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EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
SOLOS
APTIDÃO CONSTRUTIVA
Sumário
I – A classificação de um terreno como zona verde ou de lazer ou a sua inserção em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por plano director municipal não demonstra por si só a ausência de aptidão edificativa. II - Se um terreno satisfaz os requisitos do artigo 25º nº 2 do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 de 18 de Setembro mas nele está vedada a construção por plano municipal de ordenamento territorial, o cálculo da indemnização pela expropriação será efectuado nos termos do art. 26º nº 12 se a aquisição pelos expropriados é anterior à data da entrada em vigor desse PDM e será efectuado nos termos do art. 27º (“solo para outros fins”) se a aquisição for posterior. (AC)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – Relatório
Nos autos de expropriação por utilidade pública em que é expropriante A… e expropriada B…, foi adjudicada à expropriante a propriedade da parcela identificada nos autos.
Por não ter havido acordo sobre o montante da indemnização procedeu-se a arbitragem, tendo os árbitros, por unanimidade, fixado a indemnização de 25.036 €. Para justificar esse valor os árbitros classificaram a parcela como solo apto para outros fins mas determinaram o seu valor como logradouro expondo este critério de avaliação:
«A avaliação da parcela foi efectuada de acordo com a legislação acima referida, tendo em atenção, além da sua classificação, a sua localização, confrontações ou proximidade de infra-estruturas.
Tendo em conta o valor da sua aquisição e considerando que se situa para além de 50 m da Rua que confronta com o prédio, o seu valor foi determinado como logradouro, ou seja, 20% do valor de solo apto para construção.
Teve-se, ainda, em atenção que a área expropriada reduz a área de construção que o terreno permitia, pelo que há uma desvalorização a considerar.»
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A expropriante interpôs recurso da decisão arbitral alegando, em síntese:
- os árbitros classificaram a parcela como solo apto para outros fins
- o art. 27º do Código das Expropriações estabelece os parâmetros para os cálculos dos solos para outros fins
- mas os árbitros atribuíram um coeficiente de 20% a um cálculo de um solo apto para construção, levando em consideração a potencialidade edificativa do mesmo e não, como deveriam ter feito, o seu rendimento, infringindo as disposições previstas no Código das Expropriações
- a expropriante admite um valor unitário do solo de € 32,00/m2, calculado com base num rendimento potencial entre € 2,00m2/ano a € 2,50m2/ano, o qual conduzirá a um valor total para o solo de € 286,00m2 x € 32,00/m2 = € 9.152,00.
- não parece aceitável que se considere a perda de edificabilidade como factor a incluir no cálculo da indemnização a atribuir à parcela expropriada, pois o prédio ou parcela expropriada, nomeadamente a parte restante do mesmo apresenta um conjunto de circunstâncias que limitam a ampliação das construções já existentes, pelo menos numa extensão que a expropriação possa restringir ou prejudicar.
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A expropriada respondeu e interpôs recurso subordinado, tendo alegado, em síntese:
- o prédio corresponde, na classificação legal, a «solo apto para construção» pois preenche os requisitos do nº 2 als a) e b) do art. 25º do C Exp.
- mas, se se pudesse atender à pretensão da expropriante e o solo fosse «para outros fins», os valores alegados pela expropriante são arbitrários pois não se consubstanciam em quaisquer critérios objectivos e fundamentados, pelo que se impugnam
- o prédio foi adquirido pela expropriada em 2001 por 31.000.000$00 e destina-se à construção de um ... e demais instalações de apoio à sua actividade ...
- considerando o disposto no art. 23º nº 5 do C Exp. e que o valor do metro quadrado à data da compra e venda era de 125 €, o valor real e corrente da parcela expropriada é de 35.750 €
- não há razão legal para considerar tal parcela como logradouro, desvalorizando-a, pois todo o prédio e cada parcela dele têm a mesma vocação de solo apto para construção
- ao valor do solo expropriado deve acrescentar-se a importância de 16.170 € - depreciação pela perda de edificabilidade – atribuída pelos árbitros
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Foi realizada avaliação, tendo os peritos atribuído à parcela expropriada o valor de 32.089,20 €, indicando como critério de avaliação:
«Dada a envolvente urbana e a classificação da Parcela em termos de PDM como Espaço Canal os peritos, embora reconheçam que na parcela está vedada qualquer construção a não ser a implantação da Variante acima referida, consideram que para efeitos de estabelecer a indemnização a atribuir, devem classificá-la como solo apto para construção e como tal deve ser calculado, conforme o Artigo 26º do Código das Expropriações e nomeadamente o seu nº 12.»
