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EXPROPRIAÇÃO PARCIAL
EXPROPRIAÇÃO
REQUISITOS
Sumário
I - Não é pela circunstância das partes alegaram determinados factos nos seus articulados que os mesmos se podem ter como provados num processo de expropriação. Para esse efeito, terão que resultar vertidos ou no auto de vistoria “ad perpetuam rei memorium”, ou no acórdão de arbitragem, ou no relatório dos peritos ou, em última análise, nas respostas dos peritos aos quesitos formulados pelas partes, sendo que é através destes que estas podem exercer, sem outros condicionalismos que não o do directo relevo para o processo, o respectivo dispositivo. II- A expressão “cómodos” utilizada no referido nº 2 do art 3º CE significa “utilidades”. III- As situações previstas no nº 2 do art 3º pressupõem em denominador comum: o de que se torne mais gravosa para o proprietário a expropriação apenas da parte necessária ao fim da utilidade pública, do que a da totalidade do prédio, mas esse maior gravame tem de ser apreciado objectivamente. IV- Na concreta situação dos autos, por um lado, a parte não expropriada poderá inquestionavelmente desempenhar as mesmas utilidades que o todo vinha desempenhando. Por outro lado, essas utilidades permitem manter objectivamente aos expropriados o mesmo interesse económico que o todo lhes vinha assegurando, que era, é é, o da sua habitação. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I - Nos presentes autos por expropriação pública em que é expropriante o IEP Instituto de Estradas de Portugal, e expropriados B... e C..., vieram estes requerer a expropriação da área sobrante do prédio urbano sito na ..., na freguesia de Benfica, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., da ... Repartição de Finanças de Lisboa, e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ...., que se encontra inscrita a favor deles, e de que foi adjudicada à Estradas de Portugal, S.A., livre de ónus e encargos, a parcela de terreno, identificada com o n.º 57, com a área de 24 m2, a destacar do logradouro do referido prédio urbano.
Alegam que a parte restante do prédio, não expropriada, não assegura os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio, já que, a privar-se a moradia do seu logradouro, se está a descaracterizá-la, pois que sem ele “a moradia deixa de o ser, passando a ser apenas um pequeno prédio de uma só fracção”, na medida em que o que “caracteriza estas moradias, em oposição a um comum edifício de habitação, para além do facto de serem unifamiliares, é o terem logradouro a tardoz, com pátio, jardim, garagens. Entendem, por outro lado, que ao expropriar-se a parcela em causa, se vão diminuir os cómodos que o prédio oferecia, na medida em que a parcela expropriada se destina à construção à execução da obra IC17 CRIL – Sublanço Buraca Pontinha, e embora a ausência de projecto de execução para o local em causa, não permita saber, com certeza, o que é que vai ser implementado no local, sabe-se que serão inevitáveis as consequências negativas no valor das moradias atingidas, como o demonstra, desde já, a circunstância de que, desde que foi conhecida a decisão relativa à conclusão do último troço da CRIL, se ter vindo a registar, sobretudo na rua em que se situa a moradia dos autos, um aumento considerável do número de moradias em comercialização, com os respectivos valores de venda a registar um decréscimo significativo, quando comparados com os valores de comercialização de outras moradias implantadas em ruas mais afastadas da zona de intervenção do último sublanço da CRIL. Alegam ainda que têm dois filhos menores, de 6 e de 3 anos, ambos com problemas do foro respiratório, sofrendo o mais velho de asma brônquica e rinite alérgica, tendo de fazer medicação diária, o que torna inviável a sua permanência no local, não só durante as obras, como posteriormente, quando a obra estiver concluída. Concluem, assim, que não pode deixar de se considerar verificada a exigência do art. 3°/2 al. a) do CE.
