I - A exigência da presidência pessoal do juiz na busca a escritório de advogado não significa que tem de ser o juiz quem, pessoalmente, percorre todas as divisões do escritório e quem materialmente procede à apreensão do que se lhe afigurar de relevo em função da finalidade da busca, não sendo estritamente necessário que o juiz mantenha contacto visual com cada um dos elementos policiais que realizam a busca, ainda por cima quando está presente o próprio buscado e um representante da Ordem dos Advogados.
II - É apenas preciso que o juiz, estando presente, mantenha o controlo do que está a ser feito, pelos órgãos de polícia criminal, a quem nos termos do art.º 55º, nº1 do CPP compete coadjuvar aquele, sem que tal signifique qualquer delegação ou substituição de competências, e que vá resolvendo no local todas as questões que aí sejam suscitadas com vista a não permitir quebras ou violações do segredo profissional ou intromissões indevidas na actividade profissional do advogado, dessa forma conferindo total legalidade ao acto.
I – Relatório
1. No âmbito do processo de inquérito supra identificado, o Sr. Juiz de instrução, mediante promoção do M.º Público, ordenou a realização de busca às instalações da Sociedade de Advogados A…, arguida nos autos, sitas na Rua …, em Lisboa.
2. Dessa busca, realizada em 29 de Maio de 2009, foi lavrado o respectivo auto de busca de busca e apreensão, que se mostra junto a fls. 69 a 86 dos presentes autos.
3. No dia 8 de Junho de 2009, veio a arguida e bem assim os arguidos B… e C… arguir a nulidade da busca com fundamento no facto de o Sr. Juiz de instrução ter permanecido numa das salas das instalações objecto das buscas sem ter estado presente nos precisos locais em que as coisas (documentos, suportes informáticos e computadores) foram recolhidas, e não ter sido por isso o Sr. Juiz a proceder às buscas, apesar de ter procedido às apreensões, e no facto de o auto de busca ser omisso quanto ao facto de terem sido efectuadas buscas em duas viaturas da sociedade de advogados, quando as mesmas não eram sequer referidas no mandado de busca.
4. Sobre esse requerimento recaiu despacho judicial que indeferiu a arguida nulidade da busca nos termos constantes de fls. 292 a 304 dos presentes autos, que dada a sua extensão aqui se dá por reproduzido.
5. Não se conformando com tal despacho veio o arguido interpor o presente recurso pedindo: a) a verificação da nulidade de todas as provas obtidas por via da busca e apreensões realizadas nas instalações da Sociedade Recorrente por estarem as mesmas feridas de nulidade insanável, nos termos conjugados do disposto no artigos 119° e 126°, nº3 do CPP e 32°, nº5 da CRP, uma vez que configuram uma intromissão abusiva na vida privada dos Recorrentes, com consequente devolução aos Recorrentes de tudo quanto aí foi apreendido e b) a verificação da nulidade das buscas realizadas por terem sido buscados locais não abrangidos pelo mandado de busca e apreensão em violação do disposto nos artigos 119°, 126°, nº3 e 174º, n03, todos do CPP, bem como do nº5 do art.32° da CRP.
6. Para fundamentar tais pedidos, extraem os recorrentes da sua motivação as seguintes conclusões:
1. A Sociedade de Advogados recorrente possui instalações na Rua …, em Lisboa, correspondente à fracção autónoma… do prédio urbano em propriedade horizontal, que lhe foram cedidas pelo aqui recorrente B… e pela irmã deste, M…, comproprietários da fracção.
2. Tais instalações foram alvo de uma busca no dia 29 de Maio de 2009 que, no entender dos Recorrentes, está, bem como as apreensões que daí resultaram ferida de nulidade.
3. O Senhor Juiz de Instrução não esteve sempre presente nos precisos locais em que as coisas (documentos, suportes informáticos e computadores) foram recolhidas.
4. Apenas após a recolha das coisas e objectos que vieram a ser apreendidas ter sido efectuada foram as mesmas trazidas para uma sala em que se encontrava o Senhor Juiz de Instrução, tendo-se então procedido à elaboração do auto de busca e apreensão donde consta sua descrição e apreensão formal.
5. Consideram assim os Recorrentes que, na verdade, o Senhor Juiz de Instrução Criminal não procedeu às buscas nas suas instalações sitas Rua…, em Lisboa, mas tão só e apenas às apreensões das coisas e objectos aí recolhidos.