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Apenas a expropriante alegou ao abrigo do disposto no art. 64º do Código das Expropriações, onde em síntese invocou que não tem aplicação no presente caso a disposição consagrada no nº 12 do art. 26º do CExp e reiterando que a avaliação da parcela deve ser efectuada nos termos do art. 27º.
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Foi depois proferida sentença em que se decidiu:
«Pelo exposto, concede-se provimento parcial ao recurso subordinado deduzido pela expropriada, B…, fixando-se o montante global da indemnização a pagar à expropriada em € 32.089,20 (trinta e dois mil e oitenta e nove euros).
Julga-se improcedente o recurso principal deduzido pela expropriante A…
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Inconformada interpôs a expropriante o presente recurso de apelação e tendo alegado apresentou as seguintes conclusões:
1 – O artigo 23º do Código das Expropriações define um princípio elementar para a determinação do valor da indemnização, ao estabelecer que esta é fixada em função dos factos (e circunstâncias) registadas no momento em que é produzida a declaração de utilidade pública.
2 – Os Árbitros, no seu relatório de avaliação, em face dos critérios definidos no Código das Expropriações, classificaram a parcela como solo apto para outros fins, tendo a entidade expropriante, aceite essa classificação, discordando apenas da metodologia de cálculo seguida pelos Árbitros.
3 – A entidade expropriante não concorda com os Peritos e com a sentença que se baseia no entendimento perfilhado por estes, que reconhecendo que na parcela está vedada qualquer construção a não ser a implantação da Variante acima referida, consideram que para efeitos de estabelecer a indemnização a atribuir, devem classificá-la como solo apto para construção e como tal deve ser calculado, nos termos do nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações.
4 – Ao invés, a avaliação da parcela, se estribada no Código das Expropriações, só poderia ser efectuada ao abrigo do artigo 27º do Código das Expropriações, que estabelece os parâmetros para os cálculos dos solos para outros fins, designadamente através da determinação do rendimento efectivo ou possível de tais solos.
5 – Todavia, os Peritos e por arrasto a sentença recorrida fizeram tábua rasa desta disposição, aplicando a disposição consagrada no nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações, que não tem aplicação no presente caso.
Termos em que deve ser o presente recurso considerado procedente assim se fazendo Justiça.
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A expropriada não apresentou contra-alegação.
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Colhidos os vistos cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art. 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC) pelo que no presente recurso impõe-se decidir:
- se a parcela expropriada deve ser qualificada como «solo para outros fins» ou se deve ser qualificada como «solo apto para a construção»
- se é aplicável o disposto no art. 26º nº 12 do Código das Expropriações
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III – Fundamentação
A) Os factos
Na sentença recorrida consta como provado:
1. A expropriada é proprietária do prédio urbano sito em C..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº ..., como lote de terreno para construção, e inscrito na matriz predial rústica da freguesia de C… sob o artigo … da Secção …, da 1ª Repartição de Finanças de Cascais.
2. Pelo despacho nº 14403-H de 31/05/2005, do Secretário de Estado Adjunto das obras Públicas e Comunicações, publicado na 2ª Série do Diário da República nº 123 de 29/06/2005, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação de um conjunto de parcelas de terreno necessárias à execução da Variante à EN 9 na Abuxarda em Cascais.
3. No referido despacho inclui-se a parcela nº …, com área de 286 m2, a qual integra o prédio descrito em 1.
4. O terreno correspondente à parcela nº… está inserido em Espaço Canal, em Classes de Espaço de Protecção e Enquadramento e em Espaço Cultural, de acordo com o PDM aprovado pela Câmara Municipal de Cascais.
5 – De acordo com esse PDM, na parcela referida está vedada qualquer construção, a não ser a execução da Variante à EN 9, descrita em 2.
6 – O prédio do qual a parcela é desanexada confronta a poente com o caminho público, a 55 m da parcela, que beneficia de diversas carreiras de transportes públicos, está pavimentado, dispõe de redes de abastecimento de água, esgotos pluviais e domésticos, telefones e iluminação pública.
7 – A parcela em causa encontra-se em terreno plano, presentemente sem cultivo agrícola, e não tem quaisquer benfeitorias.
