ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCESSIONÁRIO
ESTRADAS
INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
PRESUNÇÃO
Sumário

Nos casos de acidentes de viação ocorridos em vias rodoviárias concessionadas, sem portagem, eventual obrigação de indemnização da concessionária reger-se pelas regras da responsabilidade extracontratual.

Sendo assim, à actividade da concessionária é aplicável o regime previsto nos arts. 483º e ss e particularmente no art. 493º, nº1, do CC, pelo que, estando obrigada a um poder-dever de vigilância, a constatação objectiva de um defeito de manutenção ou conservação, faz presumir a violação culposa de um dever de segurança no tráfego.

Se um acidente se verifica devido à presença de um obstáculo ou outra fonte de perigo, estamos perante uma anormalidade objectiva susceptível de servir de base a presunção de existência de um defeito de conservação, o qual, em sentido amplo, engloba a detecção e eliminação ou neutralização de focos de perigo.

Como corolário da sua nuclear obrigação de assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, recai também sobre a Concessionária o dever de afastamento de obstáculos ou a eliminação de outros fontes de perigo, derivem de acontecimentos naturais (como a neve e o gelo) ou mesmo de facto de terceiros (caso das manchas de óleo).

Particularmente em condições atmosféricas adversas, não satisfaz o dever de vigilância o mero patrulhamento em veículos automóveis, sem se proceder a uma observação minuciosa, por técnicos competentes, da área a fiscalizar, de forma a evitar o perigo de deslizamentos para quem circule na via.

(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na 7ª Secção do tribunal da Relação de Lisboa

1. A moveu a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra “V, S.A.”, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 26.336,55, a título de danos patrimoniais e a que se vier a liquidar, a título de dano patrimonial pela privação do uso do seu veículo, bem como os juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em suma, que:

No dia 19/11/2001, quando conduzia o seu veículo pela estrada  nº 101, ao Km 28,5, foi surpreendido pela existência de pedras de grande porte e terras caídas no pavimento, que ocupavam a faixa de rodagem por onde seguia.

O carro do autor galgou os escombros, capotou e foi embate nos raids de protecção, tudo provocando danos que quantifica.

2. Regularmente citada, a ré não contestou.

3. O autor requereu a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros  SA”, o que foi admitido – fls. 130.

4. A interveniente apresentou contestação.

5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou as rés a pagar ao autor a quantia de € 20.849,75, acrescida de juros de mora, vencidos desde a citação até integral pagamento.

6. Inconformada, apela a ré, V e, em síntese conclusiva, diz:

No que toca à matéria de facto, atendendo à prova produzida, impugna as respostas dadas aos quesitos 3°, 4°, 5°, 7°, 9°, 12°, 13°, 19°, 21°, 21°-A, 22°, 25°, 26°, 30°, 31°, 33°, 34°, 35°, 36°, 38°e 41°.

O quesito 3° deve ser dado como não provado.  

Quanto ao quesito 4°, a expressão grande porte é conclusiva, apenas resultou provado que existiam pedras e terra caídas no pavimento.

No que respeita ao quesito 5°, resultou provado que as pedras ocupavam cerca de 30 cm da fila de rodagem por onde seguia.

Deve ser negativa a resposta aos quesitos 7°, 9º e 12º.

Ao invés, o quesito 19° deve merecer resposta positiva.

O quesito 13º que o tribunal deu como integralmente provado, devia ter sido simplesmente “o A. capotou”.

O tribunal devia ter dado como provado o quesito 21°.

Deve ser dado como provado o quesito 21-Aº.

Ao quesito 22° devia ter-se respondido positivamente, ou, pelo menos, que "o veículo do A. tinha o rodado traseiro do lado direito completamente liso e o rodado do lado esquerdo traseiro apresentava a sua parte central lisa”.

Na resposta o quesito 25° devia ter-se dado igualmente por provado que o Sr. F chegou ao local do embate 5 minutos depois.

Deviam ter sido dados como provados os quesito 26°, 30º, 31º, 33º e 34º, sendo nula a sentença nesta parte, por falta de fundamentação, quanto aos quesitos 33 e 34.

A resposta ao quesito 35°, por ser de natureza conclusiva, devia ser considerada não escrita.

Os quesitos 36° e 38º deviam ter merecido uma resposta positiva.

O quesito 41° deve ser considerado provado apenas até danos.

A Lei n° 24/2007 não tem aplicação ao caso, pelo que, ao aplicá-la, a sentença recorrida viola os arts. 13°, nºs 1 e 2, 20°, n° 4, 62°, n° 1, 227° e 228° da Constituição, o art. 7°, n 3, do CC e a Lei n° 24/2007.

Há que distinguir entre o que respeita à conduta da apelante quanto à conservação do talude e o que respeita à sua conduta quanto à sinalização.

Aliás, o A., a quem cabia o ónus de provar a ilicitude, nem sequer alegou qualquer facto constitutivo de um comportamento ilícito da R. — e tanto basta para fazer cair a acção.

