CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
MORA
Sumário

I - O contrato pelo qual uma das partes se obriga à concepção de um projecto de arquitectura mediante o pagamento, pela outra parte, dos honorários acordados, consubstancia um contrato de prestação de serviços, cujo regime é disciplinado extensivamente pelas disposições sobre o mandato.
II - Tendo a A. provado o incumprimento da R., incumbia a esta o ónus probatório dos factos impeditivos ou extintivos do direito de crédito à prestação pecuniária daquela, integradores da exceptio non adimpleti contratus.
III - A mora converte-se em incumprimento definitivo, depois do credor interpelar o devedor fixando-lhe um último prazo para cumprir e, não obstante, este não cumpre dentro desse prazo.
IV - Não tendo a R. sequer alegado ter interpelado admonitoriamente a A., não converteu a mora em cumprimento definitivo.
V - A perda de interesse na prestação há de ser apreciada objectivamente, tendo em vista a natureza da obrigação, o seu objectivo e os efeitos do retardamento, de nada valendo a pura afirmação do credor de que já não lhe interessa o cumprimento.

Texto Integral

Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO

1 – (A), Ldª instaurou na Vara de Competência Mista do Funchal a presente acção com processo comum e forma ordinária (Proc nº 487/04 da 1ª Secção) contra (B), Ldª, na qual foi proferida sentença (cfr fls 470 a 475) pela qual se decidiu:
“(…) julgo:
1º A acção totalmente procedente, por provada, e consequentemente condeno a Ré (B), Ldª, a pagar à Autora (A), Ldª, a quantia de 65.000 € (sessenta e cinco mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde o vencimento das facturas até integral pagamento.
2º Improcedente a reconvenção, por não provada, pelo que absolvo a A./reconvinda de todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela R./reconvinte.
...”

2 - Inconformada com a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, a R. interpôs recurso de apelação no âmbito do qual impugnou a matéria de facto, invocou a errónea elaboração da base instrutória e impugnou os juros moratórios, concluindo pela revogação da sentença proferida e condenação do A. no pedido reconvencional.


3 – Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.




Colhidos os vistos legais, e tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

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II - QUESTÃO PRÉVIA
       
       Juntou a A. com as suas contra-alegações dois documentos: projecto de execução datado de Abril de 2004 e uma imagem retirada do sítio da Internet da R. e da (IP) em 23-02-2009.
Visa a recorrida, com a junção destes documentos, concluir que elaborou o projecto de execução e que a R. continua a exibir o projecto da A..
A junção de documentos na fase de recurso é de natureza excepcional, só devendo ser admitida nos casos especiais previstos na lei. Ora, da conjugação dos arts 706º nº1 e 524º nºs 1 e 2, ambos do CPC, resulta que os recorrentes só podem juntar documentos com as suas alegações (ou contra-alegações) se a apresentação daqueles não tiver sido possível até esse momento (nº1 do citado 524º); ou se os documentos se destinarem a provar factos “posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior…” (nº2 daquele preceito); ou ainda se “… a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” (2ª parte do nº1 do art 706º).
Ora, nenhuma daquelas hipóteses se verifica no caso concreto.
Desde logo, a apelada pretende juntar o projecto de execução que já existia à data em que instaurou a acção. E a imagem do sítio da Internet, embora obtida em 23-02-2009, estaria decerto visualizada anteriormente.
 Não resultando dos autos que a própria parte, que agora deles se quer valer, não tivesse conhecimento dos documentos, nem qualquer motivo que lhe impossibilitasse a oportuna junção. Daqui decorre também que a superveniência da ocorrência de factos ou a necessidade de junção por evento posterior, estão, no caso presente, manifestamente ausentes.
E a eventual relevância dos mesmos não surgiu com a decisão da 1ª Instância, o que significa que a pretendida junção não era imprevisível antes dela. A junção só se verifica, quando, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se torne necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida. E o documento torna-se necessário quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do Tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Situação que, igualmente, se não verifica no caso vertente.
Conclui-se, pois, pela inadmissibilidade da junção dos documentos em causa face ao disposto nos arts 706º nº1 e 524º do CPC.
Não se atenderá, pois, aos referidos documentos.


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III – AS QUESTÕES DO RECURSO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos arts 684º nº3 e 690º nº1 do CPC, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões de que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este Tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, são as seguintes as questões controvertidas a resolver:
1ª - existe ou não fundamento para que sejam alteradas as respostas dadas pela Tribunal de 1ª Instância aos nºs 1, 2, 4, 7, 15, 16 e 25  da base instrutória;
2ª - deve ser ampliada a base instrutória visando a perda do interesse contratual da R. (art 37º da contestação);
3ª - a haver sentença condenatória, os juros moratórios não podem ser contabilizados desde a data da emissão das facturas, mas da data da correcção e posterior notificação para pagamento.

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IV – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Nota prévia - Ao presente recurso não é aplicável o regime processual estabelecido pelo Dec-Lei 303/2007, de 24 de Agosto (cfr. nº1 do art 11º e art 12º do citado Dec-Lei).

