CRIME DE DIFAMAÇÃO
CRIME DE INJÚRIAS
JUIZOS SOBRE FACTOS
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
Sumário

Os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, atuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica, não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime.

Texto Integral

Proc. nº 16391/15.6T9PRT.P1

Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I – O assistente J… veio interpor recurso do douto despacho da 1ª Secção de Instrução Criminal (J5) da Instância Central do Porto do Tribunal da Comarca do Porto que não pronunciou o arguido B… pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal, e de um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180.º do mesmo Código, que a este eram imputados na acusação particular por ele deduzida.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal de Instrução Criminal do Porto de não pronúncia do Arguido B…,
2. Com fundamento de não reunirem os autos elementos que sustentem a sujeição do Arguido a julgamento, por não resultar existir probabilidade séria e razoável de lhe vir a ser aplicada uma pena pelo cometimento dos crimes de injúrias e difamação porquanto,
3. As expressões que resultam da mensagem electrónica dos autos, de 21 de Maio de 2015, “… situam-se no terreno da crítica por parte do arguido e no uso do princípio da liberdade de expressão, donde estar excluída a ilicitude, se não ao abrigo do disposto no art. 180º, n.º 2 do Cód. Penal, ao abrigo do disposto no art. 31º, n.º 2 do mesmo diploma legal”,
4. “… não se revelando como absolutamente gratuitas, desproporcionadas, nem ultrapassando manifestamente a necessidade própria do exercício do seu direito de crítica e de liberdade de expressão, não podem deixar de se enquadrar na esfera da atipicidade ou como enquadrando situação de exclusão de ilicitude ou de causa de não punibilidade, não se verificando os elementos constitutivos dos crimes de que vem acusado”,
5. Não podendo ao Arguido “… ser assacada a intenção de denegrir a imagem, o bom nome a reputação do Assistente”.
6. O Meritíssimo Juiz a quo não analisou, conveniente e correctamente, toda a prova carreada para e produzida nos autos, documental e testemunhal,
7. Desde logo, ao considerar, somente, a parte da mensagem que se encontra evidenciada a negrito, não a entendendo nos seus contexto, amplitude e totalidade.
8. Daquela prova, resultam elementos bastantes para justificar a submissão do Arguido a julgamento, por demonstrarem uma probabilidade séria de lhe vir a ser aplicada uma pena, por haver cometido estes crimes,
9. Pelo que deveria ter sido proferido despacho de pronúncia, nos termos do art. 308º C. P. P..
10. A fase da instrução visa formar a convicção de que existe probabilidade razoável de o Arguido haver cometido os crimes que lhe são imputados e, consequentemente, lhe ser aplicada uma pena, convicção que se baseia em indícios bastantes e sinais de ocorrência de um crime.
11. Refere o art. 181º do Código Penal (C. P.) que “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de muta até 120 dias” e
12. O art. 180º C. P. menciona que “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação em juízo, é punido com pena de prisão ate seis meses ou com pena de multa até 240 dias”.
13. Na sua acusação particular, que foi acompanhada pelo Ministério Público, o Recorrente demonstrou encontrarem-se preenchidos os elementos constitutivos destes crimes e que os mesmos haviam sido praticados pelo Arguido.
14. A mensagem electrónica dos autos, de 21 de Maio de 2015, foi enviada a sete voluntários do C…, todos membros da Direcção e do Conselho Fiscal, entre os quais o Assistente, órgãos do C…, compostos por pessoas que, de alguma forma, se evidenciaram, e evidenciam, no exercício e desenvolvimento das respectivas actividades profissionais,
15. Razão pela qual, geral e maioritariamente, são convidadas para a prática dessas funções junto daquela Instituição de Solidariedade Social, por se entender que os seus saber, experiência, personalidade e competência profissional constituem uma mais-valia para o desenvolvimento do fim último desta entidade.
16. É neste contexto que a mensagem dos autos deve ser inserida, analisada, circunstanciada.
17. A douta decisão ora sob recurso refere que “… o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente dependente do lugar, do ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre e do modo como ocorre …”, devendo ser tidas em conta “… as condições ambientais, a classe social do ofendido e do seu agressor … os hábitos de linguagem, a formação moral, etc”.
18. As palavras proferidas pelo Arguido contêm, em si mesmas, a formulação de um juízo de desvalor acerca da pessoa e conduta, no âmbito da sua presença no C…, do Ofendido / Assistente.
19. O Arguido lança a suspeita sobre o Ofendido / Assistente de querer colocar em causa o Presidente da Direcção do C… e desvirtuar os princípios que regem a actividade desta Instituição, a favor de determinada funcionária, para além de lhe imputar a prossecução de interesses próprios ou de terceiro, em detrimento dos do C…, através da disseminação de intrigas e maldizeres,
20. Considerações, por parte do Arguido ao Ofendido / Assistente, que comportam, em si mesmas, um juízo de desvalor quanto à pessoa deste, por haverem sido proferidas no âmbito do desenvolvimento de actividade de solidariedade social
21. Que, por definição, se identifica com valores de caridade, altruísmo, generosidade, benevolência, auxílio e respeito pelo próximo.
