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MARCAS
USO
FALTA
CADUCIDADE
REGISTO DE MARCA
Sumário
I – O titular do registo de uma marca tem não só o direito de a usar mas também o dever de a usar. II – A declaração da intenção de uso da marca não inibe qualquer interessado de invocar o não uso da marca para obter a caducidade do respectivo registo. III – Recairá sobre o titular do registo o ónus de provar o uso da marca. IV - O titular do registo de uma marca deve proceder ao seu uso sério, ou seja, ao seu uso efectivo, em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca. (JL)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Em 18.3.2005 B... interpôs no Tribunal de Comércio de Lisboa recurso contra a decisão proferida pelo vogal do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que, em 13 de Janeiro de 2005, a requerimento da interessada C..., declarou a caducidade do registo da marca “K...”.
Em síntese, e com interesse para o presente recurso, alegou que por despacho exarado em 21.6.1990 foi deferido o pedido de registo da marca “K...” em nome do recorrente, para assinalar produtos inseridos na Classe 33.ª da classificação internacional – vinhos, aguardentes e licores. Em 31.3.1995 e em 1.6.2000 o recorrente apresentou ao INPI a declaração de intenção de uso da marca “K...”. Em 20.3.2000 a então mulher do recorrente, a supra referida C..., registou em seu nome, com o consentimento do marido, a marca “Casa do K...”, destinada a assinalar produtos inseridos na classe 33.ª. Em 07.7.2004, na pendência de acção de divórcio entre o ora recorrente e a recorrida, a mulher do recorrente apresentou ao INPI o pedido de declaração da caducidade da marca “K...”, com fundamento no facto de não ser usada há mais de 15 anos. Pese embora a oposição deduzida pelo ora recorrente, em 13.01.2005 o INPI declarou a caducidade da marca “K...” por considerar não ter sido demonstrado o uso sério de tal marca nos cinco anos anteriores à apresentação do pedido de caducidade, formulado em 7 de Julho de 2004. Ora, a marca “K...” nunca esteve sem um uso sério e efectivo durante cinco anos consecutivos. Em primeiro lugar, foram apresentadas em tempo as declarações de intenção de uso da marca, pelo que se presume que a marca vem sendo regularmente usada. Em segundo lugar, porque desde 1998 até 2005 que a única aguardente vínica velha produzida pela Casa Agrícola do K... é comercializada sob a marca “K...”, sendo tal aguardente vendida a diversas entidades ao longo dos anos de 1999 a 2004, inclusive à própria requerente da marca da caducidade da marca e a pessoas que declararam que desconheciam a existência da marca. A marca consta em revistas especializadas e em catálogos de várias empresas desde 1999 e é vendida por essas empresas aos seus clientes desde 1999 até à presente data. Aliás, foi a própria requerente do pedido de caducidade da marca “K...” a reconhecer, alguns meses antes de formular o pedido de declaração de caducidade, que a marca “K...” estava a ser utilizada de forma ilegal. Mesmo que por mera hipótese não tivesse havido um uso sério da marca “K...” durante cinco anos consecutivos, tal uso já teria sido reatado muito antes da apresentação do pedido de caducidade, pelo que a declaração de caducidade violaria o disposto no n.º 4 do art.º 269.º do CPI.
O recorrente terminou pedindo que o recurso fosse julgado procedente e consequentemente fosse revogada a decisão que declarou a caducidade da marca “K...”, com as legais consequências.
O recorrente juntou documentos com a petição de recurso.
O INPI remeteu o processo administrativo para apensação.
A recorrida C... respondeu ao recurso, alegando, na parte que ora releva, que entre 7 de Julho de 1999 e 7 de Julho de 2004 não houve de facto um uso da marca “K...”, conforme decorre das declarações apresentadas pela recorrida no processo que correu perante o INPI. Tais declarações não são desmentidas pelas declarações juntas pelo recorrente, pois nelas vê-se que os seus autores atribuem a titularidade da marca “K...” à recorrida, confundindo-se o uso dessa marca com a da marca “Casa de K...”, de que a recorrida é a titular e que efectivamente explora. Assim, a marca “K...” não tem existência autónoma nem é reconhecida como tal pelo público ou pelos comerciantes. Só nos últimos três meses antes do pedido efectuado pela recorrida para declaração de caducidade da marca “K...” é que o recorrente resolveu iniciar o processo de engarrafamento e armazenagem de vinhos, designadamente espumantes e aguardente, o que revela que não foi retomado o uso efectivo e real da marca, antes se pretendeu evitar o resultado extinção da mesma. Assim, a decisão recorrida foi legal.
A recorrida concluiu pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão que declarou a caducidade da marca “K...”.
Em 28.4.2008 foi proferida sentença em que se concedeu provimento ao recurso e consequentemente foi revogado o despacho recorrido.
A recorrida apelou da sentença e apresentou alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I. O direito à marca "K..."foi declarado caduco pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, uma vez que o titular daquela marca não vinha fazendo um uso sério daquela marca há mais de cinco anos consecutivos.
II. Por sentença de 28 de Abril de 2008, foi revogada a declaração de caducidade do registo da marca nacional n° ... "K...".
III. A marca é um sinal distintivo dos produtos ou serviços comercializados por um empresário ou empresa e propostos ao consumidor destinada a identificar a proveniência de um produto ou serviço. Em consequência dessa aproximação aos consumidores, poderemos afirmar que a marca tem ainda uma função de garantia para aqueles, que passam a associá-la, a um certo padrão de qualidade, criando uma goodwill, que condiciona as suas aquisições, com vantagem para o seu titular.
