ALCOOLÉMIA
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
Sumário

I – Efectuado exame de detecção de álcool no sangue e pedida a contraprova, esta deve ser realizada em aparelho diferente daquele que foi usado no primeiro exame.
II - A contraprova é uma garantia de defesa do arguido, um meio pelo qual o examinando pode impugnar o resultado apresentado pelo aparelho utilizado no primeiro teste quantitativo. A utilização do mesmo analisador na contraprova não daria quaisquer garantias contra a eventual falta de fiabilidade do aparelho, de cujo resultado o examinando desconfia. Só a utilização de outro aparelho certificado para o efeito poderá confirmar (afastando as eventuais dúvidas), ou não, o resultado anteriormente obtido.
III - Prevalecendo o resultado da contraprova (art.153, nº6, C.E.) e não tendo sido apurado de forma válida esse resultado, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia, razão por que se deve declarar não provada a taxa de álcool no sangue que conste da matéria de facto provada.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. No Processo Sumário nº79/08.7PEOER, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Oeiras, em que é arguido, A… M…, o tribunal, por sentença de 25Março09, decidiu:
“.......
A) Condenar o arguido, A… M…, pela prática dum crime de condução em estado de embriaguês p.p. pelo art.292, nº1, do CP, na pena de 30 (trinta) dias de multa, à taxa diária de 20,00€, perfazendo o montante de €600 (seiscentos euros);
B) Atento o disposto no art.69, nº1, al.a, do C.P., vai o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir por 3 (três) meses;
.....”.

2. Desta decisão recorre o arguido, motivando o recurso com as seguintes conclusões:
2.1 O arguido não vinha condenado por dois crimes rodoviários mas sim por um único crime cometido em 26 de Janeiro de 2008, bem como não tem quaisquer antecedentes criminais, como referido em sentença, pelo que se requer desde já a sua correcção.
2.2 Decidiu o MM° Juiz a quo condenar o arguido em 30 dias de multa , à taxa diária de 20€, bem como à pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses, não tendo atendido para o efeito, e alegado e sede de julgamento, que o resultado da contraprova era ilegal, porquanto sempre assistia ao arguido a possibilidade de requerer análise sanguínea, bem como considerou improcedentes as duas outras questões levantadas sobre a ilegalidade do uso dos alcoolimetros e a aplicação do EMA.
2.3 Não concordamos de todo com a fundamentação do MM° Juiz que alega ser a contraprova válida porque ao arguido sempre assistia a possibilidade de efectuar a análise de sangue se convicto de que não tinha a taxa indicada pelo alcoolimetro. Isto porque:
2.4 aos condutores submetidos a teste de alcoolemia, e como garantia de defesa, podem os mesmos requerer a contraprova, ou por novo exame no ar expirado ou por análise dc sangue (art.153, n°3 do Código da Estrada), valendo para efeitos de condenação a taxa encontrada em contraprova (n°6 do art.153 do C.E).
2.5 O arguido, ora recorrente, inconformado com o resultado do primeiro teste de alcoolemia, cujo valor foi de 1,38g/l efectuado na Esquadra de Carnaxide às 2h32m, no aparelho Dragger, modelo 7110MKII P, com o n° de série Arma-0081,
2.6 requereu a contraprova a qual foi realizada no mesmo aparelho, 19 minutos após o primeiro exame, tendo dado o resultado de 1,24 g/1.
2.7 O art.153, n°6 do Código da Estrada determina que o resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame inicial. Ora,
2.8 o Regulamento de Fiscalização Da Condução Sob a Influência do álcool ou de Substâncias Psicotrópicas vigente, aprovado pela lei n°18/2007, que veio revogar expressamente o regime anterior previsto no Decreto-Regulamentar 24/98, estipula como requisitos essenciais para a realização da contraprova, por novo exame no ar expirado, seja aquela efectuada em aparelho aprovado para o efeito e distinto daquele em que foi realizado o primeiro exame.
2.9 Um destes requisitos não foi respeitado: o segundo teste, a contraprova, foi efectuada exactamente no mesmo alcoolímetro em que foi efectuado o primeiro teste de alcoolemia, como provam os talões juntos a fls 4 dos autos.
2.10 Assim, há que considerar que, ao contrário do pretendido pelo recorrente, a contraprova não foi realizada não podendo prevalecer o resultado da mesma, nem qualquer outro.
2.11 Face ao exposto, não se provou a taxa de alcoolemia, ao contrário do aduzido na sentença, pelo que falta mesmo um dos elementos objectivos condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e art.292, nº1 do Código Penal: a condução de veículo com uma TAS igual ou superior a 1,20 g/l., devendo o arguido, ora recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi acusado.
2.12 O EMA (Erro máximo admissível) tem gerado controvérsia jurisprudencial, como é sabido. No entanto, não podemos deixar de concordar com a posição que defende ser a mergem de erro atendível na fixação da TAS após incluir-se o erro aplicável (Ac. Rel. Lisboa, Proc. 2199/2008-3, de 7 de Maio de 2008, vg);
2.13 Tanto assim é que a Portaria nº1556/2007, ao contrário daquela que revoga, vem fixar os erros máximos admissíveis;
2.14 No presente, o EMA é de 8%, e não 5%, como afirma o MMºJuiz a quo, em sentença, o que – e se a contraprova fosse válida, o que não é, como já foi dito e defendido – numa TAS de 1,24g/l faria com que o arguido não fosse punido por crime mas sim por contra-ordenação, uma vez que a TAS se cifraria com toda a certeza em 1,17g/l;
2.15 Logo, e ao contrário do também expendido, na sentença recorrida, o erro máximo adissível deveria ter sido atendido e o arguido julgado por contra-ordenação e não por crime.
Nestes termos e nos melhores de direito … vem requerer seja o recurso julgado procedente e revogada a sentença, ora em crise, substituindo-a outra que absolva o arguido do crime de condução e estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.° 292°, n.° 1 do C. Penal, fundamento na ilegalidade da contraprova e quentemente na falta de um elemento objectivo do tipo de a taxa de alcoolemia.
Não procedendo a pretensão anterior mais requerer seja a sentença revogada e substituída por outra que atenda ao EMA e seja o arguido julgado por contra-ordenação, porquanto ao aplicar-se o EMA a TAS cifra-se em 1,17g/l.


