ARRENDAMENTO
ACTIVIDADE INDUSTRIAL
FORMA ESCRITA
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Sumário

– O conceito de “espaço não habitável”, para efeitos de aplicação do art. 5º nº 2 e) do RAU, deve ser entendido como o espaço que, pelas suas características físicas e estruturais, não é apto a que alguém ali instale, dentro de padrões de normalidade, a sua habitação ou ali exerça uma actividade comercial ou industrial.
– Assim, um espaço que durante anos foi usado para uma actividade industrial, mesmo que arrendado posteriormente com vista a armazenagem, continua a ter as características que levam a que tal arrendamento se insira na previsão do art. 3º nº 1 do RAU.
– Devendo ser celebrado por escrito, nos termos do art. 7º nº 1 do mesmo diploma.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A veio intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, destinada à efectivação de responsabilidade civil contratual contra IN pedindo que se condene o R. a pagar-lhe a quantia de € 266.209,33, sendo €197.709,67 referentes a rendas de Janeiro a Junho de 2001 e €68.499,63 respeitantes a juros de mora vencidos até 26/4/2004, bem como nos que se vierem a vencer.
Para tanto alega a A. que:
- é proprietária de um prédio denominado F, descrito na C.R.P. sob o n° ;
- tendo tido conhecimento de um anúncio em quer a R. se propunha arrendar um prédio para armazenagem de farinhas, respondeu ao referido anúncio, tendo calculado o valor da ocupação por m2 em 717$00, propondo a renda mensal de ESC. 7.000.000$00, aos quais acresciam 250.000$00 mensais a título de retribuição do serviço de segurança do imóvel;
- A R. contactou a A. manifestando concordância com a proposta e solicitando urgência em ocupar as instalações;
- a R. ocupou as mesmas em Janeiro de 2001;
- a R. aceitou arrendar a área de 8 865m2 por uma rendam mensal de 6.356.205$00, bem como aceitou pagar € 1.246,99 pelo serviço de segurança do imóvel;
– as partes acordaram que o prazo do contrato seria de 6 meses, com efeitos a partir de 01.01.2001;
- quando a A. solicitou ao R. a assinatura do contrato este recusou fazê-lo informando que apenas ocupava 4 500 m2, dispondo-se a pagar ESC. 6 453.000$00 pela ocupação nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2001, sendo que no final de 2001 abandonou o imóvel e o deixou devoluto;
o incumprimento do contrato por parte da R. causou À A. prejuízo na exacta medida dos quantitativos devidos pelos quatro meses restantes até ao final do contrato, bem como dos meses efectivamente ocupados.
Conclui assim o A. pela condenação do R. no pagamento da quantia peticionada, bem como em juros vencidos e vincendos.

Devidamente citado veio o R. contestar alegando, em suma, que:
- Após ter iniciado a descarga e depósito das farinhas foi confrontado com reacções locais da parte de representantes autárquicos e populares, adversas ao armazenamento de farinhas;
- Reacções que obtiveram cobertura dos meios de informação e que chegaram à concentração de populares junto das instalações;
A Direcção Regional do Ambiente do Alentejo do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território comunicou ao R. terem surgido reclamações por parte da população;
- A referida Direcção Regional considerou incumpridas as disposições do DL n° 239/97 de 9 de Setembro e da PRT 961/98 de 10/11, designadamente quanto à circunstância de a proprietária das instalações não estar autorizada a exercer a actividade de gestão de resíduos, razão pela qual lhe comunicou que deveria transferir as farinhas para local devidamente legalizado, concedendo para o efeito o prazo de 1 mês;
- A R. iniciou a retirada das farinhas e consequente limpeza do local;
- O contrato em causa estava sujeito à forma escrita nos termos do art. 70 n° 1 do RAU;
- Não tendo havido escrito contratual nem sequer chegou a haver convergência de vontades necessária para a configuração de um contrato de arrendamento ainda que verbal;
– Mais alega a prescrição dum eventual direito da A.