IV. A concessão do registo de uma marca dá ao seu titular o direito de usar exclusivamente esse signo relativamente aos produtos e serviços para os quais foi registado, direito que lhe permite obstar a que um terceiro use uma marca semelhante ou igual para produtos idênticos ou afins, interferindo assim com a liberdade de concorrência, pelo que existem limitações dos direitos que decorrem do registo, nomeadamente a caducidade.
V. Para obstar à caducidade do direito à marca o titular deverá fazer um uso sério desse sinal, sendo que quando o titular da marca que não faz uso desse sinal durante cinco anos ininterruptamente pode ver o seu direito declarado caduco.
VI. O uso sério da marca deverá ser entendido como a exigência da existência de um uso economicamente relevante por parte do titular do direito à marca.
VII. Couto Gonçalves define como uso sério «o uso efectivo e real, através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva», acrescentando que «um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes (neste último caso não esquecendo a dimensão da empresa e o tipo de produto ou serviço) não parece preencher o referido requisito de uso efectivo» (in Direito de Marcas, Almedina, p. 176, n. 405).
VIII. Constam dos autos uma cópia da folha de uma revista da qual consta a data de Dezembro de 1999 e na qual é reproduzida uma fotografia de uma garrafa e respectiva embalagem nas quais está aposta a palavra "K..." com a legenda Aguardente Velha Casa de K....
IX. Desde logo, note-se a confusão entre as marcas, “K...”" aposta na garrafa e "Casa de K..." inscrita na legenda do produto. Por esta razão, e porque o titular da marca "K..." já não faz o uso sério da marca, e é do interesse da ora recorrente obstar a esta confundibilidade entre marcas.
X. Para além disso, e salvo melhor opinião, aquele exemplo não pode ser considerado como uso sério da marca, porquanto trata-se de um artigo de opinião, onde se faz uma avaliação de vários produtos semelhantes. Trata-se apenas de um comentário a um produto que entrou no mercado, mas cuja crítica, por uma revista especializada, não significa que naquela data ainda se encontrasse à venda aqueles produtos, e mesmo que se encontrasse seria por actividade anterior do titular da marca.
XI. Na verdade este acto não se trata de uma qualquer actividade do seu titular, e não se pode dizer que existe um uso sério da marca, a partir deste facto isolado, que nem sequer dependeu da actuaçãodo seu titular,
XII. e a partir do qual não existe mais qualquer registo de utilização da marca “K...”.
XIII. Ao contrário do que consta da Sentença em crise, e salvo melhor opinião, o prazo de caducidade, não pode ser apurado a partir do dia em que é apresentado o pedido de declaração de caducidade da marca.
XIV. Entendeu o Meritíssimo Juiz, na sentença que antecede que: "Não podemos deixar de ter aqui em consideração que os cinco anos a considerar para o efeito da declaração de caducidade se contam partir da data em que foi pedida a caducidade, ou seja, a partir de 14 de Julho de 2004. (….) não usou a marca entre 14 de Julho de 1999 e 14 de Julho de 2004"
XV. Esta determinação estanque do prazo de caducidade do direito à marca, não tem qualquer fundamento legal, muito pelo contrário. Se esse fosse o entendimento o artigo 268.º n.º 4 não faria qualquer sentido, uma vez que aquele prevê a possibilidade de reatamento do uso sério da marca, nos três meses posteriores, aos 5 anos de não uso ininterrupto,
XVI. Para além disso é difícil para o interessado saber com precisão a data em que o titular de outra marca efectivamente deixa de a utilizar, cabendo ao juiz da causa perante os factos determinar esse prazo, mas que não será de forma estanque, mas sim depois da apreciação dos factos para balizar temporalmente a inactividade do titular da marca.
EXISTEM AINDA,
XVII. nos autos existem sete cópias de facturas emitidas entre 11 e 12 de Maio de 2004 pela Sociedade..., Lda., nas quais é referida a venda de "K... Tinto Reserva 2001” e uma cópia de uma venda a dinheiro emitida em 26 de Maio de 2004 pela Sociedade QB, Lda. em nome de Sociedade..., Lda., na qual se refere a venda de "K... Vinho Tinto Reserva".
XVIII. Resulta provado também que o titular da marca "K...": "(...) declarou, em documento escrito datado de 31 de Maio de 2004, autorizar a Sociedade QB, Lda. a utilizar a marca "K...", no vinho espumante Super reserva bruto natura 2000, sendo a sua comercialização pela sociedade ..., Lda."
XIX. Estes actos isolados, concentrados em poucos dias, economicamente pouco relevantes e sem continuidade, não são passíveis nos termos do artigo 268.°, n° 4 de fundamentar a não declaração de caducidade da marca.
XX. Na verdade, não estamos perante qualquer reatamento da utilização da marca, estamos sim perante actos isolados, levados a cabo pelo titular da marca em crise, que tentou obstar à declaração de caducidade, mesmo tendo o prazo de cinco anos ininterruptos de não uso da marca já ter sido ultrapassado.
XXI. Quando se dá o reatamento da utilização da marca, se assim se poderá designar aqueles actos isolados e dado à dimensão do produtor, absolutamente irrelevantes, e o que só se considera por dever de patrocínio, o titular da marca encontrava-se em processo de divórcio com a sua ex-mulher, e ora recorrente, C.....