 Alega a recorrente que considera incorrectamente julgada e, consequentemente, impugna, a decisão sobre a matéria de facto que incidiu sobre os nºs 1 (ponto 20 do elenco dos factos provados fixados na sentença recorrida), 2 (ponto 21 do elenco de factos provados), 4 (ponto 23 dos factos provados), 7, 15, 16 (dados como não provado) e 25 (ponto 35 dos factos provados) da base instrutória.
Diz a recorrente que a decisão quanto à matéria de facto deveria passar por considerar-se não provados os factos constantes dos nºs 1, 2, 4 e 25 da base instrutória (alíneas 20, 21, 23 e 35 do elenco de factos provados constante da sentença) e como provada a factualidade constante dos nºs 7, 15 e 16 da base instrutória, invocando assim ter ocorrido erro notório na apreciação da prova realizado pela Mmº Juiz a quo.
Nesta matéria rege o art 712º do CPC, sendo que a lei é muito clara na enumeração das diversas possibilidades que tem o Tribunal da Relação de alterar a decisão do Tribunal da 1ª Instância sobre a matéria de facto. No caso sub judicio, vem impugnada precisamente essa decisão tomada com base em documentos juntos aos autos e em depoimentos que se encontram gravados, pelo que nada obsta a que o Tribunal ad quem reaprecie as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, “tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”, nos termos previstos no nº 2 desse normativo legal.
Antes de mais, diga-se que a recorrente especifica nas suas alegações de recurso os concretos pontos de facto da base instrutória que considera agora incorrectamente julgados, como lhe competia e o impõe a alínea a) do nº1 do art 690º-A do CPC, assim se percebendo exactamente do que discorda e pretende ver alterado nesta sede. E mais: apresenta a transcrição (parcial) dos segmentos dos depoimentos em que se funda – o que naturalmente não exime a Relação de os ouvir na sua totalidade, como ouviu, para ficar com uma visão de conjunto. O normativo em causa está, assim, cumprido, bem como alcançada a respectiva finalidade.
Todavia, convém salientar que "a garantia deste duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca pode envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto" (cfr. preâmbulo do Dec-Lei nº 39/95, de 15-02, que introduziu o sistema do registo das provas em audiência e o recurso nessa matéria).
Quanto à parte que aqui cumpre reapreciar, o perguntado e respondido na base instrutória foi o seguinte:
nº1 – No dia 10 de Maio de 2004, a Autora procedeu à entrega dos projectos?
resposta: provado que a Autora procedeu à entrega dos projectos antes do mês de Junho de 2004 (ponto 20 do elenco dos factos provados fixados na sentença recorrida);
2 - A partir daí a Ré utilizou os projectos para obter as diferentes autorizações de que necessita para levar avante o seu projecto nomeadamente deu entrada dos projectos no INH para aprovação?
resposta: provado (ponto 21 dos factos provados);
nº4 - A Autora procedeu às modificações solicitadas e comunicou esse facto à Ré?
resposta: provado (ponto 23 dos factos provados);

nº7 - A Autora entregou à Demandada somente duas cópias do projecto de arquitectura?
resposta: não provado;
nº15 - A Autora jamais apresentou à Demandada o projecto referido no art. 8º da presente contestação devidamente corrigido?
resposta: não provado;
nº16 - A Autora não entregou igualmente o original do projecto de arquitectura e a totalidade as cópias acordadas relativamente ao mesmo, bem como nunca apresentou o projecto de execução (incluindo os seis processos) acordado e o suporte informático do mesmo, designadamente em CD?
resposta: não provado;
nº25 – O projecto foi devidamente corrigido e de tal correcção, que ficou pronta em Agosto de 2004, foi em devido tempo dado conhecimento ao representante da Ré Snr. (H)? 
resposta: provado que o projecto foi devidamente corrigido, situação que foi dada a conhecer ao representante da Ré, Sr. (H) (ponto 35 dos factos provados).
 
O Mmo Juiz a quo fundamentou as suas respostas aos quesitos nos seguintes termos:
“ No âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não é exigível que a convicção do julgador sobre a validade dos factos alegados pelas partes equivalha a uma absoluta certeza, raramente atingível pelo conhecimento humano. Basta-lhe assentar num juízo de suficiente probabilidade ou verosimilhança, que o recurso às presunções judiciais (arts 349 e 351 Código Civil) por natureza implica, mas não dispensa a máxima investigação para atingir, nesse juízo, o máximo de segurança. Quando no espírito do julgador, em vez da convicção, se forma a dúvida sobre a realidade dos factos a provar, nomeadamente como resultado do confronto entre a prova produzida pela parte onerada com o respectivo ónus e a contraprova oposta pela parte contrária (art. 346º do Código Civil), o facto não pode ser dado com provado, em prejuízo da parte onerada ou, na dúvida sobre a determinação desta, em prejuízo da parte a quem o facto aproveitaria” – Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil.
O Tribunal fundamentou a sua convicção fundamentalmente com recurso à prova testemunhal, conjugada com alguns dos documentos juntos aos autos.
As testemunhas demonstraram um conhecimento vago e impreciso dos factos sobre os quais foram inquiridas, decorrentes do facto de terem passado quatro anos.
 Os factos provados decorreram essencialmente dos testemunhos de (M), desenhadora, a qual trabalhou no projecto em questão e demonstrou uma postura extremamente isenta em audiência, assim como no depoimento de (S), desenhador, o qual referiu de forma convincente que preparou os projectos há quatro anos para serem entregues e que o trabalho final não foi levantado. Por sua vez, a testemunha (J), escriturária, referiu também que entregou as cópias e o CD do projecto à Ré.
De realçar o documento de fls. 57, no qual o INH refere a existência de situações de sobredimensionamento, recomendado um contacto com aqueles serviços, a fim de ser avaliada a situação, não havendo qualquer referência a uma recusa definitiva do projecto.
No que respeita à matéria dos art.º 48º a 54º o Tribunal considerou os documentos juntos a fls. 77 a 82.
No que respeita à matéria dos art.ºs 19º e 20º o tribunal teve em consideração o testemunho de (P), o qual se revelou conhecedor desses factos e isento no seu depoimento.
No que respeita à matéria de facto constante da base instrutória que foi dado como não provado, não foi feita prova suficiente, segura e convincente sobre a sua verificação.”

