EXECUÇÃO
ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
ALTERAÇÃO
SENTENÇA
Sumário

1. A circunstância de, por força do preceituado no artigo 2006º CC, os alimentos serem devidos desde a propositura da acção não implica que o prazo de prescrição comece a correr desde esse momento.
2. Este preceito significa tão só que, embora o montante dos alimentos apenas seja fixado com a prolação da sentença, será calculado desde o momento da propositura da acção.
3. O limite de três salários mínimos estabelecido pelo artigo 824.º, n.º 2, CPC não é estabelecido a favor do executado, mas sim a favor do exequente, e significa que se os 2/3 do vencimento forem superiores a três salários mínimos a impenhorabilidade se reconduz a esse montante.
4. Quando o artigo 824º, nº 1, CPC, fala em vencimento, salário ou prestação a título de aposentação está a reportar-se ao montante líquido.
5. A prestação de alimentos fixada por sentença só pode ser alterada mediante alteração das circunstâncias, a veicular em acção própria, não podendo a situação económica do devedor relevar em sede de oposição à execução ou oposição à penhora, ou para efeito da redução ou isenção prevista no artigo 824º, nº 4, CPC.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório

B... deduziu oposição a execução contra si instaurada por C..., relativa à actualização da pensão de alimentos, inicialmente fixada em Esc.20.000$00, para € 150,00.
Para além de pretender que esta seja recebida e suspensa a execução, excepcionou a prescrição das prestações alimentícias e juros vencidos nos últimos cinco anos antes da citação, e afirmou que a penhora viola o comando dos nºs 1 alínea a) e 2 do artigo 824º CPC..
Pediu ainda que se isentasse o seu rendimento de penhora por período não inferior a um ano, alegando que as suas despesas excedem em muito o seu rendimento mensal, só podendo ser suportadas com a ajuda de familiares, e, subsidiariamente, a redução do quantitativo da penhora a nível que permita ao respectivo agregado «vida minimamente condigna».
Notificada pelo opoente, respondeu a exequente nos termos do artigo 3º, nº 3, CPC, pugnando pela improcedência da oposição.
A fls. 56 e ss. foi proferida decisão indeferindo liminarmente a oposição.
Inconformado, recorreu o opoente, apresentando as seguintes conclusões:

«A. Em primeiro Lugar, o argumento de que..." só a prescrição será argumento cuja apreciação é justificada (artigo 814°, alínea g) do CPC", uma vez que "a execução funda-se em sentença".
B. Contudo, tal seria exacto se o apelante tivesse tão somente deduzido oposição à execução, que não, igualmente, à penhora, o que fez.
C. Por outro lado, a alegada irrelevância da "...situação económica quase insolvente..." também merece, parece ao apelante, alguma revisão.
D. Por outro lado, a apreciação crítica do documento de fls. 14 (n°8) parece não condizente com a realidade:
E. O vencimento mensal do Apelante não é de € 1.893,78 euros, mas sim € 1.633,75. Se retirarmos a estes a quantia de € 646,83 ficam 986,92, os quais, por sua vez, descontado o IRS, € 194,00, a CGA, €163,38, ficam em €639,54. Ora, este valor é manifestamente inferior a 3 salários mínimos nacionais. Sendo três salários mínimos nacionais iguais a €1278,00, a penhora viola o preceito, por excesso, em € 638,46 (€ 1278,00 -€ 639, 54).
F. Acresce que a invocação de que "... o agregado do executado não é de tal forma extenso que justifique a compressão da efectivação do direito aos alimentos em atraso" é, no mínimo, incompreensível.
G. Quatro pessoas sem outra fonte de rendimento que o vencimento do apelante, com a despesa documentada e comprovada nos autos não é um agregado extenso, quando se sabe que, estatisticamente, o número de 4 pessoas por família está bastante acima da média?
H. Parece, assim que a sentença, pelo menos certa [nesta] parte, está em condições de ser alterada por V. Ex.as, aumentando a isenção de penhora para os efectivos € 1278,00 líquidos.
I. Depois, e quanto à prescrição apraz-nos dizer que, efectivamente, é verdade que a decisão foi proferida em Novembro de 2002 e que o pedido deu entrada em Novembro de 1998, ou seja, quatro anos antes.