XXII. Esta é titular da marca "Casa de K...a", que o casal vinha utilizando com regularidade, em detrimento da utilização da marca "K...", e porque seria passível de criar confusão no consumidor médio, minimamente advertido, a utilização simultânea das duas marcas, eram conhecidas as intenções da recorrente de pedir a caducidade da marca "K...",
XXIII. Daí a prática daqueles actos isolados.
XXIV. Temos assim, no caso concreto, de atender ao que prescreve o artigo 269.°, n° 4, que remete para o artigo 268,n° 4 do CPI.
XXV. O registo de uma marca não caduca se, antes de requerida a declaração de caducidade, já tiver sido iniciado ou reatado o uso sério da marca, no entanto quando esse reatamento se situa três meses anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não é contudo, tomado em consideração as diligências, pois só ocorreram depois do titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.
XXVI. Não existe nos autos qualquer prova que possa obstar à declaração de caducidade, uma vez que o Sr. B..., não foi capaz de provar que utilizou a marca e que não esteve cinco anos ininterruptamente a não utilizar a marca, apesar de o ónus da prova impender sobre ele, nos termos da lei,
XXVII. ao contrário do que entendeu a douta sentença, uma vez que a presunção de uso da marca, decorrente da declaração de intenção de uso, e esta foi elidida com a declaração de caducidade do direito à marca, pelo órgão competente, pelo que para obstar a essa declaração de caducidade o titular da marca terá de provar, junto dos autos, que de facto usava seriamente a marca, o que não aconteceu no caso concreto.
XXVIII, Por estas razões e porque não se encontra provado nos autos, a utilização séria da marca pelo seu titular, a declaração de caducidade do direito à marca, declarada pelo I.N.P.I deve ser declarada válida,
XXIX. e consequente deve ser declarado caduco o direito de utilização da marca "K...", pelo seu titular, o Sr. B....
A apelante terminou pedindo que a sentença recorrida seja revogada.
O apelado contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1.ª Salvo o devido respeito, o presente recurso carece de qualquer fundamento, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.
Senão vejamos.
2.ª A caducidade de uma marca só pode ser declarada se esta não for objecto de um uso sério durante cinco anos consecutivos - Américo da Silva Carvalho, Direito deMarcas, Coimbra Editora, 2004, págs 530 e ss , sendo que, de acordocom o n° 4 do art.º 268.º do CPI, ",..o início ou o reatamento do uso sério nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não é, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.", beneficiando o titular da marca de uma presunção legal de uso sério da marca desde que haja apresentado atempadamente as declarações de intenção de uso.
3ª Tal comobem refere o aresto em recurso, "...o uso da marca não é um elemento constitutivo do direito mas sim uma limitação ao mesmo (cfr. Couta Gonçalves, op. Cit., p. 176). E tanto assim é que mesmo não usando a marca durante cinco anos o registo não caduca se quando for pedida a caducidade já tiver sido iniciado ou reatado o uso sério da marca (art. 216º,n.º 8).".
4ª Este raciocínio encontra-se devidamente sustentado em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, em acordão de 24/10/2002 entendeu que "...Daleitura sequencial de todos os números do artigo 195do CPI resulta claramente que a presunção é só uma - a de que se presume o não uso da marca se o respectivo titular não fizer, de cincoem cinco anos a contar do registo, a apresentação no INPI da declaração de intenção de uso (n° 1) [...] Se a caducidade do registo (por falta de apresentação da declaração de intenção do uso) não tiver sido pedida ou declarada, então é que o titular da marca poderá fazer prova do uso - ilidir a presunção, portanto -, considerando-se o registo em pleno vigor. É o que prescreve, com toda a linearidade, o n° 4 do artigo 195. O registo considerar-se-â renovado mesma sem a prova do uso." v. Ac. STJ de 24/10/2002, proc. n° 02B2488, www.dgsi.pt.
5ª Assim sendo, é inquestionável que a mera declaração de intenção do uso, apresentada nos prazos legais, é suficiente para conceder ao titular da marca a aparência do uso sério da mesma, não necessitando de fazer qualquer prova concreta de que esse uso é efectivo e real, cabendo aos demais interessados ilidir tal presunção medir te a prova do não uso.
Sucede, porém que,
6ª Na verdade, a marca "K..." está registada desde 1990, tendo sido apresentadas as declarações de intenção de uso nos prazos previstos na lei (1995 e 2000), presumindo-se assim o seu uso sério (v., neste sentido, José Mota Maia, Propriedade Industrial, Almedina, 2005, pág. 403 e ainda o no 4 do art° 256° do CPI), pelo que cabia à recorrente demonstrar que aquela marca não fora objecto de uso sério e ilidir a presunção de que beneficiava o recorrido, o que não logrou fazer - v. a matéria de facto provada pelo aresto em recurso, vg., o ponto 10 da mesma -, pelo que andou o aresto em recurso ao assim ter considerado, não merecendo qualquer censura.
7ª Note-se que, como bem refere o aresto em recurso, a recorrente não alegou e muito menos provou, no que toca aos actos de uso sério praticados em Maio de 2004, que o recorrido sabia que ia ser efectuado o pedido de caducidade ou que esse pedido poderia vir a ser efectuado, pelo que falhou claramente na demonstração dos pressupostos legais previstos no nº 4 do artº 268° do CPI - e que poderiam invalidar para os devidos efeitos os actos praticados nos três meses anteriores ao pedido de caducidade da marca -, sendo assim inquestionável que a recorrente não logrou ilidir a presunção de que beneficia o recorrido, não merecendo o aresto em recurso qualquercensura.