Quanto à conservação do talude, não foi provada a ilicitude do comportamento da apelante.

Exigia-se do A., para demonstrar urna omissão ilícita da R., que alegasse e demonstrasse que o deslizamento se deveu a verdadeira falta de manutenção da via pela R. — mas não o fez, repete-se.

Em todo o caso, pese embora a alegação e prova da inexistência de ilicitude não coubesse à R., o certo é que ficou demonstrada tal inexistência.

Quanto à culpa, também não se encontra nos autos alegação ou prova de qualquer facto demonstrativo da culpa da apelante ao invés, há prova de ausência de culpa.

Em suma, não estão provadas a ilicitude e a culpa da apelante no que toca ao dever de manutenção do talude.

Quanto à sinalização da existência do deslizamento, ficou por demais demonstrado que à apelante não era exigível mais do que fez.

A conduta do A. aquando do embate revela que o mesmo se ficou a dever não à apelante, mas sim ao A., o que tem o efeito de quebrar logo qualquer causalidade que fosse susceptível de estabelecer entre o comportamento da apelante e os danos ocorridos. E sem nexo de causalidade entre facto e dano não há responsabilidade.

Em todo o caso, o tribunal a quo devia ter levado em consideração, no quadro dos arts. 570° e 572° do CC, o facto de o A. ter agido com evidentíssima culpa.

Ao não fazê-lo, a sentença recorrida viola os arts. 570° e 572° do CC, os arts. 25°, n° 1, ais. f) e h), e 87°, n° 3, do Código da Estrada, e os arts. 6°, 11° 1, e 10°, nºs 1 a 3, do Decreto Regulamentar n° 7/98.

Não se provou em primeira instância que o montante dos prejuízos fosse aquele em cujo pagamento a apelante foi condenada.

7. Nas contra-alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


9. Os factos


9.1. É a seguinte a factualidade dada como provada na 1ª instância:


A)
No dia 19 de Novembro de 2001, na Estrada n°  na via rápida, ocorreu um embate, em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula QQ (a partir daqui designado por QQ), conduzido pelo Autor, seu proprietário (al. A) dos factos assentes).

B)
Na altura, o piso encontrava-se molhado pela chuva (al. B) dos factos assentes).

C)
No local do embate, a estrada forma uma recta, onde são possíveis duas filas de rodagem, no mesmo sentido de marcha (al. C) dos factos assentes).

D)
O veículo QQ seguia no sentido S-F (al. D) dos factos assentes).

E)
Pelas 17h30m, o Autor circulava na fila de rodagem da direita (resposta positiva ao artigo 1° da base instrutória).

F)
A fila de rodagem da esquerda estava ocupada com o trânsito de viaturas que estavam a ultrapassar o veículo QQ (resposta positiva ao artigo 3° da base instrutória).

G)
De repente, o Autor apercebeu-se da existência de pedras de grande porte e terra caídas no pavimento (resposta positiva ao artigo 4° da base instrutória).

H)
(...) que ocupavam a fila de rodagem por onde seguia (resposta positiva ao artigo 5° da base instrutória).

I)
As pedras desprenderam-se e a terra escorregou dos taludes daquela via rápida (resposta positiva ao artigo 6° da base instrutória).

J)
(...) obstruindo a passagem do veículo QQ (resposta positiva ao artigo 7° da base instrutória).

L)
À hora relatada, não existia qualquer informação naquela via rápida a avisar os utentes da existência de tal obstrução (resposta positiva ao artigo 8° da base instrutória).

M)
O Autor não conseguiu desviar-se para a fila da esquerda, porque a mesma estava ocupada com os veículos que ultrapassavam o seu veículo (resposta positiva ao artigo 9° da base instrutória).

N)
O Autor embateu numa pedra (resposta ao artigo 11° da base instrutória).

O)
(...) fazendo com que perdesse o controlo do seu veículo (resposta positiva ao artigo 12° da base instrutória).

P)
(...) e em seguida capotasse (resposta positiva ao artigo 13° da base instrutória).

Q)
(...) indo embater contra os raids de protecção da fila por onde seguia (resposta positiva ao artigo 14° da base instrutória).

R)
(...) onde ficou imobilizado (resposta positiva ao artigo 15° da base instrutória).

S)
No momento do embate fazia vento e chovia significativamente (resposta positiva ao artigo 16° da base instrutória).

T)

O embate referido em A) ocorreu no início da clotóide de acesso à recta que constitui o viaduto do P (resposta positiva ao artigo 17° da base instrutória).

U)

No local, cada faixa de rodagem tem 3,5 metros de largura (resposta positiva ao artigo 18° da base instrutória).

V)
O veículo do Autor tem a largura de 1,695 m. (resposta positiva ao artigo 20° da base instrutória).

X)
O Centro de Controlo foi alertado, pela primeira vez, pelas 17h15m, por um funcionário da mesma, F, o qual circulava no outro sentido do trânsito momentos antes do embate e se apercebeu de um deslizamento de terras no local onde o mesmo embate ocorreu (resposta restritiva ao artigo 23° da base instrutória).