J. Também é verdade que o ora apelante apenas foi citado em Abril de 2007, ou seja, 4 anos e 4 meses após a data em que poderia ter sido e o não foi por culpa exclusiva do exequente.
K. Ora, sendo certo que, nos termos do art. 2006.° do CC "Os alimentos são devidos desde a propositura da acção..." facto é que esta norma afecta o normativo previsto no art. 306.° CC, ou seja, o poder pode e foi exercido a Novembro de 1998.
L. A divida está prescrita desde Novembro de 2004.
M. Na verdade, o direito a pedir alimentos foi, efectivamente, exercido em Novembro de 1998, data relevante para efeitos de prescrição.»

Contra-alegou a recorrida, concluindo pela forma seguinte:

«1º Deve ser confirmada, na íntegra, a Sentença recorrida, pois que ela não violou qualquer das disposições legais enunciadas nas Alegações do recorrente, nem outras, não padecendo de qualquer vício.
2º Ao longo de todas as alegações, o recorrente, salvo melhor opinião, não impugna directamente a decisão proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal "a quo" sobre a matéria de facto, limitando-se a reproduzir, com todo o devido respeito, o seu entendimento acerca da redução ou suspensão da execução, tal como o fez em sede de oposição à execução e à penhora anteriormente apresentada, não atendendo assim minimamente ao conteúdo da douta sentença recorrida.
3º Pelo que, o recorrente, não observou minimamente o vertido no artigo 690.°- A do Código de Processo Civil que sobre o recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto incide o ónus de especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os pontos concretos de cada facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diferente da recorrida.
4º Sendo que, por incumprir, de forma manifesta, o estabelecido no artigo 690.°- A do Código de Processo Civil, e por extravasar o alcance e conteúdo da decisão recorrida, deve o presente recurso ser manifestamente rejeitado.
5º Seja como for, não se encontra ao longo de todas as alegações do apelante, qualquer facto ou questão que possam pôr em causa a sentença ora recorrida.
6º De facto, o Mmo. Juiz "a quo" decidiu e bem pelo indeferimento liminar da oposição à execução e à penhora apresentada pelo recorrente, executado nos autos.
7º Nos termos do artigo 2009° n.° 1 alínea a) do Código Civil, incumbe sobre o recorrente a obrigação de prestar alimentos à ex – cônjuge, ora recorrida.
8º Prescreve o artigo 2004° do Código Civil que:
"1- Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2 – Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência ".
9º Ainda prescreve o artigo 2016° n.° 3 do Código Civil:
"Na fixação do montante dos alimentos deve o Tribunal tomar em conta a idade e o estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente à criação dos filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta ".
10º Por sua vez, o artigo 2012° do Código Civil estabelece acerca da alteração dos alimentos o seguinte: "se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los ".
11º Ora, todos os normativos legais supra identificados, já foram objecto de avaliação, e consequente aplicação ao presente caso, em sede de acção declarativa, tendo a decisão sido a favor da recorrida, a qual obteve a confirmação do Tribunal da Relação de Lisboa, mediante acórdão proferido em 17 de Junho de 2004, já transitada em julgado.
12º Ora, quer a obrigação legal por parte do recorrente em prestar alimentos à sua ex--cônjuge, aqui recorrida, assim como a capacidade do mesmo para prestar tais alimentos, já foi devidamente discutida e apurada em sede do competente processo declarativo, tendo sido o recorrente condenado a pagar a quantia alimentícia peticionada pela a recorrida.
13º Deste modo, com todo o devido respeito, não se pode entender o presente recurso, senão com a intenção de protelar no tempo o pagamento de uma quantia que já é por demais devida pelo recorrente à recorrida! !
14º Quanto à prescrição das pensões alimentícias, também no que concerne a este ponto a decisão recorrida decidiu e bem em considerar que as quantias a título de prestações alimentícia aqui em causa não se encontram prescritas, tese essa que é acolhida na íntegra pela ora recorrida.
15º É que, de acordo com o artigo 306.° n.°1 do Código Civil, o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, ou seja, no caso em apreço a partir do momento que houve uma decisão final, ou seja, a partir de 17.06.2004.
16º Logo, deve a presente excepção de prescrição deduzida pelo recorrente ser considerada improcedente, por não provada, devendo a respectiva execução prosseguir nos precisos termos.