8ª Nem se diga, como o faz a recorrente, que o prazo de cinco anos a que se refere o artº 268º, n° 4 CPI não se contabiliza a partir da data da declaração de caducidade, pois esse é o facto material essencial que despoleta a aplicação própria norma, já que, se assim não fosse, não haveria qualquer referência para se contabilizar o período de três meses a que a norma alude.
9ª Aliás, o n° 1 do artº 269° do CPI impõe que a caducidade da marca seja declarada volvidos cinco anos consecutivos após o seu não uso sério, pelo que a declaração de caducidade da marca a pedido de um qualquer interessado é inquestionavelmente um plus estabelecido por lei em relação àquele dever, e é a partir desse pedido de caducidade que deve necessariamente contabilizado o prazo de cinco anos a que alude o n° 4 do artº 268º do CPI.
Acresce ainda que,
10ª Desde 1998 até 2005, a única aguardente vínica velha produzida pela Casa Agrícola do K... é comercializada sob a marca "K...", sendo tal aguardente vendida a diversas entidades ao longo dos anos 1999 a 2004, inclusive à própria recorrida e a outras entidades que haviam declarado desconhecer a existência da marca, constando em revistas especializadas e em catálogos de várias empresas desde 1999 - v. a matéria de facto provada pelo aresto em recurso.
10ª Aliás foi a própria recorrente a reconhecer, alguns meses antes de formular o pedido de declaração de caducidade, que a marca “K...” estava a ser utilizada de forma ilegal (v. docs. juntos ao processo), pelo que é verdadeiramente caricato como pode a recorrente afirmar que aquela marca não foi objecto de uso sério quando é a própria a confirmar que aquela marca estava a ser objecto de uso.
11ª Todos esses actos foram realizados num período bem anterior ao do pedido de declaração de caducidade da marca "K...", pelo que, e só por este motivo, era manifesta a falta de razão da ora recorrente, o que teria de levar (e levou) à procedência do recurso da decisão do INPI.
12a Mesmo que por mera hipótese não tivesse havido um uso sério da marca por cinco anos consecutivos - e tal hipótese está descartada em face da prova feita nos autos -, sempre seria inegável que muito antes da apresentação do pedido de caducidade já tinha sido reatado o uso sério da marca "K...”, pelo que sempre a caducidade desta marca decretada pelo INPI violaria frontalmente o disposto no n.º 4 do artº 269º do CPI.
Consequentemente,
13a Resulta inequivocamente de toda a matéria de facto provada que não só a recorrente não logrou ilidir a presunção de que beneficiava o recorrido por força da apresentação das declarações de intenção de uso da marca, como também ficou demonstrado que o recorrido praticou nos cinco anos anteriores ao pedido de declaração de caducidade actos que revelam claramente o uso sério da marca, pelo que bem andou o arresto em recurso, nãomerecendo qualquer censura.
O apelado terminou pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, com as legais consequências.
Foram colhidos os vistos legais. FUNDAMENTAÇÃO
A questão a apreciar nestes autos é se deve ser considerado caducado o direito à marca “K...”, pelo respectivo titular não fazer da marca um uso sério há mais de cinco anos consecutivos.
O tribunal a quo deu como provado e esta Relação aceita a seguinte Matéria de Facto
1 - Por despacho datado de 26 de Junho de 1990 o I.N.P.I. concedeu o registo da marca nacional n° ... "K..." destinada a assinalar: "vinhos, aguardentes e licores" (fls. 11 proc. administrativo).
2 - Em 1 de Março de 1995 foi apresentada declaração de intenção de uso da marca referida em 1) (fls. 15 proc. administrativo).
3 – Em 1 de Junho de 2000 foi apresentada declaração de renovação da marca referida em 1) (fls. 16 proc. administrativo).
4 - Em 13 de Fevereiro de 2004 foi efectuado um pedido de alteração do lettering da marca referida em 1), pedido que foi deferido por despacho de 5 de Abril de 2004 (fls. 19 proc. administrativo).
5 - Em 14 de Julho de 2004 C... pediu a declaração de caducidade da marca referida em 1) invocando falta de uso sério (fls. 21 proc. administrativo).
6 - Por despacho de 13 de Janeiro de 2005 o Sr. Vogal do Conselho de Administração do I.N.P.I., por delegação de competências, declarou a caducidade da marca supra referida (fls. 1 proc. administrativo).
7 - A ora recorrida juntou ao processo administrativo cinco documentos datados de Abril e Maio de 2004, intitulados de "Declaração", atestando o desconhecimento no mercado da marca "K..." e o conhecimento desde 1990 de vinho comercializado com a marca "Casa de K..." (fls. 51 a 55 do proc. administrativo).
8 - Tais documentos vêm carimbados e devidamente assinados por (fls. 51 a 55 proc. administrativo):
- Garrafeira 5 Estrelas de D..., Aveiro;
- R... - Restaurante, Aveiro;
- E...., Lda, Serzedo;
- F..., S.A., Cacia;
- Restaurante G..., Lda, Coimbra;
9 - O requerido juntou aos autos seis documentos datados de Fevereiro de 2005, intitulados de "Declaração", atestando que a única Aguardente Vínica velha da produção da Casa Agrícola de K..., lda. e posteriormente de C.... é a que apresenta o sinal "K..." e que não conhece aos referidos produtores outra Aguardente Vínica Velha (doc. fls. 25 a 30).
