CUMPRIMENTO DO CONTRATO
ÓNUS DA PROVA
DOCUMENTO PARTICULAR
PROVA
Sumário

I - Ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade».
II - A parte contra a qual o documento particular é apresentado pode impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se aquelas são verdadeiras, não lhe sendo imputadas, caso em que cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído.
III - Não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
"B" intentou acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária emergente de contrato contra C..., D..., E..., F... e G..., todos identificados nos autos, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de Euros 7.955,91€ acrescida de Euros 1.379,67€ de juros de mora, contabilizados até 6.01.3006 (data da entrada da petição), e vencidos a partir de tal data até efectivo e integral pagamento.
            Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade, celebrou com os Réus um contrato de mútuo, a amortizar em sessenta prestações, sendo que apenas 10 foram pagas. Foi resolvido unilateralmente o contrato, encontrando-se por pagar a quantia de 7.955,91€.

Citados os RR, apenas a Ré G... contestou. Para tanto, alegou que a assinatura constante do contrato de mútuo não é a sua, logo é falsa, pelo que a obrigação alegada pela Autora lhe é alheia. Pugna pela improcedência do pedido.

            Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, e foi proferida sentença que condenou os RR a pagar à A. a quantia de Euros 7.955,91€, acrescida de Euros 1.379,67€ de juros de mora, contabilizados até 6.01.3006 e vencidos a partir de tal data até efectivo e integral pagamento.

Inconformada veio a Ré apelar da sentença, apresentando as alegações que remata, no essencial, com as seguintes conclusões:
            1. Em causa está a assinatura falsa da apelante aposta no contrato de mútuo de fls.., sendo esta falsa é naturalmente nula a sua obrigação.
            2. Impugnada a veracidade da assinatura seria á Autora que incumbiria provar a sua veracidade como dispõe o n° 2 do artigo 374°. Do Código Civil.
            3. O que não logrou fazer.
            4. Aliás tinha ao seu dispor meios periciais para efectuar a prova em causa e não os usou
            5. Assim sendo a decisão viola o n° 2 do artigo 374°. Do Código Civil porquanto não ficou perfeitamente provada a veracidade da assinatura pela apelante no contrato.

Contra-alegou a A. para pugnar pela manutenção da sentença recorrida.

Corridos os Vistos legais,
                                   Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).
Em face das conclusões da Apelante, no presente recurso está, essencialmente, em causa a força probatória do documento particular para efeitos de apreciação da matéria de facto considerada assente.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. O Autor é uma instituição financeira que se dedica à concessão de crédito ao consumo.
2. No exercício da sua actividade celebrou com os Réus, em 11.05.2001, um contrato de mutuo – conforme documento junto a fls. 5.
3. Nessa data, consubstanciou-se a entrega e utilização da quantia mutuada, no valor global de 9.975,96€, à taxa de juro de 12.5% (TAEG 14,369%), a amortizar em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 226,98€ cada, com vencimento da primeira em 30.06.2001.
4. Foram liquidadas 10 prestações.
5. A 28.10.2002 a Autora resolveu o contrato de mutuo dando disso conhecimento aos Réus.
6. Interpelados os Réus pagaram 1.351,80€.
Considerou-se como não provada a seguinte matéria:
A assinatura constante do contrato é falsa porque não foi realizada pela Ré G....

            III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
            Em causa, nesta acção, está, como se afirma na sentença recorrida, a celebração de um contrato de mútuo, no âmbito do crédito ao consumo, de natureza comercial, em que o mutuante opera no mercado financeiro, exercendo urna actividade semelhante às instituições bancárias.
            Contudo, a Ré, ora Recorrente, veio alegar na contestação que a assinatura aposta no contrato no lugar destinado à assinatura do avalista, com o seu nome, não tinha sido realizada pelo seu próprio punho, pelo que não é responsável pelas obrigações constituídas pelo enunciado contrato de mutuo.
           