6. A lei processual penal rodeia de especiais cuidados e garantias a realização de buscas e apreensões em escritórios de advogados (bem como em consultórios médicos e estabelecimentos bancários) pois reconhece-se a importância da salvaguarda do dever/direito de sigilo profissional (cfr. alínea c) do nº1 do art.268° e art.180°, ambos do CPP).
7. Por isso, considera a lei processual penal, e bem, que o garante da salvaguarda dos citados bens jurídicos apenas pode ser o Juiz de Instrução Criminal – a justo título denominado de Juiz dos Direitos, Liberdades e Garantias – tal como decorre do imperativo constitucional (n.04 do art.0320 da CRP).
8. Na esteira do sustentado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo número 54/2006-9, de 18 de Maio de 2006, de que foi Relatora a Exma. Desembargadora Ana Brito, concordam os Recorrentes que não é exigível a intervenção do Juiz de Instrução, indagando da pertinência da apreensão, em sede da actividade de operação material de selecção de documentos mas sim a sua presença no local em que se encontram os documentos.
9. Assim, cabe ao Ministério Público a selecção das provas que podem ser relevantes em sede de actividade investigatória e cabe ao Juiz de Instrução a tarefa de assegurar que tal selecção se processa de forma constitucional e legalmente conformada.
10. No caso em apreço o que se verificou precisamente foi que o Senhor Juiz de Instrução não esteve presente a todo o tempo e em todos os locais em que se encontravam os documentos.
11. Tal como se pode ler no despacho recorrido o Senhor Juiz de Instrução "não tem o dom da ubiquidade".
12. Por ser esta constatação inelutável é que cabia ao Senhor Juiz de Instrução, o que não fez, impedir que se procedesse à busca simultânea de todas salas do imóvel buscado pois tal procedimento obstou que, na prática, o Senhor Juiz de Instrução estivesse presente em todas as dependências do local buscado enquanto se realizaram as buscas e apreensões materiais.
13. Obstou portanto que o Senhor Juiz de Instrução cumprisse aquela que é a sua função primordial no âmbito desta diligência – ser o garante da protecção dos bens jurídicos potencialmente afectados por um busca realizada em escritório de advogados.
14. Assim sendo, as buscas e as apreensões efectuadas nas instalações dos Recorrentes sitas na Rua…, em Lisboa, são nulas, sendo tal nulidade insanável (art.º 119° do CPP), por terem a busca e apreensão configurado uma intromissão abusiva na vida privada e na correspondência daqueles, violando o disposto no art.º 32º, nº8 da Constituição da República.
15. Esta nulidade insanável é invocável a todo o tempo e não está dependente de arguição, devendo por isso ser declarada por esse Alto Tribunal.
16. E as provas obtidas através das aludidas busca e apreensão são igualmente nulas, por força da mesma disposição da Lei Fundamental, devendo igualmente tal nulidade ser declarada por esse Alto Tribunal, com a consequente devolução aos Recorrentes de tudo quanto foi apreendido no passado dia 29 de Maio o e que se acha inventariado no Auto de busca e apreensão.
17. No dia 29 de Maio de 2009 foi ainda realizada a busca a dois veículos automóveis propriedade da Sociedade de Advogados Recorrente: o veículo de marca Peugeot, modelo 308 SW, matrícula 00-00-00 e o veículo de marca Peugeot, modelo 308 SW, matrícula 00-00-00..
18. Ambos os veículos se encontravam estacionados na garagem do edifício onde se situam as instalações da Sociedade de Advogados Recorrente, no piso .., nos lugares de estacionamento nºs …..
19. Do mandado de busca e apreensão não constava a indicação de que se deveria proceder a buscas e apreensões noutros locais que não nas instalações da Sociedade de Advogados Recorrente sitas na Rua…, em Lisboa, e muito menos a veículos automóveis.
20. A busca aos veículos automóveis em causa carecia de prévia autorização judicial nos termos do disposto no n.03 do art.174° por não consubstanciar nenhuma das excepções elencados no nº5 do art.º174º e no art.251° do CPP.
21. Defendeu-se no despacho recorrido que se entende estar implicitamente contido na autorização conferida pelo mandado de busca e apreensão emitido o conteúdo das viaturas da sociedade recorrente estacionadas nos lugares de garagem, entendimento com o qual os Recorrentes não se podem conformar.
22. 0s lugares com os nºs … da garagem sita no piso… do edifício sito na Rua…, onde se encontravam estacionadas as viaturas com as matrículas 00-00-00 e 00-00-00 não são "anexos de garagem" da fracção a que corresponde a sala do…andar do n… da Rua ….
