ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
RECONVENÇÃO
OBRAS
DEFEITO DE CONSERVAÇÃO
Sumário

I - A ré, em sede de reconvenção, pede que os autores sejam condenados a reconhecer que a ré tem direito ao aumento da renda que à data da conclusão das obras estiver em vigor, a liquidar em execução de sentença, nos termos conjugados do disposto nos arts.38º do RAU e 12º e segs., do DL nº329-C/2000, de 22/12.
II - O pedido reconvencional é manifestamente prematuro, já que a própria ré alegou, na contestação e em sede de reconvenção, que ainda não tinha iniciado as obras que, alegadamente, dariam lugar à actualização da renda regulada nos arts.38º e 39º, do RAU (cfr. o seu art.12º).
III - Actualização esta que, todavia, deve ser apurada nos termos do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), estabelecido pelo DL nº329-C/2000, de 22/12 (cfr. o art.38º, nº1, do RAU), para o que é essencial ter em consideração o valor das obras.
IV - Logo, não estando estas realizadas, no momento em que foi deduzida a reconvenção, nem, aliás, posteriormente, uma vez que as efectuadas depois de apresentada a contestação não foram suficientes, a obrigação de pagar a renda actualizada nem sequer existia, pelo que, nem sequer se está perante uma obrigação inexigível, mas sim perante uma obrigação inexistente, o que torna impossível a condenação no que se liquidar em execução de sentença.
V - A ré, ao deduzir reconvenção nos termos em que o fez, não atentou, como devia, na manifesta improcedência da sua pretensão, já que se trata de questão simples e incontroversa, apesar de eventualmente passível de fundamentações diversas, pelo que, a sua audição se afigura como um «acto inútil».
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.

No Tribunal Judicial, A e mulher B propuseram, em 22/4/03, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C, alegando que a ré é dona do prédio de habitação sito na Rua, e que, no dia 20/2/86, deu de arrendamento aos autores o aludido prédio.
Mais alegam que este não está correctamente isolado, o que causa infiltrações em todas as paredes, chovendo dentro de casa, o que põe em risco a segurança geral do prédio e a saúde dos seus habitantes.
Alegam, ainda, que, cansados de aguardar uma tomada de posição da ré, decidiram requerer, junto do Município, uma vistoria ao referido prédio, tendo a ré sido intimada, por despacho de 15/5/00, a proceder, no prazo de 30 dias, à execução das obras mencionadas no auto de vistoria, mas aquela nada fez, sendo que, os autores não têm possibilidades financeiras para custear tais obras.
Concluem, assim, que deve a ré ser condenada a proceder à reparação dos defeitos da construção existentes na fracção arrendada pelos autores.
A ré contestou, por excepção e por impugnação, alegando, nesta sede, que já solicitou a licença de obras necessária para a substituição do telhado e que, após, irá pintar as paredes e tectos interiores, eliminando, deste modo, os defeitos indicados na petição inicial, pelo que, a acção deve ser julgada improcedente no que exceda a condenação da ré a reparar o telhado e pintar as paredes e tectos interiores.
Em sede de reconvenção, pede que os autores sejam condenados a reconhecer que a ré tem direito ao aumento de renda que à data da conclusão das obras estiver em vigor, a liquidar em execução de sentença.
Entretanto, apresentou a ré articulado superveniente, onde alega que procedeu à substituição integral do telhado, exame e isolamento de todos os guarda-fogos e pintura e reboco das paredes exteriores do prédio, eliminando, assim, as infiltrações, só não tendo procedido à pintura do interior das divisões por os autores o terem impedido, tendo despendido € 7.500,00 na realização das referidas obras, pelo que, nos termos do art.12º, do DL nº329-C/2000, de 22/12, a renda de € 192,20 deverá ser aumentada em € 50,00.
Os autores responderam, alegando que a ré, apesar de ter substituído as telhas, não procedeu ao seu isolamento, e que, por isso, continua a haver infiltrações, chovendo no sótão e no quarto da filha.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, após decisão da matéria de facto, proferida sentença, julgando a acção procedente e condenando a ré a realizar, de imediato, as obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado, designadamente, obras de impermeabilização das paredes do prédio.
Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. Na sentença recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
a) admitidos por acordo e provados por documentos
1. Por contrato formalizado pelo escrito particular junto com a petição inicial como documento n.° l (fls. 7 dos autos), a ré deu de arrendamento ao autor A, para habitação, o prédio urbano sito na Rua, pelo prazo de um ano, com início em 20.02.1986, mediante a renda que, inicialmente, era de 20 000$00 por mês e actualmente é de € 192,20.