3. O Ministério Público respondeu, concluindo pelo provimento do recurso, após o que este foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. Neste Tribunal, a Exma. Srª. Procuradora-geral Adjunta, em douto parecer, defende a procedência do recurso.
5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.
6. O objecto do recurso, tal como se mostra delimitado pelas respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação da nulidade da prova sobre a qual assentou a convicção do tribunal em relação ao grau da T.A.S. com que o recorrente conduzia, invocando, ainda, a existência de margens de erro máximo do aparelho usado, que devem ser ponderadas a seu favor.
* * *
IIº A decisão recorrida, no que diz respeito aos factos provados, não provados e respectiva fundamentação, é do seguinte teor:
1. No dia 26 de Janeiro de 2008, às 02.00h. e 51.00 minutos, o arguido A… M…, foi interceptado por elementos da 83ª Esquadra de Carnaxide, quando circulava na Avenida do Forte, em Carnaxide, quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula …….XL, após ter estacionado de forma repentina, em cima do passeio, quando se apercebeu que estava a ocorrer uma operação “STOP”;
2. Foi, então, submetido ao teste de alcoolemia e, ao ser testado no aparelho “DRAGER”, modelo “7110MKIIIP”, com o nº de série “ARMA-0081”, acusou uma taxa de alcoolemia de 1,38 gramas por litro de sangue;
3. O arguido requereu a contra-prova e novamente submetido a exame, no mesmo aparelho, apresentava uma taxa de 1,24 gramas por litro de sangue;
4. O arguido ao ingerir bebidas alcoólicas, de molde a atingir a referida taxa de alcoolemia, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei;
5. O arguido é casado;
6. É gestor, auferindo cerca de 2.500,00€;
7. A mulher é gestora, auferindo cerca de 1.500,00€;
8. Tem 2 filhos;
9. Vive em casa própria e paga de prestação de crédito 1.100,00 €;
10. É licenciado;
11. Nada consta do seu C. R. C.
B) Factos não Provados
Não há.
C) Convicção do Tribunal
A convicção do tribunal, no que aos factos provados respeita, assentou no depoimento do arguido que confessou os factos e no documento de fls.3-A, onde consta a quantidade de álcool com que o arguido conduzia, bem como o talão da contra-prova.
No que respeita à sua condição social e económica nas suas declarações.
Quanto aos seus antecedentes criminais, no C. R. C. junto aos autos a fls. 103.