23. O lugar de estacionamento com o nº… corresponde à fracção autónoma … e o lugar de estacionamento com o nº… corresponde à fracção autónoma … do prédio em propriedade horizontal sito no n.o… da Rua….
24. Ambas as fracções foram adquiridas separadamente face à fracção autónoma …, que corresponde à citada sala …do… andar, e não são seu anexo nem sendo sua serventia.
25. As ditas fracções autónomas … e … não são sequer propriedade da Sociedade Recorrente pelo que nem por esta razão se poderia defender pertencerem ou estarem incluídas nas suas instalações.
26. Pelo que se impõe concluir que estava vedado o acesso à realização de buscas nas fracções … e … do prédio em propriedade horizontal sito no nº.. da Rua … bem como às viaturas automóveis que aí se encontravam estacionadas.
27. Os Recorrentes entregaram as chaves das viaturas com as matrículas 00-00-00 e 00-00-00 porque foi transmitido que o deveriam fazer e estes, erroneamente, consideraram que a tal estavam obrigados.
28. Acto que não pode ser comparado ou equiparado ao consentimento na realização de tal busca por duas ordens de razões.
29. Ao ser realizada uma busca em local que não se encontrava abrangido pelo mandado de busca os Recorrentes verificou-se nova violação do disposto no nº5 do art.32° da CRP, por abusiva intromissão na sua vida privada, o que fere das buscas realizadas de nulidade nos termos do disposto no nº3 do art.126° do CPP.
30. Do auto de busca e apreensão lavrado na sequência das diligências lavadas a cabo no passado dia 29 de Maio de 2009 nem uma linha se lê acerca da busca realizada nos automóveis com as matrículas 00-00-00 e 00-00-00 que se encontravam estacionados nas fracções autónomas … e … do prédio sito no n.º… da Rua…, em Lisboa.
31. A realização de uma busca em local que não se incluía nas citadas instalações, por ser completamente autónomo, e a dois veículos automóveis é uma ocorrência que necessariamente teria, sob pena de nulidade, estar reflectida no auto de busca e apreensão - o que não sucedeu.
32. Ao não ter sido feita menção, no auto de busca e de apreensão, às buscas efectuadas aos dois veículos automóveis citados violou-se o disposto no nº6 do art.70° do EOA, aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro, que impõe que o auto de busca e apreensão realizado em escritório de advogados faça expressa menção das pessoas presentes "bem como de quaisquer ocorrências sobrevindas no seu decurso".
33. Tal essencial omissão determina a nulidade do próprio auto de busca e apreensão tal como defenderam os Recorrentes.
34. Pelo que se requer a V. Exas. se dignem declarar a nulidade do auto de busca e apreensão por ser o mesmo nulo em virtude de ter sido violado o disposto o disposto no nº6 do art.70º do EOA, aprovado pela Lei 15/2005, de 26 de Janeiro.
7. O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência e a consequente manutenção do despacho recorrido.
8. Admitido o recurso e colhido o visto do M.º Público, foi o processo remetido aos vistos legais pelo que cumpre agora, em conferência, decidir
II – Fundamentação
São duas as questões suscitadas nas conclusões do presente recurso que, nos termos do art.412º, nº1 CPP, delimitam o seu objecto:
a) Validade da busca efectuada às instalações da recorrente;
b) Validade da busca efectuada aos veículos da sociedade recorrente.
a) Quanto à validade da busca às instalações da recorrente
Os arguidos, ora recorrentes, vêm invocar a nulidade da busca efectuada às suas instalações com fundamento em que a mesma foi feita sem que o juiz de instrução tenha estado sempre presente nos precisos locais em que as coisas apreendidas foram sendo recolhidas, o que obstou a que o juiz de instrução cumprisse a sua função de garante da protecção dos bens jurídicos potencialmente afectados por uma busca realizada em escritório de advogados e se traduziu numa intromissão abusiva na vida privada e na correspondência dos recorrentes.
Em causa está uma busca realizada no escritório da arguida que é uma sociedade de advogados da qual os recorrentes são sócios.
Nos termos do art. 268.º, n.º 1, al. c) do CPP, compete ao juiz proceder às buscas nos escritórios dos advogados. Esclarece, contudo, o n.º 5 do art. 177.º que isso significa que o juiz preside pessoalmente à busca devendo ainda avisar previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
Franco Cordero em «Procedura penale», 2.ª edição, Giuffrè, Milano, 1993, p. 696/7 escreve, reportando-se à lei italiana que: “O advérbio "pessoalmente" não implica que seja manualmente activo: pode ser assistido pela força pública (o artigo 332.º do Código de 1930 dizia-o e permanece subentendido)”.