            1. Da impugnação do documento particular
Relativamente ao contrato apresentado pela A., defende a Ré que, tendo sido por si impugnada a autoria da assinatura dele constante, o contrato não deveria ter sido valorado na formação da convicção do julgador por forma a considerar que a assinatura lhe pertencia.
Estando em causa um documento particular, estabelece o artigo 374º nº 1 do CCivil que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando este declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.
No tocante à sua força probatória dispõe o artigo 376º do mesmo código que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” (nº 1), sendo que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante” (nº 2).
A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência e de vontade) que nele constam como feitas pelo respectivo subscritor”[1].
A parte contra a qual o documento particular é apresentado pode impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se aquelas são verdadeiras, não lhe sendo imputadas, caso em que cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído. A impugnação da genuinidade de documento particular faz-se nos termos previstos no artigo 544º do Código de Processo Civil mediante declaração da parte contra o qual é oferecido, não carecendo de qualquer decisão judicial subsequente.
Não ficando estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.
2. Donde, ao contrário do que a Apelante vem defender, era lícito ao julgador valorar, no caso, livremente, o documento em questão, em conjunto com as demais provas produzidas, designadamente a testemunhal, sem qualquer hierarquização, decidindo segundo a sua prudente convicção (artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil).
Ademais, os depoimentos das testemunhas nem sequer foram gravados, o que impede possam ser sindicados por esta Relação os depoimentos prestados. Com efeito, para que a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto possa ser alterada nas situações previstas o art. 712º/1 do CPC, terão de constar do processo todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa.
Por outro lado, o uso dos poderes conferidos à Relação, não importando a postergação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação das provas, deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão quanto à matéria de facto, nomeadamente nos concretos pontos impugnados, conforme vem sendo entendimento reiterado da jurisprudência[2].
Não se pode perder de vista que em matéria de reapreciação da prova pelo Tribunal da Relação, nos termos do art. 712º do CPC, o legislador optou por permitir apenas a revisibilidade dos concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestas divergências por banda do Recorrente.
Assim, na modificação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve actuar-se com prudência, só devendo suceder quando se demonstre através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório.
Tudo para dizer que não merece censura a convicção formada com base na livre apreciação das provas produzidas.
Como se assinala na motivação da decisão sobre a matéria de facto, a “questão essencial tornou-se na aferição da assinatura relativa ao avalista G....”, considerando-se fundamental o depoimento da testemunha H.... que “referiu que conhecia o Réu F... enquanto cliente e que viu a Ré G... uma vez, ou seja, aquando da celebração do contrato. Altura em que presenciou a subscrição e confirmou, com a confrontação com o Bilhete de Identidade, as assinaturas. Mais disse que não obstante o facto de as assinaturas constantes de fls. 133 e fls. 5 não parecerem muito semelhantes, e que a sua maior preocupação quando faz o aludido controlo de assinaturas é verificar esta e menos a cara, certo é que referiu que, caso tivesse a mínima dúvida quanto à assinatura ou quem a apôs jamais confirmaria aquela. E mais, não obstante o facto de ter referido lembrar-se do contrato, porque conhecia o Réu F... e era sub-gerente, à data, do balcão, não teve qualquer dúvida que reconheceu a Ré G... aquando da ultima audiência de julgamento como sendo a pessoa que assinou o aludido contrato”.
Em suma, não pode confundir-se o erro na apreciação da matéria de facto, com a mera discordância quanto ao convencimento do julgador e é só isso que, afinal, aqui está em causa.
Deve manter-se, por conseguinte, a matéria dada por assente, nomeadamente a constante do ponto 2 dos factos provados, isto é que o dito contrato foi celebrado entre a A. e os RR, incluindo, a Ré/Apelante.

3. Do contrato de mútuo e da fiança
            Atentos os factos provados, entre as partes foi celebrado um contrato de mútuo, entendido nos termos enunciados pelo art. 1142.° do Código Civil.
No caso, estamos, como se afirma na sentença recorrida, perante um contrato de mútuo, no âmbito do crédito ao consumo, de natureza comercial, em que o mutuante opera no mercado financeiro, exercendo uma actividade semelhante às instituições bancárias.
Por outro lado, tal como assinala a mesma sentença, “a A. logrou provar que a assinatura manuscrita com o nome da Ré, constante do contrato, enquanto avalista, foi feita pelo punho da própria Ré, conforme respectivo ónus de prova, nos termos dos supra citados arts. 342.°, n.° 1 e 374.°, n.° 2 do Cód. Civil.
Como é sabido, a fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro – fiador -, que vai conjuntamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da divida. Deste modo acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador; o credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador.
Uma das características da fiança é a sua subsidariedade, que surge referida na lei através do beneficio da excussão — artigo 638° do Código Civil. Nos termos desta regra o fiador só responde pelo pagamento da obrigação se e quando se provar que o património do devedor é insuficiente para saldar a obrigação por este contraída. Esta característica pode ser afastada pela vontade das partes. Sempre que assim aconteça o fiador, ao lado do devedor, apresenta-se como principal pagador, isto é, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis, em termos solidários, pelo pagamento da divida. Deste modo o credor pode exigir a totalidade da divida ao fiador ou ao devedor.
Há, assim, fianças solidárias quando os fiadores se obrigam como principais pagadores e renunciam ao benefício de excussão.
Tudo para concluir que, estando provado que a Ré/Apelante subscreveu o contrato, enquanto avalista, é esta também responsável pelas obrigações constituídas decorrentes da celebração do contrato e respectivo incumprimento.
Encontram-se assim reunidos todos os pressupostos legalmente previstos para ser reconhecido o direito da A., nos moldes constantes da sentença recorrida.
Improcedem as conclusões da alegação da Ré, Apelante, na totalidade.
Concluindo:
I - Ao invés dos documentos autênticos, que fazem prova por si mesmos da proveniência que ostentam, os documentos particulares não provam, só por si, a sua procedência da pessoa que aparentemente assume a sua autoria ou paternidade».
II - A parte contra a qual o documento particular é apresentado pode impugnar a veracidade da letra ou da assinatura ou declarar que não sabe se aquelas são verdadeiras, não lhe sendo imputadas, caso em que cabe à parte que o ofereceu fazer prova da veracidade da subscrição pela pessoa a cuja autoria é atribuído.
III - Não sendo estabelecida a genuinidade do documento particular, porque impugnado e não demonstrada a sua veracidade pelo apresentante, o mesmo constitui apenas um meio de prova livremente apreciado pelo julgador, ficando arredada a sua força probatória plena.
IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Lisboa, 17 de Setembro de 2009.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, Livraria Almedina, Coimbra, 1984, pág. 55.
[2]  Entre muitos, o Ac. RP de 19.9.2000, CJ, ano XXV, 4º-186. Ac. RC de 3/10/2002, tomo 4, pág. 27; Ac. RL de 21.4.2005 (Granja da Fonseca) ou de 21.04.2005 (Manuela Gomes), www.dgsi.pt/jtrl.