10 — Tais documentos vêm carimbados, quando emitidos por pessoas colectivas, e devidamente assinados por (fls. 25 a 30):
- G..., Sangalhos;
- H..., Cascais;
- I..., Sangalhos;
- J..., Malaposta;
11 – O recorrente juntou aos autos:
a) três cópias de facturas emitidas entre 21 de Dezembro de 1998 e 30 de Junho de 1999 pela sociedade Casa Agrícola de K..., Lda., das quais consta a venda de um produto denominado "Gfs. Aguardente Vínica Velha"" (doc. fls. 31 a 33).
b) oito cópias de facturas emitidas entre 8 de Dezembro de 2000 e 12 de Janeiro de 2004 pela sociedade Casa Agrícola de K..., Lda., das quais consta a venda de Aguardente Vínica Velha e Aguardente Velhíssima sem qualquer referência ao nome da mesma (doc. fls. 34 a 41);
c) cópia de uma revista da qual consta a data de Dezembro de 1999 e na qual é reproduzida uma fotografia de uma garrafa e respectiva embalagem nas quais está aposta a palavra "K..." com a legenda Aguardente Velha Casa de K... (doc. fls. 43);
d) duas cópias de vendas a dinheiro datadas de Janeiro e Fevereiro de 2004 , emitidas pela sociedade G..., Lda., na qual se refere a venda do produto "Ag C. K..." (doc. fls. 46 e 47);
e) sete cópias de facturas emitidas entre 11 e 12 de Maio de 2004 pela sociedade ..., Lda., nas quais é referida a venda de "K... Tinto Reserva 2001" (doc. fls. 54 a 65);
f) cópia de uma venda a dinheiro emitida em 26 de Maio de 2004 pela sociedade QB, Lda. em nome de Sociedade..., Lda., na qual se refere a venda de "K... Vinho Tinto Reserva" (doc. fls.66).
12 – B... declarou, em documento escrito datado de 31 de Maio de 2004, autorizar a sociedade QB, Lda. a utilizar a sua marca K... no vinho espumante Super Reserva Bruto Natural 2000 sendo a sua comercialização pela sociedade..., Lda.
13 – C... enviou uma carta datada de 30 de Março de 2004 à sociedade QB Lda., cuja cópia se mostra junta a fls. 48 e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido (doc. fls. 48).
14 – C... é titular da marca nacional n° ... "CASA DE K...", pedida em 19 de Julho de 1999 e concedida por despacho de 26 de Março de 2000, destinada a assinalar na classe 33a "Bebidas alcoólicas, com excepção de cerveja, incluindo vinhos espumantes e aguardentes" (doc. fls. 40 do proc. administrativo).
15 - No dia 23 de Junho de 1999 B... declarou autorizar C... a pedir e registar a marca "CASA DE K..." (doc. fls. 42 do proc. administrativo).
16 – C... e B... casaram entre si no dia 8 de Setembro de 1979, sem convenção antenupcial (doc. fls. 126).
17 - Tal casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 22 de Junho de 2004 (doc. fls. 126).
18 - Encontram-se no proc. administrativo rótulos de vinhos "Casa de K..." e de vinhos "K..." (fls. 89 a 102 e 157 a 161 do proc. administrativo). O Direito
O processo administrativo que culminou com a declaração de caducidade da marca titulada pelo apelado teve o seu início em 14 de Julho de 2004. Por outro lado o prazo de caducidade da marca ter-se-á, alegadamente, completado em 2004. Assim, o caso vertente regula-se, tanto do ponto de vista processual como substantivo, pelo Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 36/2003, de 5 de Março, o qual entrou em vigor em 1 de Julho de 2003 (art.º 12.º n.º 1 do Código Civil), sendo certo que o prazo de caducidade em questão (falta de uso sério da marca durante cinco anos consecutivos) não sofreu alterações em relação ao que era previsto pelo CPI anterior (art.º 216.º n.º 1 alínea a) do CPI aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro; art.º 297.º do Código Civil). Tal foi, de resto, o entendimento tanto do INPI como do tribunal recorrido.
A marca é um sinal distintivo dos produtos ou serviços de uma empresa, destinado e adequado a distingui-los dos de outra empresa (cfr. art.º 222.º do CPI).
O registo da marca confere ao seu titular o direito exclusivo de usar a marca nos produtos ou serviços a que se destina e o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de a usar em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca foi registada, se desse uso resultar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (artigos 228.º e 258.º do CPI).
Porém, o titular da marca tem não só o direito de a usar mas também o dever de a usar, sob pena de violação do princípio geral da lealdade de concorrência (Couto Gonçalves, “Manual de direito industrial: patentes, marcas, concorrência desleal”, Almedina, 2005, pág. 320). Conforme escreve o Professor Oliveira Ascensão, citado na sentença recorrida, “os direitos industriais não servem para jogos especulativos, para meras reservas de lugar, mas têm contrapartida no desempenho de uma função socialmente útil” (Direito Comercial, vol. II, Lisboa, páginas 180 e 181).
O não uso da marca acarreta diversas sanções, entre as quais avulta a declaração de caducidade da marca (art.º 269.º n.º1 do CPI).
