CONTRATO DE MEDIAÇÃO
DEVER DE INFORMAR
CONTRATO-PROMESSA
INCUMPRIMENTO
SINAL
DANOS MATERIAIS
Sumário

A responsabilidade da mediadora imobiliária pela violação do dever de informação, em regime de solidariedade com o promitente-vendedor, não pode ser descartada mediante a mera imputação a este da sonegação de informações que aquela podia e devia obter.
Determinando o incumprimento do contrato-promessa a obrigação de restituição do sinal em dobro, não podem os promitentes-compradores reclamar do promitente-vendedor indemnização por danos morais decorrentes do incumprimento.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

I - A
e
B
vieram propor a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra

C,
M,
e
E, Ldª
pedindo seja declarada a resolução do contrato promessa ajustado entre os AA. e a 1ª e 2ª RR. por incumprimento definitivo e a condenação solidária de todas as RR. a pagar aos AA. o valor correspondente ao dobro do sinal entregue aquando da celebração do contrato-promessa, ou seja,  € 90.000, acrescido dos juros que, à taxa legal, se vencerem até efectivo e integral pagamento, o valor correspondente às benfeitorias úteis realizadas na fracção que não puderem ser levantadas sem detrimento do bem, tudo no valor de € 55.442,27, acrescido dos juros que, à taxa legal, se vencerem até efectivo e integral pagamento, e o valor de € 50.000 pelos danos não patrimoniais.
Pedem, ainda, lhes seja reconhecido o direito de retenção sobre a fracção autónoma objecto da promessa, até pagamento integral dos valores peticionados.
Para tanto, alegam, em síntese que entre os AA. e as 1ª e 2ª RR. foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda em que a 3ª R. interveio na qualidade de mediadora imobiliária.
Em tal contrato as 1ª e 2ª RR. intitularam-se “únicos donos e legítimos proprietários” da fracção e prometeram vender aos AA. o imóvel “devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos obrigacionais”.
A escritura de compra e venda seria celebrada no prazo máximo de 90 dias, ficando a cargo dos AA. a comunicação por escrito, com a antecedência mínima de 15 dias, indicando às 1ª e 2ª RR. a hora, data e local em que a mesma se efectivaria.
A escritura foi marcada, mas não se realizou, o que levou a que as partes tivessem acordado na prorrogação do prazo a fim de as promitentes-vendedoras removerem as dificuldades, mas nem assim a escritura se realizou.
A 3ª R. é responsável na medida em que não deu conta aos AA. de que as 1ª e 2ª RR. não eram as únicas donas e proprietárias.
                                      
As duas primeiras RR. contestaram e alegaram que estavam convictas de que iriam sanar todas as questões atinentes à titularidade do imóvel dependente de um processo de inventário, sendo que os AA. conheciam o teor da descrição registral e não obstante saberem que as RR. não eram proprietárias exclusivas do imóvel mantiveram o interesse no contrato-promessa e na compra e venda definitiva e executaram as obras no imóvel e ocuparam-no.
Além disso, não foram confrontadas com a resolução do contrato-promessa, não lhes tendo sido feita qualquer comunicação admonitória pelos AA., tal como não foram confrontados com a perda de interesse por parte dos AA.

Também a R. E apresentou contestação alegando que os AA. tinham conhecimento de que as 1ª e 2ª RR. não eram proprietárias únicas da fracção, tendo sido informados de que estava a decorrer um processo de habilitação de herdeiros, tendo-lhes sido facultada cópia do testamento e da acção de habilitação de herdeiros.
Ainda assim, aceitaram celebrar o contrato promessa, depois de serem sucessivamente informados pelos funcionários da 3ª R.
As promitentes-vendedoras iludiram quer os AA., quer a 3ª R. quanto à celebração do contrato definitivo.
A 3ª R. sempre cumpriu com os deveres inerentes à sua actividade de mediadora imobiliária, nomeadamente os deveres constantes do art. 18º, do Dec. Lei nº 77/99, de 16/3. Efectuou sucessivas diligências para obtenção dos documentos necessários junto das 1ª e 2ª RR, para a celebração do contrato definitivo tendo informado, desde o início das negociações os AA, interessados no negócio das condições específicas do mesmo.

Replicaram os AA.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que declarou resolvido o contrato promessa e condenou solidariamente as RR. a pagar aos AA. a quantia de € 90.000,00, a título de dobro do sinal, a quantia de € 50.000,00 a título de valorização do imóvel, e a quantia de € 10.000,00, a título de danos morais, assim como no pagamento dos juros de mora sobre as duas primeiras quantias. Foi ainda declarado o direito de retenção sobre a fracção objecto dos autos, até integral e efectivo pagamento.