22. Valores que, de acordo com a imputação que o Arguido formula, o Ofendido / Assistente afasta, contraria e depõe,
23. O que, por não corresponder, de todo, à realidade, conforme, aliás, suportado pelas testemunhas produzidas, só poderá ser entendido como atentatório e ofensivo da honra e consideração do Ofendido / Assistente.
24. Quando se trata de imputar a um agente uma determinada violação ilícita, é necessário que essa actuação haja sido dolosa,
25. Bastando que, no caso das injúrias e difamação, arts. 180º e 181º C. P., se verifique o dolo genérico, ou seja, consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa e consideração de alguém.
26. Sendo o Arguido Advogado, assume um papel de interveniente na Justiça, conhecendo as suas especificidades e procedimentos, tem sensibilidade e conhecimentos mais presentes e evidenciados dos que os de um homem médio, não sendo crível, por isso, que o Arguido não tivesse essas consciência e finalidade,
27. Porque poderia, e deveria, o Arguido ter agido de outro modo,
28. Não podendo considerar-se, assim, o preenchimento cumulativo dos pressupostos do n.º 2 do art. 180º C. P. e excluir-se a ilicitude do comportamento do Arguido.
29. Não colhe o argumento do confronto entre direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas, reconhecimento ao bom nome e reputação e liberdade de expressão, que, quando em confronto, deverão sofrer limitações, no sentido de se respeitar o núcleo essencial de cada um.
30. A mensagem electrónica que o Arguido dirigiu a membros da Direcção e Conselho Fiscal do C…, formula um juízo de desvalor, directamente contra a pessoa do Ofendido / Assistente, imputando-lhe, inveridicamente, comportamentos e atitudes destituídas de quaisquer valores dignos e com os quais este não se identifica ou pratica,
31. Visando, dessa forma, denegrir a sua imagem, consideração e reputação perante os restantes membros daqueles órgãos sociais do C…,
32. Nunca podendo, considerando a contextualização descrita, ser o juízo de desvalor proferido pelo Arguido considerado como críticas vertidas sobre a prestação ou contributo, para o C…, do Ofendido / Assistente mas, antes, como agressão, directa e pessoal a este,
33. Pelo que não se poderá considerar, com essa finalidade, o uso, pelo Arguido, do princípio da liberdade de expressão, como pressuposto para preterir os direitos da inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas e o do reconhecimento ao bom nome e reputação.
34. Resulta clara a existência de indícios bastantes e de sinais de ocorrência de crime, de modo a formar a convicção de que existe probabilidade razoável de o Arguido haver cometido os crimes de injúrias e difamação,
35. O que, aliás, também resulta do facto de o Ministério Público haver acompanhado a acusação particular do Ofendido / Assistente e haver pugnado pelo proferimento de, em fase de instrução, despacho de pronúncia,
36. Pelo que deve a decisão ora sob recurso ser revogada, proferindo-se despacho de pronúncia,
37. Sob pena de, assim não sucedendo, existir inconstitucionalidade, por violação de direitos fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa (C. R. P.), arts. 25º e 26º, no sentido de haverem sido preteridos, ilicitamente, por outro, o da liberdade de expressão,
38. Por os juízos proferidos serem de desvalor e constituírem agressão, directa e pessoal, ao Ofendido / Assistente.

Foram violados:
Arts. 180º e 181º C. P.;
Arts. 308º e 283º, n.º 2 C. P. P.;
Arts. 25º e 26º C. R. P.;»

O arguido apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se se verificam, ou não, indícios suficientes da prática, pelo arguido, dos crimes de injúria e difamação que lhe foram impuados na acusação particular contra ele deduzida peloa assistente e recorrente.

III- Da fundamentação do douto despacho recorrido consta o seguinte:
«(...)
Não se mostram assim verificadas as nulidades invocadas.
Não existem quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa.

*
Inconformado com a acusação particular do assistente acompanhado pelo Ministério Público, o arguido B… veio requerer a abertura de instrução, alegando, em síntese que as afirmações contidas na mensagem electrónica enviada pelo arguido em 21 de Maio de 2015 a sete voluntários do C…, todos membros da Direção e do Conselho Fiscal, entre os quais o assistente, não contêm qualquer carga ofensiva antes decorrendo do seu legítimo direito de expressão.
Foram analisados e reapreciados os elementos constantes dos autos, designadamente, declarações do assistente, depoimentos das testemunhas ouvida em sede de inquérito e declarações do arguido bem como a prova documental (email de 21 de Maio de 2015).
Impõe-se assim e apenas nesta fase processual apreciar se, se os autos contém elementos de onde se possa retirar que o arguido imputou ao assistente factos ofensivos da honra e consideração deste e, em consequência, verificar se se mostram preenchidos os elementos constitutivos dos crimes de injúria e difamação tal como vêm descritos na acusação do assistente acompanhada pelo Ministério Público.
Realizou-se o debate instrutório com a observância do legal formalismo.
*
De acordo com o disposto no artº 308º do C.P.P. chegou o momento de analisar o processo e verificar se foram recolhidos indícios suficientes que apontem para uma possibilidade razoável de a arguida, em sede de julgamento, ser condenada pelos crimes que lhe são imputados.
A lei processual considera “suficientes” os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança -.Cfr.artº 283º nº2 do C.P.P.