17ºPelo exposto, mais uma vez se reitera, porque nunca é demais, que a douta decisão recorrida não sofre de qualquer vício, nem viola qualquer preceito normativo, não merecendo qualquer reparo ou censura.
18.° Pelo que, deverá o recurso interposto pelo recorrente ser julgado improcedente».

A fls. 172 foi proferido pela Relatora o seguinte despacho:
«A execução a que se reporta a oposição que esteve na origem da sentença sob recurso destina-se à cobrança coerciva da diferença entre o valor da pensão inicialmente acordada entre as partes (Esc. 20.000$00) e o novo valor que foi fixada por sentença de 18 de Novembro de 2002, confirmada por acórdão da Relação de 17 de Junho de 2004 (€ 150,00).
A quantia exequenda é € 13.011,24, montante que inclui juros vencidos, tendo o Sr. Solicitador da execução solicitado a penhora do vencimento do recorrente até ao montante de € 15.000,00, considerando juros e custas prováveis.
A recorrida a 16 de Maio de 2007 reduziu para € 6.078,21 a quantia exequenda, por haver sido satisfeita a diferença.
Está a ser descontado o montante de € 544,58 mensais desde Abril de 2007.
Para além da prescrição, o recorrente suscitou as seguintes questões;
- violação dos limites estabelecidos para a penhora no artigo 824º, nº 1, alínea a) e 2, CPC;
- isenção da penhora por período não inferior a um ano, ou, pelo menos, redução que permita uma vida condigna ao agregado familiar.
Face aos factos supra enunciados, verifica-se que a quantia exequenda, juros e custas prováveis rondarão, por excesso, os € 8.000,00, atenta a redução da quantia exequenda.
Tanto quanto resulta dos autos, está a ser descontada mensalmente a quantia de € 544,58, desde Abril de 2007. Assim sendo, os descontos já efectuados excederão largamente a quantia exequenda, o que torna inútil a apreciação das questões supra enunciadas relativas à extensão da penhora.
Assim, nos termos do artigo 704º, nº 1, CPC, determino que as partes sejam notificadas para se pronunciar».
2. Fundamentos de facto
São os seguintes os factos alegados a considerar para a apreciação do recurso:
1. No âmbito de divórcio decretado na Conservatória do Registo Civil, em 1997, recorrente e recorrida tinham acordado que aquele prestaria a esta alimentos no montante de Esc. 20.000$00, actualizável.
2. Em Novembro de 1998 a recorrida instaurou acção pedindo o aumento da pensão de alimentos para Esc. 50.000$00, actualizável.
3. Em 18 de Novembro de 2002 foi proferida decisão, tendo sido alterado o valor dos alimentos para 150,00 euros, actualizável segundo a inflação.
4. O recorrente recorreu da decisão, tendo sido fixado ao recurso o efeito suspensivo.
5. Em 17 de Junho de 2004 a Relação confirmou a decisão da 1ª instância.
6. Em 29 de Junho de 2006 a recorrida instaurou execução especial por alimentos para pagamento da quantia de € 13.011,24, montante que inclui juros, correspondente à diferença entre a pensão inicialmente paga e o valor actualizado.
7. Foi ordenada a penhora de parcela do vencimento, advertindo-se a entidade patronal das restrições impostas pelo artigo 824º CPC.
8. O executado foi citado para a execução a que se reporta a presente oposição em 20 de Abril de 2007.
9. A oposição foi apresentada em 15 de Maio de 2007.
10. A exequente veio a 16 de Maio de 2007 reduzir para € 6.078,21 a quantia exequenda, por haver sido satisfeita a diferença, correspondendo o novo montante a € 47,75 (150-102,25) por cada um dos meses de Novembro de 1998 a Junho de 2006 e correspondentes juros.
11. Está a ser descontado o montante de € 544,58 mensais.
12. Do recibo de vencimento do recorrente relativo ao mês de Abril de 2007 consta o valor de € 1.893,78, a título de abonos, o montante líquido de € 832,93, e os descontos seguintes:
- € 26,88 - ADSE
- € 194,00 – IRS retenção na fonte
- € 163,38 - CGA
- € 13,90 – Cofre da Previdência
- € 102,25 – Pensão de alimentos
- € 15,86 – Descontos para CGA
- € 544,58 – Penhoras.