À matéria dos números da base instrutória referidos (1º, 2º, 4º, 7º, 15º, 16º e 25º) depuseram as seguintes testemunhas indicadas pela A.:
- (M) – toda a matéria da base instrutória;
- (S) - toda a matéria da base instrutória;
      - (J) – toda a matéria da base instrutória;
e a testemunha indicada pela R., )H) – 1º a 25º da base instrutória.
Vejamos, então, se no caso sub judice há que alterar as respostas que foram impugnadas pela R./recorrente.
No atinente ao nº1 da base instrutória.
O mesmo tem o seguinte teor: “No dia 10 de Maio de 2004, a Autora procedeu à entrega dos projectos”.
No despacho em que foram dadas as respostas à base instrutória, proferido em 06-03-2008, deu-se como “provado que a Autora procedeu à entrega dos projectos antes do mês de Junho de 2004”. De seguida, o processo foi concluso e, em 03-11-2008, o Mmº Juiz proferiu sentença, onde consta como “Factos Provados” o ponto nº 20 (correspondente ao nº1 da base instrutória) com o seguinte conteúdo: “A Autora procedeu à entrega dos projectos antes de Outubro de 2004”.
Que dizer?
Ninguém terá atentado na situação, nem o Mmº Juiz (quando, depois das contra-alegações, se limitou a apor “Visto”) nem os mandatários das partes.
Conforme resulta do confronto entre a dinâmica processual mencionada, onde neste ponto 20 se refere “antes de Outubro de 2004”, pretendia-se referir “antes do mês de Junho de 2004”. Ora, considerando que o erro de escrita ou o lapso manifesto sempre há-de resultar do “próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” (art 249º do CC), é lógico que o Juiz a quo escreveu uma coisa em vez de outra.
Portanto, neste caso concreto, com os elementos de interpretação que o próprio despacho em que foram dadas as respostas à base instrutória e a sentença materialmente viciada ostentam, é sem hesitação que consideramos ter havido um manifesto lapso de escrita. As circunstâncias em que ocorreu o erro são de tal modo ostensivas, que não podem restar dúvidas de que tal erro se verificou no caso em análise.
Trata-se de um erro material, o que implica a sua correcção, nos termos do art 249º do CC, por força do art 295º do mesmo diploma legal.
E, não se diga, como diz a apelada, que o Tribunal a quo deu como provado este facto como resultado do art 37º da contestação da R.: “Em 5 de Outubro do corrente ano, em consequência do atraso injustificado da Autora e da má qualidade técnica dos serviços prestados, a Demandada perdeu total confiança na Autora, tendo requerido ao gabinete de arquitectura “(X), L.da” a elaboração dos ditos projectos”. É que este facto não foi levado à base instrutória e, portanto, não está provado…
Além do mais, insurge-se a recorrente contra o decidido, relativamente ao ponto 1, 2, 4 e 25 da base instrutória, pretendendo que seja considerado como não provado, referindo que os depoimentos das testemunhas da A. não podem alicerçar a resposta dada, por serem insuficientes, e precisamente em sentido contrário ao da resposta dada o depoimento da testemunha da R. (H), cujo testemunho leva à consagração de entendimento diverso do achado.
E a recorrente começa por colocar em dúvida a credibilidade da testemunha (J) (conclusão 5ª).
Apreciando a situação desde logo, aporta afirmar que não se adopta o entendimento perfilhado pela apelante de que as pessoas que possam ter algum envolvimento com a causa devem ser consideradas como menos credíveis (conclusão 5ª, no que refere à testemunha (J)). É que, para nós, ainda existem pessoas honestas e estas são-no em todas as ocasiões, mesmo quando estão em causa interesses pessoais. Daí que a situação da trabalhadora da A. da referida testemunha em nada fragiliza a credibilidade do seu depoimento, pois esta testemunha declarou ter a ganhar porque trabalha na empresa, mas também declarou que “pessoalmente, não”; essa credibilidade poderia surgir da invocação de concretas circunstâncias ou dos termos do seu depoimento, mas não se vislumbra que tal tenha ocorrido. E diga-se, aliás, que a ter acolhimento o que a esse respeito foi invocado pela impugnante, a mesma posição se teria de adoptar relativamente à testemunha )H), na medida em que este é funcionário da R., cabendo-lhe a gestão e administração desta empresa.