8 – A expropriada adquiriu o prédio descrito em 2001, pelo preço de 31.000.000$00, com o fim de o destinar à construção dum … e demais instalações de apoio à sua actividade …
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B) O Direito
A declaração de utilidade pública é de 31/5/2005 e foi publicada no Diário da República de 29/6/2005 pelo que ao caso dos autos é aplicável o Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 de 18 de Setembro com as alterações introduzidas pela Lei 13/2002 de 19/2 e pela Lei 4-A/2003 de 19/3.
Nos termos do art. 23º deste Código a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração da utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
Para efeitos do cálculo da indemnização o solo classifica-se em «solo apto para a construção» e «solo para outros fins» (art 25º nº1).
O nº 2 do art. 25º determina:
«Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respectivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº5 do artigo 10º.»
De acordo com o nº 3 «Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior».
Tendo em atenção que o prédio de onde foi desanexada a parcela expropriada confronta a poente com o caminho público, a 55 m da parcela, beneficia de diversas carreiras de transportes públicos, está pavimentado, dispõe de redes de abastecimento de água, esgotos pluviais e domésticos, telefones e iluminação pública, conclui-se que se enquadra no disposto no nº 2 al a) do art. 25º e por isso deveria considerar-se «solo apto para a construção».
Porém, de acordo com o PDM aprovado pela Câmara Municipal de Cascais, o terreno correspondente a essa parcela está inserido em Espaço Canal, em Classes de Espaço de Protecção e Enquadramento e em Espaço Cultural, estando vedada qualquer construção na parcela expropriada, a não ser a construção da Variante à EN 9.
Na resposta ao quesito 3 formulado pela expropriada («A expropriação da parcela de lote de terreno, reduzindo a área deste em cerca de 23%, limita a concretização do projecto de construção de um «…» tendo em consideração as exigências a que se reportam os pareceres da CMC e as relativas ao PDM/Planos de Pormenor para aquela zona?») os peritos, por unanimidade, responderam: «Essa limitação já existia à data da aquisição do terreno – Outubro de 2001 – posterior a Junho de 1997, data em que foi aprovado o PDM de Cascais, onde constava o terreno da parcela como “Espaço Canal”».
Também no relatório de arbitragem ( de fls. 36 a 39) foi referido pelos árbitros: «De acordo com as cartas do Plano Director Municipal em vigor, a parcela está inserida em Espaço Canal e em Classes de Espaço de Protecção e Enquadramento e em Espaço Cultural Natural Nível 1».
À data da publicação da declaração de utilidade pública estava em vigor o PDM de Cascais aprovado pela Assembleia Municipal em 30 de Julho e em 25 de Novembro de 1996 e ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros de 15/5/1997 publicada no DR II, nº 139, de 19/6/1997.
O PDM de Cascais entrou em vigor no dia 19 de Junho de 1997 como resulta do seu art. 99º.
No art. 2º nº 1 al i) desse PDM diz-se que «Para efeitos deste diploma, entende-se por «Espaços-canais» os que correspondem a corredores activados ou a activar por infra-estruturas e que têm efeito de barreira física dos espaços que os marginam».
No art. 53º nº 1 consta que «Os espaços-canais a que se refere a alínea i) do n 1 do artigo 2º e delimitados na carta de ordenamento do PDM-Cascais são os espaços nos quais se privilegiam a protecção a corredores activados por infra-estruturas e que têm efeito de barreira física dos espaços que os marginam».
Estabelece o art. 9º nº 2 da Lei 48/98 de 11/8:
«São instrumentos de planeamento territorial os planos municipais de ordenamento do território que compreendem as seguintes figuras:
a) O plano director municipal, que, com base na estratégia de desenvolvimento local, estabelece a estrutura espacial, a classificação básica do solo, bem como os parâmetros de ocupação, considerando a implantação dos equipamentos sociais, e desenvolve a qualificação dos solos urbano e rural; b) O plano de urbanização, que desenvolve, em especial, a qualificação do solo urbano; c) O plano de pormenor, que define com detalhe o uso de qualquer área delimitada do território municipal».
A classificação de um terreno como zona verde ou de lazer ou a sua inserção em espaços-canais (corredores para a instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por plano director municipal não demonstra por si só a ausência de aptidão edificativa. Por isso, o nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 de 18/9, com a epígrafe «Cálculo do valor do solo apto para a construção» prevê: «Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada».
Portanto, como se entendeu no Ac da Relação de Guimarães de 11/7/2005 (CJ XXX,4º, pág. 292) um dos pressupostos da aplicação desta norma é que os solos sejam previamente classificados como aptos para a construção.