13. Os abonos supra referidos são os seguintes:
- € 1.633,75 – vencimento mensal
- € 52,87 – subsídio de refeição
- € 158,58 – suplemento de recuperação de processos
- € 48,58 – abono de família.
14. O recorrente intentou processo visando a cessação de alimentos, em 6 de Novembro de 2001, aguardando os autos resposta pericial.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
- questão prévia do não conhecimento do recurso suscitada pela recorrida;
- prescrição das prestações e respectivos juros vencidos até Novembro de 2004;
- violação dos limites estabelecidos para a penhora no artigo 824º, nº 1, alínea a) e 2, CPC.
3.1. Da questão prévia do não conhecimento do recurso
Sustenta a recorrida que o recorrente não impugnou directamente a decisão sobre a matéria de facto, limitando-se a reproduzir o seu entendimento acerca da redução ou suspensão da execução, tal como o fez em sede de oposição à execução e à penhora anteriormente apresentada, não atendendo minimamente ao conteúdo da sentença sob recurso.
E que o recurso deve ser rejeitado por inobservância do disposto no artigo 690.°- A CPC, que faz impender sobre o recorrente que impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto incide o ónus de especificar obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os pontos concretos de cada facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham uma decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diferente da recorrida.
Apreciando:
O recorrente não impugnou a matéria de facto, nos termos do artigo 690º A, CPC.
Aliás, não o poderia ter feito porquanto, tratando-se de um indeferimento liminar (apesar de ter sido apresentada resposta na sequência de uma notificação efectuada pela contraparte), não teve lugar qualquer produção de prova.
A questão suscitada pelo recorrente situa-se no plano da interpretação do recibo de vencimento junto com o requerimento inicial: o Mmº Juiz a quo considerou como rendimentos o total dos abonos que foram efectuados ao recorrente (vencimento, subsídio de refeição, suplemento de recuperação de processos e abonos de família), enquanto este pretende que se considere apenas o vencimento mensal.
Por outro lado, não assiste razão à recorrida quando afirma que as alegações não atendem minimamente ao conteúdo da decisão recorrida.
Com efeito, e para além da problemática da prescrição, o recorrente impugna o segmento do despacho que afirma que
«A situação económica quase insolvente do executado não é fundamento para oposição. Já foi apreciada no processo declarativo referido e terá fundado o aumento da prestação para valor aquém do pretendido pela exequente (150/250). O vencimento considerado para penhora não tem de atender às despesas do executado, só 2/3 ou 3SMN são imunes à execução (artigo 824º CPC).»
A questão prévia suscitada pela recorrida tem, pois, de improceder.
3.2. Da prescrição
Excepcionou o recorrente a prescrição das prestações alimentícias e juros vencidos nos cinco anos anteriores à citação, nos termos do artigo 310º, alíneas f) e d), CC.
A sentença sob recurso julgou improcedente a excepção de prescrição com fundamento em que, embora a acção para a alteração de alimentos tenha sido instaurada em Novembro de 1998, apenas a partir da decisão, proferida em 18 de Novembro de 2002, é que o direito passou a poder ser exercido, nos termos do artigo 306º, nº 1, CC.
Sustenta o recorrente que, se é verdade que a decisão foi proferida em Novembro de 2002, o pedido deu entrada deu entrada quatro anos antes, em Novembro de 1998. E que o recorrente foi citado em Abril de 2007, ou seja, quatro anos e quatro meses após a data em que poderia ter sido por culpa exclusiva da exequente /recorrida.
Diz ainda que o normativo constante do artigo 306º CC, nos termos do qual o prazo de prescrição não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido, cede perante o disposto no artigo 2006º CC, de acordo com o qual os alimentos são devidos desde a propositura da acção.
O recorrente insiste que a data relevante para a contagem do prazo prescricional é Novembro de 1998, data em que foi instaurada a acção para a alteração da pensão de alimentos.
Recorde-se que a oposição em apreço reporta-se à execução instaurada para cobrança da diferença entre o valor da pensão inicialmente fixada (Esc. 20.000$00) e o montante fixado na sentença proferida em 18 de Novembro de 2002 (€ 150,00).
Não lhe assiste qualquer razão.
A circunstância de, por força do preceituado no artigo 2006º CC, os alimentos serem devidos desde a propositura da acção não implica, nem podia obviamente implicar, que o prazo de prescrição comece a correr desde esse momento, como pretende o recorrente.