Devidamente notificada veio a A. responder a fis. 66, concluindo como na petição inicial.

Procedeu-se a julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência :
- Condenou o R. IN a pagar à Autora as seguintes quantias:
- € 31.704,62, a título de renda de Janeiro de 2001, a que acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/1/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;
- € 31.704,62, a título de renda de Fevereiro de 2001, a acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/1/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;
– € 31.704,62 , a título de renda de Março de 2001, a que acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/3/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;

- € 31.704,62, , a título de renda de Abril de 2001, a que acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/4/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;
- € 31.704,62, , a título de renda de Maio de 2001, a que acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/5/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;
- € 31.704,62, a título de renda de Junho de 2001, a que acrescem juros à taxa legal de 12% desde 26/6/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006,à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1/7/2008 até efectivo e integral pagamento;
– a quantia de € 1.246,99, a título de prestação de serviços de segurança durante o mês de Janeiro de 2001, a que acrescem juros de mora juros à taxa legal de 12% desde 1/2/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005, à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/6/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006, à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1//2008 até efectivo e integral pagamento;


- a quantia de € 1.246,99, a título de prestação de serviços de segurança durante o mês de Fevereiro de 2001, a que acrescem juros de mora juros à taxa legal de 12% desde 1/3/2001 até 30/9/2004, à taxa de 9,01% desde 1/10/2004 até 31/12/2004, à taxa de 9,09% desde 1/1/2005 até 30/6/2005, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005 à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/06/2006, à taxa de 9,05% desde 1/7/2005 até 31/12/2005, à taxa de 9,25% desde 1/1/2006 até 30/6/2006, à taxa de 9,83% desde 1/7/2006 até 31/12/2006, à taxa de 10,58% desde 1/1/2007 até 30/6/2006, à taxa de 11,07% desde 1/7/2007 até 31/12/2007, à taxa de 11,20% desde 1/1/2008 até 30/6/2008 e à taxa de 11,07%, ou outras que entretanto sobrevierem desde 1//2008 até efectivo e integral pagamento;
- Absolvendo-se o R. do demais peticionado.

*

Inconformado recorreu o Réu, concluindo que:
– O arrendamento para armazenamento temporário de farinhas de carne e ossos de aves, a efectuar pelo I em prédio urbano pertencente à Aª, apto para comércio/indústria, é um arrendamento que tem por fim uma aplicação lícita do prédio, compreendido no art. 3º nº 1 do RAU e sujeito ao regime do art. 5º nº 1 do mesmo diploma.
– Estando assim o contrato sujeito à forma escrita, art. 7º nº 1 do RAU.
– Entendendo-se que o caso se reconduz à excepção do art. 5º e) do RAU, caso em que seria aplicável o regime geral da locação civil, a forma escrita seria, por vontade das partes, formalização necessária e condição da validade e eficácia do arrendamento, nos termos do art. 223º do Código Civil.
– A arguição da falta de forma corresponde a um exercício legítimo da defesa do Réu, não existindo abuso de direito.
– No caso de nulidade do contrato, aplica-se o disposto no art. 289º nº 1 do Código Civil, pelo que, não tendo havido qualquer pagamento de renda, o valor da restituição só poderia corresponder ao múltiplo de dois (Janeiro e Fevereiro de 2001) do produto da área ocupada (4.500 m2) pelo valor mensal por metro quadrado acordado (717$00) ou seja, a importância de € 32.184,42.

– Não sendo devidos juros dado que o pagamento da referida importância foi oferecido à Aª em 2/2/2001, oferecimento esse repetido em 6/2/2001, e que a Aª nunca aceitou.
– O pagamento dos custos dos serviços de segurança abrange apenas o período de dois meses.

A Aª contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida.
*

Foram dados como provados os seguintes factos:


1)
A A. tem por objecto a actividade de construção civil e compra e venda de propriedades.

2)
O R. é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, sob tutela dos Ministros das Finanças e da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, tendo sido criado pelo DL 78/9 de 23/3.

