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RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INIBIÇÃO DE USO DE CHEQUE
Sumário
I - A indemnização por danos não patrimoniais na responsabilidade contratual, que cabe no regime legal em vigor, cada vez mais se justifica dada a expansão da contratação. II - A instituição bancária que por lapso no seu sistema informático rescinde a convenção de cheque com um cliente, dando lugar à sua inclusão na listagem de utilizadores de cheques que oferecem riscos e, sabedora desse lapso, não diligencie pela sua remoção dessa listagem, responde pelo agravamento dos danos que disso resultem. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam na Relação de Lisboa,
“A” e mulher, “B”, residentes em “C”, instauraram contra “Entidade Bancária”, SA, com sede em Lisboa, acção de processo comum, na forma ordinária, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de 144.862,68 € -como indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram devido à instauração pela ré de um processo de rescisão da convenção cheque contra os autores, sem fundamento,- acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação nesta acção, até pagamento.
Alegam, em resumo, serem titulares de uma conta aberta na agência da ré em “C”, sobre a qual o autor marido emitiu um cheque no valor de 3.250 €, montante cujo pagamento o saldo da conta comportava.
Que, porém, certamente devido a falha humana ou do sistema informático, a ré debitou tal conta pelo valor de 325.000,00 €, pelo que foi recusado o pagamento do referido cheque por falta de cobertura, após o que a ré, embora informada pelos autores do erro havido, que reconheceu, veio a rescindir a convenção de cheque que celebrara com os autores, informando o Banco de Portugal dos nomes destes para efeitos de inserção na lista de utilizadores de cheque que oferecem risco.
Que, em consequência disso, outros bancos rescindiram as convenções de cheque que tinham com os autores, factos que lhes causaram danos patrimoniais e não patrimoniais no valor pedido.
A ré contestou, defendendo que, apesar do lapso cometido, com origem no sistema informático, a comunicação ao Banco de Portugal, que depois deu origem à rescisão da convenção de uso de cheque, não foi feita com fundamento no cheque dos autos, mas sim num outro, apresentado a pagamento pelo Banco “3”, razão por que, após impugnar parcialmente os factos invocados pelos demandantes, conclui pela improcedência da acção, excepto na parte relativa às despesas administrativas do processo de rescisão, referidas no artº 78º da petição inicial, a que admite ter dado causa, no valor de 31,34 €.
No saneador considerou-se a instância válida e regular.
Seleccionados os factos assente e os controversos considerados relevantes para a decisão da causa, procedeu-se a julgamento, constando de fls. 281 a 287 a decisão sobre os últimos, posto o que foi proferida a sentença, condenando a ré a pagar aos autores a quantia de 23,46 € como indemnização por danos patrimoniais e a de 8.000 € por danos não patrimoniais, absolvendo-a do mais que vem pedido. Foi dessa decisão que a demandada recorreu.
Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
1 . Os apelados invocam ter sofrido danos não patrimoniais, que contudo não demonstraram, pelo que entendeu o tribunal a quo que, deveria ser fixada uma indemnização equitativa, ao abrigo do disposto no nº 3 do artº. 496º do C. Civil;
2 . O valor encontrado equitativamente para indemnizar o autor “A” pela sua inclusão na LUR foi de € 8.000,00;
3 . No entanto, o artº. 496º do C. Civil não é aplicável a situações de responsabilidade contratual, como é o caso dos autos;
4 . Aliás, a inserção sistemática do artº. 496º no código, logo indicia que a sua aplicação apenas poderá ocorrer no âmbito de responsabilidade extra-contratual, não podendo, pois ser aplicada ao caso concreto em apreço;
5 . Sem conceder, ainda que se admita a sua aplicabilidade, em geral, em casos de responsabilidade contratual, o seu preenchimento não pode ocorrer de forma arbitrária;
6 . Só serão indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral sendo que a gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (STJ, 26.06.91 BMJ, 4’8º-538);
7 . Os meros transtornos, incómodos e preocupações não poderão ser reveladores, pela sua imprecisão, da gravidade que deverão assumir os danos morais indemnizáveis;
8 . No caso concreto em apreço, foi de acto ilícitos praticados pelos autores – a emissão de cheques para saque na sua conta que sabiam não ter provisão necessária para proceder ao seu pagamento – que decorreu o lapso da apelante, que desde sempre foi assumido;