Este preceito significa tão só que, embora o montante dos alimentos apenas seja fixado com a prolação da sentença, será calculado desde o momento da propositura da acção, como sublinha Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos (Devidos a Menores), Coimbra Editora, pg. 174, com plena aplicação aos alimentos em geral.
Quer se entenda com este autor, op. cit., pg. 175, que a obrigação nasce com a necessidade do obrigado, quer se adira ao entendimento de Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. V, pg. 585, de que a obrigação de alimentos só surge com a propositura da acção de alimentos, ainda que a situação de necessidade possa ser anterior, os alimentos apenas poderão ser exigidos com o trânsito em julgado da sentença.
Uma coisa é o nascimento da obrigação de alimentos, outra a sua exigibilidade.
A recorrida nunca poderia exigir judicialmente o cumprimento da obrigação relativa à diferença aqui em causa sem dispor para o efeito de um título executivo que lhe abrisse as portas da acção executiva para poder executar o património do devedor.
Por essa razão se acompanha a sentença recorrida quando apela ao disposto no artigo 306º CC, apenas com o reparo de que o direito só pôde ser exercido após a prolação do acórdão da Relação de Lisboa, em 17 de Junho de 2004, que confirmou a sentença da 1ª instância, por ao recurso interposto pelo recorrente ter sido atribuído efeito suspensivo (cfr. artigo 47º, nº 1, CPC: a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo).
Quando o recorrente foi citado em 20 de Abril de 2007 ainda não tinha decorrido o prazo de cinco anos, previsto no artigo 310º, alínea f) e d), CC, invocado pelo recorrente, muito menos o prazo de prescrição ordinário (20 anos), nos termos do artigo 311º CC.
No sentido de que o prazo de prescrição apenas se aplica relativamente a montantes já fixados Remédio Marques, op. cit., pg. 181, referindo também Eduardo dos Santos, Direito da Família, Almedina, 2ª edição, pg. 644.
3.2. Dos limites da penhorabilidade, da isenção ou redução da penhora
Embora o recorrente, na sequência do despacho de fls. 172, supra transcrito, não se tenha oposto à extinção da instância recursória por terem cessado os descontos no seu vencimento, a verdade é que tal cessação ocorreu em consequência da subida do recurso, conforme deu conta a recorrida na sua resposta (cfr. fls. 182), e não da satisfação da quantia exequenda.
O despacho supra referido partiu do pressuposto que os descontos se mantinham atenta a regra especial constante do artigo 1118º, nº 5, CPC, nos termos do qual a citação do executado é sempre efectuada depois de efectuada a penhora, e a sua oposição à execução ou à penhora não suspende a execução.
Ora, se a oposição não suspende a execução, por maioria de razão não a pode suspender o despacho de indeferimento liminar dessa oposição.
Acresce que, tratando-se de indeferimento liminar, o efeito suspensivo apenas se pode reportar à marcha do processo, e nunca à exequibilidade da decisão, já que nada há a executar.
Seja como for, tendo os descontos sido suspensos na sequência da subida do recurso, impõe-se o conhecimento da questão suscitada pelo recorrente relativamente aos parâmetros da penhora.
Sustenta o recorrente que a isenção da penhora deve situar-se em € 1.278,00, correspondendo esta quantia, segundo afirma, a três salários mínimos.
O Mmº Juiz a quo considerou estarem salvaguardados para o recorrente três salários mínimos subtraindo ao total dos abonos ilíquidos ( € 1.893,78) a quantia de € 646,83 (€ 102,50 relativos à pensão inicialmente fixada + € 544,58 correspondente à penhora a que se reporta a oposição), o que perfaz a quantia de € 1.246,95.
Recorde-se que para o ano de 2007, ano da penhora, o salário mínimo nacional foi fixado em € 403,00, pelo Decreto-Lei 2/2007, de 03.01.
A apreciação desta questão passa pela análise de duas sub-questões: qual o alcance do limite de três salários mínimos nacionais estabelecido no artigo 824º, nº 2, CPC; e quais as quantias que devem ser consideradas para o cálculo da remuneração e sua natureza (líquida ou ilíquida).