A obrigatoriedade do uso da marca foi expressamente consagrada, ao nível comunitário, na Directiva do Conselho, de 21.12.1988 (89/104/CEE), que visou a harmonização das legislações do Estados-membros em matéria de marcas. No respectivo artigo 10.º n.º 1 determinou-se que “se, num prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo do registo, a marca não tiver sido objecto de uso sério pelo seu titular, no Estado-membro em questão, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspenso durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita às sanções previstas na presente directiva, salvo justo motivo para a falta de uso.”
No art.º 12.º da Directiva, sob a epígrafe “motivos de caducidade”, estipulou-se, no n.º 1, o seguinte:
“O registo de uma marca fica passível de caducidade se, durante um período ininterrupto de cinco anos, não tiver sido objecto de uso sério no Estado-membro em causa para os produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para o seu não uso; contudo, ninguém poderá requerer a caducidade do registo de uma marca se, durante o intervalo entre o fim do período de cinco anos e a introdução do pedido de caducidade, tiver sido iniciado ou reatado um uso sério da marca; o início ou o reatamento do uso nos três meses imediatamente anteriores à introdução do pedido de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não será, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser intoduzido um pedido de caducidade.”
A obrigação do uso da marca sob pena de caducidade foi justificada no oitavo considerando do preâmbulo da Directiva com a finalidade de “reduzir o número total de marcas registadas e protegidas na Comunidade e, por conseguinte, o número de conflitos que surgem entre elas”.
O Código de Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro, integrou no seu seio normas destinadas a cumprir a aludida Directiva (art.º 216.º).
Também o actual CPI tem em conta o aludido instrumento comunitário.
Assim, no n.º 1 do art.º 269.º estipula-se que “a caducidade do registo deve ser declarada se a marca não tiver sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos, salvo justo motivo e sem prejuízo do disposto no n.º 4 e no artigo 268.º”
O n.º 4 do art.º 269.º estabelece que “o registo não caduca se, antes de requerida a declaração de caducidade, já tiver sido iniciado ou reatado o uso sério da marca, sem prejuízo do que se dispõe no n.º 4 do artigo anterior.”
Note-se que, nos termos do n.º 2 do art.º 37.º do CPI, esta causa de caducidade do registo da marca apenas produz efeitos se for invocada por qualquer interessado.
O n.º 4 do art.º 268.º dispõe que “o início ou o reatamento do uso sério nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, não é, contudo, tomado em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.”
O prazo de caducidade inicia-se com o registo da marca (n.º 5 do art.º 269.º).
Os pedidos de declaração de caducidade são apresentados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (n.º 1 do art.º 270.º).
Nos termos do n.º 2 do art.º 270.º, “estes pedidos podem fundamentar-se em qualquer dos motivos estabelecidos nos n.ºs 1 a 3 do artigo anterior, ou que indiciem a falta de uso de marca e a sua não oponibilidade em relação a terceiros”.
O motivo estabelecido no n.º 1 do ora referido artigo 269.º é, como se viu supra, o facto de a marca não ter sido objecto de uso sério durante cinco anos consecutivos. Quanto à parte final do n.º 2 do art.º 270.º, em que se refere como fundamento da declaração da caducidade do registo da marca “motivos (…) que indiciem a falta de uso de marca e a sua não oponibilidade em relação a terceiros”, tem-se em vista, nomeadamente, situações em que o titular da marca não procedeu à declaração de intenção de uso da mesma (neste sentido, Luís Couto Gonçalves, obra citada, pág. 319; Jorge Cruz, Código da Propriedade Industrial, Lisboa 2003, Edição-Pedro Ferreira, pág. 658).
Com efeito, nos termos do n.º 1 do art.º 256.º do CPI, “de cinco em cinco anos, a contar da data do registo, salvo quando forem devidas as taxas relativas à renovação, deve ser apresentada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial uma declaração de intenção de uso da marca.”
Essa declaração deve ser apresentada “no prazo de um ano, que se inicia seis meses antes e termina seis meses após o termo do período de cinco anos a que respeita” (n.º 2 do art.º 256.º).
A falta da referida declaração terá como efeito que a marca não será oponível a terceiro, “sendo declarada a caducidade do respectivo registo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a requerimento de qualquer interessado, ou quando se verifique prejuízo de direitos de terceiros no momento da concessão de outros registos” (n.º 3 do art.º 256.º).
Porém, “se não tiver sido pedida nem declarada a caducidade do registo, este é novamente considerado em pleno vigor desde que o titular faça prova de uso da marca” (n.º 4 do art.º 256.º).
As declarações de intenção de uso da marca foram introduzidas no nosso direito pelo Decreto-Lei n.º 176/80, de 30 de Maio (cujo artigo 1º estipulava que “de cinco em cinco anos, salvo quando forem devidas as taxas relativas à renovação do registo, os titulares dos registos de marcas deverão apresentar uma declaração de uso da sua marca, sem a qual esta se presumirá não usada” e era complementado por um artigo 2.º que dispunha que “a partir da publicação do aviso de caducidade por falta de declaração de intenção de uso, o titular do registo terá o prazo de um ano para pedir a revalidação do registo fazendo prova do uso da marca.”). Pretendia-se instituir um mecanismo simples tendo em vista a limpeza do registo de grande número de marcas não utilizadas, em particular provenientes do estrangeiro (conforme constava no preâmbulo do Decreto-Lei).
No CPI de 1995 a obrigação de declaração de intenção de uso foi prevista em termos idênticos aos que passaram para o actual Código (art.º 195.º do CPI de 1995), com a diferença de que no CPI de 1995 manteve-se a expressa menção, herdada do Dec.-Lei n.º 176/80, de que sem a falta de declaração de intenção de uso presumir-se-ia que esta não estava a ser usada.