9 . Não fora o comportamento faltoso dos apelados, ao emitirem cheques cujo pagamento não poderiam assegurar através da referida conta, por falta de fundos suficientes para tanto, nunca a apelante teria despoletado os processos de rescisão da convenção;
10 . Apesar do lapso que é imputável à apelante, e que não se nega, a génese de tal lapso decorre do comportamento ilícito dos apelados;
11 . E para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, ao abrigo do artº. 496º nº 3 do C. Civil, deverão ser tidas em conta as circunstâncias ali referidas, a saber – o grau de culpa do agente, a situação económica deste e as demais circunstâncias entre as quais está a gravidade da lesão;
12 . E ponderados estes factores, ter-se-á de concluir que o grau de culpa do agente é reduzido, uma vez que está dado como provado que tal lapso derivou de uma falha informática, que não foi de imediato percebida pela apelante, embora lhe seja imputável;
13 . E quanto à gravidade da lesão ter-se-á de concluir que a mesma é de baixa gravidade, já que a inclusão do apelado “A” na LUR apenas se verificou durante o período de 7 dias (cfr. resposta www) da matéria de facto) pelo que a extensão da lesão não poderá ter sido de tal ordem que tenha provocado lesões irremediáveis;
14 . A inserção do apelado na LUR pelo curto espaço de uma semana não é de molde a provocar lesão susceptível de merecer a tutela do direito no caso concreto em apreço;
15 . Tanto mais que as consequências na esfera jurídica dos titulares de contas bancárias que ficam impedidos de utilizar cheques não são assim tão devastadoras uma vez que existem outras formas de movimentar a conta;
16 . A que acresce o facto de os apelados não terem conseguido fazer qualquer prova dos alegados danos, nem patrimoniais nem não patrimoniais, o que, por si só já é revelador da fraca lesão provocada pela apelante na esfera jurídica dos apelados;
17 . Razão pela qual não poderia ter sido fixada qualquer indemnização equitativa, por danos não patrimoniais;
18 . Por outro lado, no caso em apreço é notório que concorrem circunstâncias que diminuem a culpabilidade da apelante pois assim que se apercebeu do lapso ocorrido solicitou ao Banco de Portugal a eliminação do nome do autor “A” da LUR, o que conseguiu no dia 5.09.02, apenas 7 dias depois da sua inclusão;
19 . Sendo certo que o tempo que releva para efeitos de produção de danos é apenas o compreendido entre a data de inserção na LUR – 21.08.02 – e a data da respectiva remoção – 5.09.02;
20 . Foi do comportamento dos apelados que resultou o lapso da apelante, uma vez que foi devido ao facto dos cheques emitidos não terem provisão que resultou a necessidade de serem abertos os respectivos processos de rescisão;
21 . Em face destes circunstancialismos, a apelante entende que avultam factos que diminuem significativamente o seu grau de culpa na situação;
22 . Estamos em face de um concurso de facto culposo do prejudicado, susceptível de influir na fixação de uma eventual indemnização porventura devida, conforme preceitua o nº 1 do artº. 570º do C. Civil;
23 . E tendo em conta a gravidade inerente ao comportamento dos apelados, na emissão reiterada de cheques sem provisão, que depois acabam por pagar no decurso do prazo que lhes é passado para o efeito,
24 . em contraponto com o comportamento da apelante, que, apesar do seu erro, logo que se apercebeu que errou tratou de reparar o erro com a maior rapidez possível o que conseguiu em apenas 7 dias,
25 . imperioso é concluir que a indemnização deverá ser totalmente excluída uma vez que a culpa da apelante é leve, já que o erro que levou à lesão foi involuntário, sendo por outro lado, a actuação dos apelantes grave, por fazerem dos cheques um uso indevido, a que acresce o facto da lesão apenas ter ocorrido num curto período de tempo;
26 . Não deve, pois, ser fixada qualquer indemnização por danos não patrimoniais, por a apelante dever dela ficar isenta nos ternos do nº 1 do artº. 570º do C. Civil;
27 . A sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, violou, assim, o disposto nos artºs. 496º nº 3 e 570º nº 1, ambos do C. Civil,
pelo que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que declare não ter aplicação ao caso concreto o artº. 496º do C. Civil, por ser apenas aplicável a responsabilidade civil extra-contratual, e ser declarada a culpa grave dos lesados na provocação dos danos, em confronto com a culpa leve da apelante, isentando-se a apelante de qualquer indemnização.