Dispõe o artº 181º do Cod. Penal que “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.
Por sua vez, o crime de difamação previsto e punido pelo artº 180º do Cod. Penal dispõe que “Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação em juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias”.
Distingue-se entre difamação e injúria com base na imputação directa ou indirecta de um facto, mesmo sob a forma de suspeita ou na formulação directa ou indirecta de um juízo este e aquela ofensivos da honra e consideração ou ainda na mera reprodução directa ou indirecta de tal imputação ou juízo. Se o agente se dirige a terceiro há imputação, juízo ou reprodução em via indirecta e ocorre difamação. Se, ao invés, o agente se dirige ao sujeito passivo, por imputação de factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou por palavras que podem traduzir-se em juízo ou reprodução, estas e aqueles ofensivos da honra e consideração, age em via directa e temos injúria.
Atentemos agora, no bem jurídico que as normas prevenidas nos artsº 180º e 181º visam tutelar:
A noção de bem jurídico é objecto de profunda discussão. Neste domínio, apenas se adiantará que a norma incriminadora nasce para que uma relação entre algo e alguém resulte preservada, sendo que quando essa relação é assumida pela norma, consubstancia um bem jurídico. Assim, importa delimitar o conceito de bem jurídico em direito penal atenta a essencialidade de relações assumidas, sendo tal essencialidade prévia á norma, porque referida a uma compreensão social própria, resultando tal conceito num verdadeiro limite ao “direito de punir” por parte do Estado. Isto porque, a legitimidade de exercício de tal poder está acolhida na exclusiva protecção das relações concretas de uma comunidade de forma a que esta exista e se promova.
Assim, o bem jurídico-penal é concebido no âmbito de uma relação social dinâmica, necessariamente concreta, como meio que garante o desenvolvimento da pessoa humana ao permitir uma participação dentro do espaço político-social de que faz parte, de molde a promover-se e a promover a própria comunidade.
A honra manifesta-se num bem jurídico complexo, que compreende quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, suportado na sua dignidade, quer na própria reputação ou consideração exterior. Assim se protege a honra “strictu sensu” isto é, a estima ou pelo menos, o não desprezo moral por si próprio que sente, em geral, qualquer pessoa, ou por outras palavras, aquilo que um indivíduo vale por si próprio, a dignidade subjectiva, mas também, a consideração propriamente dita, ou seja, o valor atribuído a alguém pelo juízo do público, o apreço pelo menos, a não desconsideração que os outros tenham por ele - a dignidade objectiva.
Refira-se agora que, como critério orientador, os factos imputados ou a formulação de juízos hão-de ser ou resultar ofensivos do ponto de vista da generalidade das pessoas.
Por sua vez, o nexo de imputação do facto ao lesante traduz a necessidade do agente ter agido com culpa, maxime que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo.
A culpa consubstancia-se na imputação psicológica de um resultado ilícito a uma pessoa. Se se produz um evento contrário á lei e esse evento é psíquica ou moralmente imputável a certo indivíduo, diz-se que agiu com culpa. Ou, dito de outro modo, a culpa é o nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto ilícito á vontade do agente, correspondente a uma actuação deficiente, censurável, reprovável, abstraindo da pessoa, do destinatário, do dever violado.
Destas definições se retira que age com culpa quem, pelas suas capacidades, e atentas as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.
Por outro lado, o juízo de censura só é possível quando o agente seja imputável, isto é, quando tenha capacidade de prever os efeitos e medir o valor dos seus actos e para se determinar de acordo com o juízo que faça acerca deles – o necessário discernimento ou capacidade intelectual e emocional e a necessária liberdade de determinação ou capacidade volitiva.
A injúria é a manifestação por qualquer meio, de um conceito ou pensamento que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém, dirigida ao próprio visado, ocorrendo o crime de difamação quando tal actuação se dirija a um terceiro. O bem jurídico lesado na injúria e na difamação é prevalentemente a chamada honra subjectiva, isto é, o sentimento da própria honorabilidade ou respeitabilidade pessoal. Nos crimes de injúria e difamação, não se protege a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja mas tão só, a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e pela consideração que lhe são devidas. Assim, uma das características da injúria é a sua relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente dependente do lugar, do ambiente em que ocorre, das pessoas entre quem ocorre e do modo como ocorre, daí que, só em cada caso concreto se possa afirmar se há ou não comportamento delituoso. Por outras palavras, em cada caso concreto haverá que ter em conta as condições ambientais, a classe social do ofendido e do seu agressor, o seu relacionamento, os laços de parentesco e confiança entre ambos, os hábitos de linguagem, a formação moral, etc.
A injúria por sua vez, concretiza-se em um ataque directo, sem a intromissão de terceiros à pessoa do ofendido. Estrutura-se por conseguinte, numa relação de existência comunicacional bipolar, contrariamente aqueloutra (a difamação) que se realiza, numa relação triangular.
Os processos executivos dos crimes de difamação e injúrias podem ser vários:
- imputação de um facto ofensivo (ainda que meramente suspeito) (vale aqui também para o crime de injúrias),
- formulação de um juízo de desvalor;
- reprodução de uma imputação ou de um juízo.
- Dirigir palavras, (no caso do crime de injúrias) ofensivos da honra e consideração.