Vejamos, então, os elementos de prova a que a recorrente se reporta, sem deixar de analisar os documentos juntos aos autos e os depoimentos aí prestados (estes na sua totalidade e não só os que vêm indicados no recurso).
Ora, ouvidos todos os depoimentos gravados, no conjunto dos demais meios de prova, temos de convir que eles são de molde a sustentar-se parcialmente a tese exposta pela recorrente relativamente aos nºs 1 e 2 da base instrutória.
As testemunhas indicadas na fundamentação das respostas dadas aos referidos números da base instrutória ((M) - desenhadora, a qual trabalhou no projecto em questão, que, além do mais, referiu em Abril fizeram um estudo muito avançado com as legendas e, em Agosto, seria o trabalho final -,(S) - desenhador, que fez a pós-produção dos processos - e (J) - escriturária) explicaram, com base na sua razão de ciência, qual o tipo de trabalho que foi efectuado, a sua extensão temporal, a entrega das cópias e do CD, as alterações ao projecto (conforme o cliente ia propondo) e que o trabalho final nunca foi levantado.
Mas todas as testemunhas indicadas pela A. referem 4, 5 ou 6 cópias do projecto e que é hábito entregaram o CD. Acresce que a testemunha (J), escriturária, foi peremptório ao afirmar que entregou 5 ou 6 cópias do projecto (uma para o cliente, uma para o Instituto, três para a Câmara…) e o CD.
Onde estão as cópias do processo de execução e o CD? É que, de acordo com o “Orçamento” (fls 29), eram devidos 6 processos e um CD para cada projecto…
Muito embora se possa aceitar que no quadro específico do regime das obras particulares (Dec-Lei nº 445/91, de 20-11, alterado pelo Dec-Lei nº 250/94, de 15-10, revogado pelo Dec-Lei nº555/99, de 16-12, com alterações pontuais introduzidas pelo Dec-Lei nº177/01, de 4-6, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação), o processo de execução não se mostre expressamente previsto, se olharmos para o regime da empreitada de obras públicas, temos a Portaria de 07-02-1972 que determina as instruções para o cálculo de honorários referentes aos projectos de obras públicas (publicada no Diário do Governo II Série, suplemento nº35, de 11-02-1972, alterada pelas Portarias de 22-11-1974, publicada no DR II Série de 03-01-1975, e de 27-01-1986, publicada no DR II Série de 05-03-1986), revogada pelo Portaria nº 701-H/2008, de 29-07.
E aí consta que o projecto de execução permite definir com rigor os materiais e acabamentos a utilizar, bem como a sua quantificação, através de um mapa de medições, e uma estimativa de custo; normalmente, integra também um caderno de encargos com especificações técnicas a observar na obra. Estes elementos permitirão ao cliente lançar o concurso de obra, pedindo orçamentos a várias empresas de construção, e permitirão também avaliar se o trabalho é efectuado de acordo com a sua intenção.
Sendo uma obra particular, aceita-se que a A. não tenha que apresentar todas as peças do projecto de execução (em especial, um caderno de encargos com especificações técnicas a observar na obra, já que a R. é construtora e dona da obra).
Mas o “contrato” refere este projecto…se bem que o depoimento do Dr (H) traz a sensação que a R. não tinha ideias muito definidas relativamente a diversos aspectos do empreendimento: perguntado se falaram com a A. sobre o projecto de execução, respondeu “Não (…)”.
É certo que o projecto de Agosto de 2004 contém tabelas com cálculos de áreas brutas, uma estimativa de custos, uma calendarização da obra e um pormenor construtivo.
Mas o que está em causa é o projecto entregue antes do mês de Junho de 2004. Neste não conseguimos descortinar qualquer processo de execução e ninguém nos diz que o CD do processo de arquitectura também contém aquele…
É estranho a A. dizer, nas suas contra-alegações, que “Sendo construtora civil, a R. pode perfeitamente dispensar um projecto de execução. Não estando sujeita a qualquer concurso público, podia perfeitamente dispensá-lo, como dispensou”. Onde é que isto está provado?