Apelou apenas a R. E e concluiu que:
a) Resulta da matéria de facto provada que os AA. tentaram por diversas vezes agendar com as 1ª e 2ª RR. a data para celebração da escritura de compra e venda;
b) A propriedade do imóvel não se encontrava definitivamente registada a favor dessas RR., pelo que não puderam remeter os documentos necessários à celebração da escritura;
c) A comunicação dos AA. de perda do interesse na celebração da escritura de compra e venda foi efectuada pelos AA. unicamente à Recorrente e não às promitentes-vendedoras;
d) Os AA. realizaram obras no imóvel de adaptação ao seu gosto e fins pretendidos que para os mesmos tiveram um custo superior a € 55.000,00, e desde 2-11-02 haviam feito do imóvel a sua casa de morada de família, não tendo em momento algum sofrido qualquer perturbação ao gozo da sua posse, não sendo admissível julgar que objectivamente tivessem perdido o interesse na celebração da escritura;
e) Por diversas vezes as 1ª e 2ª RR. manifestaram aos AA. que se encontravam a diligenciar a remoção dos obstáculos à realização da escritura prometida e nunca disseram que não iriam realizar a escritura prometida ou que se encontravam definitivamente impossibilitadas de remover os obstáculos à mesma;
f) O incumprimento do contrato-promessa depende ou da perda do interesse no negócio ou que tivessem marcado uma data definitiva para além da qual se considerassem desinteressados e que efectuassem essa comunicação aos promitentes-vendedores, sendo que na correspondência remetida pelos AA. às 1ª e 2ª RR. aqueles nunca estabeleceram uma data para além da qual consideravam a perda de interesse no negócio e como tal resolvido;
g) Além disso, a comunicação que os AA. actuaram transmitindo a perda do interesse no negócio prometido não foi remetida às promitentes-vendedoras, tendo sido dirigida à Recorrente que não se encontrava mandatada com poderes de representação para receber tal comunicação ou da mesma retirar consequências;
h) Não resulta provado sequer que os AA. tenham diligenciado a realização da comunicação às RR. da perda do interesse no contrato;
i) A resolução do contrato implica a devolução do sinal em dobro ou o valor da coisa prometida, sem qualquer outra indemnização, não podendo a sentença condenar no pagamento de qualquer quantia a título de valorização do imóvel;
j) Não pode assumir a natureza de benfeitoria útil um serviço prestado aos AA. tal como o projecto de arquitectura, nem os serviços de mão de obra prestada;
k) Os AA. não provaram que as benfeitorias realizadas não podiam ser levantadas, não podendo ser reconhecido o direito a qualquer indemnização;
l) A perícia de avaliação do valor das benfeitorias seria o único meio de prova admissível, e não o mero depoimento testemunhal;
m) É injustificado conferir aos AA. o direito de indemnização por danos não patrimoniais, não sendo merecedores de tutela jurídica os factos que se provaram;
n) A recorrente nunca atribuiu às partes qualidades que estas não possuíam, não podendo ser responsabilizada;
o) Qualquer indemnização devida pela recorrente apenas pode ter em conta os danos directamente resultantes da sua qualidade de mediadora imobiliária.

II – Factos provados:

1. Entre os AA., na qualidade de promitentes-compradores, e as 1ª e 2ª RR., na qualidade de promitentes-vendedoras, foi celebrado em 5-8-02 um contrato-promessa de compra e venda tendo por objecto uma fracção autónoma destinada a habitação dos promitentes-compradores, conforme doc. de fls. 45 a 46 do seguinte teor:
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ENTRE:
Primeiros outorgantes: C,  aqui representada pela sua procuradora e co-proprietária D e
Segundos outorgantes: A e B, casados em regime de comunhão de adquiridos,
É celebrado e reciprocamente aceite o contrato-promessa de compra e venda que se rege nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
Cláusula primeira: Os primeiros outorgantes são os únicos donos e legítimos proprietários da fracção autónoma designada pela letra "N" que constitui o 4º andar esq., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação, sito na Av., descrita na CRP  sob o n°  inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. n°, com a licença de utilização nº emitida pela Câmara Municipal.
Cláusula segunda: Os primeiros outorgantes prometem vender, devoluto e livre de quaisquer ónus ou encargos obrigacionais, aos segundos outorgantes e estes prometem comprar, a fracção referida na cláusula anterior, pelo preço de € 222.000,00.
Cláusula terceira: A título de sinal e princípio de pagamento da referida compra, os segundos outorgantes pagarão aos primeiros outorgantes, na data da assinatura do presente contrato, a quantia de € 45.000,00, que os mesmos declaram ter recebido dando a respectiva quitação.
A parte remanescente do valor da venda, ou seja, a quantia de € 177.000,00, será paga pelos segundos outorgantes aos primeiros outorgantes, no acto da assinatura da escritura notarial de compra e venda, através de cheque visado.
Cláusula quarta: A escritura notarial de compra e venda será efectuada no prazo máximo de 90 dias.
Os segundos outorgantes, deverão comunicar por carta registada com aviso de recepção, com antecedência mínima de quinze dias, aos primeiros outorgantes, para a morada a indicar por estes, por escrito, a data, hora e cartório notarial para efectivação da mesma.
Cláusula quinta: Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato, por parte dos segundos outorgantes, salvo se exercer o direito de execução específica prevista na cláusula sétima do presente contrato, direito a fazer seu o sinal entregue.
Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato, por parte dos primeiros outorgantes, terão os segundos outorgantes, salvo se exercer o direito de execução específica prevista na cláusula sétima do presente contrato, direito a receber o sinal em dobro.
Cláusula sexta: O presente contrato fica sujeito à execução específica prevista no art. 830º do CC.
Cláusula sétima: Para todo e qualquer litígio emergente do presente contrato que as partes não resolvam amigavelmente é competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro” – A);
2. No momento da celebração do contrato-promessa, os AA. entregaram às 1ª e 2ª RR. a quantia de € 45.000,00 a título de sinal, tendo sido convencionado que o remanescente do preço - € 177.000,00 - seria pago no momento da outorga da escritura de compra e venda prometida – C);
3. Ficou ainda acordado entre as partes que os promitentes-compradores poderiam ocupar, desde esse momento, a fracção prometida vender, tendo sido expressamente autorizada a realização, por estes, de obras da forma que os mesmos entendessem conveniente – D);
4. Ficou ainda estabelecido que a escritura de compra e venda seria celebrada no prazo máximo de 90 dias, ficando a cargo dos promitentes-­compradores a comunicação por escrito, com a antecedência mínima de 15 dias, indicando às promitentes-vendedoras a hora, data e local em que a mesma se efectivaria – E);
5. A escritura prometida foi marcada para 28-10-02 – F);
6. A 3ª R., desde momento anterior à formalização do contrato referido em 1., intervém como entidade mediadora, tendo ficado a seu cargo a obtenção de toda a documentação necessária para a celebração do contrato a que se refere o ponto 1. – B), S) e 1º;
7. O contrato promessa referido em 1. foi minutado pela 3ª R. e enviado aos AA. em 1-8-02 – 46º.
8. As 1ª e 2ª RR. aquando do acordo referido em 1. sabiam não ser “únicas e legítimas proprietárias” da fracção prometida vender – T);
9. Em nenhum momento anterior à celebração do contrato-promessa os AA. foram informados por qualquer das RR. de que as 1ª e 2ª RR. não eram, afinal, nem proprietárias nem as únicas proprietárias do imóvel – 6º;
10. A 3ª R. nunca informou os AA. quer na fase pré-contratual, quer na fase do acordo referido em 1. de que não era exacta a invocada qualidade de “únicos donos e legítimos proprietários” invocada pelas 1ª e 2ª RR. – 7º;
11. Os AA. celebraram o acordo referido em 1. na convicção de que as declarações produzidas pela 1ª e 2ª RR. de que eram únicas donas e legítimas proprietárias e possuidoras da fracção em causa eram verdadeiras, tendo sido nessa mesma convicção que iniciaram as obras de remodelação do imóvel por estas autorizadas e que entregaram às referidas RR. o referido valor de € 45.000,00 - 8º, 9º e 10º;
12. Em 11-10-02 a 3ª R. enviou aos AA. documento do registo de aquisição provisória para ser reconhecido e assinado notarialmente pela R. e facultou-lhes cópia do testamento e da habilitação de herdeiros por óbito de Adérito da Silva Barros, por fax de 22-10-02 – 44º e U);
13. Em 28-10-02 os AA. foram informados pela 3ª R. que a propriedade da fracção autónoma não estava ainda inscrita a favor das 1ª e 2ª RR., ao contrário do que esta sempre havia sido transmitido aos AA. – 2º e 3º;
14. Dada a alegada impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa por parte das promitentes-vendedoras, os AA. tomaram a iniciativa de, por cartas datadas de 23-10-02 e 31-10-02, solicitar àquelas um aditamento ao contrato-promessa que, entre outros aspectos, alterasse, prorrogando-a, a data-limite para a outorga da escritura para o dia 6-12-02, visando assim permitir que os obstáculos à realização da mesma - fossem eles quais fossem - viessem a ser removidos pelas RR. durante aquele período – G);
15. O teor das cartas, referidas em 14. foi comunicado pelos AA. às RR. em 31-10-02 pelo fax junto a fls. 56 - H);
16. A 2ª R. D respondeu à carta referida em 15. por carta de 5-11-02 junta a fls. 61 e 62  - M);
17. Pela carta referida em 16. os AA. tomaram pela primeira vez conhecimento de que a fracção autónoma prometida vender faria parte de uma herança em que a 1ª e 2ª RR. figuravam como interessadas, para além de outras pessoas – 4º;