(Cfr. Faria Costa, Comentário Conbimbricense do Cod. Penal, anotações aos artsº 180º e 181º, pag.601 a 628).
Assim, os elementos constitutivos dos tipos legais de crimes que aqui cabe analisar são a ofensa propriamente dita, dirigida ao próprio visado/ou a terceiro, ou a imputação de um facto, mesmo sob a forma de suspeita ou a formulação de um juízo. O exposto, impõe claramente a distinção entre facto e juízo. Sendo o facto um juízo de existência ou de realidade e o juízo terá de ser entendido no contexto, não como apreciação relativa á existência de uma ideia mas ao seu valor, ou seja, deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido.
O cerne da determinação dos elementos objectivos tem sempre de se fazer pelo recurso a um horizonte de contextualização.
Numa outra perspectiva da nossa análise, repare-se que, no ordenamento jurídico, para que se verifiquem o crime tipificado no aludido artº 181º, necessário não é que o agente tenha procedido com “animus injuriandi”, ou seja, o chamado dolo específico, bastando tão só, para que esteja verificada a respectiva incriminação, que tenha actuado com dolo genérico em qualquer uma das modalidades admitidas no artº 14º do Cod. Penal, quer dizer, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém. (Cfr. entre outros, Acs. da RC de 15/03/89 CJ XIV, 2º, pag.84 e da R.P. de 30/11/88 CJ, XII, 5º, pag. 221 vd. Também neste sentido, Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado de 1982, vol. 2º, pag. 197).
Pode afirmar-se que o crime de injúrias pressupõe, desde logo, um elemento objectivo – concretizado na circunstância de o agente, dirigindo-se ao próprio visado imputar a essa pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, factos ofensivos da sua honra ou consideração, tratando-se, nesta medida, de um crime de dano.
Por outro lado, no que tange ao elemento subjectivo, é largamente dominante a doutrina e jurisprudência que entende bastar-se o crime em apreço com a presença do dolo enquanto elemento subjectivo geral da ilicitude, isto é, o conhecimento de que determinados factos são lesivos da honra ou consideração de outrem e a vontade ao menos eventual, de os concretizar (Cfr. Silva Dias “Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos crimes de difamação e de injúria” AAFDL, 1989, pags. 35 e 36 e Maia Gonçalves “Código Penal Português Anotado 6ª ed., 1992, pag. 425 e 426 Ac R.C. de 28/11/96 Bol M.J. 461, pag.532 Ac.R.P. Bol.M.J.434 pag. 686 AC.R.C. 2/10/96 Bol M.J. 460, pag.818 Ac. R.E. 14/1/97 Bol M.J. 463, pag. 660.
Ainda no que diz respeito ao crime de difamação p.p. pelo artº 180º do Cod. Penal importa transcrever aqui o nº2 do citado preceito legal que refere que “A conduta não é punível quando:
a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos e,
b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira.”
Como é sabido, o crime de difamação assim como o de injúrias, tutela o bem jurídico –pessoalíssimo e imaterial da honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos. A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-socil, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão do reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros. - A lei não exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
O tipo objectivo de difamação estará preenchido com a imputação de factos, palavras ou juízos desonrosos, desonestos ou vergonhosos, a par do dolo genérico, em qualquer uma das suas modalidades.
Em sentido amplo, o bom nome e reputação, incluem, enquanto sínteses do apreço pelas qualidades determinantes da identidade de cada indivíduo e pelos valores pessoais adquiridos pelo mesmo, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
“A honra é encarada numa perspectiva dual –normativa e fàctica – como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”.(Prof. Germano Marques da Silva, curso de processo penal III, 2º ed. pag.335 e Ac. S.T.J. de 28/04/99 CJ/STJ ano de 1999, p.196).
O direito ao bom nome e reputação “consiste essencialmente no direito de não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade, ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a competente reparação” (Cfr. Ac.S.T.J. para fixação de jurisprudência 7/95 de 19/10/95 publicado no D.R. séria I-A de 28/12/95).
A honra constitui “um bem de personalidade e imaterial, que se traduz numa pretensão ou direito do indivíduo a não ser vilipendiado no seu valor aos olhos da sociedade e que constitui modalidade do livre desenvolvimento da dignidade humana, valor que a constituição atribui a relevância de fundamento do Estado português; enquanto bem da personalidade e nesta sua vertente externa, trata-se de um bem relacional, atingindo o sujeito enquanto protagonista de uma actividade económica, com repercussões no campo social, profissional e familiar e mesmo religioso” (Cfr. Maria Paula G. Andrade in “ Da ofensa do crédito e do bom nome” 1996, pag. 97).
Como igualmente refere o Ac. R.P. de 31/1/96 proc.9540900, no site da D.G.S.I.) “Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio ou época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra, depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais”.
Por outro lado, como refere Beleza dos Santos in “Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e injúrias in R.L.J. ano 92, pag. 92 a 95 “os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: a honra diz respeito á estima, ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa e a consideração, ao juízo público, isto é, ao apreço ou não desconsideração que os outros tenham por ele”.(…) “A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo.” O bem jurídico honra, traduz uma pretensão de respeito por parte dos outros quer decorre da dignidade humana. O seu conteúdo é constituído basicamente por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social dessa condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros, é ao fim ao cabo uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade.” (Cfr. Augusto Silva Santos, in Alguns Aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias A.A.F.D.L. pag. 17/18).