3)
A decisão do Conselho da União Europeia n° 200/766/CE de 4 de Dezembro de 2000, interditou a colocação no mercado, as trocas comerciais, a importação de países terceiros e a exportação para esses países de farinhas de carne e ossos de aves.

4)
Bem como determinou que a partir de 1/1/2001 os Estados Membros garantissem que todas as proteínas animais transformadas destinadas à alimentação de animais de criação mantidos, engordados ou criados para produção de alimentos fossem retiradas do mercado, dos canais de distribuição e do armazenamento nas explorações agrícolas.

5)

A A. é dona do prédio misto denominado «F», situado na freguesia de freguesia , inscrito na matriz predial urbana sob o art° e na rústica sob parte do art° e descrito na Conservatória de Registo Comercial.

6)
Em finais de 2000 a A. tomou conhecimento através de um anúncio colocado num jornal que a R. procurava espaços para armazenagem de farinha de carne de ossos.

7)
A A. enviou ao R. e este recebeu o escrito de fls. 22, datado de 21/12/2000, pelo qual a A. propôs para arrendamento as instalações de armazenagem de farinhas um prédio sito em , freguesia, concelho de, com a área coberta disponível para armazenagem discriminada nas Zonas A, B, C e D, com as áreas respectivamente de 6020 m2, 1166 m2, 827 m2 e 1714 m2, no total de 9.754 m2 apresentando o preço médio por metro quadrado de 717$00 e o preço global de arrendamento de 7.000.000$00, acrescido do custo de segurança de 250.000$00/ mês.

8)
O R. recebeu o escrito de fls. 25 datado de 3/1/2001, oriundo da A., sem assinatura e da autoria de C, informando o n° de contribuinte da A., o montante do seu capital social, o número da sua matrícula na Conservatória de Registo Comercial da Lourinhã e a identidade das pessoas que a obrigam, com a menção « Em anexo enviamos fotocópia dos documentos fiscais ».

9)
Em 17/1/2001 o R. enviou à A. e esta recebeu o escrito de fls. 32 intitulado minuta de contrato de arrendamento, constando da referida minuta o seguinte: « É celebrado um contrato de arrendamento, nos termos do disposto na al. E) do n° 2 do art° 50 do DL 321- B/90 de 15 de Outubro», e consta ainda o seguinte: « Pelo presente contrato o segundo outorgante dá de arrendamento o armazém supra identificado ao primeiro outorgante, o qual por sua vez toma o mesmo de arrendamento nas condições constantes deste contrato», « o local a arrendar, a saber, o armazém anteriormente identificado destina-se exclusivamente ao armazenamento temporário de farinhas de carne e osso de origem animal», «o contrato de arrendamento produz efeitos a 1/1/2001 e é celebrado pelo prazo de 6 meses renovável por períodos de igual duração, salvo denuncia por qualquer uma das partes, com antecedência mínima de 90 dias, em relação ao fim do prazo do contrato ou da sua renovação por carta registada com Aviso de recepção, para o endereço do outro outorgante constante do presente contrato», « a denuncia efectuada por qualquer dos outorgantes nos termos do número 1 desta cláusula, não confere ao outro outorgante o direito a qualquer indemnização», « A renda mensal fixada é de ESC: 6.356.205$00, sendo o valor de ESC. 717$00/m2, sem IVA incluído, vencendo cada uma no dia 25 de cada mês e deverá ser paga, no local que o segundo outorgante vier a indicar», «O segundo outorgante obriga-se à prestação de serviços de vigilância e segurança no local arrendado, 24 horas por dia, todos os dias do ano, pelo preço mensal de 250.000$00 a pagar pelo primeiro, no local a ser indicado pelo segundo outorgante», « Na data da assinatura deste contrato de arrendamento, o segundo outorgante entrega as chaves e a posse do local (armazém) arrendados ao primeiro outorgante».