Esta norma corresponde com alterações ao nº 2 do art. 26º do Código das Expropriações aprovado pelo DL 438/91 de 9/11 onde, sob a epígrafe «Cálculo do valor do solo para outros fins», se previa: «Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.».
A respeito do nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações aprovado pela Lei 168/99 refere Alves Correia (cfr “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código das Expropriações de 1999”, in RLJ, ano 133º, nº 3910, pág. 53/54): «As modificações introduzidas neste preceito, em comparação com o artigo 26º nº 2, do Código de 1991, traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de aplicação da norma, que passou a abranger, para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território, também os solos por este reservados para a instalação de infra-estruturas e para a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que os solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento de território tenham sido adquiridos antes da data da entrada em vigor deste instrumento de planeamento territorial.
Como já tivemos ocasião de escrever noutra altura em relação à norma do nº 2 do artigo 26º do Código de 1991 – e, agora, repetimos perante a norma do nº 12 do artigo 26º do Código de 1999 – tem a mesma como objectivo evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objectivo da norma, está bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos que, se não fosse a sua classificação como “zona verde ou de lazer” (e, agora, também a sua reserva para a implantação de infra-estruturas e equipamentos públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser considerados como solos “aptos para a construção”, atendendo a um conjunto de elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de infra-estruturas urbanísticas, que atestam uma aptidão ou uma vocação objectiva para a edificabilidade.»
Também no Ac da RP de 2/12/2004 (Proc. 0432497 – in www.dgsi.pt) se refere: «Para se poder aplicar o critério de valorização contido no nº 12 do art. 26º é necessário que a aquisição do prédio tenha sido anterior à entrada em vigor do respectivo plano municipal de ordenamento do território. Esta exigência está em harmonia com o princípio constante do nº 1 do art. 23º, segundo o qual a justa indemnização visa ressarcir o prejuízo causado ao expropriado pela expropriação. Quando o proprietário do terreno o tenha adquirido posteriormente à entrada em vigor do plano municipal, não se verifica qualquer prejuízo com a sua valorização como solo para outros fins, já que o preço por ele pago teve em conta a impossibilidade de construir, não vendo defraudadas as suas expectativas.»
No Ac do STJ de 20/4/2006 – do qual foi interposto o recurso para o Tribunal Constitucional que levou à prolação por este do Ac nº 469/2007 – sustenta-se, a propósito do art. 26º nº 12 do CE: «Dada a sua letra e o respectivo escopo finalístico, a sua previsão restringe-se a expropriações de terrenos adquiridos pelos expropriados antes da entrada em vigor dos referidos planos directores municipais ou de ordenamento do território, que se situem em zonas urbanizadas ou urbanizáveis.
Visa salvaguardar as legítimas expectativas dos expropriados adquirentes de prédios que na altura da respectiva aquisição podiam utilizá-los na construção de imóveis e em função disso porventura tenham por eles pago o preço conforme com essas circunstâncias e que, por virtude dos referidos planos, deixaram de lhes poder dar essa utilização.»
Por seu turno, no referido Ac do Tribunal Constitucional nº 469/2007 (in DR II, nº 209 de 30/10/2007) afirma-se: «Apesar de este Código aparentemente assentar numa divisão dicotómica dos solos expropriados – entre «solo apto para a construção» e «solo para outros fins» -, a situação agora contemplada no nº 12 do artigo 26º representa uma situação específica relativamente à qual o legislador tem hesitado em a considerar uma subespécie do solo apto para outros fins (como fazia no Código de 1991, em que a norma correspondente ao actual nº 12 do artigo 26º surgia como nº 2 do então artigo 26º, dedicado ao «cálculo do valor do solo para outros fins») ou uma subespécie como o solo apto para a construção (como resulta da sua inserção sistemática actual). Instituindo um tertium genus, a que corresponderá indemnização mais elevada do que se se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com actual capacidade edificativa, a previsão do artigo 26º nº 12, do Código das Expropriações de 1999, alargada às situações de superveniente integração na RAN de prédios à partida aptos para a construção, representa uma solução que se reputa adequada à salvaguarda do direito à justa indemnização dos expropriados, com respeito pelo princípio da igualdade».
Igualmente com interesse para o caso em análise nos presentes autos, discreteia-se no Ac do Tribunal Constitucional nº 597/2008 (in DR II, nº 17 de 26/1/2009):
«Estando em causa a determinação, nos termos constitucionais, da “justa indemnização”, o cálculo do seu montante deve obedecer ao princípio geral de colocar o lesado na situação económica em que estaria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Tendo que sofrer o sacrifício da ablação do seu direito, ao expropriado é garantido que na sua esfera ingressará um valor pecuniário equivalente, de forma a repor a situação patrimonial afectada por essa perda.