Respondeu a entidade expropriante sustentando que no caso vertente não estão verificados os requisitos das alíneas do n.º 2 do artigo 3º C.E., pelo que, não pode ser posto em causa o princípio consagrado no n.º 1 do artigo 3º C.E., segundo o qual a expropriação se deve limitar ao estritamente necessário à prossecução do fim de utilidade pública. Desde logo, os 24 m2 de área expropriada representam cerca de 17% da área de logradouro total, e cerca de 13% da área total do prédio, e relativamente aos 92,25 m2 do “logradouro” tardoz, representam cerca de 26% do mesmo. Invocam ainda que além do logradouro frontal e lateral e da área de implantação da construção (moradia), o prédio continuará a dispor de uma área de cerca de 68,25 m2 de “logradouro” tardoz, pelo que apenas há que considerar a depreciação do valor da parte restante do prédio, como o fizeram os árbitros entendendo essa depreciação equivalente a 10,5% do valor da construção. Alegam, por outro lado, que uma vez que o muro do Túnel de Benfica ficará para além da área expropriada, em todas as expropriações amigáveis ocorridas no Bairro de Santa Cruz de Benfica (mais de metade do total), a EP SA concordou em conceder a futura utilização gratuita de boa parte dos logradouros expropriados (portanto, todos localizados a tardoz), logradouros que serão integrados no domínio público rodoviário, por razões de ordem técnica e de segurança, e de cuja fruição beneficiarão os expropriados, que assim poderão utilizar uma área bastante idêntica à que tinha tinham antes da expropriação.
Após a realização da peritagem, foi proferida decisão em que se deferiu o pedido de expropriação total do prédio.
II – Do assim decidido, apelou a entidade expropriante, que extraiu das suas alegações as seguintes conclusões:
1- A área remanescente, continua, após a expropriação, a assegurar proporcionalmente os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio.
2 - Não ficou provado que os cómodos assegurados pela parte restante não tenham interesse económico para os expropriados.
3- A sentença recorrida, apenas e só com base num documento parcial junto ao requerimento de expropriação total, e amplamente contestado pela expropriante, decidiu estarem verificados, no caso vertente, os pressupostos do n.º 2 do artigo 3º do C.E.
4 - A sentença recorrida dá como provado que além do logradouro frontal, lateral e da área de implantação da construção (moradia), o prédio continuará a dispor de uma área de cerca de 68,25m2 de "logradouro" tardoz.
6 - A sentença recorrida está em contradição com os fundamentos em que assenta quando alude a que " sem o logradouro a moradia deixa de o ser, passando a ser apenas um pequeno prédio de uma só fracção".
7 - A moradia, após a expropriação, continua a ter logradouro, frontal, lateral e tardoz.
8 - O logradouro tardoz, tal como resulta provado, é um espaço significativo- sobretudo se tivermos em consideração que se trata de uma zona de malha urbana consolidada e densa.
9-Após a expropriação, conforme demonstrado analiticamente e objectivamente, a moradia continuará a usufruir de logradouro, não sendo descaracterizada em consequência da construção do presente empreendimento.
10- A maioria das moradias do Bairro de Santa Cruz de Benfica, no alinhamento presente prédio, possui apenas logradouro frontal e tardoz.
11 - Os expropriados poderão no futuro utilizar gratuitamente uma área de 14,10 m2, a adicionar ao logradouro tardoz remanescente.
12 - Em rigor e objectivamente, o logradouro tardoz apenas sofre uma redução de 9,9 m2. (92,25m2 - 82,35m).
13 - A manutenção dos mesmos cómodos é no caso vertente possível, bastando aos expropriados repor as benfeitorias afectadas - e pelas quais serão indemnizados.
14 - Os custos referentes à readaptação do espaço remanescente estão igualmente previstos como quantitativo indemnizatório fixado pelos árbitros.
15 - Sem qualquer elemento probatório credível e rigoroso, a sentença considera que a permanência do filho dos expropriados na moradia "... é completamente inviável ... não só durante as obras, como, posteriormente, quando a obra estiver concluída."
16 - Tal conclusão não pode resultar de um documento encomendado e parcial, pelos expropriados como doc.1.
17- Documento esse amplamente rebatido pela expropriante em sede de resposta ao recurso e pedido de expropriação total.
18 - Documento esse, que também se afasta decisivamente, nas suas premissas e conclusões, e em total desrespeito pelos critérios de avaliação vertidos no C.E., da única avaliação constante do processo, e que é a efectuada pelos Árbitros.
19 - A qualidade ambiental está actualmente a ser alvo de estudos, aí se incluindo os descritores ar e ruído, no sentido de acautelar todos os parâmetros definidos para a via de comunicação em questão.