Como se vê, a falta de declaração de intenção de uso poderá fundar um pedido de declaração de caducidade do registo da marca (que se fundará na falta da declaração, sem necessidade de invocação expressa da falta de uso da marca) ou a admissão do registo de marca com ela confundível.
Porém, quem proceder à tempestiva declaração de intenção de uso da marca não fica isento, obviamente, de proceder ao efectivo uso da marca, concretizando a intenção que publicitou. A declaração em causa não substitui nem equivale ao uso da marca. Daí que a existência da declaração não iniba qualquer interessado de invocar o não uso da marca para obter a caducidade do respectivo registo. Ou seja, se não tiver sido emitida a declaração de intenção de uso, ao interessado basta arguir a falta dessa declaração, a qual constitui indício da falta de uso da mesma (citado n.º 2 do art.º 270.º). Emitida a declaração de uso, o interessado que tenha conhecimento que a mesma não tem tradução na realidade poderá requerer a declaração de caducidade do registo da marca invocando o não uso efectivo da marca.
Em todas as situações recairá sobre o titular do registo o ónus da prova do uso da marca. Com efeito, no nº 6 do art.º 270.º do CPI estabelece-se que, no âmbito do processo desencadeado pelo pedido de declaração de caducidade “cumpre ao titular do registo ou a seu licenciado, se o houver, provar o uso da marca, sem o que esta se presume não usada.”
Estabelece-se, aqui, uma inversão do ónus da prova, que recai sobre o titular do registo ou o seu licenciado (Jorge Cruz, obra citada, pág. 710).
Portanto, em regra, tudo quanto se pede ao requerente da declaração de caducidade do registo é que produza indícios da falta de uso da marca (declarações de comerciantes ou industriais do ramo, eventualmente certidão da falta de declaração de intenção de uso da marca), pois a última palavra pertence ao titular do registo, provando, eventualmente, o uso da marca durante os últimos cinco anos (cfr. Jorge Cruz, obra citada, pág. 710). Para esse efeito é sempre notificado do pedido de declaração de caducidade, podendo responder no prazo de dois meses, prorrogável (n.ºs 3 a 5 do art.º 270.º do CPI).
O titular do registo da marca deve fazer desta um “uso sério.”
Na concretização deste conceito deve levar-se em consideração a jurisprudência comunitária. De facto, conforme se realça no acórdão do Tribunal de Justiça de 11.3.2004, proferido em sede de pedido de decisão prejudicial no processo Ansul BV contra Ajax Brandbeveiliging BV (processo C-40/01, in Colectânea de Jurisprudência 2003 página I – 02439), “o legislador comunitário entendeu submeter a manutenção dos direitos à marca à mesma condição de uso sério em todos os Estados-Membros, de modo que o nível de protecção garantido à marca não seja variável em função da lei em causa” (ponto 29 do acórdão). “Compete, por isso, ao Tribunal de Justiça, fazer uma interpretação uniforme do conceito de «uso sério», tal como é referido nos artigos 10.º e 12.º da directiva” (ponto 31 do acórdão).
No referido acórdão do TJ nota-se que a Directiva precisa, no seu oitavo considerando, que as marcas devem ser «efectivamente usadas sob pena de caducidade». O «uso sério» é, por isso, um uso efectivo da marca. Esta análise é confirmada por outras versões linguísticas da Directiva, como as versões espanhola («uso efectivo»), italiana («uso effettivo») ou inglesa («genuine use»).” (ponto 35 do acórdão).
“O «uso sério» deve, assim, entender-se como um uso que não é feito a título meramente simbólico, apenas para efeitos de manutenção dos direitos conferidos pela marca. Deve tratar-se dum uso compatível com a função essencial da marca, que é garantir ao consumidor ou ao utilizador final a identidade de origem dum produto ou serviço, permitindo-lhe distinguir, sem confusão possível, este produto ou serviço dos que tenham proveniência diversa.” (ponto 36 do acórdão do TJ).
“O artigo 12., n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que uma marca é objecto de «uso sério» quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca. A apreciação do carácter sério do uso da marca deve assentar na totalidade dos factos e das circunstâncias adequados para provar a existência da exploração comercial da mesma, em especial, nos usos considerados justificados no sector económico em questão para manter ou criar partes de mercado em benefício dos produtos ou serviços protegidos pela marca, na natureza destes produtos ou serviços, nas características do mercado, na extensão e na frequência do uso da marca” (ponto 43 do acórdão).
Todos estes considerandos foram reiterados, por exemplo, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 15 de Janeiro de 2009, no processo C-495/07 (Silberquelle GmbH contra Maselli-Strickmode GmbH, pedido de decisão prejudicial).
Note-se que a Directiva 89/104/CEE do Conselho foi revogada e substituída pela Directiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.10.2008, a qual não modificou os preceitos pertinentes à obrigação do uso sério das marcas e da consequente caducidade.
Em resumo:
O titular do registo de uma marca deve proceder ao seu uso sério, ou seja, ao seu uso efectivo,em conformidade com a sua função essencial que é garantir a identidade de origem dos produtos ou serviços para os quais a marca foi registada, a fim de criar ou conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de usos de carácter simbólico que tenham como único objectivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca.
A falta de uso sério da marca pelo período ininterrupto de cinco anos fundamenta a caducidade da marca, que deve ser suscitada por qualquer interessado.