No fundo, o que está em causa é a pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros.
O artº 25º nº1 da Constituição da República dispõe que “A integridade moral e física das pessoa é inviolável”.
Dispondo o artº 26º que, “a todos são reconhecidos os direito á identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, á capacidade civil, á cidadania, ao bom nome e reputação, á imagem, á palavra, á reserva da intimidade da vida privada e familiar e á protecção legal contra quaisquer formas de descriminação”. Por seu lado, estabelece o artº 37º da Constituição da República que “todos têm o direito de exprimir e divulgar o seu pensamento por palavras, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar, e ser informados, sem impedimentos ou discriminações”.
Ambos os direitos, merecem tutela e garantia constitucionais, enquanto direitos fundamentais das pessoas, inscritos na Constituição da República – ao mesmo nível hierárquico de tutela – no mesmo Título II – Direitos, Liberdades e Garantias – e Capítulo I – Direitos, Liberdades e Garantias Pessoais – da Parte I.
Como refere o Ac. S.T.J. de 12/01/00 in B.M.J. 493 pag. 156 “A liberdade de expressão deve considerar-se como uma manifestação essencial das sociedades democráticas e pluralistas, nas quais, a crítica e a opinião livres contribuem para a igualdade e aperfeiçoamento dos cidadãos e instituições. Todavia direito fundamental de idêntico valor protege a integridade do cidadão, nomeadamente, o seu bom nome e reputação”.
Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, garante no seu artigo 10º nº1 o direito de qualquer pessoa à liberdade de expressão, compreendendo a liberdade de opinião e de receber ou transmitir ideias, sem ingerências de quaisquer autoridades públicas e sem consideração de fronteiras.
O direito de liberdade de expressão e o direito à consideração e à honra, ambos constitucionalmente garantidos, quando em confronto, devem sofrer limitações, de modo a respeitar-se o núcleo essencial de um e de outro” (Cfr. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, pag. 110-111).
Não se colocando a questão, na hierarquização dos dois direitos constitucionalmente consagrados, como refere o Ac. do Tribunal Constitucional de 5 de Fevereiro, no processo 62/96 “o conflito concreto que surja entre ambos, deve ser decidido, num quadro de coordenação, compatibilidade ou concordância prática em caso de confluência ou conflito devem considerar o efeito recíproco de mútuo condicionamento entre normas protectoras de diferentes bens jurídicos, que impõe a violação do núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação, dificilmente poderá ser legitimada com base no exercício de um outro direito fundamental”.
Na consideração do efeito recíproco de mútuo consentimento, a demonstração da existência de um interesse socialmente relevante – não estritamente político ou público –que justifique a conduta expressiva, constitui um elemento essencial de avaliação, uma vez que dadas as dimensões públicas do crédito e do bom nome, há que ponderar o impacto negativo efectivo da expressão nos bens jurídicos em presença, comparando-a com o impacto positivo das expressões na transparência e na verdade das relações sociais.” (Cfr. Jónatas Machado, in Liberdade de Expressão: dimensões constitucionais da esfera pública, no sistema social, pag. 770).
Tendo presente o carácter fragmentário e subsidiário do direito penal, que deve ser entendido como a última ratio da política social, será o critério constitucional da “necessidade social” que deve orientar o legislador na tarefa de determinar quais as situações em que a violação de um bem jurídico a intervenção do direito penal.
Em síntese, sendo inevitável o conflito entre a liberdade de expressão, na mais ampla acepção do termo e o direito à honra e consideração, a solução do caso concreto, há-se ser encontrada através da “convivência democrática” desses mesmos direitos, isto é, consoante as situações, assim haverá uma compressão maior ou menor de um ou outro.
No conflito entre o direito à honra e à liberdade de expressão, tem vindo a verificar-se um ponto de viragem, tendo por base e fundamento o relevo, a dignidade e a dimensão da liberdade de expressão como direito fundamental individual e como princípio conformador e essencial à manutenção do Estado de Direito democrático, reconhecendo-se que o exercício do direito de expressão, designadamente, enquanto direito de opinião e de crítica, constitui o próprio fundamento na resolução do conflito.
A maioria da Jurisprudência do Tribunais superiores tem vindo a defender, na esteira da opinião assumida por Costa Andrade, deverem considerar-se atípicos os juízos de apreciação e de valoração crítica vertidos sobre realizações científicas, académicas, artísticas, profissionais, etc…, ou sobre prestações conseguidas nos domínios do desporto e do espectáculo, quando não ultrapassa o âmbito da crítica objectiva, isto é, enquanto a valoração e censura críticas se atêm exclusivamente às obras, às realizações ou prestações em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores ou criadores, posto que não atingem a honra pessoal do cientista, do artista, do desportista, do profissional em geral, nem atingem a honra com a dignidade penal e a carência de tutela penal que definem e balizam a pertinente área de tutela típica. Mais entende o mesmo autor que a atipicidade da crítica objectiva pode e deve estender-se a outra áreas, aqui se incluindo as instâncias públicas com destaque para os actos da administração pública, as sentenças e os despachos dos juízes, as promoções do Ministério Público, as decisões e o desempenho político dos orgãos de soberania como o Governo e o Parlamento.