20 - O Tribunal a quo ponderou impactes cuja existência não pode conhecer.
21 - E ignorou que a zona em questão já se encontra actualmente em zona urbana densa, no limite do Concelho de Lisboa e da Amadora, padecendo de todos os inconvenientes inerentes aos meios urbanos.
22 - Estando a indemnização balizada pela declaração de utilidade pública, a mesma não pode contemplar os danos ou efeitos decorrentes da utilização futura da parcela.
23 - Tais danos ou efeitos, no caso absolutamente por demonstrar, porque resultantes da exploração da infra-estrutura rodoviária, não são contemporâneos da declaração de utilidade pública, razão porque não podem caber no âmbito do nº 1 do artigo 23º do C.E.
24 - Tais danos ou efeitos, não são contemporâneos da data da publicação da declaração de utilidade pública, não cabendo por isso na previsão do nº 1 do artigo 23º do C.E., não resultam da expropriação rodoviária erigida na parcela no nº 2 do artigo 29º do C.E.
25 - E também não resultam, da expropriação parcial, mas sim da exploração da infra-estrutura rodoviária erigida na parcela expropriada, pelo que não são subsumíveis no nº 2 do art 29º.
26 - Da expropriação resultarão benefícios para a zona em apreço.
27- A zona situada nas traseiras do Bairro de santa Cruz de Benfica, será objecto de uma requalificação urbana, passando a dispor, após a conclusão da obra, de equipamentos e infra-estruturas urbanísticos até então indisponíveis.
28- Está prevista para a zona em questão, a construção de jardins, zonas pedonais, outros ciclovias e outros equipamentos urbanos.
29 - Equipamentos esses que irão trazer acrescida qualidade de vida aos moradores do Bairro de Santa Cruz de Benfica.
30 - A zona irá beneficiar de melhores acessibilidades, após a construção do empreendimento, o que potenciará o valor das construções, pela proximidade acrescida a bens e serviços.
31 - O critério legal para a expropriação total é exigente, não bastando meras limitações que se repercutem na quantificação da indemnização devida pela expropriação.
32 - No caso vertente, é manifesto que tais limitações não são de molde a fazer perder, objectivamente, o interesse económico por parte dos expropriados quanto à sobrante.
33 – Objectivamente, a expropriação de uma área com 24 m2 a destacar do logradouro tardoz, não afecta as características essenciais do prédio que se mantém como uma moradia com logradouro frontal, lateral e tardoz.
34 - Não foi certamente por acaso que, até à presente data, nenhum dos pedidos de expropriação total formulados pelos demais expropriados, moradores no Bairro de Benfica, Santa Cruz de Benfica, foi aceite.
35- Tendo decidido a expropriação total, o Tribunal a quo ordenou à expropriante a realização do "... depósito complementar do valor atribuído no acórdão arbitral à área sobrante em causa."
36- Acórdão arbitral que não atribui qualquer valor à área sobrante, desconhecendo-se, por isso, a que depósito complementar alude a sentença.
37 - Perante a ausência dessa avaliação pelo colectivo arbitral, então o Tribunal teria de recorrer a meios probatórios suplementares, designadamente ordenando a realização de uma perícia, por forma a ficar habilitado a proferir uma correcta decisão sobre o aludido pedido.
38 - Não o tendo feito, a sentença deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, enfermando por isso do vício da nulidade.
Os expropriados contra-alegaram, defendendo a manutenção da decisão recorrida
III - Cumpre decidir, tendo presente a seguinte matéria de facto, e o seguinte circunstancialismo processual, que se entendem relevantes para a decisão a proferir:
1- Do prédio urbano sito na Rua ..., na Freguesia de Benfica, concelho de Lisboa (descrito na ... Conservatória do Registo. Predial de Lisboa, sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...), foi destacada uma parcela de terreno, a que foi dado o n.º 57 na respectiva planta parcelar, com a área de 24 m2 a destacar do logradouro do referido prédio.
- A utilidade pública da expropriação da sobredita parcela resulta do Despacho n.º ...., de 12 de Outubro de 20007 do Senhor Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República, II Série, n.º 208, de 29 de Outubro de 2007.
-A expropriação da parcela em causa tornou-se necessária à construção e execução da obra IC17 CRIL – Sublanço Buraca Pontinha, conforme despacho acima referido.