Z)
O referido funcionário inverteu o seu sentido de marcha dois nós depois do local do acidente (resposta com esclarecimento ao artigo 24° da base instrutória).

AA.)
(...) tendo chegado ao local do embate, onde entretanto já tinha ocorrido o embate (resposta positiva ao artigo 25° da base instrutória).

BB)
Um funcionário da V sinalizou a viatura, que se encontrava abandonada, de modo a evitar novos acidentes (resposta positiva ao artigo 26° da base instrutória).

CC)
Entretanto, e na sequência da chamada do referido funcionário, a V já tinha mobilizado um veículo da sua assistência, que chegou ao local às 17h37m (resposta positiva ao artigo 27° da base instrutória).

DD)
O embate foi comunicado à PSP por volta das 17h32m (resposta positiva ao artigo 28° da base instrutória).

EE)
Durante a construção do traçado anterior da E e posteriores intervenções de construção, adaptação à faixa Norte da Via, com duas vias no mesmo sentido, e durante o tempo em que explorou este troço, o Governo Regional não mandou construir ou colocar no local em causa protecção especial contra o desprendimento de pedras (resposta positiva ao artigo 29° da base instrutória).

FF)
A V limitou-se a efectuar no local saneamentos de rotina e limpeza (resposta restritiva ao artigo 32° da base instrutória).

GG)
Após o embate referido em A), no âmbito da concessão acordada com o Governo Regional, procedeu-se à consolidação do talude situado no local onde ocorreu esse embate (resposta conjunta aos artigos 33° e 34° da base instrutória).

HH)
A V celebrou um contrato com a “C, Ldª” para proceder aos serviços de patrulhamento e assistência aos utentes da via (resposta restritiva ao artigo 36° da base instrutória).

II)
No local do embate, tendo em conta a visibilidade a partir da faixa Sul e vice-versa, a periodicidade do patrulhamento é, em média, de duas horas (resposta positiva ao artigo 37° da base instrutória).

JJ)
Sendo que a patrulha circulou no local do embate às 16h10m, não registando qualquer ocorrência ou risco de perigo (resposta positiva ao artigo 39° da base instrutória).

LL.)
(...) pelo que a nova passagem seria às 18h10m (resposta positiva ao artigo 40° da base instrutória).

MM)
Em consequência deste despiste, o veículo do Autor apresentava danos que determinou a inviabilidade da reparação (resposta restritiva ao artigo 41° da base instrutória).

NN)
O Autor adquiriu o veículo QQ, no estado de novo, em 27 de Novembro de 2000, por 20.849,75 euros (resposta positiva ao artigo 42° da base instrutória).

00)
A concessionária da via rápida, V, S. A., transferiu a sua responsabilidade civil decorrente da exploração e manutenção do troço rodoviário da E para a Companhia de Seguros  S. A. (al. E) dos factos assentes).

9.2. Em conformidade com o teor do despacho de fls. 525, que decidiu as reclamações contra a selecção dos factos assentes, altera-se a alínea A), dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção:

“No dia 19 de Novembro de 2001, na E, na via rápida, ocorreu um embate, em que foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula QQ (a partir daqui designado por QQ).”

9.3. Adita-se aos factos provados a matéria de facto constante do quesito 21º-B, dada como provada e que, por lapso, não foi incluída no elenco dos factos provados:

“O veículo conduzido pelo autor tem um sistema de travagem composto por ABS e EBD, vulgarmente designado por repartidor electrónico de travagem.”

10. São as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

11. Da nulidade da sentença

Alega a apelante que a sentença é nula, por falta de fundamentação (quanto aos quesitos 33º e 34º).

Acontece que a nulidade prevista na al. b), do art. 668º, do CC só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, não se configurando quando haja deficiência na motivação.

Em todo o caso, cumpre dizer que a decisão de facto está devida e profusamente motivada, pelo que nenhuma irregularidade se pode, nesse aspecto, apontar à decisão recorrida.

12. O recurso de facto

Pretende a apelante que se dê como não provada a matéria dos quesitos 3º e 9º em que se perguntava: “A fila de rodagem da esquerda estava ocupada com o trânsito de viaturas que estavam a ultrapassar o veículo QQ?” (3º) e “O autor não conseguiu desviar-se para a fila da esquerda, porque a mesma estava ocupada com os veículos que ultrapassavam o seu veículo?” (9º).

Alega, para o efeito, que o depoimento da testemunha J não merece credibilidade, desde logo porque «é de tal forma pormenorizado quanto à sequência do acidente que não pode ser real».

Não merece a nossa concordância.

A testemunha em questão, um bombeiro que, no momento do acidente, passava no local, conduzindo uma ambulância, demonstrou conhecimento directo dos factos. Por isso mesmo, não é de estranhar que, tendo presenciado o acidente, o seu depoimento seja particularmente detalhado e rico em pormenores.

Deste modo, não se vê qualquer razão para pôr em causa a sua isenção ou atribuir menos credibilidade ao seu depoimento.

Note-se, além disso, que outras testemunhas, como se verá, confirmam a sua versão dos factos e admitiram expressamente que um condutor que circule em sentido contrário, como era o caso da testemunha, tem ângulo de visão para poder presenciar um acidente que ocorra na outra faixa.

Pretende a apelante que se alterem as respostas dadas aos quesitos 4º, 5º, 7º (que foram considerados provados) e 19º (considerado não provado).

Argumenta, por um lado, que a expressão «grande porte» é de natureza conclusiva, e, por outro, que a prova documental (participação à PSP e relatório da ocorrência, elaborado por um funcionário da V) e testemunhal (depoimentos de H e de F, ambos funcionários da V) não permite suportar as respostas dadas.

É o seguinte o teor dos referidos quesitos:

"De repente, o A. apercebeu-se da existência de pedras de grande porte e terra caídas no pavimento?” (quesito 4°)

"(...) que ocupavam a fila de rodagem por onde seguia?” (quesito 5º).

"(as pedras e a terra) obstruíam a passagem do veículo QQ?” (quesito 7°).

"(…) sendo que as pedras depositadas no pavimento não estariam a mais de 30 cm para dentro da via direita” (quesito 19°).

Adiante-se, desde já, que não subscrevemos o entendimento de que a expressão «grande porte» assuma natureza conclusiva. Trata-se de uma locução, cujo significado não oferece qualquer dúvida, como decorre dos depoimentos das testemunhas que interpretaram aquele segmento com o sentido empírico e comum que a mesma contém.

Vejamos, então, se a prova é de molde a justificar a alteração das respostas aos quesitos supra referidos.

No que se refere à prova documental invocada pela apelante para contrariar as respostas dadas aos quesitos, é patente que, atento o seu teor, os ditos documentos (participação do acidente à PSP, relatórios elaborados por funcionários da V) não permitem alterar a decisão de facto, sendo certo que também não possuem força probatória que, só por si, justificasse a pretendida alteração.

Quanto à prova testemunhal invocada:

A testemunha H, encarregado de circulação da ré, V, declarou que «a pedra deveria ter à volta de uns 20/30cm de altura e estava dentro da via, a cerca de 30cm da linha da berma. Havia também terra, caída na via e na valeta». Referiu também que não foram requisitados meios especiais para afastar a pedra, a qual foi afastada pela própria testemunha com o pé.

Em consonância com este depoimento, temos o da testemunha F, também empregado da ré, V. Segundo disse, havia pedras pequenitas, pedras no meio da terra e uma pedra com cerca de um palmo de largura, na via da direita, a não mais de 50cm da berma.

De acordo com estas testemunhas, o deslizamento de terra e pedras, não obstruía a passagem dos veículos que circulavam na faixa do lado direito da via, como era o caso do veículo conduzido pelo autor.

Acontece, porém, que uma outra versão dos factos foi apresentada por outras testemunhas, cujos depoimentos são, porventura, merecedores de maior credibilidade, já que não têm qualquer ligação às partes envolvidas, como é o caso das indicadas pela apelante.

Na verdade:

A testemunha L, agente da PSP, depôs com muita clareza e precisão, de forma objectiva e desinteressada, revelando uma grande preocupação pelo rigor, corrigindo e justificando lapsos, sem importância, como sucedeu quanto ao seu horário de turno, no dia do embate. Foi, aliás, a primeira pessoa a chegar ao local do acidente, ainda antes da assistência da ré, V.

Em resumo, disse que:

«Na via rápida há várias curvas devidamente sinalizadas, e depois uma recta. As pedras estavam precisamente num local depois de uma curva, por isso o condutor não tinha grande visibilidade.

Havia várias pedras: grandes e pequenas. As maiores eram superiores a 2 palmos. Havia também terra no pavimento. Desprenderam-se da encosta, que não tinha protecção. Ocupavam mais de metade da faixa de rodagem do lado direito. A via estava quase toda obstruída pelas pedras. Obstruíam a passagem dos veículos que circulavam nesse lado da via».

Questionado sobre o croqui que elaborou, na altura, e que poderia dar a impressão de que as pedras estavam numa outra localização, disse que «o croqui não é feito à escala.» E reafirmou, por diversas vezes, que a faixa estava toda ocupada pelas pedras.

Também a testemunha G, motorista de táxi que transportou o autor para o F, depois do acidente, corrobora esta versão.

Em síntese, disse que:

“O acidente aconteceu uns metros antes da ponte do porto novo. Havia várias pedras de diversos tamanhos e lama, a ocupar a totalidade da faixa de rodagem do lado direito, que tinham caído do talude. Com as chuvas, a terra e a pedra caía, o que era frequente. Estava a chover bastante. Não era fácil passar na via. Só pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, mas se vierem carros nessa faixa já não dá para passar.”