Assim:
- o nº1 da base instrutória e reportada para a sentença sob o ponto 20 dos factos provados, passará a constar com o seguinte teor: “A Autora procedeu à entrega do projecto da arquitectura antes do mês de Junho de 2004”;
- o nº 2 da base instrutória e reportada para a sentença sob o ponto 21 dos factos provados, passará a constar com o seguinte teor: “A partir daí a Ré utilizou o projecto para obter as diferentes autorizações de que necessita para levar avante o seu projecto nomeadamente deu entrada do projecto no INH para aprovação”.
Quanto ao nºs 4 e 25 da base instrutória (ponto 23 e 35 dos factos provados), nada há que alterar a resposta aos mesmos.
É certo que as testemunhas supra referidas não têm conhecimento de qualquer pedido de alterações realizado pela R. após o ofício do INH, mas, como funcionárias da A., não estavam naturalmente em contacto directo com as vicissitudes dos projectos. Mas as testemunhas (M) e (S) são unânimes em dizer que é normal num trabalho tão grande, haver alterações.
A testemunha (M) referiu que, em Abril, fizeram um estudo muito avançado com as legendas e, em Agosto, seria o trabalho final. E afirmou que “O (N) (sócio gerente da A.) trabalha comigo, pode ter sido ele a fazer as alterações (…)”, que o Dr (H) não quis receber o trabalho e que assistiu a telefonemas para saber o que se estava a passar, que o sócio da R., não levou o trabalho, mas levou uma cópia.
A testemunha (J) também fala sobre a discussão do Dr (H) com a anterior testemunha, por causa das alterações, “estando o processo prontinho a ser entregue”.
Se o primeiro projecto foi entregue na sede da R., é óbvio que as testemunhas estavam a referir-se ao “trabalho final”, portanto ao projecto corrigido...
Quanto aos nºs da base instrutória que a apelante quer ver como provados (7 - A Autora entregou à Demandada somente duas cópias do projecto de arquitectura? 15 - A Autora jamais apresentou à Demandada o projecto referido no art. 8º da presente contestação devidamente corrigido? e 16 - A Autora não entregou igualmente o original do projecto de arquitectura e a totalidade as cópias acordadas relativamente ao mesmo, bem como nunca apresentou o projecto de execução (incluindo os seis processos) acordado e o suporte informático do mesmo, designadamente em CD?), há que salientar que o Mmº Juíz a quo na fundamentação da não prova dos quesitos expressou que “não foi feita prova suficiente, segura e convincente sobre a sua verificação”.
Na realidade, com os depoimentos das testemunhas indicadas pela A., produzidos de forma ponderada e, ao que se nos afigurou, isenta e convicta, embora um pouco hesitantes quanto a datas (que, seguramente, a memória não reteve), nunca se pode considerar que a A. somente entregou duas cópias do projecto de arquitectura, que jamais apresentou o projecto corrigido e não entregou o original do projecto de arquitectura e a totalidade as cópias acordadas relativamente ao mesmo (como afirma a testemunha Dr (H), cujo depoimento revelou-se demasiado afectado, com afirmações um pouco inflamadas, sem o necessário distanciamento pessoal da questão). E há que ter em conta que a testemunha (J), engenheiro civil da R., mencionou que teve conhecimento do projecto em Abril de 2004 e que teve acesso a papel e ao CD…
Necessariamente que o nº16 da base instrutória, de forma a não resultar contradição com a matéria de facto dos nºs 1 e 2, tem de ser alterada. Não deve ser dada resposta de não provado se, apesar de não se ter provado a totalidade da matéria factual contida no quesito, algum contexto factual relevante se provou, mas antes uma resposta restritiva/explicativa.
Como reportada para a sentença sob o ponto 36 dos factos provados, o nº16 passe a constar com o seguinte teor: “A Autora não apresentou à R., antes do mês de Junho de 2004, o projecto de execução (incluindo os seis processos) acordado e o suporte informático do mesmo, designadamente em CD”.

