DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
RELAÇÃO DE BENS
CASO JULGADO
Sumário

1. Apesar de a lei processual exigir que se junte à petição do divórcio ou separação por mútuo consentimento a relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores (art. 1419º-1-b), do CPC) – o mesmo ocorrendo quando os cônjuges acordem, na tentativa de conciliação de processo de divórcio litigioso, em que a dissolução do casamento se faça por aquela forma (art. 1407º-3 do CPC), os efeitos do caso julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, por divórcio, não se estendem a essa relação.
2. Consequentemente, a relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio (artº 1419º, nº 1) não substitui a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal no processo de inventário para separação de meações subsequente ao divórcio, nada obstando a que, nesse inventário, se possa questionar se algum, ou alguns, dos bens constantes da mencionada relação especificada dos bens comuns (que a lei processual exige que se junte à petição do divórcio ou separação por mútuo consentimento) são comuns ou propriedade de um só dos cônjuges, nada impedindo igualmente que, no referido processo de inventário, venham a ser relacionados outros bens cuja falta ou exclusão dessa relação seja alegada ou reclamada.

Texto Integral

Acordam, na Secção Cível da Relação de LISBOA:

A, inconformado com a decisão que, no Inventário instaurada para a partilha dos bens comuns do dissolvido casal formado por ele próprio e pelo seu ex-cônjuge B, decidiu excluir da relação de bens as verbas nºs 10, 11 e 12, referentes ao Passivo, interpôs recurso da mesma, que foi recebido como de agravo, para subir em separado, aquando da convocação da Conferência de Interessados (nos termos do art. 1396º, nº 1, do Código de Processo Civil [na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto]), tendo rematado as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
“A) Entendeu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que não constando as dívidas relacionadas sob verbas nºs 10 a 12 da relação de bens da especificação apresentada por ocasião do divórcio (em 2004), não persistirão as correspondentes verbas, tendo mandado excluí-las da relação apresentada, posição com a qual não concordamos;
B) Dispõe o artigo 1340º, n.º 3 do CPC que no acto de declarações do cabeça de casal este apresentará a relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, sendo este artigo aplicável ao inventário pós divórcio, ex- vi artigo 1404º, n.º 3 do CPC.
C) Não faz sentido que aos cônjuges seja vedado o direito de alterar a relação de bens apresentada por altura do divórcio, nomeadamente aditando-lhe bens. Se assim fosse, não seria necessário o cabeça de casal, no momento das suas declarações apresentar nova relação de bens.
D) O legislador preocupou-se no sentido de que, na liquidação e na partilha do património comum deve haver equilíbrio no rateio final de forma a que o património individual de cada um dos cônjuges não fique nem beneficiado nem prejudicado em relação ao outro (cfr. n.º 1 do art. 1689º e n.º 1 do 1730º, ambos do CCiv.).
E) O momento de se acertarem as contas entre os ex-cônjuges é no momento da partilha e não antes, nem depois (com excepção das dívidas que não forem aprovadas na conferência e que não sejam verificadas pelo juiz).
F) Embora a Agravada tenha reconhecido não haver suportado as despesas com juros e amortizações do crédito para habitação, contribuição autárquica e IMI nem despesas do condomínio (anos de 1995 a 2006) e que foram relacionadas naquelas verbas nºs 10 a 12, e o Apelante tenha junto prova documental bastante (nomeadamente certidões das finanças e bancárias) de que foi ele a suportar essas despesas e do seu montante, o Mmo. Juiz “a quo”, decidiu excluir as verbas da relação.
G) Entendemos, com o devido respeito, que não terá razão e que violou, por isso, os artigos 371º, n.º 1, 1689º, nºs 1 e 3, 1697º, n.º 1, 1724º e 1730º do CCiv. e ainda os artigos 1353º, nºs 3 e 4 e 1354º do CPC.
H) Entendemos que o Mmo. Juiz “a quo” não poderia ter excluído as verbas nºs 10 a 12, do passivo, da relação de bens. Quanto muito poderia, na conferência de interessados, se as mesmas não fossem aprovadas, remetê-los (Agravante e Agravada) para os meios comuns e ainda assim, só se a questão não pudesse ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.
I) As verbas excluídas e indicadas na relação de bens pelo Agravante, encontram-se documentadas nos autos, a fls. 47 e segs., tendo sido juntos os documentos com a relação de bens.
J) Trata-se de documentos que não foram impugnados pela Agravada.
L) Em sede de reclamação, a fls. 72 e segs. dos autos, a Agravada confessou/reconheceu que não suportou nenhuma daquelas despesas
M) Da prova documental junta resulta claramente que foi o Agravante que suportou sozinho as despesas indicadas nas aludidas verbas, existindo, assim, elementos nos autos que permitem conhecer com segurança e elevada certeza que as dívidas em causa e relacionadas sob verbas nºs 10 a 12 da relação de bens, foram pagas única e exclusivamente pelo Agravante.