2. Na sequência de intervenção, solicitada pelos autores, da DGU/Divisão de Fiscalização Urbanística da Câmara Municipal já depois de apresentada a contestação, a ré procedeu à substituição integral do telhado do prédio locado, ao exame e isolamento de todos os guarda-fogos e à pintura e reboco das paredes exteriores do prédio, no que despendeu a quantia de € 7 500,00.
b) resultantes da audiência de discussão e julgamento:
3. Alguns meses após a celebração do contrato referido no n.° l, as paredes do prédio locado começaram a patentear sinais de humidade.
4. Para tentar minorar esses problemas, os autores efectuaram, então, pequenas obras de conservação, nomeadamente, a limpeza e a pintura das paredes.
5. O isolamento do prédio é deficiente, o que faz com que haja infiltrações de humidade.
6. Antes da colocação da nova cobertura, chovia dentro da casa habitada pelos autores, o que os obrigava a colocar recipientes para aparar a água que caía do tecto.
7. A humidade das paredes do prédio provoca problemas respiratórios, reumatismo e constipações nos seus habitantes.
8. Os autores vêm solicitando à ré, há vários anos, a reparação dos defeitos que o prédio apresenta, mas esta, até à propositura da acção, sempre ignorou essa solicitação.
9. Além das pequenas dimensões dos compartimentos da casa, do deficiente isolamento térmico e das infiltrações de humidade que ocorriam antes da colocação da nova cobertura, principais causas das patologias que o prédio apresenta, a falta de limpeza e de arejamento contribuiu para agravar a situação que se verifica actualmente, designadamente a deterioração da pintura de paredes e do tecto.
10. Além da colocação de uma cobertura nova, a ré pretendia, ainda, proceder à pintura das paredes interiores.
2.2. A recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª - Através da presente acção, os AA. peticionaram que fosse "... a R. condenada a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes na fracção arrendada pelos AA. ..." (cit. petitório).
2ª - Na aliás douta sentença sob recurso a ora recorrente foi condenada a "... realizar, de imediato, no prédio urbano sito na Rua ….as obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado, designadamente obras de impermeabilização das paredes do prédio".
3ª - A recorrente foi assim condenada a cumprir uma obrigação genérica, cuja liquidação não se relegou para execução de sentença, a qual excede o peticionado, pois os AA. apenas pediram a condenação a eliminar os "defeitos de construção" cuja existência alegaram. Deste modo,
4ª - A, aliás, douta sentença, violou o disposto no artigo 661° do C.P.C, por condenar em objecto diverso do que foi pedido, incorrendo assim no vicio previsto no artigo 668°, n°. l, alínea e) do mesmo diploma. Por outro lado,
5ª - Na, aliás, douta sentença, decidiu-se não conhecer do pedido reconvencional porque "... a reconvenção não tem qualquer conteúdo útil" (cit. fls ...). Porém,
6ª - Previamente ao assim decidido não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 3°, n°. 3 do C.P.C., pois que nunca as partes foram notificadas para se pronunciarem sobre a alegada falta de interesse processual que provavelmente constituiu o fundamento do assim decidido.
7ª - Esta irregularidade influiu no exame ou decisão da causa, pelo que determina a anulação do processado posterior, nos termos dos artigos 201° e 202° do C.P.C.. Mas a não ser assim, sem conceder,
8ª - Na reconvenção que deduziu, a ré peticionou que os autores fossem condenados a reconhecer o direito ao aumento da renda consequente da realização de obras que, no articulado superveniente apresentado, liquidou em 50,00 € mensais quanto às já realizadas (substituição do telhado).
9ª - As acções de condenação podem ser instauradas "pressupondo ou prevendo a violação de um direito" (cf. artigo 4°, n°. 2, alínea b) do C.P.C.) e "o facto de não ser exigível, no momento em que a acção foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a obrigação no momento próprio" (cit. Artigo 662° do C.P.C.).
10ª - Se a acção pode ser proposta, apesar da obrigação não ser exigível, também a reconvenção pode ser deduzida e deve ser conhecida quando, relativamente à obrigação cujo cumprimento se exige o autor nada disse na p.i., à data da sentença a obrigação já era exigível (parcialmente, quanto ao valor das obras já realizadas), tinha sido contestada e será provavelmente contestada na parte ainda insusceptível de liquidação, pois
11ª - Nos termos dos artigos 38° e 39° do R.A.U. e 11° a 13° do Decreto-Lei n.° 329-C/2000, de 22 de Dezembro, quando não foi pedida a comparticipação do RECRIA nem celebrado acordo prévio à realização das obras, o senhorio só judicialmente poderá convencer o inquilino do valor despendido nas obras e do valor do aumento da renda devido.