Por outro lado, segundo o mesmo autor, “a atipicidade da crítica objectiva não depende do acerto, da adequação material ou da “verdade” das apreciações subscritas, as quais persistirão como actos atípicos seja qual for o seu bem fundado ou justeza material, para além de que o correlativo direito de crítica, com este sentido e alcance, não conhece limites quanto ao teor, à carga depreciativa e mesmo à violência das expressões utilizadas, isto é, não exige do crítico, para tornar claro o seu ponto de vista, o meio menos gravoso nem o cumprimento das exigências da proporcionalidade e da necessidade objectiva”.
Costa Andrade defende mesmo que se devem considerar atípicos os juízos que, como reflexo necessário da crítica objectiva, acabam por atingir a honra do visado, desde que a valoração crítica seja adequada aos pertinentes dados de facto, esclarecendo no entanto, que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Parte da jurisprudência dos nossos tribunais superiores vem sufragando tal opinião, sendo que, de acordo com a mesma, o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa á honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor ao quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar. (Cfr. Ac. S.T.J. de 07/03/07, proc.440/07, 3ª secção).
Posto isto, importa agora apreciar se as afirmações proferidas pelo arguido dirigidas directamente ao visado e dirigidas a terceiros (Email dirigido ao assistente e a D…, Presidente da Direção do C1… e CC a E…, F…, G…, entre outros, todos membros da direcção e associados do C1…) são ofensivas da honra e consideração da assistente.
As afirmações que estão em causa são as que se encontram a negrito e sublinhado na acusação particular contante dos autos, assim: “Se por um lado a funcionária H… reorientou o seu comportamento/atitude, a funcionária I… e o seu grupo feminino, tem vindo a exercer a sua influência junto de alguns membros da Direção, NOMEADAMENTE, os senhores Dr. J…, E…, com as consequências que estão à vista e que têm como único objectivo colocar em causa o Senhor Presidente da Direção do C1…. Tal qual!
Dessas consequências, as que emergem com visibilidade circunscrevem-se ao Organigrama e ao “caso” K…, criando uma superestrutura que fica nas mãos da citada funcionária; pergunta-se, em nome e em homenagem a quem? Em nome de que interesses?
Os escritos dos senhores Dr. J… e E… acabam por traduzir a factualidade que aqui venho referir e que deve merecer uma reflexão profunda de forma a responder a várias questões que aqui coloco:
a) Quem exerce o poder, a Direção ou a referida funcionária?
b) Onde está e onde se preenche o Princípio da Lealdade que deve presidir às relações entre os membros da Direção?
c) Porque se valoriza o maldizer?
d) Em nome de quem se pretende elaborar um julgamento sumário?
e) Onde está a procura da verdade?
f) Onde está o respeito aos Princípios da Legalidade, do Contraditório, da Imparcialidade, da Prossecução de Interesses do BA, de Proteção das IPSS, da Boa Administração, da Justiça e da Razoabilidade, da Boa Fé, da Participação e da Boa Decisão?
g) Onde está o respeito ao Princípio da Proteção dos dados de natureza da gestão?
Impõe-se analisar se estas afirmações proferidas pelo arguido, nas apuradas circunstâncias, revestem dignidade penal, isto é, se a actuação do arguido é ilícita, em termos de essa ilicitude atingir bens jurídico-penalmente protegidos – no caso, a honra e consideração da assistente.
Ora analisando o conteúdo das ditas expressões, cremos que nenhuma das afirmações contidas nas mesmas é suficientemente forte para atingir o reduto mínimo de dignidade e bom nome de que o assistente legitimamente pode reclamar. As referidas expressões situam-se no terreno da crítica por parte do arguido e no uso do princípio da liberdade de expressão, donde estar excluída a ilicitude, senão ao abrigo do disposto no artº 180º nº2 do Cod. Penal, ao abrigo do disposto no artº 31º nº2 do mesmo diploma legal.
Tais expressões, traduzem apenas uma crítica sem extravasar, no que pode ser entendido como direito de expressão.
Ao arguido não lhe pode ser assacada a intenção de denegrir a imagem, o bom nome e reputação do assistente. A actuação do arguido não atingiu o segmento da dignidade pessoal e profissional do assistente de forma desproporcionada.
Consideramos que as expressões do arguido não se revelando como absolutamente gratuitas, desproporcionadas, nem ultrapassando manifestamente a necessidade própria do exercício do seu direito de crítica e de liberdade de expressão, não podem deixar de se enquadrar na esfera da atipicidade ou como enquadrando situação de exclusão da ilicitude ou de causa de não punibilidade, não se verificando os elementos constitutivos dos crimes de que vem acusado.
Por outro lado e como igualmente refere o Ac. R.P. de 31/1/96 proc.9540900, no site da D.G.S.I.) “Só deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem, aquilo que, razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio ou época, ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo, do mesmo modo que a circunstância de ser ou não injuriosa uma palavra, depende, em grande parte, da opinião, dos hábitos, das crenças sociais”.