Porém, tal caducidade não operará se o uso sério da marca tiver sido iniciado ou reatado antes de ser requerida a declaração de caducidade.
Esta última excepção sofre, por sua vez, uma restrição: se o início ou o reatamento do uso da marca ocorrerem nos três meses imediatamente anteriores à apresentação de um pedido de declaração de caducidade, contados a partir do fim do período ininterrupto de cinco anos de não uso, o início ou o reatamento do uso da marca não serão tomados em consideração se as diligências para o início ou reatamento do uso só ocorrerem depois de o titular tomar conhecimento de que pode vir a ser efectuado esse pedido de declaração de caducidade.
Reportemo-nos ao caso dos autos.
O apelado é titular, desde 26 de Junho de 1990, do registo da marca “K...”, destinada a assinalar vinhos, aguardentes e licores. Apresentou declaração de intenção de uso da marca em 1 de Março de 1995 e de renovação da marca em 1 de Junho de 2000. Em 14 de Julho de 2004 a ora apelante, titular do registo da marca “Casa de K...”, também destinada a assinalar vinhos, aguardentes e licores, pediu que fosse declarada a caducidade da marca “K...”, invocando falta de uso sério da mesma, há mais de 15 anos. Juntou ao processo administrativo cinco documentos datados de Abril e Maio de 2004, intitulados “declarações”, emitidos por comerciantes e industriais do sector de hotelaria e vinhos, que atestam desconhecerem no mercado a marca “K...” e conhecerem desde 1990 vinho comercializado com a marca “Casa do K...”.
Por sua vez o apelado juntou ao processo administrativo documentação destinada a provar o uso sério da marca.
Porém, o INPI considerou que essa documentação não satisfazia os requisitos que nessa matéria tinham vindo a ser exigidos pelo INPI, nomeadamente porque parte dessa documentação não se reporta ao período de cinco anos que antecedem o momento da apresentação do pedido de caducidade. Já quanto às declarações juntas pela requerente, o INPI ajuizou que eram idóneas para indiciar a ausência de uso da marca.
Em consequência o INPI declarou a caducidade do registo da marca “K...”.
O ora apelado impugnou em juízo a declaração de caducidade, tendo apresentado documentação que, no seu entender, sustenta ter procedido ao uso sério da marca, ou pelo menos ter reatado validamente esse uso.
Parte dessa documentação foi considerada pelo tribunal a quo demonstrativa de uso sério da marca.
E pensamos que com razão.
Desde logo, as declarações mencionadas nos n.ºs 9 e 10 da matéria de facto atestam a produção e comercialização de aguardente vínica velha, desde 1998 até, pelo menos, 31.12.2003, sob a marca “K...”. Uso esse que era feito pela sociedade de que o apelado e a apelante eram sócios gerentes (Casa Agrícola do K..., Lda – fls 126 a 132 do processo administrativo) e pela ora apelante, sem oposição do apelado, então seu marido (o que satisfaz o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 268.º do CPI, segundo o qual considera-se uso sério da marca “a utilização da marca por um terceiro, desde que o seja sob controlo do titular e para efeitos de manutenção de registo” – no mesmo sentido, cfr. o art.º 10.º n.º 3 da Directiva).
Depois, a fls 43 consta cópia de uma revista datada de Dezembro de 1999, na qual é reproduzida uma fotografia de uma garrafa de aguardente e respectiva embalagem nas quais está aposta a palavra “K...”. Diz a própria apelante que a fotografia ilustra um artigo de opinião, onde se faz uma avaliação de vários produtos semelhantes. Ora, é de presumir, de acordo com a experiência comum, que uma revista leva em conta o interesse dos seus leitores e consumidores, pelo que não se iria ocupar de um produto que não estivesse nessa época a ser distribuído e que não tivesse até uma certa expressão em termos comerciais. O facto de a legenda da fotografia da garrafa dizer “Aguardente Velha Casa de K...” não desdiz a utilização da marca “K...a”: pelo contrário, confirma a confundibilidade entre as duas marcas, que obrigou à concessão de autorização supra mencionada sob o n.º 15 da matéria de facto.
Temos, pois, documentada nos autos a utilização da marca “K...” no decurso dos anos 1998 a 2003. E outros documentos existem: sete cópias de facturas emitidas entre 11 e 12 de Maio de 2004, referentes à venda de “K... Tinto Reserva 2001” (alínea e) do n.º 11 da matéria de facto); cópia de uma venda a dinheiro emitida em 26 de Maio de 2004, referente a venda de “K... Vinho Tinto Reserva” (alínea f) do n.º 11 da matéria de facto); autorização, datada de 31 de Maio de 2004, emitida pelo ora apelado autorizando uma sociedade a utilizar a marca “K...” num determinado vinho espumante, destinado à comercialização pela sociedade ..., Lda (n.º 12 da matéria de facto).
O apelado demonstrou, assim, que a marca “K...” foi por si, ou sob o seu controlo e consentimento, reiteradamente usada ao longo dos anos de 1998 a 2004.
Assim sendo, não se suscita sequer a questão da tempestividade do início ou reatamento do uso sério da marca: esse problema só se põe quando ocorreu ininterrupta falta de uso sério da marca durante cinco anos.
A apelação é, pois, improcedente. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantêm-se a decisão recorrida.
As custas da apelação são a cargo da recorrente.
Lisboa, 15.10.2009 Jorge Manuel Leitão Leal Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro Ondina Carmo Alves