N) E, por isso, estava o Mmo. Juiz “a quo”, em condições de ter proferido decisão contrária à que proferiu, isto é, mantendo as verbas na relação de bens.
O) Não o tendo feito, foram violadas as normas constantes dos artigos 1350º, nºs 2 e 3 e 1336º, n.º 2, ambos do CPC.
P) A reclamação contra a relação de bens não serve para questionar aspectos relacionados com o passivo relacionado. E, consequentemente, não serve para obter do Tribunal uma tomada de posição a respeito.
Q) Em processo de inventário, a aprovação do passivo cabe à conferência de interessados, conforme dispõe o artigo 1353º, n.º 3 do CPC. Caso as dívidas sejam rejeitadas por algum dos interessados, o juiz intervém, mas apenas nesse momento, nos termos dos artigos 1355º e 1356º do CPC.
R) O Tribunal “a quo” não poderia em momento anterior à conferência de interessados, ter excluído da relação de bens as verbas referidas, como fez. Até porque as mesmas poderiam vir a ser aprovadas na mesma conferência.
S) Ao excluir da relação de bens as verbas nºs 10, 11 e 12, do Passivo, da relação de bens, antes mesmo da conferência de interessados, violou o Mmo. Juiz “a quo” os artigos 1353º, nºs 3 e 4 e 1354º do CPC.
Nestes termos, e nos demais de Direito, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, o despacho proferido ser revogado e substituído por outro que mantenha as verbas do passivo indicadas pelo Agravante (verbas nºs 10, 11 e 12) e assim, sejam as mesmas confirmadas como valores do património a partilhar.”

A parte contrária contra-alegou, pugnando pela improcedência do aludido agravo  e pela consequente manutenção da decisão recorrida.

O Exmº Sr. Juiz do tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, no qual manteve inalterado o despacho objecto do presente recurso de agravo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A  DECISÃO  RECORRIDA

O despacho que constitui objecto do presente recurso de agravo é do seguinte teor :

1. O cabeça de casal, A, apresentou relação (fls.44).
A interessada B velo trazer douta reclamação (fls.72).
Afirma não acordar no valor atribuído ás verbas n.1 a n.8. Acusa a falta de:
i.     candeeiro de sala
ii.     ventoinha de tecto
ül.    televisão
iv.    móvel bar com dois bancos
v.     biombo
vi.    escrivaninha com cadeira
vil.    mesa de cozinha com quatro cadeiras
vill.   dois ferros de engomar
ix.     aspirador industrial.
x.     lote de atoalhados
xl.     panelas e tachos
xil.    pratos e terrinas vista alegre
xili.   copos
xiv.    faqueiro
xv.          preço da venda de viatura Renault 19
Reconhece não haver suportado as despesas com juros e amortizações do crédito para habitação, contribuição autárquica e IMI nem despesas do condomínio (anos de 1995 a 2006) e que foram relacionados nas verbas n.10 a n.12. A explicação: deixou de tirar proveito da casa em 1995. Pelo que se conclui ser sua posição nada dever a este propósito.
A partir de então terá sido o cabeça de casal a retirar as utilidades da casa pelo que será crédito do património conjugal sobre o mesmo, a mensalidade de 324,85 euros.
2.
Respondeu o cabeça de casal quanto à omissão na relação, em síntese:
i)             estragado
ii)            já partilhado
iii)          indicado na verba n.4
iv)          já partilhado
v)            já partilhado
vi)          já partilhado
vii)         já não existe
viii)        já não existe
ix)           já não existe
 x)            já partilhado
xi)           já partilhado
xii)         já partilhado
xiii)        já partilhado
xiv)        já partilhado
xv)         já partilhado.
A partilha de tais bens terá ocorrido previamente ao divórcio.
Pretendendo a interessada ignorar a partilha, o cabeça de casal propõe trazer à relação "novos" bens que haviam na ocasião cabido àquela.
Sete, em poder dela.
Nega dever ao património a mensalidade referida na douta reclamação.
Faz referência a eventual crédito (150, euros mensais) pelo exercido da administração do imóvel. Não o concretiza todavia na douta relação suplementar.
Apresentou relação suplementar e obteve nova reclamação.
3.
Nada obsta à apreciação da douta reclamação. Não tendo sido oferecidos meios de prova, deve conhecer-se daquela de imediato.
A relação de bens consta de fls.44.
Os ex-cônjuges divorciaram-se em 18 de Novembro de 2004 (fls. 14 dos autos principais).
Na ocasião, como manda a lei (art. 1419º CPC) identificaram os bens comuns que exigiriam partilha posterior ao divórcio: o ...° esquerdo no C, o empréstimo do banco, o recheio da casa (concretizado a fls.14).
Com a apresentação da relação relativa ao património do casal ficam os cônjuges vinculados à "especificação" dos bens elaborada pêlos próprios.
Ao invés da tendencial prevalência da transitoriedade dos "afectos" que justifica a desvinculação dos laços matrimoniais, quanto aos bens (salvo consenso posterior) fica estabelecido uma vinculação que veda a "criatividade" e dilação da discussão para fase subsequente ao divórcio.
Quanto à relação de fls. 44 ss., a interessada não discute, salvo o valor, a pertinência das verbas n.1 a n.9 e n.13.
Aceita-se a permanência.
Quanto ás verbas n.10 a n.12 afirma a interessada não serem devidas por si. Correspondem segundo o cabeça de casal a dívidas do património comum geradas de 1995 a 2006 (mesmo após o divórcio) sendo ele o credor.
Tais dividas não constam da "especificação" apresentada por ocasião do divórcio (em 2004) pelo que não persistirão as correspondentes verbas.