12ª - Deste modo, a interpretação acolhida na douta sentença viola o disposto nos artigos 3°, n°. 3, 265°, 660° e 663° do C.P.C., bem como os artigos 38° e 39° do R.A.U. e 11° a 13° do Decreto-Lei n.° 329-C/2000, de 22 de Dezembro. Pelo exposto,
13ª - Deve a, aliás, douta sentença ser reformada quanto à alegada nulidade e revogada, na parte em que decidiu não conhecer da reconvenção, que deverá ser julgada procedente.
2.3. Os recorridos contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:
1. A ora Apelante não se conforma com a douta sentença proferida, por ter sido condenada a cumprir uma obrigação genérica, cuja liquidação não se relegou para execução de sentença, e por ter sido condenada, para além, e em sentido diverso, do peticionado pelos Apelados.
2. Salvo o devido respeito, a argumentação aduzida não tem qualquer acolhimento, visto que, como resulta do teor das doutas Alegações da Apelante, a douta sentença proferida " concretiza a obrigação em cuja satisfação a Ré vai condenada ", inexistindo, por isso, qualquer necessidade de liquidação, em sede de execução de sentença.
3. Quanto à alegada condenação, para além, e em sentido diverso, do peticionado pelos Apelados, a mesma é igualmente destituída de fundamento, visto que a douta sentença recorrida ao condenar a Apelante a efectuar " as obras necessárias a assegurar o gozo do locado dos autos, designadamente, obras de impermeabilização das paredes do prédio ", está a condenar na reparação dos defeitos de construção existentes no locado dos autos, que se provaram consistir num isolamento deficiente do prédio.
4. Ou seja, tendo-se provado que os defeitos de construção que obstam ao gozo do locado, se traduzem num isolamento deficiente e que este poderá será reparado com obras de impermeabilização, a douta sentença proferida não se pronunciou sobre pedido diverso, nem para além do efectuado, mas sim, atendeu ao pedido de reparação dos defeitos de construção dados como provados, solicitado pelos Apelados.
5. Na douta sentença proferida, entendeu-se que " a ré apresentou contestação e deduziu o que designou por reconvenção, mas que, na realidade, não o é ", já que solicita que os Apelados " sejam condenados a reconhecer o direito a aumentar a renda", mas não alega " que os Apelados lhe negam esse alegado direito", não existindo, "verdadeiramente, um litígio a dirimir", pelo que "a reconvenção não tem qualquer conteúdo útil".
6. Atento o disposto no artigo 3.°, n.°l do Código de Processo Civil, ao Tribunal compete resolver "conflitos de interesses".
7. No articulado qualificado de reconvenção, a ora Apelante não alegou que os Apelados se recusam a efectuar o pagamento do aumento da renda que entende legalmente ter direito, não tendo, por isso, demonstrado existir qualquer litígio a dirimir, ou estar numa situação de carência, que necessite da intervenção do Tribunal.
8. Segundo a Apelante, atento o consignado no artigo 3.°, n.°3 do Código de Processo Civil, ao douto tribunal " a quo " cabia ter notificado as partes para se pronunciarem sobre a "alegada falta de interesse processual" no pedido de condenação efectuado no âmbito da reconvenção e que esta irregularidade influi no exame ou decisão da causa, determinando a anulação de todo o processado posterior, nos termos dos artigos 201." e 202.° do Código de Processo Civil.
9. Acontece no entanto que, conforme decorre do artigo 3.°, n.°3 do Código Civil, em " caso de manifesta desnecessidade " é licito ao juiz " decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem"
10. Inexistindo, quer no momento da realização da " reconvenção ", quer no momento da prolação da douta sentença proferida, qualquer litígio a dirimir entre a Apelante e os Apelados no que toca ao aumento das rendas a efectuar, é patente a "manifesta desnecessidade" de o Meritíssimo Juiz " a quo " notificar as partes relativamente ao facto da " reconvenção não ter qualquer conteúdo útil."
11. Na verdade, se não existe conflito a resolucionar, não é necessário convidar as partes para se pronunciarem sobre a sua inexistência!