Os apelados contra-alegaram, defendendo que se mantenha o decidido.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos, cumpre conhecer do recurso.
*
Vêm provados os seguintes factos:
a) Os autores são titulares da conta à ordem nº EUR aberta junto da agência da ré em “C” e à qual corresponde o NIB nº – al. a) da matéria assente;
b) Em 19.06.2002 o autor “A” subscreveu o cheque nº no valor de 3.250,00 € (três mil, duzentos e cinquenta euros) para saque na conta acima identificada – al. b) da m.a.;
c) Este cheque que foi apresentado à ré para saque em 19.06.2002 – al. c) da m.a.;
d) A ré adoptou quanto ao valor incorrecto os procedimentos formais de emissão de cheque sem provisão, isto sem prejuízo de ter debitado e pago o valor efectivamente inscrito no cheque – al. d) da m.a.;
e) Assim a ré notificou a autora “B” para regularizar a situação de existência de um cheque sem provisão – al. e) da m.a.;
f) Nessa notificação de 26.06.2002 a ré informa a autora da emissão irregular do cheque nº – por falta de provisão – e indica expressamente o valor sobre o qual foi apresentado para compensação, 325.000,00 € (trezentos e vinte e cinco mil euros) – al. f) da m.a.;
g) Mais informa que os titulares da conta, os autores, dispunham de 30 dias para regularizarem a situação sob pena de rescisão da convenção de cheque, a proibição de subscrição de cheques pelo período de 2 anos em qualquer instituição bancária, a inclusão dos seus nomes na listagem do Banco de Portugal de utilizadores de cheques que oferecem risco e a eventual impossibilidade de extinção de responsabilidade criminal quando existir - al. g) da m.a.;
h) Os autores dirigiram-se de imediato ao balcão da ré em “C”, onde foi aberta a conta à ordem, e informaram a demandada da existência de um engano porque a quantia inscrita no cheque nº era de 3.250,00 €, e não de 325.000,00 €, e que a mesma já havia sido debitada e paga em 19.06.2002 – al. h) da m.a.;
i) Estas informações e esclarecimentos foram prestados à Srª “D”, funcionária da ré na agência de “C” – al. I) da m.a.;
j) Esta mesma funcionária afirmou aos autores que se tratava de um erro do sistema informático – al. j) da m.a.;
k) Em 21.08.2002 a instituição bancária ‘Crédito ..., S.A.’ informou o autor “A” de que o seu nome fora incluído na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal, e notificou-o da revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com o mesmo ao abrigo da conta nº 9000203685 – al. L) da m.a.;
l) Em 21.08.2002 a instituição bancária ‘Banco “1”, S.A.’ deu a conhecer ao autor “A” de que o seu nome fora incluído na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal, e notificou-o da revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com o mesmo ao abrigo da conta nº 0000… – al. m) da m.a.;
m) Em 21.08.2002 a instituição bancária ‘Banco “2”, S.A.’ informou o autor “A” de que o seu nome fora incluído na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal e, assim, também o notificou da revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com o mesmo e “E”, e que estava afecta à conta nº – al. n) da m.a.;
n) Em 21.08.2002 a instituição bancária ‘Banco “2”, S.A.’ deu a conhecer ao autor “A” de que o seu nome fora incluído na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal, e notificou-o da revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com o mesmo – al. o) da m.a.;
o) Em 21.08.2002 a instituição bancária ‘Banco “2”, S.A.’ informou os autores “A” e “B” de que os seus nomes foram incluídos na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal, pelo que notificou-os da revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com os mesmos e que estava afecta à conta nº – al. p) da m.a.;
p) Por fim, em 29.08.2002, a instituição bancária ‘ “3”, S.A.’ deu a conhecer ao autor “A” de que o seu nome fora incluído na lista dos utilizadores de cheques que oferecem risco, divulgada pelo Banco de Portugal, e igualmente notificou-o para a revogação da convenção de cheque que tinha celebrado com o mesmo – al. q) da m.a.;
q) O autor “A”, em 30.08.2002, apresentou uma reclamação por escrito à ré onde volta a expor a situação e os problemas que a mesma lhe estava a causar ao nível profissional e perante as restantes instituições bancárias – al. r) da m.a.;