A relação de fls. 44 contém os bens móveis "especificados" no divórcio:  duas mobílias de quarto, móvel de entrada, mobília de sala com bar e sofás, máquina de lavar, roupas e loiças.
Não há nada a acrescentar. Se existisse, não dividido pêlos cônjuges, biombo, TV, valor da venda de viatura, aspirador etc... teriam os interessados que havê-lo especificado na relação apresentada no divórcio.
A "compensação" que o cabeça de casal pretende, ao admitir relacionar os bens referidos pela interessada, não pode ser admitida. Acrescenta à relação uma pulseira, máquina de sumos, máquina de filmar, aparelhagem, picadora e CDs, reconhecendo (fls. 83) que já haviam sido partilhados, mas "dada a reclamação apresentada fá-los constar da relação". Tais bens não constam da “especificação” apresentada no divorcio nem foi admitida, quanto à reclamante, a "revogação" da partilha dos bens móveis operada pêlos interessados.
- A “Requerente (…) devia pagar ao cabeça de casal pelo exercido da administração dos bens comuns (…) desde Janeiro de 1995 até à data actual”? (Fls.85). O cabeça de casal não se propôs relacionar tal divida e parece que nem a classifica como débito do património cuja liquidação é prosseguida no processo. Eventuais dívidas entre os ex-cônjuges não pertencem ao mesmo. E provindo de 1995 teria que estar “especificada” antes do divórcio.
Eventual dívida do cabeça de casal pela utilização da casa do casal não é aceitável. Não foi “especificada” e não é indicada a fonte geradora. Assumiu pagar renda? Será dívida nascida após o divórcio? Olhando aos autos principais constata-se que o crédito não existia no património do casal.
4.
Considerando o que vem dito e olhando à relação trazida a fls. 44, atende-se á douta reclamação parcialmente, nos seguintes termos:
Excluem-se da relação as verbas n.10, n.11 e n.12., mantendo-se as restantes e não se admite qualquer outra alteração à mesma. Anote.”.
O  OBJECTO  DO  RECURSO

Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo ora Agravante que o objecto do presente recurso de agravo está circunscrito a uma única questão:
1) Se, no inventário instaurado em consequência de Divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, podem ser incluídas na relação de bens verbas que não constavam da "especificação" dos bens comuns apresentada por ocasião do divórcio (nos termos do art. 1419º, nº 1, al. b), do C.P.C.).


FACTOS  PROVADOS

 Mostram-se provados os seguintes factos, com relevância para o julgamento do mérito do agravo:

1) O interessado ora Agravante e a interessada ora Agravada divorciaram-se em 18 de Novembro de 2004 (fls. 14 dos autos principais).

2) Na ocasião, identificaram (como exige o art. 1419º CPC) os bens comuns que exigiriam partilha posterior ao divórcio, a saber: o imóvel correspondente ao ...° esquerdo do prédio no C, o empréstimo bancário contraído para a respectiva aquisição e o recheio da casa (concretizado a fls.14).