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IIIº 1. O recorrente pede a correcção de lapsos constantes da sentença recorrida, a fls.141, onde é referido em C, que vem acusado da prática de dois crimes e a fls.144, onde se refere no parágrafo 7 que já tinha respondido por crime rodoviário.
Tratam-se de lapsos manifestos, na fundamentação jurídica da sentença, sem qualquer reflexo na parte decisória, decorrendo do relatório e do dispositivo que o arguido foi acusado de um único crime, pelo qual foi condenado e do factualismo provado que, tal como consta do documento de fls.103, não sofrera qualquer condenação anterior.
Não importando modificação do decidido, impõe-se a correcção daqueles lapsos, nos termos do art.380, nº1, al.b, e nº2, do CPP.

2. Na sequência de acção de fiscalização do trânsito por agente da autoridade, o recorrente sujeitou-se a exame realizado mediante utilização de aparelho aprovado para o efeito, que acusou uma TAS de 1,38g/l, com a qual não se conformou, requerendo a realização da contraprova, como lhe permitia o nº2, do art.153, do C.E.
A contraprova realizou-se no mesmo aparelho, como decorre do auto de notícia de fls.5 e v., acusando uma TAS de 1,24g/l, elemento probatório em que o tribunal recorrido se apoiou para concluir que o arguido conduzia com essa taxa.
O recorrente questiona a validade da prova, defendendo que a contraprova teria de ser realizada em aparelho diferente do usado no primeiro exame.
A questão não é nova e já foi objecto de algumas decisões jurisprudenciais (cfr. Ac. da Rel. de Guimarães, de 28/04/2008, in CJ 2/08, pág. 303, Ac. Rel. do Porto de 9/2/09, Proc. 081579 (citado e transcrito no douto parecer do MP neste Tribunal), Ac. da Rel. de Coimbra de 18/02/09, Proc. 166/08.1PAPBL.C1 e Ac. da Rel. de Lisboa de 22/04/09, Proc. n.º 148/06.8SCLSB, todos eles no mesmo sentido de que a contraprova tem de ser efectuada em aparelho diferente daquele que foi utilizado no primeiro teste quantitativo; em sentido contrário – de que pode ser efectuada no mesmo aparelho – pode consultar-se o Ac. de 21/05/09 da 9.ª Secção desta Rel. de Lisboa, proferido no Proc. n.º 60/08.6GCSSB).
Propendemos para a primeira solução, como foi decidido no Ac. desta Secção de 16Jun.09, proferido no processo nº974/08.3SFLSB.L1 (Relator José Adriano), em que o relator deste acórdão interveio como adjunto.
É certo que no art.3, do Dec. Regulamentar n.º 24/98 de 30/10 – diploma que até há pouco tempo regia a matéria – estava expressamente prevista a possibilidade de ser utilizado o mesmo analisador para a contraprova, ainda que a título excepcional e sob a condição de não ser possível recorrer a outro aparelho no prazo de quinze minutos após o primeiro teste.
Com a aprovação do novo Regulamento de Fiscalização da Condução Sob Influência do Álcool ou Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº18/07, de 17/05, deixou de existir norma idêntica àquele art.3, dispondo o actual art.3, do novo regulamento que “os métodos e equipamentos previstos na presente lei e disposições complementares, para a realização dos exames de avaliação do estado de influenciado pelo álcool, são aplicáveis à contraprova prevista no nº3 do art.153, do Código da Estrada”.
No n.º 3 deste art. 153, dispõe-se que:
“3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:
a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
b) Análise de sangue.
4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado.”