10)
O R. recebeu, oriundo da A., o escrito de fls. 36, datado de 18/1/01, assinado por R sob a expressão « P/A gerência» com o seguinte texto « Conforme conversa telefónica vimos por este meio manifestar a nossa concordância com a minuta do contrato de arrendamento que nos foi enviada pelo vosso fax 083. No entanto juntamos a primeira página do mesmo com uma alteração e a informação em falta.
Aproveitamos para informar que a assinatura do mesmo só poderá ser feita por nós a partir de 31 de Janeiro em virtude de um dos gerentes se encontrar fora do país ».

11)
Pelo ofício no 0489 de 24/1/01, a Direcção Regional do Ambiente do Alentejo do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território comunicou ao R. terem surgido reclamações pró parte da população e notícias na comunicação social relativas ao aluguer por parte do R. das instalações da antiga Incotal para armazenamento de farinhas animais, tendo ainda considerado incumpridas as disposições do DL 239/97 de 9 de Setembro e da portaria no 961/98 de 10 de Novembro, designadamente quanto à circunstância de a proprietárias das instalações não estar autorizada a exercer a actividade de gestão de resíduos, e comunicando ao R. que este deveria transferir as farinhas para local devidamente legalizado, concedendo para o efeito o prazo de um mês.

12)
O R. enviou à A. o escrito de fls. 63 (telecópia n° 174, datada de 6/2/2001), do seguinte teor: «Na sequência de reunião no IN no dia 2 de Fevereiro, na qual estiveram presentes os Srs. D e J, solicita-se uma resposta urgente, à proposta apresentada pelo IN ».

13)
O R. enviou à A. o escrito de fis. 38 (telecópia no 251 datada de 20/2/2001) que esta recebeu com o seguinte teor: « Sem qualquer resposta ao n/ fax n° 174 de 06.02.01, pretende o IN proceder ao pagamento da despesa respeitante à ocupação de 4.500 m2 do v/ armazém sito ao preço de 717$00/m2, durante os meses de Janeiro e Fevereiro, num total de ESC: 6.453.000$00, sendo necessário que Vas Exas procedam à emissão de facturação respectiva, conforme reunião no IN no dia 2 de Fevereiro, à qual estiveram presentes os representantes da A, Sr. D e Sr. J.
Informamos ainda que estamos a efectuar uma limpeza ao espaço ocupado no armazém a qual ficará concluída 5a feira, dia 22 de Fevereiro».

14)
A A. não aceitou o pagamento proposto pelo R. no documento a que se refere a al. N).

15)
A R. procedeu a armazenamento no prédio da A. de farinha de carne de ossos desde o início de Janeiro de 2001 até ao final de Fevereiro de 2001.

16)
A A. autorizou que a R. ocupasse o prédio a partir de Janeiro de 2001, dada a urgência deste em proceder ao armazenamento das farinhas.

17)
A R. nunca pagou qualquer quantia à A. pelo armazenamento referido na alínea anterior.


18)
As instalações têm acesso pela Auto-Estrada , pela Auto-Estrada IP 1 e estrada nacional (El).

19)

A noroeste das instalações, no lado oposto da Estrada Nacional 261, encontra-se a cerca de 200 metros, o lugar da « Q », com habitações onde vivem cerca de 30 pessoas.

20)
A noroeste das mesmas instalações, também no lado oposto da referida estrada nacional situa- se, a cerca de 500 metros, o perímetro urbano da freguesia de .


21)
Não havia, à data da visita, qualquer restrição quanto ao acesso por TIR às instalações.

22)
A data dos factos os gerentes da Autora eram D e J.
23))
Na sequência da recepção do escrito referido em G) o R. estabeleceu comunicação pessoal com a A., manifestando a sua concordância com a proposta.

24)
O R. ocupou pelo menos a área de 4500 m2 a partir de Janeiro de 2001.

25)
O envio de uma minuta de contrato de arrendamento resultou de acordo prévio entre as partes.

26)
Foi acordado entre as partes que o valor a pagar pelo R. seria de ESC. 717$00/ m2.