3) No presente inventário, instaurado para partilha dos bens comuns do dissolvido casal constituído pelo ora Agravante e pela ora Agravada, aquele incluiu, na relação de bens que oportunamente apresentou, as seguintes verbas, referentes ao Passivo:

Verba n.º 10
Deve a massa de bens comuns ao Cabeça de Casal, a quantia de quarenta mil, oitocentos e noventa e dois euros e noventa e dois cêntimos, a título de juros e amortizações pagas integral e somente por este, desde 1995 (data em que a Requerente e o Cabeça de Casal estão separados de facto), a 2006, referentes às prestações do Crédito referido na Verba n.º 9.……. € 40.892,92

Verba n.º 11
Deve a massa de bens comuns ao Cabeça de Casal, a quantia de novecentos e trinta e oito euros e trinta e três cêntimos, a título de Contribuições Autárquicas e Imposto Municipal de Imóveis, paga integral e somente por este, desde 1999 a 2005, referentes ao Imóvel referido na Verba n.º 8………€ 938,33

Verba n.º 12
Deve a massa de bens comuns ao Cabeça de Casal, a quantia de quatro mil, novecentos e quarenta e sete euros e quarenta e seis cêntimos, a título de Condomínio, paga integral e somente por este, desde 1995 (data em que a Requerente e o Cabeça de Casal estão separados de facto), a 2006, referentes ao Imóvel referido na Verba n.º 8 …………€ 4.947,46”


4) Notificada da relação de bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal ora Agravante, a interessa da ora Agravada reconheceu não haver suportado as despesas com juros e amortizações do crédito para habitação, contribuição autárquica e IMI nem despesas do condomínio (anos de 1995 a 2006) e que foram relacionadas naquelas verbas, com o fundamento em que deixou de tirar proveito da casa em 1995.



O  MÉRITO  DO  AGRAVO

1) Se, no inventário instaurado em consequência de Divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, podem ser incluídas na relação de bens verbas que não constavam da "especificação" dos bens comuns apresentada por ocasião do divórcio (nos termos do art. 1419º do C.P.C.).

A única questão suscitada nas conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Cabeça-de-casal ora Agravante é a de saber se, num inventário instaurado em consequência de divórcio, tendo em vista a partilha dos bens comuns do dissolvido casal, apenas podem figurar na relação de bens as mesmas verbas que já constavam da relação especificada dos bens comuns aludida na al. b) do nº 1 do art. 1419º do CPC - que instruiu o requerimento para o divórcio por mútuo consentimento -, ou, pelo contrário, nada obsta a que sejam relacionados naquele inventário outros bens (do activo ou do passivo), para além daqueles que figuravam naquela relação especificada dos bens comuns.
O tribunal “a quo” perfilhou o entendimento segundo o qual, “com a apresentação da relação relativa ao património do casal ficam os cônjuges vinculados à "especificação" dos bens elaborada pêlos próprios. Ao invés da tendencial prevalência da transitoriedade dos "afectos" que justifica a desvinculação dos laços matrimoniais, quanto aos bens (salvo consenso posterior) fica estabelecido uma vinculação que veda a "criatividade" e dilação da discussão para fase subsequente ao divórcio ”.
O ora Agravante sustenta, ex adverso, que, dispondo o artigo 1340º, n.º 3 do CPC (aplicável ao inventário pós-divórcio ex vi do artigo 1404º, n.º 3, do CPC.) que, no acto de declarações do cabeça de casal, este apresentará a relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário, ainda que a sua administração não lhe pertença, não faz sentido que aos cônjuges seja vedado o direito de alterar a relação de bens apresentada por altura do divórcio, nomeadamente aditando-lhe bens, porque, se assim fosse, não seria necessário o cabeça de casal, no momento das suas declarações, apresentar uma nova relação de bens.
Quid juris ?