12. Nas doutas alegações apresentadas, a Apelante confunde a inexistência de falta de interesse em demandar, por inexistência de litígio, com a inexigibilidade da obrigação.
13. Com efeito, o douto Tribunal " a quo " não se pronunciou sobre o pedido de condenação dos Apelados a reconhecerem o direito ao aumento da renda, nos termos do disposto nos artigos 38.° do R.A.U e 12.° e seguintes do Decreto Lei n.° 329-C/2000, de 22 de Dezembro, por essa obrigação ainda não ser exigível, mas sim, por a ora Apelante não ter alegado a existência de um litígio com os Apelados, no que toca ao aumento da renda a efectuar no futuro.
14. O facto de, no articulado superveniente, a Apelante ter exposto que gastou a quantia de 7.500,00€ e que tem direito a um acréscimo de renda de 50,00€ por mês, não altera a circunstância de inexistir litígio entre as partes quanto ao aumento da renda.
15. Na verdade, na resposta ao articulado superveniente, a alegação dos ora Apelados, de que " não sabem, nem têm obrigação de saber se é verdade o alegado nos artigos 3.º e 7.º do referido articulado " não significa que se recusam a pagar a renda uue legalmente vier a ser aumentada, mas sim, que desconheciam o montante despendido pela Apelante com as obras efectuadas, cabendo a esta efectuar tal prova.
16. Acresce que, em momento algum dos presentes autos, a Apelante invocou ou efectuou qualquer prova de ter notificado previamente os Apelados, das quantias despendidas com as obras realizadas, e do valor do aumento da renda proposto, ou que os Apelados se recusaram ao seu pagamento (por impugnarem o valor das mesmas, ou por não concordarem com os cálculos efectuados).
17. Face ao supra exposto, a douta sentença proferida não merece qualquer censura.
2.4. São as seguintes as questões que importa apreciar no presente recurso:
1ª – saber se a sentença recorrida condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, sendo, por isso, nula, nos termos do art.668º, nº1, al.e), do C.P.C.;
2ª – saber se, no caso, antes de se tomar posição quanto à reconvenção, havia que previamente ouvir as partes, nos termos do art.3º, nº3, do mesmo Código;
3ª – saber se a reconvenção devia ser julgada procedente.
2.4.1. A sentença é nula quando condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, nos termos do disposto no art.668º, nº1, al.e), do C.P.C. (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem). Esta nulidade representa a sanção do preceito formulado no nº1, do art.661º, segundo o qual, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Entende a recorrente que, tendo os autores peticionado que a ré fosse condenada a proceder à reparação dos defeitos de construção existentes na fracção, a sentença recorrida, ao condenar a ora recorrente a realizar, de imediato, as obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado, designadamente, obras de impermeabilização das paredes do prédio, excede o peticionado, pelo que, violou o disposto no citado art.661º, por condenar em objecto diverso do que foi pedido.
Não nos parece que assim seja. Na verdade, não poder condenar-se em objecto diverso do que se pediu significa não poder modificar-se a qualidade do pedido. Assim, como refere Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.V, pág.68, «Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pedia». Ora, no caso dos autos, o facto de na conclusão da petição inicial não se ter pedido expressamente a condenação da ré a realizar as obras de impermeabilização das paredes do prédio, não obsta a que o juiz decrete a realização de tais obras, uma vez que o referido articulado revela essa pretensão. Dir-se-á que tal pedido está contido, nomeadamente, nos arts.14º a 25º da petição, onde se refere que o prédio não está correctamente isolado (art.14º) ou que o isolamento é deficiente (art.17º), o que deu causa às consequências enumeradas nos arts.15º e 18º a 24º (chuva dentro de casa e infiltrações várias), concluindo-se que tais defeitos impedem os autores de fruírem plenamente a fracção arrendada com salubridade e segurança (art.25º). Por isso que quando, a final, se pede a condenação da ré a proceder à reparação dos defeitos da construção, o que se pretende é aludir ao deficiente isolamento. Certamente por esse motivo é que, na sentença recorrida, se condenou a ré a realizar, de imediato, as obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado, designadamente, obras de impermeabilização das paredes do prédio.