27)
Foi acordado entre as partes que o R. pagaria a quantia mensal de € 1.246,99 pelo serviço de segurança.

28)
Foi acordado entre as partes que a utilização do armazém seria pelo prazo de 6 meses, renovável, com início em 01 .01.2001.

29)
A A. prestou serviços de segurança no local referido em 5) de Janeiro a Fevereiro de 2001.

30)
Em 27/12/2000 o R. procedeu a uma vista ao local do armazém.


31)
As instalações haviam sido anteriormente utilizadas na industria do concentrado de tomate pela T, encontrando-se desactivadas, em consequência do abandono da actividade industrial no local havia cerca de 11 anos.

32)
Algumas zonas necessitavam de arranjos, nomeadamente reparação/substituição de portões, reparação/substituição de vidros nas paredes, regularização do piso, fecho de buracos nas zonas de apoio da estrutura de cobertura do telhado nas paredes laterais para evitar a entrada de pássaros, fecho de buracos para evitar infiltrações de águas da chuva.

33)
Existiam zonas que podiam ser utilizadas de imediato com remoção de lixo e limpeza.

34)
Pela informação no 286° DC/SCP de 28.12.00 foi considerado que duas das propostas recebidas, incluindo a oriunda da A., poderiam constituir-se como solução para armazenagem de curto prazo deste tipo de produtos.

35)
Tendo sido proposto que fosse dada autorização para o imediato aluguer dos dois armazéns referidos na comunicação.

36)
O que obteve a concordância do presidente do então Conselho Directivo do R.

37)
Na sequência da concordância do então presidente do Conselho Directivo da R., à A. foi solicitado o envio dos elementos de identificação dos seus representantes que outorgariam o contrato.

38)

Foi na sequência da solicitação a que se refere o art° 18° que o R. recebeu o escrito a que se refere em 8).
39)
O R. após ter iniciado a descarga e depósito de farinhas, foi confrontado com reacções locais, da parte de representantes autárquicos e de populares, adversas ao armazenamento de farinhas.

40)
Reacções estas que obtiveram a cobertura de meios de informação e que chegaram à concentração de populares junto das instalações em causa.

41)
O R. realizou uma reunião com a A. em 2 de Fevereiro de 2001, na qual estiveram presentes, por parte da A., os seus gerentes Senhores D e J.

42)

Nessa reunião foi proposto à A. que, face às reacções populares, à determinação recebida da Direcção Regional de Ambiente e à consequente necessidade de desocupar o armazém o IN pagaria à A. o correspondente à ocupação da área de 4.500 m2 ao preço de 717$00/m2 com referência aos meses de Janeiro e de Fevereiro de 2001 no total de 6.453.000$00.

43)
O R. iniciou imediatamente a retirada das farinhas e a consequente limpeza do local onde estas haviam permanecido.

44)
Limpeza essa morosa e difícil dado as farinhas serem em parte compostas de gordura animal, espalhada pelo rodado das viaturas de transporte.
*

Cumpre apreciar.
O presente recurso, cujo objecto é delimitado pelas respectivas conclusões, assenta na caracterização do arrendamento celebrado pelas partes e falta de observância da forma legal.

Assim, já não se discute, nesta fase, a questão de saber se chegou a ser celebrado um contrato, questão que na sentença recorrida mereceu resposta afirmativa.
Nem se discute que tal contrato é um contrato de arrendamento urbano, cujo fim é a armazenagem de farinhas.

A questão colocada pelo recorrente é a de ter sido decidido que, tratando-se de um único arrendamento e que se refere a um espaço apto para indústria, tal espaço deverá ser considerado correspondente a espaço não habitável. A isto objecta o mesmo recorrente que o facto de o espaço arrendado ser apto para indústria, não significa necessariamente que se trate de espaço não habitável.

O art. 5º nº 2 e) do RAU, faz alusão aos arrendamentos de espaços não habitáveis, para armazenagem, determinando que o arrendamento de tais espaços está excluído do regime do RAU.