18. A 4-11-02, novamente por fax, o A. marido enviou uma nova comunicação à R. E dando conta de que, estando a um dia de expirar a prazo-limite para a realização da escritura (que expirava a 5 de Novembro), não tinha ainda recebido qualquer resposta por parte das 1ª e 2ª RR. ao pedido de formalização do Aditamento ao Contrato-Promessa e relembrando que a escritura prometida só não fora ainda outorgada por razões da exclusiva responsabilidade das promitentes-vendedoras - I);
19. O A. marido disponibilizou-se para que a escritura fosse outorgada em 29-11-02, tendo para esse fim solicitado à 3ª R. a preparação de documentos necessários, fazendo menção aos prejuízos que os AA. haviam sofrido, designadamente o valor entregue a título de sinal e as obras por eles realizadas no imóvel – J);
20. As obras referidas em 19. haviam sido autorizadas pelas duas primeiras RR. – L);
21. A 27-11-02, as partes acordaram na celebração de um Aditamento ao Contrato-Promessa de Compra e Venda, estabelecendo por esse meio um novo prazo para a celebração da escritura prometida uma vez que, como as partes fizeram questão de referir, “por motivo totalmente alheio aos segundos outorgantes (os AA.), não foi possível celebrar a escritura de compra e venda no prazo previsto na cláusula 4ª”, conf. doc. de fls. 64 e 65 com as seguintes cláusulas
Cláusula primeira: A escritura de compra e venda será efectuada no prazo máximo de 180 dias a contar desta data, devendo as primeiras outorgantes comunicar aos segundos outorgantes com a antecedência de 30 dias, o dia, hora e Cartório em que a mesma se irá realizar;
Cláusula segunda: As primeiras outorgantes declaram ter autorizado os segundos outorgantes a realizar as obras de remodelação da tracção que estes vão comprar tendo estas tido início em 20-9-02.
As primeiras outorgantes autorizam os segundos outorgantes a tomar posse e a ocupar a fracção desde o dia 1-11-02” – N);
22. Os AA. acordaram no aditamento referido em 21., convictos de que o registo a favor das 1ª e 2ª RR. seria efectuado no prazo de 6 meses – 5º;
23. Quando foi celebrado o aditamento referido em 21., os AA. já tinham dado início às obras na fracção, tendo prosseguido as mesmas – 37º;
24. Em data posterior à da celebração do aditamento referido em 21., a R. E enviou aos AA. um conjunto de documentos  sobre a fracção – 45º;
25. Com data de 11-2-03, o A. marido enviou às duas primeiras RR. a carta junta a fls. 66 na qual acusa a recepção da adenda ao Contrato-Promessa de Compra e Venda, a qual foi recebida pelas RR., referindo designadamente, que “alertamos para a situação delicada em que nos encontramos, uma vez que sinalizámos e remodelámos integralmente uma casa da qual ainda não fizemos a escritura, facto que traz grande instabilidade às nossas vidas” e que “sendo a adenda válida por 6 meses, chamamos atenção para o facto de V. Exas. se terem comprometido para fazer a escritura de compra e venda até ao dia 27-5-03, convocando com 30 dias de antecedência”,– O);
26. As 1ª e 2ª RR. não fizeram, porém, qualquer comunicação aos AA. indicando-lhes a data e o local da realização da escritura – P);
27. Os AA. endereçaram, com data de 13-5-03, às duas primeiras RR. cartas nas quais referiam (fls. 69):
A escritura prometida deverá ter lugar até ao próximo dia 26 de Maio e a respectiva comunicação deveria ter-nos sido enviada até ao passado dia 26 de Abril.
Até à presente data, no entanto, nenhuma marcação nos foi comunicada.
Vimos, portanto, solicitar a V. Exª que, em cumprimento daquele Contrato-Promessa e Aditamento, se digne proceder ao agendamento da escritura, indicando-nos com a maior brevidade a data, hora e local da mesma, tudo em conformidade com o contratado.
Como é do conhecimento de V. Exª, não nos é de forma alguma indiferente o calendário de outorga da escritura prometida tanto mais que, com vista ao cumprimento do contrato, assumimos responsabilidades e efectuamos despesas de natureza diversa” – Q);
28. Por carta datada de 22-5-03, as duas primeiras RR. responderam aos AA. que a referida escritura não poderia ser realizada no previsto dia 26-5-03, conforme doc. de fls. 72 – R);
29. Os AA. endereçaram às 1ª e 2ª RR., em Dezembro de 2003, a carta junta com a réplica, a fls. 291, onde, além do mais, referem que “mau grado os esforços que, através do nosso Advogado, empreendemos nos últimos meses, não foi possível obter o acordo para que a escritura de compra e venda seja outorgada…
Assim, cumpre-nos lealmente informar Vª Exª de que nos sentimos forçados a promover as iniciativas judiciais adequadas á defesa dos nossos legítimos interesses gravemente lesados pelo logro em que fomos envolvidos.
Nesse sentido demos indicações ao nosso Advogado para que minute a acção competente e dê sequência, agora judicial, ao assunto…”
30. Em face da não outorga da escritura do contrato referido em 1., os AA. vieram a adquirir  (escritura celebrada em 9-6-04, fls. 413) um outro imóvel que se destinava à sua habitação – 11º;
31. Os AA. ao celebrarem o contrato referido em 1. pretendiam adquirir a fracção objecto do mesmo para a utilizarem como habitação própria – 12º;
32. Ao tomarem a decisão de adquirir a fracção autónoma prometida vender, os AA. alienaram a que era anteriormente a sua casa de morada de família – 30º;
33. Os AA. comunicaram à R. E a perda de interesse na celebração do contrato prometido, esclarecendo que tentaram comunicar às restantes RR., não o tendo feito porquanto, apesar dos esforços encetados, não lograram encontrá-las – 38º;
34. Os AA. despenderam com projecto de arquitectura, facturação de material e assistência técnica à obra a que procederam na fracção autónoma referida em 1. a quantia de 10.000,00€ - 13º;
35. Colocaram na fracção electrodomésticos encastrados no valor de € 523,00, esquentador no valor de € 197,00, gastaram em rodapés € 12,00, em caixilharias € 4.235,13, lava-loiças no valor de € 129,71, olho de boi no valor de € 3,60, acumuladores de calor no valor de € 1.088,85, revestimentos de WC no valor de € 619,00, vedação de varanda no valor de € 210,74, mão-de-obra da empresa  no valor de € 23.209,44, e mão-de-obra da empresa  no valor de € 5.950,00 - 14º a 24º;
36. Na fracção foram levados a efeito trabalhos de carpintaria – 25º e 26º;
37. Procederam à avaliação do imóvel o que custou € 148,75 - 27º;
38. Passaram a habitar na referida fracção, realizaram nela obras, tudo na convicção de que a prometida venda se iria realizar e que aquela iria ser a casa de morada de família – 31º;
39. Por força do referido de 34. a 37. a fracção valorizou, pelo menos, € 50.000.00 – 29º;
40. A não realização do contrato de compra e venda referida causou aos AA. intranquilidade, stress e desgaste psicológico – 32º.