Nestes termos, fixa-se como matéria de facto a considerar:
 “1 – A Autora é uma sociedade comercial que tem como objecto o desenho, projectos de arquitectura e engenharia, estudos, pareceres técnicos, medições e orçamentos, avaliações de imóveis, promoção imobiliária e publicidade – Alínea A).
2 - A Ré é uma sociedade que se dedica à construção civil, nomeadamente na área da habitação a custos controlados – Alínea B).
3 - Em Fevereiro de 2004 a Ré solicitou à Autora a realização de um projecto de arquitectura, licenciamento e execução – Alínea C).
4 - Fê-lo através do seu sócio gerente Snr. (J) – Alínea D).
5 - A Autora apresentou o orçamento junto com a p. i. como documento nº 1 – Alínea E).
6 - A Ré aceitou o orçamento e as condições nele insertas – Alínea F).
7 - Com a sua própria letra o gerente da Ré Snr. (H) acrescentou no orçamento as condições em que a Ré efectuaria o pagamento – Alínea G).
8 - No dia 1 de Março de 2004 a Ré comprometeu-se a pagar €25.000,00 mais IVA – Alínea H).
9 - Com a entrega dos projectos a pagar €50.000,00 mais IVA – Alínea I).
10 - Decorridos 30 dias a contar da entrega dos projectos a pagar os restantes €50.000,00 mais IVA – Alínea J).
11 - A Ré procedeu ao primeiro pagamento em 12 de Março de 2004 – Alínea L).
12 – As partes acordaram no sentido de que o pagamento da quantia de 100.000 € seria efectuado em três prestações – Alínea M).
13 – A Autora emitiu uma factura de €35.000,00 mais IVA em 17 de Maio de 2004 – Alínea N).
14 - Uma factura de €32.500,00 mais IV A em 17 de Junho de 2004 – Alínea O).
15 - Uma factura de 32.500,00 mais IVA em 21 de Junho de 2004 – Alínea P).
16 - A Ré pagou a factura de 17 de Maio – Alínea Q).
17 - A partir daí e apesar do acordado, nunca mais procedeu a qualquer pagamento – Alínea R).
18 - A factura de 21 de Junho foi enviada pelo correio, porém veio a ser devolvida pela Ré acompanhada da carta junta com a p. i. como documento nº 3 – Alínea S).
19 – Na referida carta a Ré informava que apenas pagava a Autora após o projecto ser homologado pelo Instituto Nacional de Habitação – Alínea T).
20 – A Autora procedeu à entrega do projecto da arquitectura antes do mês de Junho de 2004 – Facto 1º da BI.
21 - A partir daí a Ré utilizou o projecto para obter as diferentes autorizações de que necessita para levar avante o seu projecto nomeadamente deu entrada dos projectos no INH para aprovação – Facto 2º da BI.
22 – O Instituto Nacional da Habitação exigiu determinadas modificações no projecto que a Ré solicitou à Autora que efectuasse – Facto 3º da BI.
23 - A Autora procedeu às modificações solicitadas e comunicou esse facto à Ré – Facto 4º da BI.
24 - Autora e Demandada, aquando da celebração do contrato sub judice, tinham pleno conhecimento que, em virtude da natureza do projecto de arquitectura em questão - habitação a custos controlados - o mesmo deveria respeitar as normas específicas deste tipo de empreendimento – Facto 5º da BI.
25 – Autora e Demandada tinham igualmente pleno conhecimento que só assim o referido projecto seria homologado pelo Instituto Nacional de Habitação – Facto 6º da BI.
26 – A Demandada remeteu ao Instituto Nacional de Habitação uma cópia do dito projecto com vista à certificação legal do mesmo – Facto 8º da BI.
27 – Devido ao sobredimensionamento do projecto detectado pelo INH, a R. solicitou à A. a correcção do projecto – Facto 14º da BI.
28 – A Autora tinha pleno conhecimento que a homologação do referido projecto de arquitectura pelo Instituto Nacional de Habitação era condição essencial para a perfeição do contrato sub judice – Facto 17º da BI.
29 – A Ré só executou, no terreno em questão, alguns trabalhos de terraplanagem – Facto 19º da BI.
30 – A Demandada perspectivou manter o estaleiro para construção do referido empreendimento pelo prazo de um mês, pelo que, até ao momento (25-1-04), a Demandada encontra-se a sofrer danos patrimoniais decorrentes da manutenção do estaleiro, desde 01 de Julho do corrente ano, num montante equivalente a 5 mil euros mensais, no total de € 25 000,00 (vinte e cinco mil euros) – Facto 20º da BI.
31 - A Demandada foi contratada pela sociedade comercial "(IP) - Promoção Imobiliária, Ldª, para construir o referido empreendimento habitacional a custos controlados – Facto 21º da BI.
32 - Nos termos do referido contrato, a Demandada foi incumbida de obter os projectos necessários à construção do dito empreendimento, nomeadamente projectos de arquitectura, licenciamento e execução, ficando ainda à sua responsabilidade a designação e mandato do responsável pelos ditos projectos, bem como do contrato que viesse a exarar para o efeito – Facto 22º da BI.
33 – Pelo que, em conformidade com o dito contrato de empreitada, encontra-se a Demandada obrigada a iniciar as obras impreterivelmente no dia 1 de Julho de 2004 – Facto 23º da BI.
34 - Assim, foi a Demandada interpelada pela dita "(IP)" para, a título de cláusula penal no supra mencionado contrato de empreitada, proceder de imediato ao pagamento da quantia de €300,00 (trezentos euros) diários desde 1 de Julho de 2004 – Facto 24º da BI.
35 – O projecto foi devidamente corrigido, situação que foi dada a conhecer ao representante da Ré, Sr. (H) – Facto 25º da BI.
36 - A Autora não apresentou à R., antes do mês de Junho de 2004, o projecto de execução (incluindo os seis processos) acordado e o suporte informático do mesmo, designadamente em CD.

