mesma data o Réu regista a aquisição dos mesmos 2/12, conforme fls. 287), registo esse definitivo, a que seguem registos de hipoteca judicial (14/09/1998) na execução que lhe move U... e aos 25/09/98 de penhora em que é exequente a Fazenda Nacional, vindo a ser cancelada essa aquisição com data de 21/5/2001 e registada a aquisição da mesma fracção por arrematação que veio a ser registada em 21/05/2001.
Embora não esteja certificada a data da arrematação judicial da fracção “B” pelo Réu, o certo é que o registo é de 21 de Maio de 2001 (ponto 40 da decisão de facto), enquanto as aquisições por parte dos Autores se verificaram em 1999 e 2000. O registo da constituição da propriedade horizontal, tudo indica, é de 3/4/1995 mediante a AP. .....
A afectação das arrecadações às fracções autónomas foi feita pelo construtor que inscreveu na frontaria a cada uma delas a identificação do respectivo apartamento a que passavam a estar afectadas (cfr. pontos 31, 32, 33, 34, 35, correspondentes às respostas dadas aos quesitos 1, 2, 3, 12, 4 a 7, 13, 8 a 11, 14, 15 e 16). Não vem expressamente referida a data dessa afectação ou distribuição. Contudo, da motivação dada, entre outros, aos quesitos 15 e 16, consta: “(…)essencialmente relevante o depoimento prestado pela testemunha JPM, sócio gerente da sociedade CCM, que impulsionou a prossecução da construção do prédio, tendo acompanhado de perto a execução dos trabalhos. A aludida testemunha confirmou a existência de arrecadações desde o início da construção, fazendo parte do primitivo projecto e que as mesmas ficaram afectas às fracções de maior dimensão, forma a serem utilizadas pelos respectivos proprietários(…)”
Ora se o construtor (não se percebe bem se o referido JPM se outro anterior), construiu as arrecadações em conformidade com um projecto inicial e se aquando da construção afectou as arrecadações do modo que ficou demonstrado, isto é com delimitação em alvenaria e porta de ferro, entrada comum mas destinada a essas arrecadações, instalação eléctrica individualizada, ligada directamente ao quadro eléctrico da respectiva habitação, então é de concluir que ocorre uma destinação objectiva desses espaços que a lei presume comuns (por não constarem de qualquer título) às fracções em causa e essa destinação, tudo indica, é anterior à constituição da propriedade horizontal de Março de 1995.
A destinação objectiva assim feita transfere ab initio a dominialidade desses espaços comuns para os adquirentes das fracções, sem necessidade da alegação e prova dos factos caracterizadores da posse, designadamente através de eventual inversão do título de posse nos termos do art.º 1406 do CCiv, já que se não pode falar verdadeiramente em mero uso permitido pelos restantes condóminos, para o que seria necessária a alegação dos necessários factos, o que os Autores tentaram fazer nos autos, já em fase extemporânea e levou ao indeferimento como se viu na parte I.
Procederá assim a acção quanto ao pedido de declaração e de condenação do Réu a ver reconhecido que as arrecadações fazem parte integrante das respectivas fracções dos autores, embora com diferente fundamentação daquela que os recorrentes invocam. IV- DECISÃO
Tudo visto julga-se a apelação procedente, revoga-se a sentença recorrida no segmento absolutório relativo à dominialidade das arrecadações, julga-se a acção parcialmente procedente por provada declara-se que as arrecadações existentes ao nível da 2.ª cave do prédio sito no ..... em Lisboa, fazem parte integrante das fracções autónomas que os Autores adquiriram em resultado da destinação objectiva do construtor e que vem provada nos pontos 32, 34, 35 e 36 da decisão de facto, mantendo-se o mais da decisão recorrida.
Custas por Autores e habilitados sucessores do Réu F....., na proporção de ¼ para os Autores e ¾ para os habilitados sucessores do Réu F...., nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 446 do CPC.
Lxa., 2/7/2009 João Miguel Mourão Vaz Gomes Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro
[1] Sandra Passinhas, “As Partes Comuns na Propriedade Horizontal”, Ab Uno Ad Omnes, Coimbra Editora, 1998,Págs. 641/642 e as referências doutrinárias pela mesma Autora a feitas. [2] Mota Pinto, Compropriedade, Propriedade Horizontal, Direito de Superfície, Servidões Prediais, Usufruto, Uso e Habitação, RDES 21:111, citado por Sandra Passinhas, obra citada em 1, pá. 643. [3] Sandra Passinhas, obra citada pág. 651, citando, no mesmo sentido, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol. III em anotação do art.º 1421, autor que ressalva, todavia, a aquisição de partes presumidamente comuns por actos possessórios; António Visco, Le Case In Condominio, 1964, pag. 60 [4] Sandra Passinhas, obra citada páginas 648/650, distinguindo todavia a afectação da coisa comum ao uso exclusivo da destinação objectiva ou seja a coisa que não vindo especificada no título se deve considerar comum nos termos do n.º 2 do art.º 1422, não podendo todavia deixar de ser própria, quer pela sua estrutura objectiva, quer pela sua situação ou alguma circunstância juridicamente relevante encontra-se destinada à fracção autónoma Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, anot ao art.º 1421, Armindo Ribeiro Mendes, “A Propriedade Horizontal no Código Civil de 1966, ROA 30:65, citados por aquela autora; Aragão Seia, “Propriedade Horizontal” 2.ª edição, págs. 74/75; no mesmo sentido, entre outros os Acórdãos do S.T.J de 23.3.1982 In BMJ 315/270, de 9.5.1991 in BMJ 407/545, Acórdãos da Relação de Lisboa de 30.06.81 in BMJ 313/316 e de 20/01/94. [5] Nesse sentido, entre outros os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/6/1993, CJASTJ, T. II, pág. 158, a propósito de um logradouro desde o início adquirido com a fracção (por o respectivo proprietário o ter pago e por só pela fracção ter acesso), para ser utilizada em exclusivo por determinado condómino, ainda que tal exclusividade não seja referida no título de 8/2/2000, in CJASTJ, Ano VIII, tomo I, págs. a propósito do sótão ou “Vão do telhado”cujo uso foi afectado desde o início a uma das fracções e também os acórdãos disponíveis na base de dados on line www.dgsi.pt da Relação de Lisboa de 18.2.1997, de 29.6.1999 do S.T.J de 19.5.2009 no processo 1793/05.4TBFIG.C1S1, também disponível no mencionado sítio informático, a propósito de uma cave situada imediatamente abaixo da fracção cujo proprietário se arroga também proprietário do espaço, cujo único acesso se verifica pela fracção.. [6] Sandra Passinhas, obra cit. pág. 650.