Por outro lado, como refere Beleza dos Santos in “Algumas Considerações Jurídicas sobre crimes de difamação e injúrias in R.L.J. ano 92, pag. 92 a 95 “os valores jurídico-penais que o legislador quis proteger com a punição da difamação e com a injúria, foram a honra e a consideração de uma pessoa: a honra diz respeito á estima, ao não desprezo moral por si próprio, que sente em geral qualquer pessoa e a consideração, ao juízo público, isto é, ao apreço ou não desconsideração que os outros tenham por ele”.(…) “A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém, um bom elemento social, ou ao menos de o não julgar um valor negativo.” Acresce que, é próprio da vida em sociedade haver alguma conflitualidade entre as pessoas. Há frequentemente desavenças, lesões de interesses alheios etc, que provocam animosidade. “Uma pessoa que se sente prejudicada por outra, por exemplo, pode compreensivelmente manifestar o seu descontentamento através de palavras azedas, acintosas ou agressivas. E o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere a susceptibilidade do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim fosse, a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função.”- Ac. R.P.de 19/1/2005 in www.dgsi.pt.
Se bem que ninguém goste que lhe verberem comportamentos, atitudes ou mesmo simples intenções, ou fustigue a sua personalidade ou carácter, sobretudo quando feito de forma desabrida e caustica, o incómodo daí resultante e susceptibilidade do visado não bastam para que se considere desde logo atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa se tenha como socialmente realizada.
A dignidade penal da ofensa não se esgota na subjectividade dialéctica do visado, havendo de objectivar-se ainda necessariamente no circunstancialismo envolvente e no veículo condutor da mesma”.- Ac.R.P. de 5/12/2007 in www.dgsi.pt.
Também nos termos do Ac.R.P. de 22/1/2006 in www.dgsi.ptO direito de expressão do pensamento, de opinião e de crítica deve prevalecer se as expressões e termos utilizados não ofendem o princípio da proporcionalidade e são adequados ao fim legitimamente perseguido”.
Ora, não restam dúvidas de que o arguido dentro daquele contexto, agiu no âmbito do seu direito de crítica e liberdade de expressão. Como já se disse supra “se bem que ninguém goste que lhe verberam comportamentos, atitudes ou mesmo simples intenções, ou fustigue a sua personalidade ou carácter, o incómodo daí resultante e susceptibilidade do visado não bastam para que se considere desde logo atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa se tenha como socialmente realizada”. Ora, o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros.
Não cabe aos tribunais avaliar se uma afirmação é justa, razoável ou grosseira. Não se pode pretender que as conversas discordantes tenham todas um discurso sereno, com adjectivação civilizada e detentoras de uma argumentação racional, pois isso seria privar do direito de manifestar o seu desagrado aos menos dotados do ponto de vista retórico, das boas maneiras, até da capacidade de raciocínio, recorrendo-se aos tribunais para punir tais excessos e ficando a discordância confinada ao grupo de pessoas polidas.
Assim, do exposto, podemos considerar que as expressões proferidas pelo arguido no circunstancialismo acima caracterizado, não têm sem mais, a virtualidade de ser consideradas acções típicas de um crime de injúrias e de difamação.
Não vemos como se pode depreender que em resultado delas, a honra do assistente ficasse abalada ou ofendida. Como refere Quintano Ripolles in “Tratado de la parte especial del Derecho Penal, I, Tomo II, pag. 1198 – Editorial Revista de Direito Privado, 1972, Madrid “Deve sempre distinguir-se, no que diz respeito à gravidade das expressões proferidas, as que podemos denominar de imprecativas, das que perseguem um fim referido a factos ou condutas de carácter concreto. Aquelas, a maior parte das vezes, não constituem mais que um simples desafogo verbal, que pode incomodar ou perturbar alguém mas intranscendentes para abalar a ordem jurídica”.(ainda no mesmo sentido v.g. Acs. T.R.P. de 5/11/2008, proc.0844658 e 14/07/2007 proc.0616784)
Cremos assim que nenhuma das ditas expressões é suficientemente forte para atingir o reduto mínimo de dignidade e bom nome de que o assistente legitimamente pode reclamar, pelo que não se verificam os apontados elementos objectivo e subjectivo dos crimes de injúrias e difamação de que o arguido vem acusado, devendo consequentemente ser proferido despacho de não pronúncia.
*
A lei define no artº 283º nº2 do C.P.P. o que considera indícios suficientes, ou seja, o conjunto de elementos dos quais resulte a probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.
A prova indiciária não conduz a um julgamento de certezas. A prova indiciária contém apenas, um conjunto de factos conhecidos que permitirão partir para a descoberta de outro/outros, que deixarão de se mover no campo das probabilidades para entrarem no domínio das certezas. Contudo, o indício é (em si) um facto certo, do qual, por interferência lógica baseada em regras de experiência, consolidadas e fiáveis, se chega á demonstração de um facto incerto, a provar segundo o esquema do chamado silogismo judiciário.
Por indiciação suficiente, entende-se a possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, em razão dos meios de prova existentes, uma pena ou medida de segurança.
Conforme dispõe o artº 286º nº1 do C.P.P. “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.
Para a pronúncia, como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido da certeza moral da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se possa formar a convicção de que existe uma probabilidade razoável de que foi cometido o crime pelo arguido.