III - Decidindo:
1. A sentença condenou as RR. em regime de solidariedade, pelo que, apesar de o recurso de apelação ter sido interposto apenas pela R. E, aproveita igualmente às demais RR., nos termos do art. 683º, nº 2, al. c), do CPC, tanto mais que todas as questões suscitadas pela recorrente respeitam igualmente às demais RR.

2. A R. E celebrou com as 1ª e 2ª RR. um contrato de mediação imobiliária tendo em vista a angariação de interessado para a aquisição de uma fracção autónoma que aquelas se propunham vender. Na sequência de tal contrato e da subsequente actividade da R. E, foi outorgado com os AA. contrato-promessa de compra e venda que a própria E minutou.
A actividade de mediação imobiliária está sujeita a licenciamento cujo regime tem sido objecto de sucessivas alterações, visando, além do mais, evitar consequências negativas  do amadorismo, da impreparação técnica, da falta de transparência ou mesmo da irresponsabilidade, por forma a transmitir ao mercado imobiliário factores de segurança jurídica.[1]
Tendo em conta a data em o contrato de mediação foi celebrado, é aplicável ao caso o Dec. Lei nº 77/99, de 16-3, cujo art. 18º fixa uma série de deveres para com os interessados, prescrevendo o art. 23º a responsabilidade solidária da mediadora juntamente com os vendedores que com a mesma celebraram o contrato de mediação pelos danos causados a terceiros, maxime quando se demonstre que aquando da celebração e execução do contrato de mediação imobiliária se verificou o desrespeito de deveres legais.
Entre os deveres legais que ao caso importam destacam-se os seguintes:
- O dever de se certificar da capacidade e da legitimidade para contratar das pessoas intervenientes no negócio que vai ser promovido (art. 18º, nº 1, al. a));
- O dever de obter informação junto das pessoas com quem o contrato de mediação foi celebrado e fornecê-la aos interessados de forma clara, objectiva e adequada (art. 18º, nº 1, al. c));
- O dever de propor com exactidão e clareza os negócios de que forem encarregados, procedendo de modo a não induzir em erro os interessados (art. 18º, nº 1, al. d));
- Ou o dever de comunicar imediatamente aos interessados qualquer facto que ponha em causa a concretização do negócio visado (art. 18º, nº 1, al. e)).