Contrariamente ao pretendido pelo recorrente e ao que parece decorrer da sentença, o limite de três salários mínimos estabelecido pelo artigo 824.º, n.º 2, CPC não é estabelecido a favor do executado, mas sim a favor do exequente.
O que este artigo diz textualmente é que a impenhorabilidade prescrita no número anterior [2/3 das remunerações] tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão e como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional.
Por outras palavras, e no caso de remunerações mais elevadas, o limite deixa de ser 2/3 para ser três salários mínimos nacionais. Em síntese, o limite da impenhorabilidade é de 2/3 do rendimento auferido, desde que essa quantia não seja superior a três salários mínimos nacionais; se o for a impenhorabilidade reconduz-se ao montante equivalente a três salários mínimos.
Sendo o salário mínimo nacional de € 403,00, em 2007, seriam penhoráveis todas as quantias superiores a € 1.209,00.
O limite de três salários mínimos para o ano de 2007 não significava que essa quantia estava imune à penhora, mas sim que qualquer montante que ultrapassasse essa quantia estava sujeito a penhora, ainda que fosse inferior a 2/3 da remuneração auferida.
Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª edição, 2.º volume, pg. 50, explica com particular clareza o alcance deste artigo:
«….A regra da impenhorabilidade de 2/3 dos vencimentos ou pensões deixa de valer em termos gerais, passando a estar conexionado com o montante de tais rendimentos do executado. Assim, a referida impenhorabilidade parcial passa a ser, tabelarmente:
-um limite máximo, equivalente a três salários mínimos à data da apreensão (o que significa que passará a ser inteiramente penhorável a parcela dos ditos rendimentos que ultrapassem a soma de três salários mínimos, permitindo ao exequente agredir, com muito maior intensidade, o rendimento do trabalho ou pensões sociais e montantes elevados);
-um limite mínimo – equivalente ao salário mínimo nacional - o qual, todavia, depende da verificação de duas condições: não ter o executado outro rendimento senão a percepção do salário mínimo e o crédito exequendo não ser de alimentos por ele devidos; não se permite deste modo, - ao menos sem ulterior decisão, prudencial e casuística do juiz (cfr. nº 5) – a agressão pelo agente de execução do valor do salário mínimo, percebido pelo executado, devendo ser penhorados ou os outros bens de que ele, porventura, seja titular, ou os restantes rendimentos que excedam tal mínimo de subsistência – só assim não sendo se o crédito exequendo for de alimentos.»
Ou, nas palavras de Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. III, pg. 358,
«Quando os 2/3 excedam o valor de três salários mínimos nacionais, a impenhorabilidade limita-se a esse valor, sendo penhorável, juntamente com o terço restante, a parte dos 2/3 que o exceda.»
Improcede, pois, a pretensão do recorrente de isentar da penhora o montante equivalente a três salários mínimos.
Importa agora apurar se foram respeitados os limites da penhorabilidade estabelecidos no artigo 824º CPC, o que passa por determinar quais os rendimentos relevantes e a natureza do montante relevante para o efeito – se o líquido, se o ilíquido.
Dos abonos há que considerar todas as quantias recebidas com carácter periódico por via da sua actividade laboral: vencimento mensal, subsídio de refeição, e suplemento de recuperação de processos (€ 1.633,75 + € 52,87 + € 158,58), num total de € 1.845,20, não se considerando o valor do abono de família, por se tratar de quantia destinada a seu descendente (artigo 13º da matéria de facto).
Na esteira do acórdão da Relação de Lisboa, de 2006.11.02, Carlos Valverde, Exmº Desembargador Adjunto, em www.dgsi.pt.jtrl, proc. 8768/2006, para que remetemos, quando a lei fala em vencimento, salário ou prestação a título de aposentação está a reportar-se ao montante líquido, pois só este constitui rendimento do executado. Na verdade, é com a parte líquida do vencimento – a que efectivamente é percebida – que o executado faz face às suas despesas, e apenas esta pode ser considerada para efeito de penhora.
As quantias a abater a fim de se alcançar o rendimento líquido ascendem a € 516,27 (€ 26,88 + € 194,00 + € 163,38 + € 13,90 + € 102,25 + € 15,86 – ADSE, IRS retenção na fonte, CGA, Cofre da Previdência, Pensão de alimentos, Descontos para CGA), conforme artigo 12 da matéria de facto.