Contudo, essa possibilidade, é uma certeza mais positiva do que negativa, sendo que o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forme convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido.
Do já citado artº 308º do C.P.P. conjugado com a noção de indícios suficientes dada pelo artº 283ºnº2 do C.P.P., resulta pois, que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena, ou uma medida de segurança, não impondo porém, a mesma exigência de verdade requerida no julgamento final.
Analisada a prova dos autos e atentas as razões supra referidas, entendemos não reunirem os autos elementos que sustentem a sujeição do arguido a julgamento, porquanto não resulta existir probabilidade séria e razoável de lhe vir a ser aplicada uma pena, pelo cometimento do crime de injúrias p.p. pelos artsº 181º do Cod. Penal.
(...)»

IV – Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos».
E, nos termos artigo 283°, n° 2, ex vi do artigo 308º, n.º2, ambos do Código de Processo Penal, «consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança».
Tem-se entendido que se consideram suficientes esses indícios quando a probabilidade de condenação for superior à probabilidade de absolvição (assim, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1º vol. Coimbra Editora, Coimbra, 1974, pág.133 e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, Verbo - U.C.P., Lisboa, 2ª edição, págs. 178 e 179).
Está em causa a eventual prática de crimes de difamação e injúria.
Quanto ao crime de difamação, estatui o artigo 180.º, n.º 1, do Cod. Penal: «Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivo da sua honra e consideração, ou reproduzir uma tal imputação em juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias». E o n.º 2 deste artigo estatui que a conduta não é punível quando: «a) a imputação for feita para realizar interesses legítimos e, b) o agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira.»
E, quanto ao crime de injúria, estatui o artigo 181.º, n. 1, do mesmo Código: «Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra e consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias». E o n.º 2 deste artigo remete para o citado n.º 2, do artigo 180.º, tratando-se da imputação de factos.
E está em causa saber se as expressões relativas ao assistente, e pelo arguido a este e outras pessoas dirigidas, transcritas no douto despacho recorrido configuram a prática desses crimes, ou estão cobertas pelo liberdade de expressão e crítica consagrada no artigo 37.º, n.º 1, da Constituição.
Traçar a fronteira entre uma e outra dessas situações passa por distinguir entre a formulação de juízos ofensivos sobre a própria pessoa visada e a formulação de juízos críticos sobre a atuação ou conduta de uma pessoa.
Manuel da Costa Andrade (in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal – Uma Perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra Editora, 1996, pgs. 232 a 240), citado no douto despacho recorrido, é claro ao considerar atípica a crítica objetiva, ou seja, a crítica de obras, prestações, realizações e atuações. Essa crítica pode situar-se nos âmbitos político, artístico, deportivo, ou outros. Estaremos perante uma situação de atipicidade, e nem sequer perante uma justificação, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, c), do Código Penal, de uma conduta típica pelo exercício de um direito (neste caso, o direito de crítica).
Na verdade, da redação dos acima transcritos artigos 180.º, n. 1, e 181.º, n.º 1, do Código Penal resulta que os crimes de difamação e injúria supõem a imputação de factos ou a formulação de juízos sobre uma pessoa, não a formulação de juízos sobre factos, atuações, obras, prestações ou realizações. Estes juízos, que são cobertos pela liberdade de expressão e crítica, não configuram elemento constitutivo de algum desses dois tipos de crime.
Parece-nos claro que as expressões em causa configuram um juízo sobre a atuação do assistente. Não se trata de um juízo sobre a pessoa deste, trata-se de um juízo sobre a sua atuação num capo específico e bem delimitado. Essa atuação (e não a própria pessoa do assistente) é considerada desleal, parcial, injusta, irrazoável e contrária aos interesses da instituição de solidariede social em causa
Também não se trata de uma imputação de factos eventualmente desonrosos. Trata-se de um juízo sobre uma atuação objetiva. Essa atuação é considerada, de acordo com esse juízo, desleal, parcial, injusta, irrazoável e contrária aos interesses da instituição de solidariede social em causa.
A crítica em questão, a que o assistente pretende reagir, poderá não ser justa, acertada ou adequada e nem por isso deixa de ser atípica (ver, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, op. cit., pg. 236). A essa crítica, por muito injusta, hostil ou desagradável que seja, pode o assistente reagir no mesmo plano da discussão livre de ideias, mas fora do âmbito judicial e jurídico-criminal.
Afigura-se-nos que não estamos perante uma conduta não revestida de relevância penal apenas por não atingir um limiar de gravidade no plano do bem jurídico protegido. Nem se trata de uma relevância diminuida pelo contexto socio-cultural em que se enquadram as expressões. Estamos perante um juízo crítico sobre uma atuação determinada do assistente que é atípico.
O douto despacho recorrido não é, pois, merecedor de reparo.
Assim, deverá ser negado provimento ao recurso.

O assistente deverá ser condenado em taxa de justiça (artigo 515.º, n.º 1, b), do Código de Processo Penal e Tabela III anexa ao regulamento das Custas Processuais).

V - Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, mantendo o douto despacho recorrido.

Condenam o assistente em 3 (três) U.C.s de taxa de justiça.

Notifique.
Porto, 19/4/2017
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo