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INVENTÁRIO
TRANSACÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CUSTAS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Sumário
Nada obsta a que seja judicialmente homologada transacção efectuada pelos interessados em processo de inventário. Para efeitos de quantificação do valor tributário pode considerar-se o valor dos bens indicado na transacção homologada. A correcção da decisão sobre a atribuição da responsabilidade pelas custas não pode ser suscitada no âmbito do incidente de reclamação da conta que apenas pode incidir sobre erros na aplicação da decisão sobre custas. (Sumário do Relator)
Texto Integral
I - M
cabeça de casal em processo de inventário
veio agravar do despacho que indeferiu a reclamação apresentada contra a conta de custas elaborada no referido processo de inventário
Concluiu fundamentalmente que:
a) Existe erro no que concerne à quantificação do valor do processo que deveria ser feita a partir do art. 6º, al. h), do CCJ, e não al. g), sendo calculado a partir da relação de bens apresentada nas finanças ou da avaliação determinada pelo juiz, não tendo fundamento considerar o valor encontrado a partir da escritura de partilha extrajudicial que, na pendência do inventário, foi efectuada;
b) Os valores que constam da escritura pública foram encontrados de modo a facilitar as operações de partilha e evitar a prestação de contas, não correspondendo ao valor dos bens a partilhar;
c) O despacho recorrido parte do pressuposto de que o processo de inventário terminou por transacção quando, afinal, deveria considerar-se que terminou por inutilidade superveniente da lide em consequência da partilha extrajudicial, não cabendo ao juiz proceder a qualquer homologação;
d) A homologação judicial de um documento autêntico, com força probatória plena não era admissível, sendo devida a erro manifesto, pelo que em seu lugar deveria ter sido considerada a extinção da instância por inutilidade superveniente;
e) A decisão homologatória é passível de ser rectificada quanto a custas, já que enferma de lapso manifesto;
f) Em último caso, a referida homologação traduz uma nulidade que afecta o processado posterior.
O Ministério Público contra-alegou.
Cumpre decidir.
II - Elementos essenciais a ponderar:
1. No processo de inventário foi apresentada pela cabeça de casal a relação de bens certificada a fls. 22 e segs.;
2. Pela cabeça de casal foi junta aos autos escritura pública de partilha extrajudicial, sobre a qual incidiu a decisão de 26-3-08, certificada a fls. 29, onde se refere, além do mais, que:
“2.Por termo, vieram, entretanto, a requerente e os demais interessados no inventário, manifestar a sua intenção de fazer cessar a causa, obrigando-se nos previstos termos da transacção efectuada”
...
“4. Pelo que, atenta a qualidade dos intervenientes e o objecto da transacção, julga-se válida a transacção efectuada entre os interessados e que consta da escritura de partilha extrajudicial de fls. 169 a 178, e, em consequência, homologa-se aquela pela presente sentença, condenando-se as partes a cumpri-la nos seus precisos termos, declarando-se, assim, cessada a causa (art. 294º do CPC).
“5.Custas de acordo com o disposto no art. 1383º, nº 1, do CPC, sendo o valor da acção o da soma dos bens a partilhar - cfr. art. 6º, nº 1, al. g), do CCJ, com taxa de justiça reduzida a metade - cfr. art. 14º, al. e), do mesmo diploma”.
3. De tal decisão não foi interposto recurso.
4. Remetido o processo à conta, foram calculadas as custas.
5. A cabeça de casal apresentou a reclamação certificada a fls. 35 e segs., a qual foi indeferida pelo despacho recorrido certificado a fls. 42 e 43, considerando que a reclamação da conta apenas pode fundar-se em vícios intrínsecos ao próprio acto de contagem, sendo que a conta se mostra correctamente elaborada.
III - Decidindo:
1. Nos termos do art. 60º do CCJ, se a conta não estiver elaborada de acordo com as regras pode o juiz determinar oficiosamente as necessárias correcções. Além disso, tal reforma pode ser ainda promovida dentro do prazo de pagamento voluntário por qualquer responsável.
No caso concreto, sob a capa de uma reclamação referente à conta de custas, a cabeça de casal efectivamente pretendeu ultrapassar o que decorre da sentença homologatória da transacção com que os interessados puseram termo ao processo. Sentença essa que, para além de se ter assumido como verdadeiramente homologatória de uma transacção efectuada entre os interessados relativamente à partilha dos bens da herança, incluiu ainda uma directriz expressa em matéria de atribuição da responsabilidade pelas custas e a determinação do critério de quantificação do valor tributário.
A pretensão substancial da agravante pressupunha, assim, que pudesse desconsiderar-se, maxime para efeitos de custas, o que formalmente decorre de sentença homologatória que, por ausência de impugnação, transitou em julgado.
Trata-se de um resultado que o direito adjectivo não consente.
2. Considera a agravante que não era admissível qualquer homologação de transacção, devendo o tribunal a quo limitar-se a constatar a existência dessa forma de partilha extrajudicial e a declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente do processo de inventário. Assim, verificar-se-ia a existência de erro manifesto e, em último caso, de nulidade processual que afecta o processado posterior.
2.1. O modo como o direito adjectivo trata os actos mediante os quais se declara a extinção da instância, maxime a sentença homologatória, não admite o tratamento displicente que subjaz à pretensão da agravante.
A transacção constitui uma das múltiplas formas mediante as quais as partes podem pôr termo ao litígio ou, como ocorre no processo de inventário, mediante as quais os interessados pode obter a regulação dos seus interesses.
Nos termos do art. 1248º do CC, a transacção é um contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.
Antes da modificação operada pelo Dec. Lei nº 116/08, de 4-7, na redacção do art. 1250º do CC, era exigível a escritura pública na transacção extrajudicial quando dela derivasse algum efeito para o qual a escritura fosse exigida, como ocorria no caso concreto em que estava em causa a partilha de herança que abarcava imóveis e quota em sociedade comercial. Pode também ser efectuada também por termo no processo ou em acta.
Importante é notar que a lei admite como forma de extinção da instância a homologação judicial da transacção lavrada de acordo com a forma exigida pela lei substantiva que as partes juntem aos autos, nos termos do art. 300º do CPC.
Assim ocorreu no caso concreto.
Na pendência do processo de inventário facultativo, os interessados fizeram chegar ao processo uma escritura pública de partilha extrajudicial configurando um acordo de transacção sobre o qual incidiu a sentença homologatória proferida pelo Mº juiz a quo.
Em termos formais, foi com fundamento na homologação da transacção efectuada pelos interessados que foi declarada a extinção da instância, nos termos do art. 287º, al. d), do CPC.
O acto de homologação correspondeu, tanto na forma como na substância, a uma verdadeira sentença, decorrendo do seu trânsito em julgado, além do mais, os efeitos referidos nos arts. 671º e 673º do CPC.
2.2. Relativamente a uma sentença transitada em julgado apenas podem ser dirigidos requerimentos de rectificação que se inscrevam nos estreitos limites do art. 667º.
Ora, nenhum dos aspectos referidos pela agravante se insere em tal previsão normativa. Designadamente, não é legítimo invocar a existência de qualquer erro manifesto, quer em relação à forma que foi adoptada para a extinção da instância, quer em relação ao conteúdo da decisão a respeita da fixação da responsabilidade pelas custas ou da quantificação do valor tributário.
Prevendo-se a possibilidade de rectificação da sentença quando se verifiquem “quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, não pode integrar-se em tal segmento a referida homologação nem a fixação do critério para determinação do valor tributário, não podendo confundir-se as situações a que aquele preceito respeita com as que se inscrevem nos arts. 668º ou 669º do CPC.[1]
Ainda que neste se abarquem erros de julgamento que envolvam matéria de custas,[2] a sua correcção obedece a um mecanismo mais rigoroso, dependente de iniciativa das partes [3] deduzida dentro do prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão.
2.3. Tão pouco pode invocar-se a existência de qualquer nulidade processual.
Sendo seguro que a lei distingue perfeitamente as nulidades processuais das nulidades de sentença, a homologação contra a qual se insurge a agravante representaria, em abstracto, um erro de julgamento que, a existir, deveria ter sido impugnado mediante a interposição de oportuno recurso que impedisse o trânsito em julgado.
Não pode considerar-se a aludida homologação como nulidade processual tout court, o que de modo algum modificaria o resultado, pois que, a ser assim, a mesma deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias a que se refere o art. 201º do CPC.
3. Também não procede a pretensão deduzida pela agravante no que concerne à quantificação do valor tributário.
Por um lado, as custas foram calculadas a partir do critério que foi expressamente afirmado na sentença homologatória da partilha, a qual não foi impugnada por qualquer dos interessados. Como tal segmento decisório não se inscreve no reduzido leque de situações previstas no art. 667º do CPC, não pode deixar de se atribuir valor definitivo a tal decisão, com os efeitos que da mesma emanam no que respeita às custas.
Por outro lado, se tal se mostrasse necessário, não poderíamos deixar de afirmar a correcta decisão que foi tomada a esse respeito, pois que em face da junção aos autos do acordo de partilha extrajudicial não poderia deixar de se considerar, para efeitos tributários, o valor nele inscrito.
Aliás, este resultado ponderando o valor real dos bens que foram partilhados tanto se alcançaria por via da al. g) do art. 6º do CCJ (“soma dos bens a partilhar”) como por via da al. h) (“o resultante de avaliação que o juiz entenda necessária”), sendo que tal avaliação jamais poderia ficar abaixo do valor que os próprios interessados declararam.
4. Aqui chegados, importa acentuar, mais uma vez, que a reclamação da conta está limitada naturalmente às situações em que não esteja efectuada de acordo com as regras legais, designadamente no que respeita ao critério expressamente adoptado para efeitos de determinação do valor tributário.
A reclamação da conta (assim como o agravo da decisão que sobre tal incidente seja proferida) não pode visar uma reapreciação do mérito da decisão que fixou a responsabilidade pelas custas ou que incidiu sobre aspectos julgados relevantes para determinação das operações de cálculo.
IV - Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida. Custas a cargo da agravante.
Notifique.
Lisboa, 7-7-09
António Santos Abrantes Geraldes Manuel Tomé Soares Gomes Maria do Rosário Oliveira Morgado
[1] Sobre a distinção entre erro de julgamento e erro material em matéria de custas judiciais, cfr o citado Ac. do STJ, de 17-5-94, onde se diz que " a falta de redução da taxa de justiça, nos casos em que deva ter lugar, reconduz-se, em princípio, a erro de julgamento, que deve ser impugnado por pedido de reforma quanto a custas ou por recurso". [2] Cfr A. Varela, in Manual, pág. 695, R. Bastos, in Notas ao CPC, vol. III, pág. 250, e A. dos Reis, in CPC anot., vol. V, pág. 155. [3] Cfr Ac. do STJ, de 9-12-93, in BMJ 432º/313, e Ac. da Rel. de Lisboa, de 18-6-76, in CJ, tomo III, pág. 759.