Na citada alínea a) do nº3, não se menciona expressamente que o novo exame tenha de ser feito em aparelho diverso do utilizado no primeiro exame, exigindo apenas que seja utilizado “aparelho aprovado”. Exigência que não fará muito sentido caso se entenda que a contraprova possa ser feita no mesmo aparelho utilizado no primeiro exame, o qual pressupõe ser um “aparelho aprovado”.
Daquela alínea só se pode tirar uma conclusão, porque é esse o único sentido da norma: tal como no primeiro teste quantitativo, também na contraprova só podem ser utilizados aparelhos previamente aprovados.
A revogação da anterior norma do art.3, nº1, do Dec. Reg. 24/98, conjugada com o teor do actual nº 4 do art. 153, do CE conduzem-nos à conclusão de que o legislador quis arredar de vez aquela situação excepcional em que podia ser utilizado o mesmo aparelho na contraprova, passando a observar-se sempre a regra, agora sem excepções: a contraprova tem de ser efectuada num outro aparelho, também aprovado.
A não ser assim, não se compreenderia, ainda, a alusão da parte final daquele nº4, onde se diz que o examinando será conduzido, se necessário, “a local onde o referido exame possa ser efectuado”. Se na contraprova pudesse ser utilizado o mesmo aparelho que havia sido utilizado no primeiro teste, nunca seria necessária a deslocação a outro local, pois o aparelho estava ali, no local do exame.
A contraprova é uma garantia de defesa do arguido, um meio pelo qual o examinando pode impugnar o resultado apresentado pelo aparelho utilizado no primeiro teste quantitativo. A utilização do mesmo analisador na contraprova não daria quaisquer garantias contra a eventual falta de fiabilidade do aparelho, de cujo resultado o examinando desconfia. Só a utilização de outro aparelho certificado para o efeito poderá confirmar (afastando as eventuais dúvidas), ou não, o resultado anteriormente obtido.
A mesma solução decorre da Lei nº18/07, de 17Maio (Aprova o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas) que manda aplicar à contraprova o previsto no nº3, do art.153, do C.E., prevendo no nº1, do seu art.2, um intervalo não superior a trinta minutos entre os dois testes, nessa parte tendo alargado o prazo de quinze minutos previsto na art.3, nº1, do Dec. Reg. nº24/98, de 30Out., o que, na leitura do Ac. da Rel. de Coimbra de 8Out.08, citado no Ac. da mesma Relação de 17Dez.08 (C.J. ano XXXIII, tomo 5, pág.52, “…veio facilitar a utilização de um segundo aparelho que não se encontre no local”.
Como referimos, na contraprova pedida pelo arguido com recurso a novo exame ao ar expirado, foi utilizado o mesmo aparelho que havia sido utilizado no primeiro teste quantitativo, não estando demonstrada a impossibilidade de o arguido ser de imediato conduzido a local onde o exame de contraprova pudesse ser realizado em diferente aparelho.
Nessa conformidade, o segundo exame realizado violou o disposto no art.153, nºs3 al. a) e 4, do CE, não podendo valer como contraprova.
Assim, ao contrário do que pretendia o arguido, não se realizou contraprova.
Prevalecendo o resultado desta (art.153, nº6, C.E.) e não tendo sido apurado de forma válida o respectivo resultado, há que concluir que não ficou provada a TAS com que o arguido conduzia, razão por que se declara não provada a taxa de álcool no sangue que consta da matéria de facto provada.
Na sequência de tal alteração fáctica, não se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao arguido, impondo-se a sua absolvição, como defende o Exmo. PGA no seu douto parecer.
Estão prejudicadas as outras questões suscitadas pelo recorrente.
* * *
IVº DECISÃO:

Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, dando provimento ao recurso, acordam:
a) Em rectificar a sentença recorrida, nos sobreditos termos;
b) Em absolver o arguido, A... M..., do crime por que foi acusado nestes autos;
c) Sem tributação;

Lisboa, 13 de Outubro de 2009

Relator: Vieira Lamim
Adjunto: Ricardo Cardoso