A mesma exigência (de presidência pessoal do juiz) é feita para a apreensão operada em escritório de advogado, nos termos do nº1 do art.º 180º do CPP, não sendo permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, salvo se eles mesmos constituírem objecto ou elemento de um crime.
O Estatuto da Ordem dos Advogados estabelece idênticas exigências em caso de buscas e diligências equivalentes no escritório de advogados ou em qualquer outro local onde faça arquivo (art.º 70 do EOA) e proíbe a apreensão de correspondência, seja qual for o suporte utilizado que respeite ao exercício da profissão exceptuando também aqui o caso de a correspondência respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido (art.º 71º).
Prevê ainda a possibilidade de reclamação para o presidente da Relação, por parte do advogado interessado ou, na sua falta de qualquer familiar ou empregado presente ou pelo próprio representante da Ordem dos Advogados, no decurso das diligências previstas nos art.ºs 70º e 71º (arrolamento, buscas e diligências equivalentes, intercepção e gravação de conversações ou comunicações e apreensão de correspondência) para garantir a preservação do segredo profissional, o que leva a que o juiz sobreste na diligência relativamente aos documentos ou objectos que forem postos em causa, fazendo-os acondicionar, sem os ler ou examinar, em volume selado no mesmo momento (art.º 72º do mesmo Estatuto).
Todas estas apertadas exigências em matéria de buscas, apreensões e intercepções de comunicações sempre que esteja em causa um escritório de advogado estão inevitavelmente ligadas à matéria do sigilo profissional a que estão vinculados os advogados no exercício da sua profissão.
O segredo profissional do advogado, sendo uma obrigação legal que vincula o advogado mesmo contra a vontade e interesse do seu cliente tem o seu fundamento ético-jurídico não só no princípio da confiança e na natureza social da função forense, mas sobretudo no manifesto interesse público que constitui a função do Advogado com servidor da Justiça (cf. António Arnaut, Iniciação à Advocacia – História – Deontologia – Questões Práticas, p. 65 e ss., 5ª edição, Coimbra Editora, 2000) sendo por isso, inegavelmente, um interesse altamente relevante que só deve ser quebrado em casos muito excepcionais como resulta, aliás, do disposto no nº4 do art.º 87º do EOA.
Num processo penal de estrutura acusatória como é o nosso, a intervenção do juiz de instrução no inquérito, enquanto garante dos direitos liberdades e garantias, tem assim plena justificação no que respeita às buscas e apreensões a escritório de advogado, por forma a que das mesmas não seja posto em causa o segredo profissional.
Daí que a exigência da presidência do juiz tem como fundamento uma mais apertada garantia da legalidade dos termos em que é executado o acto pois que, estando presente, não só controla a forma como é executada a busca como resolve, de imediato, os incidentes que surgirem.
Por isso a exigência da presidência pessoal do juiz não tem o alcance literal que os recorrentes lhe atribuem de ter de ser o juiz quem, pessoalmente, percorre todas as divisões do escritório e quem materialmente procede à apreensão do que se lhe afigurar de relevo em função da finalidade da busca, não sendo quanto a nós estritamente necessário que o juiz mantenha contacto visual com cada um dos elementos policiais que realizam a busca, ainda por cima quando está presente o próprio buscado e um representante da Ordem dos Advogados.
É apenas preciso que o juiz, estando presente, mantenha o controlo do que está a ser feito, pelos órgãos de polícia criminal, a quem nos termos do art.º 55º, nº1 do CPP compete coadjuvar aquele, sem que tal signifique qualquer delegação ou substituição de competências, e que vá resolvendo no local todas as questões que aí sejam suscitadas com vista a não permitir quebras ou violações do segredo profissional ou intromissões indevidas na actividade profissional do advogado, dessa forma conferindo total legalidade ao acto.
Ora, no caso dos autos, conforme reconhecem os recorrentes e consta do auto de busca e apreensão, o Sr. Juiz de instrução esteve presente no escritório de advocacia dos recorrentes enquanto foi realizada a busca por ele ordenada e que materialmente foi realizada pelo M.º Público e pelos órgãos de polícia criminal e peritos que os acompanharam e coadjuvaram. Esteve também presente um representante da Ordem dos Advogados, os advogados arguidos, que no decurso da busca apresentaram reclamação nos termos do art.º 72º do EOA, além de outras pessoas devidamente identificadas no auto de busca.