É necessário pois delimitar o sentido de “espaços não habitáveis”.
Para Januário Gomes, (“Arrendamentos Comerciais”, pág. 27), “são aqueles não aptos para habitação ou para o exercício do comércio”.
Parece-nos indiscutível que a referência a aptidão para habitação deverá ainda englobar o exercício do comércio ou indústria, atenta a parte final do mesmo art. 5º nº 2 e), que ressalva os casos em que o arrendamento seja realizado em conjunto com arrendamento de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio. Por outro lado, existe um regime unitário, no RAU, para os arrendamentos visando o exercício do comércio ou da indústria.
Levanta-se assim o problema de saber se a aptidão de um dado espaço para efeitos habitacionais ou de comércio resulta da sua própria estrutura física ou, ao invés, da utilização que as partes lhe pretendem atribuir.

É evidente que em casos extremos a dúvida não se coloca: uma parede, um telhado, como se refere no Acórdão do STJ de 3/4/2001 (www.dgsi.pt) não são, em termos da sua configuração física espaços que possam ser habitados ou nos quais possa ser exercido o comércio.
Seguindo o mesmo Acórdão, raciocínio idêntico merecerá o arrendamento de um parque de estacionamento ou de uma garagem. Trata-se de espaços físicos construídos de acordo com uma dada perspectiva funcional e como tal estruturados, de modo que exclua a possibilidade de serem habitados ou neles exercido o comércio.
Devemos ter em atenção que o espaço a que se alude é aquele que existe em concreto à data do arrendamento e que, como tal, constitui objecto deste. Independentemente de considerações urbanísticas e legais, uma garagem pode ser transformada num espaço para habitação. Mas então já não estaremos a falar de uma garagem.

No caso dos autos, deparamos com o arrendamento de um armazém. Contrariamente a alguma jurisprudência – ver o recente Acórdão do STJ de 3/3/2009, in www.dgsi.pt – não aceitamos que um armazém se integre na noção de espaço apto para habitação. Dizer-se, como se faz em tal acórdão, que “a noção de habitabilidade mais se prende com as condições físico-estruturais do local em termos de ser, ou não, possível aí permanecer com certa estabilidade e continuidade”, é reduzir o conceito de habitação ao de permanência física, corpórea, num dado espaço.
Contudo, o que se pretende com o conceito jurídico de habitabilidade é bem diferente. Trata-se de referenciar um dado espaço físico como contendo as características adequadas a que nele alguém possa estabelecer, em termos de normalidade, a sua vida diária, ou nele desenvolver uma actividade comercial ou industrial.
Caso contrário quase todos os espaços teriam de ser considerados habitáveis, desde um automóvel a um vão de escada – situações que por serem frequentes hoje em dia, fruto de infelizes políticas sociais, nem por isso deixam de ser anómalas e inteiramente antagónicas com o conceito de habitação.

No caso em apreço, contudo, ficou demonstrado que o armazém havia sido utilizado, onze anos antes, na indústria do concentrado de tomate, encontrando-se desactivado desde então.
Isso significa que na sua estrutura física esse espaço se mostrava adequado à prossecução de uma actividade industrial. Com efeito, a sua desactivação não ocorrera por quaisquer razões ligadas ao referido espaço mas sim ao abandono daquela actividade industrial.
Também se provou que, para lá de alguns arranjos, remoção de lixos e limpezas, necessários devido ao prolongado abandono, o espaço estava apto para utilização, sem carecer de alterações estruturais.
Assim sendo e porque entendemos que o conceito de aptidão para habitação envolve igualmente o exercício do comércio ou indústria – ver, neste sentido o Acórdão do STJ de 3/4/2001, in www.dgsi.pt – sendo irrelevante o destino que os contraentes lhe pretendam atribuir, temos de concluir que o armazém em causa não se pode inserir na previsão do art. 5º nº 2 e) do RAU.
Assim e face ao disposto no art. 6º do mesmo diploma, considera-se que o contrato dos autos está sujeito à disciplina do RAU, nos termos do seu art. 3º nº 1.
E, nomeadamente, à exigência de forma escrita prevista no art. 7º nº 1.