Na doutrina, LOPES CARDOSO sustenta que, apesar de a lei processual exigir que se junte à petição do divórcio ou separação por mútuo consentimento a relação especificada dos bens comuns, com indicação dos respectivos valores (art. 1419º-1-b), do CPC) – o mesmo ocorrendo quando os cônjuges acordem, na tentativa de conciliação de processo de divórcio litigioso, em que a dissolução do casamento se faça por aquela forma (art. 1407º-3 do CPC), os efeitos do caso julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, por divórcio, não se estendem a essa relação, «pois, é seguro, não se verifica a identidade de pedidos nem tem de haver entendimento prévio quanto à partilha dos bens do casal, que só os acordos quanto à prestação de alimentos e destino da casa de morada de família e exercício do poder paternal foram sujeitos a apreciação na mesma sentença (art. 1776º-2, com referência ao art. 1775º-2, ambos do Código Civil)»[5] [6] .
Na jurisprudência, tem igualmente prevalecido a tese segundo a qual «a relação de bens que acompanha o requerimento para a separação por mútuo consentimento não visa determinar a forma de proceder à partilha, não tendo também a natureza de negócio jurídico, cuja validade se possa discutir»[7]. Por isso, como a relação de bens comuns mencionada no art. 1419º, nº 1, al. b) do CPC não tem por finalidade a determinação dos bens que necessariamente, devem ser objecto de posterior partilha, o apuramento daqueles deve ter, antes, lugar no subsequente inventário[8] [9] [10] [11].
Como assim, o agravo procede, necessariamente, quanto à única questão suscitada pelo Agravante, não podendo subsistir o despacho agravado, que deve ser substituído por outro que desatenda a reclamação deduzida pela interessada ora Agravada, quanto à pretensão de ver excluídas da relação de bens oportunamente apresentadas pelo cabeça-de-casal ora Agravante as verbas relacionadas sob os nºs 10, 11 e 12.

DECISÃO

Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que desatenda a reclamação deduzida pela interessada ora Agravada, quanto à pretensão de ver excluídas da relação de bens oportunamente apresentadas pelo cabeça-de-casal ora Agravante as verbas relacionadas sob os nºs 10, 11 e 12.
Custas do agravo a cargo da ora Agravada (art. 446º, nºs 1 e 2, do CPC).

Lisboa, 6 de Outubro de 2009

RUI TORRES VOUGA (Relator)
MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA (1º Adjunto)
MARIA DO ROSÁRIO GONÇALVES (2º Adjunto)
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] LOPES CARDOSO in “Partilhas Judiciais”, Vol. III, 4ª ed., 1991, p. 365.
[6] Cfr., no sentido de que «o caso julgado da sentença que decreta o divórcio, em acção de divórcio por mútuo consentimento, não cobre a titularidade dos bens aí relacionados, pelo que não obsta a que no futuro inventário para separação de meações se possa questionar se algum, ou alguns, desses bens são comuns ou propriedade de um só dos cônjuges», o Ac. da Rel. de Coimbra de 14/2/2006, relatado pelo Desembargador COELHO DE MATOS e proferido no Proc. nº 4056/05, cujo texto integral pode ser acedido no sítio www.dgsi.pt.
[7] Ac. do S.T.J. de 18/2/1988 in BMJ nº 374, p. 472.
[8] Cfr., neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 19/4/2007, relatado pelo Desembargador MÁRIO FERNANDES e proferido no Processo nº0731631, cujo texto integral pode ser acedido no sítio www.dgsi.pt.
[9] Cfr., igualmente no sentido de que «a relação especificada dos bens comuns apresentada no processo de divórcio (artº 1419º, nº 1) não determina quais os bens que hão-de ser objecto de partilha para os efeitos do artº 1345º CPC, sendo admissível o relacionamento de outros cuja falta ou exclusão dessa relação seja alegada ou reclamada», o Ac. da Rel. de Coimbra de 13/3/2007, relatado pela Desembargadora REGINA ROSA e proferido no Proc. nº 473/03.0TMCBR-A.C1, cujo texto integral pode ser acedido no sítio www.dgsi.pt.
[10] Cfr., ainda no sentido de que «a relação de bens no divórcio por mútuo consentimento funciona como um pressuposto processual para apreciação do requerimento de divórcio, não fazendo parte dos interesses a que o tribunal tenha de atender, com vista a viabilizar ou não o divórcio», pelo que «a confissão judicial expressa na relação de bens apenas vincula as partes no processo ( artigo 355º n.º 1 e 3 primeira parte do C.Civil) e não pode valer como documento com força probatória plena no processo de inventário, que é diferente do divórcio», o que consequência que aquela relação «não poderá substituir a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal no processo de inventário», o Ac. da Rel. de Guimarães de 28/6/2007, relatado pelo Desembargador ESPINHEIRA BALTAR e proferido no Proc. nº 879/07-1, cujo texto integral pode ser acedido no sítio www.dgsi.pt.
[11] Cfr., também no sentido de que «o caso julgado da sentença que decreta o divórcio, em acção de divórcio por mútuo consentimento, não cobre a titularidade dos bens aí relacionados, pelo que não obsta a que no futuro inventário para separação de meações se possa questionar se algum, ou alguns, desses bens são comuns ou propriedade de um só dos cônjuges», o Ac. da Rel. de Évora de 8/7/2008, relatado pelo Desembargador BERNARDO DOMINGOS e proferido no Proc. nº 1587/08-2, cujo texto integral pode ser acedido no sítio www.dgsi.pt.