De idêntico teor é o depoimento da testemunha J, bombeiro:

“Viu o acidente, por ir a conduzir uma ambulância, no local. Transitava em sentido contrário ao do autor. Presenciou o acidente[1]. Chovia com alguma intensidade. Saiu do quartel e passou no local, por volta das 17h e tal, já lá estavam as pedras. O local é a seguir a uma curva. Desviou-se para a faixa do lado esquerdo, porque nessa altura não havia trânsito.

Havia pedras grandes e pequenas que obstruíam totalmente a faixa da direita.

Já no regresso a S, vindo do F, presenciou o acidente. O autor ainda tentou afrouxar, mas galgou as pedras e capotou. Não podia passar para o lado esquerdo da via, porque circulavam carros desse lado. O que o fez perder o controlo do veículo foram as pedras.”

Sobre a matéria, a testemunha D declarou que:

“Passou no local antes do acidente. Viu as pedras mais ou menos a 10/15m. Havia uma derrocada do lado direito da faixa de rodagem. Pedras grandes e pequenas e terra.

Passou para o lado esquerdo, para se desviar das pedras. Se viesse algum carro a ultrapassá-lo, não conseguia passar. Ou batia nas pedras…”

Também a testemunha O disse que “passou no local, antes do acidente. Já havia as pedras na via. Na altura, a empresa não colocava informação no local. Só não teve um acidente porque vinha devagar e se desviou para a esquerda. Se passasse por cima das pedras espatifava o carro todo. Havia uma pedra grande e redonda, a meio da faixa de rodagem, semi-cobertas de água. Até pensou: isto vai dar origem a um acidente. Tinha caído um aguaceiro forte. Os taludes na data do acidente não estavam consolidados como estão hoje. Ao regressar a S viu o carro capotado. Mais tarde veio a saber que era ao carro do autor.”

Não se vê pois fundamento algum para altear as respostas dadas aos quesitos supra referidos.

Relativamente aos quesitos 12º, 13º, 21º, 21º-A e 22º:

Pergunta-se, nestes quesitos, se a existência de pedras e lama, a obstruir via, fez o autor perder o controlo do seu veículo e capotar ou se, pelo contrário, foram a sua desatenção e a existência de pneus «lisos» que o não deixaram imobilizar o seu veículo.

Face à prova testemunhal produzida (cf. designadamente os depoimentos acima aludidos) não restam dúvidas de que o despiste se ficou a dever à existência de pedras e lama no pavimento, obstáculos totalmente imprevisíveis para qualquer condutor normal. Note-se que o acidente ocorreu após uma curva que não lhe deixava ter visibilidade total sobre o ponto onde se encontrava a derrocada – como referido pelas testemunhas – e que o deslizamento de pedras e terra ocupavam, como se disse, mais de metade da via. Além disso, ficou também provado que a presença de carros no lado esquerdo da mesma faixa de rodagem não permitiu ao autor desviar-se para esse lado da via.

Por seu turno, por razões óbvias, não é de dar como provado que os pneus do carro do autor estivessem lisos, como afirma a apelante, apoiada no depoimento da única testemunha que o referiu, por sinal um empregado da ré, e no relatório de ocorrência que o mesma elaborou.

Em todo o caso, o estado dos pneus, só por si, não permitiria estabelecer uma conexão entre isso mesmo e o acidente.

Quanto aos quesitos 25º e 26º:

Não se vêem razões para alterar as respostas dadas que estão em perfeita sintonia com a prova produzida. Efectivamente, perguntava-se se o Sr. Afonso, técnico de informática da ré, V, chegou ao local do acidente cerca das 17h20m, ou seja, 5m depois do embate. Essa prova não se fez. Pelo contrário, como a própria apelante reconhece, o acidente a essa hora ainda nem teria ocorrido.

E, no que toca ao quesito 26º, da prova produzida decorre que aquele mesmo empregado, ao dar-se conta da existência de guardas de segurança no meio da via, ficou a cerca de 100 metros, antes do local do acidente, a sinalizar (não a viatura sinistrada) mas a presença daqueles objectos na via, o eu podia constituir um perigo para o trânsito. Ele próprio confirmou que nem se aproximou do local onde estava a viatura, por lá se encontrarem os empregados da V, que prestam a assistência nestes caos.

Quanto ao quesito 30º, o depoimento invocado pela apelante, mais uma vez um empregado da ré, não permite responder positivamente ao quesito, desde logo, porque a circunstância de a dita testemunha não ter conhecimento de qualquer comunicação do Governo Regional sobre a perigosidade da via, não significa simplesmente que ela não tivesse existido.

Relativamente ao quesito 31º, cuja resposta é negativa, em que se perguntava se «a V nunca constatou, no decurso das suas regulares inspecções, que o talude em causa tivesse propensão para a ruína ou queda de pedras que pudesse perigar a circulação nesse local», a apelante invoca os depoimentos das testemunhas L, H, B e R.

Estas testemunhas, no essencial, limitaram-se a afirmar que não tinham conhecimento de que tivesse havido desprendimentos de terras ou pedras, naquele talude.

A testemunha H reconheceu, no entanto, que foi feito um trabalho de consolidação do talude no local onde se deu este acidente, o que não deixa de parecer contraditório com o facto de não haver perigo de derrocada no local.