r) Em 07.10.2003 reenviou a reclamação apresentada em 30.08.2002 à Administração da demandada – al. s) da m.a.;
s) Na sequência desta última missiva os autores foram pessoalmente contactados duas vezes por funcionários da ré e, por fim, pelo gerente da agência de “C”, Srº “F”, que lhes solicitou uma relação escrita dos prejuízos sofridos com esta situação – al. t) da m.a.;
t) Relação que foi entregue em 30.10.2003 – al. u) da m.a.;
u) A R. enviou ao A. a carta de fls. 36 – al. v) da m.a.;
v) Por causa da situação de revogação da convenção do cheque a R. debitou à conta à ordem dos AA. as quantias de € 7,78, € 3,95, € 7,78 e € 3,95 – al. x) da m.a.;
w) O funcionário da R. não corrigiu a informação no sistema informático, relativo ao valor incorrecto inicialmente lançado com a apresentação do referido cheque, € 325.000,00 – resposta ao artigo 4º da base instrutória;
x) Portanto a ré considerou dois valores distintos, o primeiro correspondente ao inscrito no cheque e que foi debitado na conta à ordem e outro cem vezes superior que foi igualmente tido em conta pelo sistema informático – r. ao a. 5º;
y) A R. remeteu aos AA., e estes receberam as cartas juntas a fls. 18 e 20, datadas, respectivamente, de 06/08/2002 e 15/08/2002 – r. ao a. 10º;
z) A A. enviou a carta referida em s) – r. ao a. 24º;
aa) Os AA., aquando da ocorrência dos factos, estavam a construir uma habitação própria na localidade da …em “C” – r. ao a. 25º;
bb) O A. “A” era sócio numa sociedade irregular de compra e venda de imóveis – r. ao a. 47º;
cc) O A. cedeu a sua posição contratual na referida sociedade a outro sócio, por valor concretamente não apurado – r. ao a. 51º;
dd) O A. exerce a actividade de contabilista – r. ao a. 55º;
ee) Os AA. receberam comunicações de instituições bancárias onde estas declaravam revogar as convenções de cheques celebradas – r. ao a. 70º;
ff) No dia 19.06.02 cerca das 11,30 horas, o portador do cheque nº no valor de € 3.250,00, que estava passado ao portador, apresentou-se na Agência de “G” da Ré, para “à boca do cofre” proceder ao levantamento do mesmo – r. ao a. 79º;
gg) Uma vez que o cheque era sacado sobre uma conta domiciliada na Agência de “C” da Ré, o funcionário da “Entidade Bancária” que atendeu o portador do cheque pediu a este que aguardasse para que se confirmasse se o cheque estaria em condições de ser pago, visto que desde logo, através do terminal informático verificou que a conta não apresentava fundos para o correspondente pagamento – r. ao a. 80º;
hh) Tendo entregue o cheque ao funcionário que se encontrava no “back office” e responsável pela conferência das assinaturas, foi por este elaborado e remetido um fax à agência domiciliária da conta – “C” – para que esta confirmasse se o cheque deveria ser pago – r. ao a. 81º;
ii) A tal solicitação da Agência pagadora – “G” – respondeu a Agência sacada cerca das 12,00 horas pelo fax, informando que o cheque deveria ser devolvido por falta de provisão – r. ao a. 82º;
jj) Uma vez que o portador se encontrava ao balcão, foi o mesmo informado que o cheque não tinha provisão para se proceder ao seu pagamento, pelo que este abandonou as instalações da Ré. – r. ao a. 83º;
kk) Uma vez que o cheque não tinha entrado no sistema de pagamento da compensação de cheques visto que se destinava a ser pago ao balcão, foi introduzida manualmente a informação de que aquele cheque nº no valor de € 3.250,00 não tinha merecido pagamento por falta de provisão, e foi aberto o processo de rescisão da convenção de cheque – r. ao a. 84º;
ll) O processo de rescisão da convenção de cheque é todo ele processado de forma automática e pela via telemática são feitas as necessárias comunicações aos titulares das contas visados e ao Banco de Portugal, quando os cheques não chegam a ser regularizados nos prazos passados – r. ao a. 85º;
mm) No caso dos cheques apresentados a pagamento por via do sistema de compensação de cheques, é o próprio sistema informático que detecta a falta de saldo e abre o processo de rescisão – r. ao a. 86º;
nn) Tratando-se de cheques apresentados a pagamento ao Balcão, e visto que não entram directamente no sistema informático, são os mesmos introduzidos manualmente, com o que se despoleta o referido processo de rescisão de convenção – r. ao a. 87º;