Por conseguinte, relativamente a estas obras de impermeabilização, poder-se-á dizer que a sentença recorrida não condenou em quantidade superior nem em objecto diverso do que se pediu. No que respeita às obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado, poder-se-ia pensar, à primeira vista, que a referida sentença, nesta parte, condenou em quantidade superior ao pedido, já que, os autores se teriam limitado a pedir a reparação dos defeitos de construção. Só que, no contexto da sentença, obras necessárias para assegurar aos autores o gozo do locado são, no caso, as que têm a ver com a impermeabilização das paredes do prédio, dado o deficiente isolamento, que se manteve, apesar de a ré ter, entretanto, promovido a realização de obras (cfr. os pontos 2., 5. e 9. da matéria de facto considerada provada na sentença recorrida). Aliás, é esse também o entendimento dos recorridos, conforme resulta do teor das conclusões 1ª a 4ª da sua alegação. Seja como for, teria sido mais curial, a nosso ver, que a parte decisória da sentença se referisse, apenas, às obras concretas cuja realização fez impender sobre a ré.
Haverá, deste modo, que concluir que a sentença recorrida não condenou em quantidade superior, nem em objecto diverso do pedido, não sendo, por isso, nula, nos termos do art.668º, nº1, al.e).
2.4.2. Na sentença recorrida considerou-se que a ré deduziu o que designou por reconvenção, mas que, na realidade, não o é, já que decorre da lei que a ré pode aumentar a renda, não sendo alegado, sequer, que os autores lhe negam esse alegado direito, pelo que, não há verdadeiramente um litígio que importe dirimir e, portanto, a reconvenção não tem qualquer conteúdo útil, não se podendo, sequer, falar em reconvenção.
Segundo a recorrente, não tendo as partes sido notificadas para se pronunciarem sobre a alegada falta de interesse processual, não foi dado cumprimento ao disposto no art.3º, nº3, o que traduz irregularidade que influiu no exame ou decisão da causa e determina a anulação do processado posterior, nos termos dos arts.201º e 202º.
Vejamos.
Como já se referiu, a ré, em sede de reconvenção, pede que os autores sejam condenados a reconhecer que a ré tem direito ao aumento da renda que à data da conclusão das obras estiver em vigor, a liquidar em execução de sentença, nos termos conjugados do disposto nos arts.38º do RAU e 12º e segs., do DL nº329-C/2000, de 22/12. Posteriormente, em sede de articulado superveniente, alegou que procedeu à realização de várias obras, no valor de € 7.500,00, pelo que, a renda deverá ser aumentada em € 50,00. Os autores não responderam à reconvenção, mas apresentaram resposta relativamente àquele articulado, onde concluíram que, apesar daquelas obras, os problemas de infiltrações se mantêm.
No despacho saneador não se tomou qualquer posição sobre a questão suscitada na reconvenção e no articulado superveniente. Tal apenas aconteceu na sentença final e nos termos atrás referidos.
De harmonia com o disposto no art.3º, nº3, «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem». Como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, pág.24, aquele preceito não estabelece, em termos rígidos, qual o momento processual adequado para o juiz fazer actuar a regra do contraditório, nada impedindo que, se apenas se aperceber da possível e inovatória «razão de direito» em momento ulterior ao encerramento dos debates, deva necessariamente – sob pena de nulidade – sobrestar na decisão, convidando as partes a deduzir sobre tal matéria as razões ou argumentos jurídicos que considerem pertinentes, e só depois profira decisão. Claro que, tal audição complementar das partes, nomeadamente, quando realizada nestas circunstâncias, isto é, fora do momento processual normal para serem debatidas as questões de direito relevantes, tem custos significativos em termos de celeridade e economia processuais. Daí que a lei ressalve os casos de manifesta desnecessidade, dispensando-a quanto tal audição se afigurar como verdadeiro «acto inútil», ou seja, nas palavras de Lopes do Rego, ob.cit., pág.25, a mesma só deverá ter lugar quando se trate de apreciar questões susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, no conteúdo da decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado durante o processo, tomando oportunamente posição sobre ela. Acrescentando aquele autor, ob.cit., pág.26, que não deverá banalizar-se a audição atípica e complementar das partes, de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art.3º, nº3.