Além disso:

Não haver registos de ocorrências não significa necessariamente que não pudesse haver a qualquer momento, caso o talude apresentasse falta de estabilidade e as condições meteorológicas o propiciassem. E era esta a questão colocada no quesito, e não outra.

Acresce que, como foi unanimemente reconhecido pelas testemunhas, à data do acidente, os meios de supervisão não eram tão eficientes, como serão nos dias de hoje. Como referiu a testemunha P, director de exploração ré, V, só mais tarde, no âmbito da (re) negociação da concessão com o Governo Regional foram revistos os critérios de segurança na via, dotando a concessionária de mios financeiros que lhe permitissem melhorar as condições de segurança dos taludes (…). Na sequência deste acidente também se deu uma especial atenção a esta zona.

Aliás, outras testemunhas disseram que era frequente haver deslizamento de pedras e terra, quando chovia (cf. depoimento de G). Daí a consolidação do talude, ainda que tenha tido lugar apenas depois do acidente a que estes autos dizem respeito.

A apelante pretende que se dê uma resposta positiva aos quesitos 33º e 34º, visando demonstrar que as obras no talude foram feitas na sequência da revisão geral da concessão (e não do acidente), de forma a afastar a imputação à ré de uma conduta negligente.

Porém, a prova produzida apenas permite a resposta (restritiva) dada aos quesitos.

Ou seja, com a indispensável segurança e certeza, apenas é possível afirmar que, em data não concretamente apurada, mas seguramente depois do acidente a que os autos aludem, foi feita a consolidação do talude situado no local onde ocorreu o acidente. É, alias, o próprio Director de exploração da ré que afirma que foi dada especial atenção a este talude por causa do acidente.

Embora não releve para a decisão deste recurso, diremos até que, a ser como diz o director de exploração da ré, Eng. P, a realização de trabalhos de consolidação do talude em questão, apenas em «2003 ou 2004», não pode deixar de ser reveladora de alguma falta de diligência da ré em prevenir acidentes de consequências ainda mais graves que o dos autos.

No que respeita aos quesitos 35º, 36º, 38º:

O quesito 35º (“sendo assim cumpridas as obrigações a que a V estava obrigada ao nível das intervenções de carácter geral, preventivo e correctivas”), tem natureza conclusiva, pelo que a resposta dada (negativa), embora fosse de manter, dada a prova produzida, é de considerar não escrita.

Quanto aos quesitos 36º e 38º (atinentes às medidas de vigilância da via, particularmente no dia do acidente, em virtude da chuva), a prova testemunhal produzida não permite alterar a decisão do tribunal a quo.

Efectivamente, decorre dos depoimentos produzidos que os meios de vigilância do estado da via eram, à data do acidente, pouco mais que rudimentares (a empresa dispunha apenas de 2 carros destinados ao patrulhamento da via).

Note-se, porém, que não estão em causa as indicações genéricas dadas aos funcionários da empresa, mas particularmente as diligências que adoptou no dia do acidente.

Ora, a este respeito, o que se provou é que, num dia de chuva intensa, a ré encarregou um técnico de informática da empresa de «patrulhar a via, com o objectivo de verificar se a iluminação, com a mudança do dia para a noite, se acendia e a dos túneis se apagava».

Não pode, por seu turno, dar-se como provado que, no dia do acidente, a ré, V, teve um especial cuidado na observação dos taludes (quesito 38º).

Por fim o quesito 41º.

Pretende, a apelante, que a prova produzida não permite dar como provado que os danos sofridos pelo veículo do autor determinam a inviabilidade da reparação.

Tem razão, pelo menos em parte.

Na verdade, provou-se que o veículo do autor sofreu danos estimados em cerca de € 15.000 – cf. depoimento da testemunha M, mecânico da concessionária M [2] e relatório pericial de fl. 387 e ss.[3] – o que conjugado com o teor do quesito 42º, permitirá tirar as devidas ilacções, em sede de fundamentação de direito.

Por isso mesmo, porque na elaboração dos quesitos há que ter em atenção que apenas podem conter matéria de natureza factual, a resposta a dar ao quesito deve ser expurgada dos segmentos de cariz conclusivo.

Consequentemente, a resposta ao quesito 41º passa a ter a seguinte redacção:

Provado que em consequência deste despiste, o veículo do autor apresentava danos no valor de cerca € 15.000,00.”


13. Enquadramento Jurídico

O Decreto Legislativo Regional n.º 21-A/99/M, de 24 de Agosto, cria a V, Concessões Rodoviárias da Madeira, S. A. e autoriza a adjudicação da concessão da exploração e manutenção, em regime de serviço público, de exclusividade e de portagem sem cobrança aos utilizadores do troço rodoviário da ER 101 compreendido entre Ribeira Brava e Machico e aprova as respectivas bases de concessão – DR N.º 197, Série I-A 2º Supl 24 Agosto 1999 2 Setembro 1999.