3. No caso concreto, a actuação da R. E colidiu essencialmente com o dever de certificação da legitimidade das 1ª e 2ª RR. em relação à celebração do contrato prometido cuja promessa de compra angariou, e bem assim com o conexo dever de comunicação aos AA. da situação jurídica em que se encontrava a fracção autónoma.
Contra o que estava legalmente obrigada, a R. E não se certificou ou não comunicou aos AA., antes de estes subscreverem o contrato-promessa, que as promitentes-vendedoras não detinham sobre a fracção os necessários poderes de alienação, o que estava dependente da resolução de uma questão de partilhas (§§ 9. e 10.).
Apesar do dever da R. E quanto à recolha dos elementos relevantes para a segurança jurídica do contrato-promessa de compra e venda, e malgrado se ter vinculado ainda a obter toda a documentação necessária para a celebração do contrato-promessa, como, aliás, o previa o art. 3º, nº 2, do Dec. Lei nº 77/99, minutou o contrato no qual as demais RR. foram identificadas como “únicas e legítimas proprietárias” da fracção.
Ora, tal afirmação não tinha correspondência com a realidade que facilmente poderia ser captada, designadamente através do registo predial. Consequentemente, os AA. não foram informados atempadamente de que a afirmada qualidade jurídica não era verdadeira.
A R. E não teve qualquer responsabilidade no incumprimento do contrato prometido na data aprazada e posterior prorrogação. Porém, a sua responsabilidade perante os AA. não pode ser descartada mediante a mera imputação às demais RR. da sonegação de informações cruciais, já que, atenta a actividade que exerce, estava legalmente obrigada a certificar-se da existência dos poderes de que as promitentes-vendedoras se arrogavam titulares, no interesse e para protecção de terceiros, maxime dos AA.
A R. E facultou aos AA. uma cópia do testamento e da habilitação de herdeiros por óbito de F (§ 12.). Mas, além de tal actuação não tornar inteiramente clara a situação jurídica da fracção, ocorreu já depois da outorga do contrato-promessa, quando já se haviam consumado efeitos decorrentes do contrato-promessa, ao nível da prestação do sinal.
Também em 28-10-02 a R. E informou os AA. de que a propriedade da fracção autónoma não estava inscrita a favor das 1ª e 2ª RR., actuação que embora revele preocupação pela situação gerada e em que os AA. foram involuntariamente envolvidos, não tem a virtualidade de apagar os efeitos de anteriores omissões.
Nestas circunstâncias, não há dúvida de que a R. E incumpriu deveres legais de informação e de esclarecimento, assim ficando preenchido o pressuposto da ilicitude necessário à sua responsabilização pelos danos causados aos AA..
Como o revelam os factos provados, a omissão de informação correcta por parte da R. E foi relevante para a situação em que os AA. foram envolvidos, uma vez que estes celebraram o contrato na convicção de que era verdadeira a declaração das 1ª e 2ª RR. de que eram proprietárias da fracção, motivo que os levou a prestar o sinal de montante assinalável (€ 45.000,00) e, depois, a despenderam quantias elevadas com a realização de obras de remodelação iniciadas em 20-9-02 (§ 21.) e autorizadas pelas promitentes-vendedoras (§§ 3., 11. e 20.).

4. Relativamente ao contrato-promessa de compra e venda, a R. E argumenta que não se verificam os pressupostos da resolução, faltando, assim, base para a sua responsabilização pelos efeitos decorrentes do incumprimento.
Vejamos:
Tendo sido fixada uma data para a outorga da escritura pública, as 1ª e 2ª RR. não conseguiram remover os obstáculos jurídicos ligados ao processo de partilha de herança em que se inscrevia a fracção. Constituíram-se, assim, em mora relativamente à obrigação de celebração do contrato prometido, situação que, depois, evoluiu para o incumprimento definitivo.
Os AA. que, além do sinal prestado, haviam investido na remodelação da fracção, concederam às promitentes-vendedoras todas as facilidades para a concretização do contrato prometido. Todavia, malgrado os avisos feitos e a invocação dos prejuízos que a situação gerava, as 2ª e 3ª RR. não se mostraram capazes de desbloquear a situação de modo razoável.  A única resposta que os AA. receberam, depois de passada a data acordada no contrato, foi a de que a escritura pública de compra e venda também não poderia ser realizada em 22-5-03, sem apresentarem aos AA. uma solução para o problema a não ser aguardar (quiçá indefinidamente) a evolução do processo de partilha.
Atentas as circunstâncias, tal resposta era manifestamente inaceitável, apenas acentuando a incapacidade para cumprirem o contrato prometido.
Perante a situação de impasse, foram os próprios AA. que propuseram às promitentes-vendedoras a prorrogação do prazo de outorga da escritura por mais 6 meses. Todavia, nem assim a questão foi solucionada, continuando as promitentes-vendedoras impedidas de outorgar a escritura pública de compra e venda.
Os meses foram passando e, malgrado os avisos formulados pelos AA. e a enunciação dos prejuízos que a situação criava, o prazo da prorrogação (explicitamente qualificado no Aditamento como “prazo máximo de 180 dias”) também se esgotou, mantendo-se o impasse e revelando-se inequivocamente uma situação de incumprimento definitivo.
O arrastamento da situação, sem se tornar previsível em momento algum uma data para a celebração da escritura de compra e venda, a par da admissão da incapacidade das promitentes-vendedoras para resolver a situação, revelam, de forma objectiva, a objectiva perda de interesse dos AA. em relação ao contrato de compra e venda.
Perda de interesse que ainda se tornou mais evidente quando os AA. procederam à aquisição de uma outra fracção que visou satisfazer precisamente o objectivo que os levou a outorgar o contrato-promessa de compra e venda.
Não colhe o argumento da R. E de que a comunicação dos AA. acerca da perda do interesse no negócio prometido não foi remetida às promitentes-vendedoras, o que, além do mais, é contrariado pela carta que lhes dirigiram em Dezembro de 2003 (§ 29.), sendo que até à data da instauração da acção, em Maio de 2004, ou até à data da contestação, em Janeiro de 2005 (vide o teor do art. 21º da contestação das 2ª e 3ª RR), se manteve a situação de impasse já anteriormente detectada.
Nestes termos, no estrito campo do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, é inequívoco que ficaram preenchidos os pressupostos legais da resolução, não sendo exigível aos AA. outra dilação ou outro comportamento.
Por conseguinte, nos termos do art. 442º, nº 2, do CC, os AA. adquiriram o direito a obter das 2ª e 3ª RR., promitentes-vendedoras, o dobro do sinal prestado. Já quanto à R. E adiante se analisará a medida da sua responsabilidade.