oo) Por tal razão, os cheques apresentados ao Balcão para pagamento e que não são efectivamente pagos por falta de provisão, não surgem lançados nos extractos de conta dos clientes como debitados e posteriormente como devolvidos uma vez que não há qualquer devolução nem movimento que importe ser registado na conta, limitando-se a Agência pagadora a apor no verso do cheque a informação de que o mesmo não tem provisão – r. ao a. 88º;
pp) Assim, no caso em apreço, após devolver o cheque ao seu portador, foi o mesmo manualmente introduzido no sistema de devolução de cheques – r. ao a. 89º;
qq) Cerca das 13,30 horas do mesmo dia 19.06.02, o portador do cheque voltou à Agência da Ré do “G” para obter o pagamento do mesmo cheque, alegando que tinha falado com o seu sacador e que este já havia provisionado a conta para o efeito – r. ao a. 90º;
rr) Efectivamente, através de depósito directo a conta havia sido provisionada com € 3.250,00, pelo que o referido cheque foi pago – r. ao a. 91º;
ss) Uma vez que a conta tem dois titulares, os dois Autores, o cheque foi lançado para constar da lista de cheques devolvidos por falta de provisão, com o valor de € 3.250,00 para o Autor “A”, e com o valor de € 325.000,00 para a Autora “B” – r. ao a. 92º;
tt) E foi este lapso que originou que a carta de notificação para regularização do cheque que o sistema informático expede automaticamente uma vez aberto o processo de rescisão, saísse com o valor de € 325.000,00 para a Autora “B”e com o valor de € 3.250,00 para o Autor “A” – r. ao a. 93º;
uu) Os Autores bem sabem que a carta de notificação dirigida ao Autor “A”, continha exactamente o mesmo número de cheque e com o valor correcto – r. ao a. 94º;
vv) Tal como bem sabem que não foi debitada a conta pelo valor de € 325.000,00 – r. ao a. 95º;
ww) Quando o referido cheque nº no valor de € 3.250,00 voltou a ser apresentado ao Balcão para ser pago, como foi, o sistema informático deveria ter identificado que aquele cheque constava na lista dos cheques devolvidos por falta de provisão, e, atento o seu pagamento, deveria ter sustado o processo de rescisão da convenção que já estava em curso, o que não aconteceu – r. ao a. 96º;
xx) E foi na sequência desta deficiente leitura do cheque pelo sistema informático que foram expedidas as cartas de notificação aos Autores para procederem à regularização do mesmo – r. ao a. 97º;
yy) Quando foi alertada para a situação, a Ré imediatamente suspendeu o processo de rescisão da convenção por aquele cheque, introduzindo o respectivo código de regularização, pelo que, no âmbito daquele processo de rescisão, não mais os Autores foram notificados – r. ao a. 98º;
zz) Os Autores tinham outros cheques sem provisão e por isso, quando em 6.08.02 e 15.08.02 foram notificados de efectiva rescisão da convenção de uso de cheque, não estava em causa o referido cheque nº no valor de € 3.250,00, mas sim outro – r. ao a. 99º;
aaa) A comunicação ao Banco de Portugal de que deveria ser rescindida a convenção de uso de cheque não foi originada no cheque nº mas sim no cheque nº 2... sacado pelo valor de € 87,44, apresentado a pagamento pelo Banco “3” no dia 28.05.02, através do serviço de telecompensação e devolvido por falta de provisão no dia 29.05.02 – r. ao a. 100º;
bbb) E tal como aconteceu com o cheque nº no valor de € 3.250,00, também em relação ao cheque nº 2... no valor de € 87,44 os Autores foram notificados para procederem à sua regularização, nos moldes em que o foram para o cheque nº – r. ao a. 101º;
ccc) O dito cheque nº 2... no valor de € 87,44, acabou por vir a ser regularizado através do pagamento ocorrido em 6.06.02 – r. ao a. 102º;
ddd) No caso dos cheques apresentados a pagamento por via do sistema de compensação de cheques, é o próprio sistema informático que detecta a falta de saldo e abre o processo de rescisão, o que aconteceu no caso do cheque nº 2... no valor de € 87,44 – r. ao a. 103º;
eee) No entanto, por falha informática que se admite, quando o cheque foi de novo apresentado a pagamento e efectivamente pago, o sistema não detectou que este se encontrava na listagem de cheques devolvidos por falta de provisão, e consequentemente não parou o processo de rescisão da convenção de uso de cheque que se encontrava em curso – r. ao a. 104º;