Nessa conformidade, o montante a considerar para efeito da determinação da parte penhorável do vencimento é € 1.328,93 (€ 1.845,20 - € 516,27).
A quantia de € 885,95, correspondente a 2/3 do rendimento líquido, está subtraída à penhora, que apenas poderá incidir sobre o terço remanescente (€ 442,97), não se encontrando ultrapassado nenhum dos limites do nº 2 do artigo 824º CPC: nem os 2/3 são superiores a três salários mínimos nacionais, nem inferiores ao salário mínimo nacional, sendo certo que este limite mínimo é afastado no caso de crédito por alimentos, como sucede no caso em apreço.
Tendo a penhora incidido sobre a quantia de € 544,58, importa concluir que excede o máximo penhorável, devendo, por essa razão ser reduzida para € 442,97.
Diz ainda o recorrente que a irrelevância da sua situação económica merece alguma revisão.
Lê-se na sentença que:
«A situação económica quase insolvente do executado não é fundamento para oposição. Já foi apreciada no processo declarativo referido e terá fundado o aumento da prestação para valor aquém do pretendido pela exequente (150/250). O vencimento considerado para penhora não tem que atender às despesas do executado, só 2/3 ou 3SMN são imunes à execução (art. 824º CPC).
(…)
A pretensão a isenção ou redução da penhora não é aceitável face aos limites apertados do artigo 824 n.º 4 CPC. A dívida respeita a alimentos e o agregado do executado não é de tal forma extenso que justifique a compressão da efectivação do direito aos alimentos em atraso.
(…)
A existência de acção (apenso B) sem decisão, destinada a extinguir o direito a alimentos, nenhum efeito produz relativamente à execução».
Nesta parte o recurso tem de improceder.
Efectivamente, como se refere na sentença, a situação económica do executado não é fundamento de oposição à penhora.
Os fundamentos da oposição à execução encontram-se taxativamente enunciados no nº 1 do artigo 863º A CPC:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
A situação económica do executado poderá relevar, nos termos do artigo 824º, nº 4, CPC, para efeito de redução da penhora por período que o juiz considere razoável ou mesmo isenção, por período superior a um ano: o juiz ponderará o montante e a natureza do crédito, por um lado, e as necessidades do executado e seu agregado familiar por outro.
O normativo em causa não logra, porém, aplicação ao caso vertente por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, nem a oposição à execução nem a oposição à penhora são os meios idóneos para fazer relevar a situação económica do executado.
Em segundo lugar, o título executivo é uma sentença que alterou o montante de alimentos devidos pelo recorrente, pelo que a sua situação económica já foi ponderada nessa sede, como se refere na sentença sob recurso.
Se o montante fixado entretanto se tornou inadequado face à alteração da situação de alguma das partes há que intentar a correspondente acção, nos termos do artigo 1121º CPC, sugestivamente epigrafado «processo para a cessação ou alteração de alimentos».
De acordo com o preceituado no nº 1 deste artigo, havendo execução, o pedido para a cessação de alimentos deve ser deduzida por apenso àquele processo.
Em síntese, como se afirma no acórdão da Relação do Porto, de 2009.04.20, Mário Serrano, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 301-D/2002.P1, «estando fixada por sentença uma prestação alimentícia, sempre que qualquer das partes (credor ou devedor dessa obrigação) a passe a considerar excessiva ou insuficiente, tem de providenciar pela sua alteração, pelo meio processual próprio».
Refira-se, aliás, que se encontra pendente uma acção para cessação de alimentos (artigo 14º da matéria de facto), que, no entanto, nenhum efeito projecta nesta oposição: a circunstância de o caso julgado na prestação alimentícia carecer de estabilidade significa apenas que pode ser alterada perante a alteração das circunstâncias (cfr. artigo 2012º CC) através do meio processual próprio. Enquanto não houver uma nova sentença, o montante da prestação é o que se encontra fixado na sentença que constitui o título executivo.
Carece, pois, de fundamento legal a pretensão do recorrente de isenção ou redução da penhora, sendo certo que, apesar de indevidamente, a execução tem estado suspensa.
4. Decisão
Termos em que, concedendo provimento parcial ao agravo, reduz-se a penhora para a quantia de € 442,97, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas por agravante e agravada, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Lisboa, 2009.09.17
Márcia Portela
Carlos Valverde
Granja da Fonseca.