Todos os documentos e objectos apreendidos durante a busca o foram por ordem do Sr. Juiz que exerceu o seu poder de controlo sobre a busca, independentemente de ter estado apenas numa das salas e quem decidiu todos os incidentes que no decurso da mesma foram suscitados, tudo em obediência aos preceitos legais supra citados.
De onde se conclui pela total falta de fundamento legal da pretensão dos recorrentes e consequente validade da busca.
b) Da validade da busca efectuada aos veículos da sociedade recorrente:
Alegam os recorrentes que nem constava do mandado de busca qualquer referência aos dois veículos que foram sujeitos a busca, nem o local onde as referidas viaturas se encontravam estacionadas constituem anexos de garagem da fracção a que corresponde as instalações da sociedade advogada, nem mesmo ficou a constar do auto de busca qualquer referência ao facto de tal busca ter sido realizada, o que determina a nulidade do próprio auto de busca.
Em momento algum, porém, os recorrentes alegam que tenha sido apreendido o que quer que seja no âmbito dessa busca aos veículos.
O que, independentemente da validade ou não de tal busca, a torna irrelevante enquanto meio de obtenção de prova, posto que através dela, se não alcançou obter quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova (art.º 174º, nºs1 e 2 do CPP).
E se assim é não se alcança o interesse em agir por parte dos recorrentes relativamente a esse segmento da decisão recorrida.
O interesse em agir é um dos dois requisitos de que depende, em matéria de legitimidade, a admissão de um recurso penal (art.º 401º, nº1, al. b) e nº2 do CPP).
Neste mesmo sentido se pronunciaram Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal Anotado, 2º Volume, 2000, 682):
“ Não basta ter legitimidade para se recorrer de qualquer decisão, necessário se torna também possuir interesse em agir, (…) que se reconduz ao interesse em recorrer ao processo porque o direito do requerente está necessitado de tutela”.
O interesse em agir, conforme se escreve no Ac. do STJ de 18/10/2000, Proc. 2116/00-3, “consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelamento de um direito ameaçado que precisa de tutela e só por essa via se logra obtê-la. Portanto o interesse em agir radica na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo. Trata-se, portanto, de uma posição objectiva perante o processo que é ajuizada a posteriori”.
Em termos de recurso em processo penal tem, pois, interesse em agir quem tiver necessidade de recorrer para defender o seu direito, sendo certo que o interesse em agir não é, no dizer de Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª edição, pág. 330), “um interesse meramente abstracto na correcção das decisões judiciais mas um interesse em concreto pelo efeito que se busca sobre a decisão em benefício do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público”.
Apesar dos recorrentes terem legitimidade para a interposição do recurso também na parte referente à busca às viaturas (art.º 401º, nº1, al. b) do CPP), não se vislumbra qual o efeito útil que com o mesmo pretendem alcançar, uma vez que nada foi apreendido na referida busca.
Nem mesmo tendo presente o disposto no nº 6 do art.º 70º do EAO invocado pelos recorrentes, que impõe que o auto de diligência faz expressa menção das pessoas presentes, bem como de quaisquer ocorrências sobrevindas no seu decurso, posto que, conforme refere o M.º Público, de acordo com o disposto no art.º 99º, nº1 do CPP, não tem cabimento no auto de busca o registo de actos negativos ou de actos que não tenham qualquer relevância para apreciação da prova ou da regularidade do acto.
Assim, ainda que eventualmente tenha sido feita má aplicação da lei, não têm os arguidos interesse em recorrer com esse fundamento, já que dessa “má” decisão não resultou para eles qualquer prejuízo ou sacrifício, nem foi violado qualquer direito, tanto mais que foram eles quem cederam as chaves das viaturas para que fosse feita a busca e esta foi feita na sua presença.
Essa falta de interesse em agir constitui causa que devia ter determinado a não admissão do recurso, nessa parte, nos termos do nº2, parte final, do art.º 414º, conjugado com o 2 do art.º 401º, ambos do CPP.
E que determina agora a sua rejeição, posto que não está este tribunal vinculado à decisão que o admitiu, nos termos do nº do nº1, al. b) do art.º 420º e do nº3 do art.º 414º, ambos do CPP, abstendo-se por isso este tribunal de conhecer do mérito do recurso nessa parte.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção deste Tribunal da Relação em:
a) Rejeitar o recurso interposto pelos arguidos, por falta de interesse em agir, quanto à decisão que considerou válida a busca aos veículos;
b) Julgar, no mais, improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida;
c) Condenar os recorrentes nas custas do recurso, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.
Lisboa, 21 de Outubro de 2009
(processado e revisto pela relatora)
Maria José Machado
Nuno Maria Garcia