Ora, como resulta da sentença recorrida, o contrato nunca chegou a ser reduzido a escrito, uma vez que a minuta apresentada pela ora recorrente nunca foi assinada pelos gerentes da Aª.
A consequência inevitável será a da nulidade do contrato, nos termos do art. 220º do Código Civil, uma vez que nem sequer podem existir recibos de renda, já que o Réu nunca chegou a pagá-la.

Diga-se, de resto, que, nos termos do nº 3 das respostas à Base Instrutória, “o envio de uma minuta de contrato de arrendamento resultou de acordo prévio entres as partes”.

Por outro lado, essa mesma minuta leva-nos a ter de concluir que foi sempre intenção dos contraentes a redução a escrito do contrato, no âmbito da forma voluntária, não só por ter sido desse modo que a proposta contratual do Réu foi enviada à Aª, como pelo seu próprio teor, de que destacamos a cláusula 9ª:
“Nada mais foi convencionado entre as partes para além do que consta das cláusulas antecedentes, cuja modificação ou alteração, para ser válida, deverá ser reduzida a escrito e assinadas por ambas as partes”.

Ou seja, existiu sempre o propósito de que a relação contratual entre as partes constasse de documento escrito e, obviamente, assinado pelos contraentes.
Uma vez que tal assinatura, por parte dos legais representantes da Aª, não chegou a ser concretizada, nem sequer se poderia falar de contrato, ou pelo menos da sua eficácia, na medida em que o mesmo não estaria completo, faltando-lhe a declaração negocial do locador – ver art. 223º nº 1 do Código Civil.
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De qualquer modo, como referimos, era exigível a forma escrita na medida em que o espaço a arrendar, embora não “habitável” era apto ao exercício da indústria, como, de resto, sucedera anos antes, o que exclui a presente situação da prevista nos arts. 5º e 6º do RAU.
A nulidade do contrato por falta de forma, a aceitar-se que o acordo negocial se completou com o fax enviado pela Aª ao Réu em 18/1/2001 e junto a fls. 36 – mesmo sem a minuta contratual estar assinada pelos legais representantes da Aª – determina que as partes restituam tudo o que haja sido prestado – art. 289º nº 1 do Código Civil.