Concorda-se, inteiramente, com tal entendimento, sendo que, a nosso ver, no caso dos autos, o pedido reconvencional é manifestamente prematuro, já que a própria ré alegou, na contestação e em sede de reconvenção, que ainda não tinha iniciado as obras que, alegadamente, dariam lugar à actualização da renda regulada nos arts.38º e 39º, do RAU (cfr. o seu art.12º). Note-se que a vistoria realizada no arrendado pela Divisão de Fiscalização Urbanística do Município tem data de 7/4/2000 e que por despacho de 15/5/2000 foi a ré, ora recorrente, intimada a proceder à execução das obras no prazo de 30 dias (cfr. os documentos de fls.14 e 15). Não obstante, quando apresentou a sua contestação, em 22/5/2003, a ré ainda não tinha iniciado tais obras, mas já se preocupava com a actualização da renda. Actualização esta que, todavia, deve ser apurada nos termos do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA), estabelecido pelo DL nº329-C/2000, de 22/12 (cfr. o art.38º, nº1, do RAU). Ora, de harmonia com o disposto nos arts.12º e 13º do citado DL, a actualização de rendas por motivo da realização das obras é determinada pelas fórmulas constantes dos nºs 2 e segs., do citado art.12º, para o que é essencial ter em consideração o valor das obras (cfr. o seu nº1), sendo que, o senhorio deve dar conhecimento aos arrendatários dos vários elementos referidos no citado art.13º. Isto é, há todo um processo destinado a determinar a actualização de rendas por motivo de realização de obras. Logo, não estando estas realizadas, no momento em que foi deduzida a reconvenção, nem, aliás, posteriormente, uma vez que as efectuadas depois de apresentada a contestação não foram suficientes (cfr. o ponto 2. da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, de onde resulta não se ter provado que com a realização de tais obras tenha deixado de haver as infiltrações que se verificavam no prédio locado – cfr., ainda, a al.F dos factos não provados, a fls.136), a obrigação de pagar a renda actualizada nem sequer existia. Consequentemente, nem sequer se está perante uma obrigação inexigível, mas sim perante uma obrigação inexistente.
É certo que a questão foi perspectivada na sentença recorrida do ponto de vista da falta do interesse em agir, cuja caracterização e autonomização face aos outros pressupostos processuais não é pacífica, porquanto, há quem considere o interesse em agir como condição da acção (cfr. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol.I, pág.4), como excepção peremptória (cfr. Ferreira Pinto, Lições de Processo Civil, pág.63) ou como excepção dilatória (cfr. Anselmo de Castro, in PCD, vol.II, pág.254, e Teixeira de Sousa, in Interesse Processual na Acção Declarativa, ed. AAFDL, 1989, pág.38). Este último autor, embora qualificasse a falta de interesse processual como excepção dilatória, defendia, mesmo no domínio da lei anterior, a prevalência do conhecimento de mérito sobre a absolvição da instância, se fosse possível concluir pela improcedência da acção, mais favorável ao réu. É igualmente certo que, na verdade, não invocou a ré um estado de incerteza real e objectivo em relação ao direito que invocou, pelo que, tudo apontaria no sentido de que restaria indemonstrado o seu interesse em deduzir reconvenção.
Seja como for, o que releva para a decisão da questão ora em análise é a constatação de que a ré, ao deduzir reconvenção nos termos em que o fez, não atentou, como devia, na manifesta improcedência da sua pretensão, já que se trata de questão simples e incontroversa, apesar de eventualmente passível de fundamentações diversas, pelo que, a sua audição se afigura como um «acto inútil». O que vale por dizer que a negligência da parte não merece tutela, em termos de obrigar o tribunal a proceder à sua audição prévia, antes de proferir uma decisão cujo conteúdo e sentido não está fora de um normal e adequado juízo de prognose.
Haverá, deste modo, que concluir que, no caso, antes de se tomar posição quanto à reconvenção, não havia que ouvir previamente as partes, nos termos do art.3º, nº3, por se tratar de caso de manifesta desnecessidade. Logo, não foi cometida a invocada nulidade (cfr. os arts.201º e 202º).
2.4.3. No que respeita à 3ª questão, a respectiva solução está já contida no âmbito da questão imediatamente anterior, não podendo, pois, deixar de se concluir que a reconvenção não tinha que ser julgada procedente, remetendo-se para os fundamentos aí expendidos.
Dir-se-á, apenas, que, como aliás já resulta do que atrás se referiu, não se está perante uma situação de inexigibilidade da obrigação, pelo que, não tem aplicação ao caso o disposto no art.662º. Por outro lado, tratando-se de uma situação de inexistência da obrigação, nunca poderia haver condenação no que se liquidasse em execução de sentença, pois que tal condenação pressupõe que o demandado deixou de cumprir determinada obrigação (cfr. o art.661º, nº2).
Improcedem, assim, as conclusões da alegação da recorrente.

3 – Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.

Custas pela apelante.

Lisboa, 20 de Outubro de 2009

Roque Nogueira
Graça Amaral
Ana Resende