É importante notar, como se referiu no acórdão de 22/672004, do Supremo Tribunal de Justiça (JusNet 3549/2004) que “embora o contrato de concessão tenha como Partes Contratantes o Estado Concedente e a (…) Concessionária, não pode esquecer-se o carácter normativo de algumas das Bases da Concessão; essas Bases não são simples cláusulas contratuais que obriguem, apenas, os Contratantes. Quis o Legislador que tais Bases tivessem eficácia externa relativamente às partes no contrato. E por isso as integrou em Decreto-lei de que fazem parte integrante.”

Presidiu à criação da V, como se afirma no Preâmbulo daquele diploma legal, a constatação pela Região Autónoma da Madeira de que «a sobrecarga repetida do orçamento regional com os encargos de construção e conservação de troços rodoviários de relevante interesse regional carece de ser substituída por uma lógica mais conforme às soluções de financiamento que, de resto, têm sido preferidas em todo o espaço da União Europeia e merecido um incremento muito significativo em Portugal.»

A concessão é de serviço público e tem por objecto o exclusivo da manutenção e da exploração, em regime de portagem, sem cobrança aos utilizadores (SCUT), do troço rodoviário da ER 101 compreendido entre a Ribeira Brava e Machico – BASE II, dos Estatutos, que constituem o Anexo II, daquele DR.
A concessão tem um prazo de duração de 25 anos, contados desde a data da assinatura do Contrato de Concessão – cf. BASE VI, dos Estatutos, que constituem o Anexo II, daquele DR.

A Concessionária é responsável pela exploração das Vias Concessionadas, em condições de operacionalidade e segurança – BASE XVI.
 
É da responsabilidade da Concessionária a manutenção das Vias Concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.

Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a conservação e manutenção dos sistemas de contagem e classificação de tráfego, incluindo o respectivo centro de controlo, e ainda os sistemas de iluminação, de sinalização e de segurança BASE XVII.

A Concessionária deverá assegurar a existência e manutenção em vigor das apólices de seguro necessárias para garantir uma efectiva e integral cobertura dos riscos inerentes ao desenvolvimento das actividades integradas na Concessão, nos termos que forem fixados pelo Contrato de Concessão – BASE XXVII.

À data do acidente, a via onde o mesmo ocorreu estava classificada como estrada regional principal, devendo, nos termos da lei em vigor (Decreto Legislativo Regional nº 22/92/M, de 16 de Julho, alterado pelo Dec. Legislativo Regional nº 19/95/M, de 30 de Agosto), assegurar correntes de tráfego estáveis e permitir uma razoável liberdade de circulação aos condutores (nível de serviço B), sendo inclusive proibido o acesso, a partir das propriedades marginais, à referida estrada. Por sua vez, o acesso à via devia fazer-se por cruzamentos devidamente espaçados, que não interfiram com o nível de serviço desejado, ou por nós de ligação, sempre que se trate de cruzamento de estradas regionais principais – cf. arts. 4º, 5º e 6º, do Dec. Leg. Reg. supra citado.

Dadas as suas características é de considerá-la, por isso, uma via rápida, como aliás veio a ser expressamente consagrado – cf. Dec. Legislativo Regional nº 15/2005/M, de 9 de Agosto.

Como decorre do Decreto Legislativo Regional n.º 21-A/99/M, de 24 de Agosto, a ré, V, detinha a concessão da exploração e manutenção, em regime de serviço público, de exclusividade e de portagem sem cobrança aos utilizadores, do troço rodoviário da ER 101 onde se deu o acidente.

Nos termos das BASES XVI e XVII, a Concessionária é responsável pela exploração das Vias Concessionadas, em condições de operacionalidade e segurança, sendo da sua responsabilidade a manutenção das Vias Concessionadas em bom estado de conservação e boas condições de utilização, operacionalidade e segurança, bem como a realização de todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e permanentemente o fim a que se destinam.

Estabelece-se, ainda, na Base XVIII que a concessionária responderá, nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da Concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo Concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.

Assim, sempre que forem violadas regras destinadas a proteger interesses alheios, a concessionária, perante terceiros, responderá nos termos gerais.

Ou seja: ao remeter para a lei geral, em matéria de responsabilidade civil, o Dec. Leg. Reg. que aprovou os termos da concessão, está, no fundo, a relegar para o Código Civil e demais legislação complementar, designadamente de âmbito nacional.[4]

No caso que apreciamos, atendendo a que os utentes não pagam qualquer taxa pela utilização da via em questão, eventual obrigação de indemnização da concessionária reger-se-á pelas regras da responsabilidade extracontratual.[5]

Sendo assim, à actividade da concessionária é aplicável o regime previsto nos arts. 483º e ss e particularmente no art. 493º, nº1, do CC, pelo que, estando a ré obrigada a um poder-dever de vigilância, a constatação objectiva de um defeito de manutenção ou conservação, faz presumir a violação culposa de um dever de segurança no tráfego.