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V –
FUNDAMENTOS DE DIREITO

Antes de tudo há que caracterizar a relação contratual acordada entre a A. e a R. para encontrar o respectivo regime jurídico.
Da leitura do texto do contrato (orçamento junto a fls. 29 e aceitação a fls.30) à luz dos critérios legalmente fixados para a interpretação de declarações negociais (art 236º do CC) resulta que a A. se obrigou perante a R. a elaborar um projecto de arquitectura (licenciamento/substituição) e execução (ponto 3 dos factos provados), para ser presente no Instituto Nacional de Habitação em termos de lograr homologação para um complexo de habitação a custos controlados (ponto 21 e ponto 24 dos factos provados).
Estamos, pois, perante a celebração de um contrato de prestação de serviços, mediante retribuição (art 1154º do CC).
Para além do mandato, depósito e empreitada, modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviço, que a lei regula, especialmente, outras existem, de carácter inominado, como seja a dos serviços prestados no exercício de artes e profissões liberais, que a lei já não contempla, especialmente, mas cujo regime é disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos arts 1155º e 1156º do CC (neste sentido, cf. os Acs do STJ de 09-02-2006, Proc. 05B4257 e de 21-11-2006, Proc. 06A3716, todos acessíveis em www.dgsi.pt.).
A concepção de um projecto de arquitectura traduz-se na execução de uma obra intelectual embora se destine a ser materializada em textos, estudos, plantas e folha de cálculos, que mais não são do que suporte à fixação ou comunicação do trabalho acordado (cf. Ac do STJ de 21-11-2006, já citado).
Também assim o entendeu a sentença recorrida. Por não vermos motivo para discordar de tal entendimento, assentamos nessa qualificação jurídica.
Vejamos, de seguida, a dinâmica contratual no que se refere ao cumprimento do contrato celebrado pelas partes.
A A. peticiona o pagamento integral dos seus honorários. A R. excepcionou o incumprimento da A. e deduz pedido reconvencional para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos.
 Estando as partes obrigadas a cumprir pontualmente os contratos, cumprem as suas obrigações quando realizam as prestações a que se encontram vinculados, devendo agir, nessa realização, de boa-fé (art 406º nº 1 e 762º do CC).
No caso em apreço, a obrigação da A. era a realização dos projectos, em conformidade com as instruções da contraparte, enquanto a R. tinham a seu cargo a obrigação de pagar os honorários acordados, tudo em conformidade com o disposto nos arts 1161º e 1167º do CC.
Competia, pois, à A., como elemento constitutivo do seu direito de crédito à prestação pecuniária, o ónus probatório do incumprimento da R. (art 342º nº1 do CC), o que a todas as luzes resultou provado.
Incumbindo à R., por seu lado, provar os factos impeditivos ou extintivos desse direito, integradores da exceptio non adimpleti contratus (nº 2 do art 342º), tendo invocado incumprimento definitivo prestação, por banda da A., perda de todo o interesse na prestação de serviços acordada, devido ao atraso injustificado e à má qualidade técnica da demandante.
Ora, a prova dessas alegações impeditivas ou extintivas do direito da A., consubstanciando a excepção de não cumprimento do contrato, não foi lograda pela R..
No caso da prestação de serviço acordada entre a A. e a R., a matéria de facto não autoriza se conclua ter existido uma obrigação de resultado.
Ou seja, não ficou assente que, pelo acordo, a A. se tivesse obrigado a obter a homologação do projecto para habitação a custos controlados. Se assim fosse, então, não conseguindo esse efeito útil, a A. só ficaria exonerada demonstrando a impossibilidade objectiva e não culposa (art 790º do CC).
Mas tratou-se, tão-somente, de uma obrigação de meios em que o compromisso pedido à A., e por esta assumido, foi o de elaborar os projectos de arquitectura e de execução (naturalmente com respeito das regras técnico-profissionais), necessários a essa homologação (pontos 3, 24 e 25).
É evidente que um projecto de arquitectura tem uma determinada finalidade, que é a construção de um ou mais imóveis, construção essa que só é possível se os projectos elaborados forem aprovados pelas entidades competentes.
Mas o arquitecto ou qualquer outro profissional que elabore um projecto para construção de uma obra não pode assegurar a sua aprovação, porque esta está dependente de factores que lhe são alheios, desde logo, da interpretação que os técnicos da entidade competente para a aprovação possam fazer das leis e regulamentos a aplicar.
É, como se disse, uma obrigação de meios, "em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza (ex: a obrigação contratual do médico de empregar a sua ciência na cura do doente; a obrigação do advogado no que toca ao êxito da causa que patrocina)" -  Almeida Costa, Direito das Obrigações, pag 912).
Porém, o cumprimento da prestação por parte da A., face à prova produzida nos autos, revela que sofreu de uma inexactidão ou defeito, uma vez que ficou demonstrado que a A., antes do mês de Junho, não apresentou à R. o projecto de execução (pontos 20 e 36 dos factos provados). A prestação realizou-se mas não como se imporia, por não apresentação daquele projecto, que a A. não demonstrou improceder de culpa sua, como lhe impunha o nº1 do art 799º do CC.
É o máximo que se poderia sustentar é que a A. incorreu em mora - art 804º nº2 do CC.  
Se, não obstante a mora, a prestação ainda é possível (este projecto de execução só devia ser entregue no INH depois da aprovação do processo de arquitectura e não era necessário para o licenciamento camarário - depoimento do Dr (H)), não há incumprimento definitivo e razão para resolver o contrato. A mora converte-se em incumprimento depois do credor interpelar o devedor, fixando-lhe um último prazo cumprir e, não obstante, este não cumpre nesse prazo (art 808º nº1 do CC). 