5. Os AA. formularam contra todas as RR. um pedido de indemnização por danos morais, o que foi aceite na sentença recorrida.
Importa corrigir o decidido.
Tal indemnização fundada ainda no incumprimento do contrato-promessa de compra e venda não pode ser imposta às 1ª e 2ª RR., promitentes-vendedoras.
Tendo em conta o regime específico da indemnização constante do art. 442º do CC, a devolução do sinal em dobro anteriormente referida esgota as consequências decorrentes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda imputável ao promitente-vendedor, não sendo lícito reclamar a indemnização de danos de outra espécie, ainda que a título de danos morais.
Neste sentido, cfr. Brandão Proença, Do Incumprimento do Contrato-promessa Bilateral, págs. 128 e segs., Pereira Delgado, Do Contrato-Promessa, pág. 319, Januário Gomes, Em Tema de Contrato-Promessa, pág. 38.
Já no tocante à R. E, deve ser reconhecido o direito, como adiante se justificará.

6. Aos AA. foi ainda reconhecido o direito de indemnização por benfeitorias realizadas, contra o que a R. E se opõe.
Não procede o argumento apresentado pela R. E acerca da motivação da decisão da matéria de facto relativa ao valor das benfeitorias, nada obstando a que a prova se faça através de testemunhas e documentos e não necessariamente por via pericial.
Na medida em que a referida indemnização é imputada às promitentes-vendedoras, a razão está do lado dos AA. Já, porém, a sentença terá de ser modificada no que respeita aos limites da responsabilidade assacada à R. E.
Os AA. foram autorizados pelas 2ª e 3ª RR. a realizar obras de remodelação da fracção, tendo sido ainda autorizados a ocupá-la. A natureza das obras e melhoramentos realizados e, além do mais, o facto de se destinarem a uma específica fracção, implica que também devam ser qualificadas como benfeitorias úteis, cujo levantamento não é possível sem detrimento da própria fracção.
Importa notar que a fracção foi ocupada com autorização das promitentes-vendedoras, sendo os AA. titulares de um direito pessoal de gozo (traditio) com características semelhantes às do comodatário ou do arrendatário, sempre teria de lhes ser reconhecido o direito de indemnização a título de benfeitorias, atento o disposto no art. 1273º do CC.[2] Mais do que ocorre com o contrato de arrendamento (art. 1037º, nº 2, do CC), a ocupação autorizada no âmbito de um contrato-promessa tem a função de antecipar um dos efeitos projectados pelo contrato prometido, motivo pelo qual não poderiam deixar de ser garantidos aos promitentes-compradores direitos semelhantes aos reconhecidos ao arrendatário.
O valor da indemnização pelas benfeitorias úteis corresponde ao montante da valorização causada na fracção - € 50.000,00 -, atenta a aplicação das regras do enriquecimento sem causa para que remete o art. 1273º, nº 2, do CC, em conjugação com o art. 1037º, nº 2, do CC.

7. Deste modo, em relação às 1ª e 2ª RR., promitentes-vendedoras, deve ser confirmada a sentença, salvo na parte em que foram condenadas no pagamento de indemnização a título de danos morais a qual, como se disse, está afastada pelo regime específico que vigora para o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda.

8. Importa agora se e em que medida a R. E é responsável perante os AA.
O art. 23º do Dec. Lei nº 77/99 prescreve a responsabilidade solidária pelos danos causados a terceiros. Nesta base legal se fundou a sua condenação no pagamento de todas as quantias em que as promitentes-vendedoras foram condenadas.
Importa operar as necessárias correcções que traduzam a rigorosa aplicação do regime jurídico do contrato de mediação imobiliária, de modo a que a R. E apenas responda “pelos danos causados” aos AA., o que não equivale necessriamente à medida da indemnização que pode ser reclamada das promitentes-vendedoras. Não sendo a R. E parte no contrato-promessa de compra e venda, devem distinguir-se os efeitos decorrentes do incumprimento dese contrato dos que sejam imputados à actividade da mediadora imobiliária.

8.1. O dano dos AA., promitentes-compradores, causalmente ligado ao incumprimento dos deveres de prevenção que recaíam sobre a R. E abarca inequivocamente o valor do sinal que os AA. não teriam desembolsado se tivessem sido oportunamente informados da situação jurídica da fracção e da falta de legitimidade das promitentes-vendedoras para a venda.[3]
Todavia, a responsabilidade não pode equivaler totalmente à responsabilidade assacada às 2ª e 3ª RR., nada autorizando que seja solidariamente condenada no dobro do sinal que no âmbito do contrato-promessa funciona como cláusula penal derivada do incumprimento definitivo.