fff) Este lapso ocorreu em 6.06.02, altura em que o dito cheque foi efectivamente pago – r. ao a. 105º;
ggg) Por esta altura, a “Entidade Bancária” encontrava-se no âmbito de um processo de fusão por incorporação do Banco “4”, que é público, e que se veio a concretizar no dia 1.07.02 – r. ao a. 106º;
hhh) Nesta conformidade, os sistemas informáticos de ambas as referidas instituições encontravam-se em alteração e adaptação de um ao outro, pelo que foram detectados diversos erros, designadamente como os que aconteceram com o dito cheque – r. ao a. 107º;
iii) Por tal razão, quando em 29.08.02 os Autores se deslocaram à Agência de “C” da Ré dizendo que tinham sido rescindidos de uso de cheque por outras instituições na sequência da rescisão da convenção pela Ré “Entidade Bancária”, esta, uma vez identificado o erro, e através dos Serviços Centrais, imediatamente remeteu ao Banco de Portugal um pedido de remoção da listagem de utilizadores de risco, a que coube a comunicação nº 1024681 – r. ao a. 108º;
jjj) No dia seguinte, foi transmitida à gerência da Agência domiciliária da conta – “C” – que já fora pedida a remoção da listagem de utilizadores de risco do Autor “A”, em consequência do lapso ocorrido – r. ao a. 109º;
kkk) E com tal carta em seu poder, a gerência da Agência domiciliária da conta – “C” – informou o Autor “A” que já fora pedida a remoção do seu nome da lista de utilizadores de risco do Banco de Portugal – r. ao a. 110º;
lll) Com tal informação, porém, foram igualmente informados os Autores, que a segunda titular da conta, a Autora “B”, encontrava-se inibida de uso de cheque por outro banco, pelo que caberia a esta junto desse Banco solicitar a sua remoção se fosse esse o seu desejo – r. ao a. 111º;
mmm) Na verdade, consultada a Base de Dados de Clientes, no que respeita à inibição de uso de cheques, verifica-se que quanto ao Autor “A” não existem incidentes de inibição de uso de cheques, embora constem como cheques devolvidos pela Ré “Entidade Bancária” os mencionados cheques nºs 2... no valor de € 87,44 e o cheque nº no valor de € 3.250,00 – r. ao a. 112º;
nnn) Mas já no que respeita à Autora “B”, da Base de Dados de Clientes o que se verifica é a inibição de uso de cheque durante o período de 6.05.02 a 6.05.04, inibição levada a cabo por outro Banco, sendo que como cheque devolvido pela “Entidade Bancária” apenas surge listado o já falado cheque nº no valor de € 3.250,00 – r. ao a. 113º;
ooo) O cheque, o de € 87,44, não tinha provisão quando foi apresentado a pagamento pela primeira vez, motivo pelo qual o processo foi desencadeado – r. ao a. 114º;
ppp) O cheque que deu origem à inibição de uso de cheques foi o cheque nº 2... no valor de € 87,44 – r. ao a. 115º;
qqq) Com esse cheque nº 2... no valor de € 87,44, ocorreu exactamente a mesma situação que com o cheque nº . no valor de € 3.250,00, com a diferença que aquele foi apresentado a pagamento pela Banco “5” de “C” através do sistema de telecompensação, motivo pelo qual foi aberto automaticamente o processo de rescisão da convenção, o qual foi sustado em 3.07.02, altura em que o mesmo foi pago – r. ao a. 116;
rrr) Desde a primeira vez que os Autores se queixaram, sempre a Ré “Entidade Bancária” admitiu tratar-se de um erro informático – r. ao a. 118º;
sss) O A., pelo menos por duas vezes, emitiu cheques sem provisão, que depois acabou por pagar – r. ao a. 119º;
ttt) A Autora “B” que já se encontrava rescindida de uso de cheque por outra Instituição de Crédito, desde 6.05.02 a 6.05.04 – r. ao a. 120º;
uuu) A rescisão da convenção de cheque do Autor “A” apenas esteve em vigor durante o curto prazo de 29.08.02 a 5.09.02 – r. ao a. 121º;
vvv) Os valores referidos em x) são debitados automaticamente pelo sistema informático, em consequência das despesas administrativas que o processo de rescisão da convenção implica – r. ao a. 122º;
www) Assim que se apercebeu do lapso ocorrido, a R. “Entidade Bancária” solicitou ao Banco de Portugal a eliminação do nome do Autor “A” da LUR, o que conseguiu no dia 5/09/2002, apenas sete dias depois da sua inclusão – r. ao a. 126º;
xxx) O erro foi detectado em 29/08/2002 – r. ao a. 127º.