Ora, a R. nem sequer alega ter interpelado admonitoriamente a A.; por isso, a R. não converteu a mora em incumprimento definitivo, ainda que parcial.
É certo que o projecto de arquitectura elaborado pela A. “mereceu” dos competentes serviços do INH os qualificativos constantes do documento de fls 72 dos autos. Mas isso, só por si, não é o mesmo que dizer que o projecto foi deficientemente elaborado, porque não se sabe quem das partes determinou o sobredimensionamento, se a R., se o promotor, se a A. e com que objectivos o foi. Não esquecer que (M), desenhadora da A., referiu que alguns apartamentos estão sobredimensionados, “mas o promotor é que quis”.
Se a A. cumpriu com defeito, o que, como se viu se não deu como adquirido, a R., é seguro, não pagou parte do preço. A exceptio non adimpleti contractus (art 428º do CC), invocada pela R., poderia justificar a sua recusa de pagamento do preço, mas apenas se houvesse demonstração de que a A. não cumpriu e/ou cumpriu com defeito relevante a prestação a seu cargo. 
Mas, recebido o ofício do INH sobre a situação de sobredimensionamento, a R. informou a A. de modo a proceder as necessárias correcções (supra pontos 22 e 27). Com efeito, as correcções foram feitas (supra pontos 23 e 35 e documento de fls 353), em Agosto de 2004, situação de a R. teve conhecimento.
Por isso não colhe a invocação do art 428 nº 1 do CC, como justificação para tal recusa. 
Por outro lado, a perda do interesse na prestação a que se reporta o nº2 do art 808º do CC (o que se sucederá quando esta, apesar de ser fisicamente concretizável, deixou de ter oportunidade), é apreciada objectivamente, de nada valendo a pura afirmação do credor de que já não lhe interessa o cumprimento da obrigação do devedor. Quando o legislador se refere a uma perda objectiva do interesse na prestação em mora tem em vista aqueles casos em que, pela natureza da própria obrigação, o retardamento do cumprimento destrói o objectivo do negócio.
Ora, em primeiro lugar, não houve “atraso injustificado” da A., porque, no caso em análise, as partes não fixaram prazo de cumprimento e não está provado que a A. sabia que as obras deviam começar no dia 1 de Julho de 2004, conforme o contrato celebrado entre a (IP) e a R.. Se a R. não utilizou o projecto corrigido terminado em Agosto de 2004, foi porque não foi levantá-lo na sede da A. (art 772º nº1 do CC).
E, em segundo lugar, da análise da matéria dos autos estamos em crer que a R. continuava interessada em obter os projectos: pelo menos “ (…) em Dezembro de 2004, não sei as datas certas, tínhamos interesse na construção” (depoimento do Dr (H)).
Por isso é que o art 37º da contestação não foi levada à base instrutória (em 5 de Outubro, a R. requeriu a outro gabinete de arquitectura a elaboração de tais projectos) porque, quando tal acontece, não há ainda incumprimento contratual mas apenas mora.
     Enquanto a A. cumpriu a sua obrigação de prestação do serviço convencionado (o projecto corrigido ficou terminado em Agosto de 2004), a R. apenas pagou àquela parte dos respectivos honorários, deixando de pagar o restante no prazo acordado (aquando da entrega dos projectos e 30 dias após a entrega).
Assim, a R. incumpriu o contrato em causa (art 762º nº1 do CC) e, como não elidiu a respectiva presunção legal, o incumprimento é-lhe imputável a título de culpa, tornando-se responsável pelo prejuízo que para a A. resultou dessa situação de incumprimento pontual do pagamento dos honorários (art 799º nº1 do CC).
Desta forma, a recorrente constituiu-se na situação de mora de cumprimento, e, consequentemente, devem indemnizar a recorrida atraso de cumprimento, por referência ao valor correspondente ao dos juros de mora (art 804º, 805º nºs 1 e 2 a) e 806º nº1 do CC).
Temos que o projecto corrigido foi terminado em Agosto de 2004, situação que foi dada a conhecer à R. Não se sabe ao certo qual o dia em que o projecto foi terminado, por isso entende-se, para este efeito, que o projecto foi terminado no dia 31 de Agosto. Deste modo, a R., que tanta pressa tinha, podia levanta-lo até ao dia 8 de Setembro.
Pelo que a R. está obrigada a pagar à A. a quantia pedida de € 65.000, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde o dia 8 de Setembro e 8 de Outubro de 2004 até integral pagamento.
No tocante ao pedido reconvencional, este respeita à restituição das verbas entregues a título de princípio de pagamentos e às penalidades por inobservância do prazo de execução do contrato de empreitada.
 No que respeita às penalidades, não resulta dos factos provados que sejam devidas, pois como se vê da cláusula contratual onde estão previstas – cláusula 7ª do Contrato de Empreitada Geral, celebrado entre (IP) - Promoção Imobiliária, Ldª (a promotora) e (C) – Construções, Ldª (empreiteira), têm por pressuposto o incumprimento temporal pela (C) (a R.) de sua única e exclusiva responsabilidade.
Quanto à restituição das verbas - e ainda nos aspectos relacionados com a questões abordadas anteriormente -, não resulta que houve incumprimento definitivo contratual pela parte da A..
Em consequência, não pode proceder a reconvenção.
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VI – DECISÃO

Termos em que, na parcial procedência da apelação da R., se altera a matéria de facto nos termos acima indicados e, assim, se revoga a decisão recorrida e, em substituição:
a) se condena a R. (C) – Construções, Lda a pagar à A. (A), Ldª a quantia de € 65.000 (sessenta e cinco mil euros), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde o dia 8 de Setembro e 8 de Outubro de 2004 até integral pagamento;
b) se absolve a A. (A), Ldª do pedido reconvencional.
Custas, em todas as instâncias, por A. e R., na proporção do respectivo decaimento (que, por facilidade de cálculo, se fixam em 5% para a A. e 95% para a R.).




(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora)                       


    Lisboa, 16 de Julho de 2007    
(ANA GRÁCIO)    
                       
  (PAULO RIJO)
   (AFONSO HENRIQUE)