Actualmente, a lei nº 24/2007 de 18/07 que define os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como auto-estradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, nos termos do Plano Rodoviário Nacional, veio estabelecer no seu art. 12º que nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova cabe à concessionária, desde que estejam verificados determinados condicionalismos.

Tais condicionalismos não estão presentes no caso dos autos, pelo que a norma em questão não tem aqui aplicação.[6]

Face à matéria de facto provada, é patente que a ré, V, a quem incumbia o dever de conservar e manter os taludes, por forma a não se correr o risco do seu desabamento, bem como o de remover os obstáculos que pudessem ter deslizado para a via pública, não logrou afastar a presunção de culpa que sobre si impende.

Na verdade, particularmente em condições atmosféricas adversas, não satisfaz o dever de vigilância o mero patrulhamento em veículos automóveis, sem se proceder a uma observação minuciosa, por técnicos competentes, da área a fiscalizar, de forma a evitar o perigo de deslizamentos para quem circule na via.[7]

Como defende o Prof. Sinde Monteiro, RLJ, ano 131, 48 e ss., “como corolário da sua nuclear obrigação de assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, recai também sobre a Concessionária o dever de afastamento de obstáculos ou a eliminação de outros fontes de perigo, derivem de acontecimentos naturais (como a neve e o gelo) ou mesmo de facto de terceiros (caso das manchas de óleo).”

Assim, “se um acidente se verifica devido à presença de um obstáculo ou outra fonte de perigo, estamos perante uma anormalidade objectiva susceptível de servir de base a presunção de existência de um defeito de conservação, o qual, em sentido amplo, engloba a detecção e eliminação ou neutralização de focos de perigo" – ibidem, pág. 110.

No mesmo sentido se pronuncia o Ac. do STJ de 22 de Junho 2004 (JusNet 3549/2004) (a propósito de um caso em que um cão invadiu a faixa de rodagem):

“O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da auto-estrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direcção efectiva, o poder de facto sobre a auto-estrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço).

Só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados.

Isto significa, no essencial, que «não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento».

Por tudo exposto, impõe-se a conclusão de que as rés, nos termos do disposto nos arts. 562º e ss. do CC., estão obrigadas a indemnizar o autor pelos danos sofridos (a 2ª ré, em virtude do contrato de seguro celebrado com a V), já que se afigura completamente desprovida do indispensável suporte fáctico a pretensão da recorrente de imputar a responsabilidade na produção do evento danoso ao autor e assim excluir o dever de indemnização, por força do art. 570º, nºs 1 e 2, do CC.

Neste contexto, de harmonia com o disposto no art. 566º, do CC, provado que o veículo sofreu danos no montante de € 15.000,00, entende-se que é este o valor a fixar em sede de indemnização, já que o autor não logrou provar a perda total do veículo, isto é, que os danos sofridos tornavam inviável – do ponto de vista técnico – a reparação da sua viatura.

14. Nestes termos, dando parcial provimento ao recurso, acorda-se em condenar as rés, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.


Lisboa, 7 de Julho de 2009


(Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado)


(Rosa Maria Ribeiro Coelho)


(Amélia Ribeiro)

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[1] Esta afirmação, contestada pelos mandatários das rés, acabou
 Por ser confirmada pela testemunha F, funcionário da ré.
[2]  Testemunha que disse, em síntese, que: o carro do autor capotou e ficou com a cabine danificada, bem como a parte mecânica, por baixo. Tinha também a transmissão e o motor apresentava falta de óleo. Acharam na oficina que não era viável a reparação, já que o custo era superior a 3 mil contos. O carro foi comprado em 27/11/2000, era novo e custou 20.849 euros.
[3] Tendo os peritos sinalizado danos ligeiros no chassis (frente esquerda e chapa da frente e parte inferior), estando, a carroçaria, fortemente danificada.
[4] Entendimento que não desrespeita as normas constitucionais, designadamente as constantes dos arts. 227º e 228º, da CRP. Sobre os poderes das regiões autónomas, designadamente sobre o poder legislativo regional cf. CRP, anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira.
[5]  A questão da natureza jurídica da responsabilidade cível das concessionárias de estradas, envolvendo pagamento de portagens pelos utentes, tem dividido a doutrina e a jurisprudência, sustentando uns tratar-se de responsabilidade extracontratual (v.g. os Profs. Meneses Cordeiro - in Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas auto-estradas, Estudo do Direito Civil Português, 2004, pág. 56 e Carneiro da Frada in parecer apresentado na Revista do STJ n° 650/07) e outros a responsabilidade contratual (v.g. Prof. Sinde Monteiro in Revista de Legislação e Jurisprudência anos 131- 41 e segs., 132°, 29. Na jurisprudência, entre muitos, pode ver-se o Ac. do STJ de 22 Junho 2004 (JusNet 3549/2004).
[6] Não tem sentido, por isso, abordar a questão de saber se a referida lei é de aplicar aos acidentes ocorridos em estradas das Regiões Autónomas.
[7] Cf. Ac. da Rel Porto de 22/4/2204, CJ, 2004, 2º, 194.