Na sentença recorrida afirma-se que, mesmo a ocorrer a inobservância da forma legal, a sua invocação pelo Réu sempre constituiria abuso de direito. Isto pois que “o contrato não foi logo assinado por os representantes da Aª estarem ausentes e por entre a sua ausência e a sua presença ter a Ré ocupado as instalações dando origem à reacção adversa por parte dos particulares, o que determinou que a Ré não viesse posteriormente a assinar o contrato”.
Mesmo que aceitássemos a sequência fáctica adiantada na sentença, não se vislumbra como poderá a mesma conduzir ao conceito de “abuso de direito”.
Por abuso de direito entende-se “o ilegítimo exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” - art. 334º do Código Civil.
Embora na sentença recorrida não se explicite qual o vício de que resulta o abuso do direito, podemos presumir que o Mº juiz a quo se estará a referir a uma conduta de má fé por parte do Réu.
Face à matéria provada, não vemos factualidade que permita sustentar tal conclusão.
A sequência cronológica dos factos relevantes é a seguinte:
– A Aª autorizou o Réu a ocupar o prédio a partir de 2001, tendo este procedido ao armazenamento da farinha de carne e ossos, no armazém da Aª, desde o início desse mesmo mês de Janeiro.
– O Réu enviou à Aª a minuta do aludido contrato de arrendamento em 17/1/2001.
– Por fax de 18/1/2001 foi comunicado pela Aª ao Réu que a assinatura do contrato só poderia ocorrer a partir de 31 de Janeiro em virtude de um dos gerentes se encontrar fora do país.
– Por ofício de 24/1/2001 a Direcção Regional do Ambiente do Alentejo, do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, comunicou ao Réu terem surgido reclamações por parte da população e notícias na comunicação social relativas ao armazenamento de tais farinhas animais.
– Mais comunicou tal Direcção Geral, no mesmo ofício, que considerava incumpridas as disposições do DL nº 239/97 de 9 de Setembro e da Portaria nº 961/98 de 10 de Novembro, designadamente quanto à circunstância de a proprietária das instalações – a ora Aª – não estar autorizada a exercer a actividade de gestão de resíduos e comunicando ao Réu que este deveria transferir as farinhas para local devidamente legalizado, concedendo para o efeito o prazo de um mês.
– O Réu comunicou tal situação à Aª, propondo-se pagar a verba correspondente à ocupação do armazém durante os meses de Janeiro e Fevereiro de 2001, o que a Aª não aceitou.
Como parece evidente, o que tornou inviável a assinatura do contrato, não foi o facto de o Réu ter ocupado as instalações e ter começado o armazenamento das farinhas, nem sequer a reacção dos populares ou da comunicação social, mas pura e simplesmente o facto de a Aª, proprietária do armazém, não estar autorizada a exercer a actividade de gestão de resíduos.
Poder-se-ia até suscitar a questão de saber se o contrato não seria nulo quanto ao seu objecto, por ser este contrário à lei – art. 280º nº 1 do Código Civil. Com efeito, dependendo a validade do arrendamento de um espaço para armazenamento de farinhas animais, de estar a proprietária desse espaço autorizada a exercer a gestão de resíduos e inexistindo tal autorização, naturalmente que o negócio é nulo por ir o seu objecto contra normas legais imperativas.

De qualquer maneira, o que não se entende é a imputação de má fé à conduta do Réu.
O facto de os gerentes da Aª não se encontrarem em Portugal em Janeiro de 2001, para poderem assinar o contrato, tal como a falta de autorização da mesma Aª para gerir resíduos, não são da responsabilidade do Réu.
Naturalmente que, depois de informado pela Direcção Geral do Ambiente que era proibido armazenar ali as farinhas e que teria, no prazo de um mês, de as remover para outro local, não se esperaria que o Réu fosse assinar um contrato com a Aª, cujo objecto seria ilegal.
Assim, não existe má fé do Réu, nem se verifica a existência de qualquer fundamento para invocar o abuso de direito.

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Atento o disposto no já ficado art. 289º do Código Civil, cabe ao Réu pagar à Aª a quantia acordada, com vista a reembolsá-la dos dois meses em que ocupou o armazém. Além disso, cabe-lhe pagar a verba correspondente aos serviços de segurança prestados pela mesma Aª durante esse período.

Conclui-se assim que:
– O conceito de “espaço não habitável”, para efeitos de aplicação do art. 5º nº 2 e) do RAU, deve ser entendido como o espaço que, pelas suas características físicas e estruturais, não é apto a que alguém ali instale, dentro de padrões de normalidade, a sua habitação ou ali exerça uma actividade comercial ou industrial.
– Assim, um espaço que durante anos foi usado para uma actividade industrial, mesmo que arrendado posteriormente com vista a armazenagem, continua a ter as características que levam a que tal arrendamento se insira na previsão do art. 3º nº 1 do RAU.
– Devendo ser celebrado por escrito, nos termos do art. 7º nº 1 do mesmo diploma.

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Nestes termos, julga-se procedente a apelação, condenando-se o Réu IN a pagar à A. a quantia global de € 63.409,24, (correspondente ao valor acordado para a renda mensal multiplicado por dois meses). Condena-se ainda o Réu a pagar à Aª a quantia global de € 2.493,98 acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde citação e até integral pagamento, sendo esta quantia correspondente ao valor ajustado para prestação se serviços de segurança pela Aª.

Custas pela Aª.

LISBOA, 10/9/2009

António Valente

Ilídio Martins

Teresa Pais