Para o apuramento do equivalente pecuniário do bem expropriado, há que atender às utilidades que ele proporciona ou é capaz de proporcionar. Tratando-se de um terreno, o seu valor depende decisivamente da existência ou não de aptidão edificativa. Existindo essa aptidão, a expropriação representa a privação do valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levado em conta no cálculo indemnizatório.
O atendimento deste factor de avaliação levou o legislador a consagrar a categoria dos “solos aptos para construção”, distinta dos “solos aptos para outros fins”. (…) Como subespécie dos “solos aptos para construção” (cfr Acórdão nº 469/2007), e integrada nas regras de cálculo do valor desses solos, de acordo com a epígrafe do artigo, o nº 12 do artigo 26º submete os solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território eficaz a um específico critério de avaliação, (…).
(…)
Quando se trata de valorar expectativas, e para evitar suposições despidas do grau mínimo de certeza predicativa, há que tomar em conta a situação realmente existente no momento da prática do acto expropriativo, em termos de averiguar se nela estão presentes elementos objectivos certificadamente indiciadores de uma mais-valia cuja perda deva ser indemnizada.
Não se justifica um olhar para o passado, numa operação reconstrutiva daquilo que se teria verificado se não fosse a classificação administrativa, em termos levar à definição de uma situação hipotética que, sem ela, vigoraria no presente. (…)
Uma tal articulação dos dois actos – o da classificação administrativa e o da expropriação – só se justifica em caso de manipulação abusiva dos critérios de classificação, numa estratégia de pré-ordenado abaixamento, pela entidade expropriante, dos custos da expropriação. (…)
Pode concordar-se em que o objectivo de evitar essa manipulação não é a única razão de ser do regime em apreciação, até porque a classificação como “zona verde” (ou qualquer das outras constantes da previsão do nº 12 do artigo 26º) não é, só por si, demonstrativa da ausência de aptidão construtiva. Esta pode existir, nos termos gerais, e tal classificação ficar a dever-se à consideração preferencial de um fim que exclua o aproveitamento urbanístico, de outro modo possível.
Tendo isso em conta, corresponde a um imperativo de justiça, no momento em que, com a expropriação para outro fim, fica sem efeito a adstrição resultante da classificação administrativa, não considerar o terreno, sem mais, como inapto para a construção, por único efeito dessa classificação. Mas essa alteração funcional só significa que deixou de ser forçosa a classificação como “solo apto para outro fim” (…)».
Portanto e em suma, se um terreno satisfaz os requisitos do artigo 25º nº 2 mas nele está vedada a construção por plano municipal de ordenamento territorial, o cálculo da indemnização pela expropriação será efectuado nos termos do art. 26º nº 12 se a aquisição pelos expropriados é anterior à data da entrada em vigor desse PDM e será efectuado nos termos do art. 27º (“solo para outros fins”) se a aquisição for posterior.
Voltando ao caso dos autos, está provado que o prédio foi adquirido pela expropriada em 2001, ou seja, depois da entrada em vigor do PDM de Cascais. Em consequência, tem razão a recorrente quando sustenta que é inaplicável o disposto no nº 12 do art. 26º do Código das Expropriações, pelo que o cálculo da indemnização da parcela expropriada tem de ser efectuado nos termos do art. 27º com a epígrafe «Cálculo do valor do solo para outros fins».
Nem os árbitros nem os peritos procederam ao cálculo do valor da indemnização nos termos do art. 27º, nem trouxeram aos autos todos os elementos de facto necessários para a fixação desse valor. Por isso, impõe-se a anulação da sentença recorrida, ao abrigo do disposto no art. 712º nº 4 do Código de Processo Civil, a fim de ser efectuada uma avaliação pericial complementar em que os peritos procedam ao cálculo da indemnização de harmonia com os critérios estabelecidos no art. 27º do Código as Expropriações.
IV – Decisão
Pelo exposto, decide-se anular a sentença recorrida, devendo proceder-se a avaliação complementar pelos peritos em que o cálculo do valor da indemnização seja efectuado de harmonia com os critérios estabelecidos no art. 27º do Código das Expropriações aprovado pela Lei 167/99 de 18 de Setembro.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 15 de Setembro de 2009
Anabela Calafate
Antas de Barros
Folque de Magalhães