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Como resulta do disposto no artº 684º nº 3 do C. P. Civil, as conclusões da alegação do recorrente determinam o objecto do recurso.
A questão central colocada pela apelante consiste em apreciar se, tratando-se de responsabilidade contratual, há lugar a indemnização por danos não patrimoniais.
Como é conhecido, designadamente com fundamento na colocação da norma que regula a indemnização por tais danos na parte do C. Civil relativa à responsabilidade extra-contratual, bem como pela invocada falta de analogia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade contratual que consinta a extensão do regime do artº 496º do C. Civil a esta última, alguma doutrina bem como decisões dos tribunais recusam a admissibilidade de indemnização a esse título se os danos emergirem da violação de obrigações resultantes de contrato. v. A.Varela, RLJ, ano 123º, pág.ª 253.
Ponderando a questão, assinala-se que, embora a existência de danos não patrimoniais ocorra menos em situações de relacionamento contratual do que na responsabilidade civil, do que decorre ser uma realidade socialmente menos gravosa, a justificar menor atenção do legislador, decorre do regime em vigor que a respectiva indemnização não está legalmente arredada.
Antes sucede que o artigo 798.º do Código Civil estabelece que o devedor que falta ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sem qualquer limitação à natureza dos danos indemnizáveis, o que aponta no sentido de os não patrimoniais estarem incluídos.
Por outro lado, a expansão da contratação a cada vez maior número de pessoas e a sua extensão a uma maior variedade de situações da vida social, justifica a tutela dos interesses dos lesados, sempre, é claro, com sujeição ao exigido no citado artº 496º do C. Civil, nomeadamente no tocante à gravidade dos danos, que devem merecer tal tutela.
Esta orientação mais se impõe quando os danos em questão resultem de ofensa a direitos de personalidade, como acontece no caso desta acção.
Sendo passíveis de indemnização, há que apreciar se os danos revelados nos autos são de gravidade que dê lugar a indemnização.
Derivam não só da inscrição do autor na lista de pessoas que emitem cheques sem provisão e não reparam a situação num certo período de tempo, como da pendência do processo de rescisão da convenção de cheque, para mais estendido, devido à circulação da referida lista pela generalidade da banca, a outros bancos de que o autor era cliente.
Constar dessa lista é socialmente visto como um demérito, sabido que, para além da censura moral sobre a emissão de cheques sem cobertura, a notícia da debilidade económica que normalmente lhe está associada, numa sociedade em que o insucesso nessa área objectivamente provoca abatimento do prestígio e da consideração votada às pessoas, constitui um grave dano.
Por outro lado, dever-se o erro da ré a lapso informático, fosse ou não aquando da incorporação do Banco “4”, nada justifica no âmbito em questão, pois as entidades que usam tais meios são responsáveis pelas consequências que disso decorram.
Do mesmo modo, terem os autores emitido cheques sem cobertura não justifica qualquer sanção que vá além do que resulte do regime legal respectivo, nomeadamente do constante do DL 454/91, de 28 de Fevereiro, pelo que, logo que regularizada a situação, nada justificava a pendência da situação gravosa para o lesado, que se vem referindo.
Igualmente falta razão à apelante quando procura justificar certo agravamento dos danos com o facto de o autor não lhe ter solicitado uma declaração que exibisse nos restantes bancos sobre ser indevida a sua inclusão na mencionada lista.
Na verdade, logo que sabedora do erro havido e das consequências do mesmo, que certamente melhor conhece do que o lesado, pois está inserida na prática bancária, haveria de ser a lesante a diligenciar por iniciativa própria no sentido de impedir a extensão dos danos.
Assim, não se tem a concorrência da culpa do autor como invalidando a ponderação que se faz na decisão em recurso sobre a responsabilidade da agora recorrente, que se mostra equilibrada.
Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Lisboa, 20 de Outubro de 2009
Antas de Barros
Folque de Magalhães
Maria Alexandrina Branquinho