8.2. Em segundo lugar, respondendo a R. E pelos prejuízos causalmente ligados ao incumprimento de deveres que sobre si recaíam enquanto mediadora imobiliária, é possível assacar-lhe a responsabilidade adicional pelas despesas dos AA. com as obras realizadas, no pressuposto de que, como havia sido declarado no contrato-promessa, as promitentes-vendedoras eram donas da fracção.
Os danos que os AA. tiveram, tendo em conta as regras da responsabilidade civil que vinculam a R. E, correspondem às despesas com as obras que não desembolsariam se acaso tivessem sido informados dos bloqueios que existiam quanto à outorga da escritura pública de compra e venda.
Já, porém, não faz sentido imputar-lhe o valor das benfeitorias. Na verdade, não tendo a R. E qualquer interesse ligado à titularidade da fracção, não lhe aproveita a valorização que esta obteve em consequências das obras e serviços que na fracção foram incorporados e que apenas poderão favorecer as promitentes-vendedoras.
Assim, a sua responsabilidade adicional está limitada ao valor das despesas com as obras: € 46.327,22 (€ 46.178,47+ € 148,75).

8.3. Por fim, já anteriormente se disse que as promitentes-vendedoras não podem ser responsabilizadas por danos morais decorrentes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, tendo em conta a especificidade do regime constante do art. 442º, nº 2, do CC.
Em contraponto, não estando a R. E vinculada por tal regime especial, inexiste motivo para a eximir do pagamento da indemnização por danos morais causalmente imputados ao seu comportamento omissivo.
Os AA. suportaram danos morais decorrentes da omissão de informações relevantes, tendo em conta que a intranquilidade, stress e desgaste psicológico causados, vendo-se envolvidos numa situação para que não colaboraram, o que determinou a venda da anterior morada e a aquisição de uma outra fracção, apesar do investimento pessoal e material que fizeram incidir sobre a fracção dos autos.
Estes factos revelam consequências que não devem ser ignoradas pelo direito, nos termos do art. 496º, nº 1, do CC.

9. Quanto ao direito de retenção sobre a fracção autónoma objecto do contrato-promessa de compra e venda, verifica-se que as 1ª e 2ª RR., únicas interessadas em tal questão, não interpuseram recurso da sentença que reconheceu tal direito, estando esta Relação limitada pelo objecto do recurso apresentado pela R. E.
Por isso, a única questão que pode ser reapreciada respeita ao montante do crédito coberto por aquele direito real de garantia, sendo que a acessoriedade de tal direito apenas abarca os créditos que encontrem cobertura nos arts. 754º e 755º, nº 1, al. f), do CC, ficando, assim, limitado ao crédito sobre as 1ª e 2ª RR. relativo ao dobro do sinal prestado (art. 755º, nº 1, al. f)) e ao crédito correspondente ao valor das despesas efectuadas na fracção retida (art. 754º).

IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, assim, mantendo a decisão que declarou a resolução do contrato-promessa de compra e venda com fundamento em incumprimento definitivo imputável às 1ª e 2ª RR., altera-se a sentença recorrida, nos termos seguintes:
a) Condenam-se as 1ª e 2ª RR. solidariamente no pagamento das quantias de € 90.000,00 (dobro do sinal) e de € 50.000,00 (valorização da fracção), sendo que a condenação solidária da R. E é limitada às quantias de € 45.000,00 (sinal) e € 46.327,22 (obras e despesas);
b) Condena-se a R. E no pagamento da quantia de € 10.000,00 a título de danos morais;
c) Sobre cada uma das quantias referidas na al. a) incidirão juros de mora à taxa legal, desde a citação; sobre a quantia referida em b), os juros contar-se-ão a partir do trânsito em julgado desta decisão;
d) O direito de retenção da fracção a favor dos AA. apenas garantirá o valor correspondente ao dobro do sinal devido pelas 1ª e 2ª RR. (€ 90.000,00) e ao valor das obras e serviços incorporados na fracção (€ 46.178,47), assim como dos juros de mora sobre tais quantias;
e) Mantém-se a condenação das 1ª e 2ª RR. como litigantes de má fé, decisão que, aliás, não foi impugnada;
f) Custas da apelação a cargo da R. E e dos AA. na proporção de 4/5 e de 1/5 respectivamente. Custas da acção a cargo dos AA. e das RR. na proporção de 1/5 e de 4/5, respectivamente.
Notifique.

Lisboa, 15-9-09

António Santos Abrantes Geraldes

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado

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[1] Cfr. o que a respeito destes objectivos se refere no Ac. do STJ, de 4-12-03, www.dgsi.pt (Rel. Ferreira de Almeida).
[2] Cfr. Brandão Proença, ob. cit., págs. 158 e segs.
[3] Veja-se, neste mesmo sentido, o Ac. do STJ, de 4-12-03, www.dgsi.pt (Rel. Ferreira de Almeida), distinguindo bem no campo da responsabilidade da mediadora imobiliária o valor do sinal e outros efeitos do incumprimento do contrato.
Outrossim o Ac. da Rel. do Porto, de 29-5-03, www.dgsi.pt (Rel. Pinto de Almeida), apontando igualmente para o dano enquanto privação do sinal que foi prestado.