- O prédio urbano de que é destacada a parcela, é uma moradia, em banda, de rés do chão, 1º andar e sótão esconso, logradouro e anexos, sita no Bairro de Casas Económicas de Santa Cruz, Benfica.
- O terreno do prédio tem a área de 180 m2, ocupando a moradia a área coberta de cerca de 64 m2.
-Esta moradia tem no rés do chão, com cerca de 64 m2, sala, cozinha, casa de banho e um pequeno sanitário, no 1º andar, três quartos e uma casa de banho, ocupando cerca de 62 m2, e no sótão, esconso, uma divisão para arrumos.
-Esta habitação uni familiar, ampliada da moradia primitiva, teve obras de beneficiação geral recentes, apresentando-se em muito bom estado de conservação, sem quaisquer fendilhações.
-O logradouro posterior da moradia, murado em toda a perimetria, tem um anexo em L e inclui uma área ajardinada, estando esta já situada no terreno alugado à Câmara Municipal de Lisboa, localizado no tardoz do lote.
- A parcela a expropriar situa-se nesse logradouro traseiro da moradia.
- Constitui uma faixa de 24 m2, que se mostra ocupada pela construção acima referida de piso térreo em forma de L, com a área coberta de 55 m2, construção essa que ultrapassa os limites daquela faixa.
- Esta construção tem duas divisões para jogos e uma área de churrasqueira, pavimentos em mosaico cerâmico, paredes em alvenaria de tijolo estucadas e pintadas, tectos estucados, fachadas idênticas à da moradia e cobertura em telha.
-Este anexo é de construção recente, estando muito bem conservado.
-A parcela atravessa transversalmente o prédio no seu tardoz e é ocupada por área exterior empedrada e dois anexos para sala de jogos e churrasqueira.
- A parcela a expropriar insere-se numa área urbana – Bairro de Santa Cruz, na freguesia de Benfica, da cidade de Lisboa - onde predominam vivendas geminadas, compostas de rés-do-chão e 1º andar, e logradouros (à frente e a tardoz) ajardinados e/ou aproveitados para anexos /parqueamento de veículos.
- Trata-se de um bairro construído no fim dos anos 40 e início dos anos 50, do século passado.
-A zona envolvente próxima, tem edifícios em altura, até 9 andares para habitação e com comércio e serviços ao nível de rés-do-chão; mercado municipal, dependências bancárias/outros serviços e restauração, estabelecimentos escolares (um ao fim da rua), instalações desportivas e parque verde; transportes públicos urbanos rodoviários, "Carris" e operadores privados; linha de caminho de ferro com serviço de comboios suburbanos, da linha de Sintra, junto das estações de Benfica e da Damaia; a tardoz, existe espaço amplo ocupado por arruamento pavimentado a betuminoso com bermas em calçada, em terra batida com vegetação natural e iluminação pública, sobreelevado em relação ao arruamento da moradia.
- Frustrada nos autos a expropriação pela via amigável, foi realizada arbitragem tendo sido fixado em € 71.795.00 o montante indemnizatório devido pela expropriação da referida parcela.
- Nessa arbitragem, a parcela em causa foi classificada como solo apto para construção e foi aplicado o critério de avaliação assente no custo de construção constante do art 26º/4 do CE, tendo ainda o colectivo arbitral entendido, para a fixação da indemnização, ao disposto no n.º 2 do artigo 28.º e n.º 2 do artigo 29.º do C.E..
- O quantitativo indemnizatório fixado, incluiu o valor do solo, o valor das benfeitorias existentes na parcela, o valor de uma depreciação atribuída à área remanescente e uma verba destinada a adaptação do logradouro remanescente a tardoz.
- Foram consideradas as seguintes benfeitorias: Anexo térreo com 55 m 2, pavimento e muro de vedação, atribuindo-se-lhes o valor total de € 47.200.
- Consideraram os Exmos árbitros que devido à redução de logradouro em 21%, a área bruta de construção da moradia (com excepção do anexo) ficou depreciada em 10,5%, atribuindo o valor de € 19.845 à depreciação do prédio pela diminuição da área do logradouro.
- E estimaram para valor das obras de adaptação do logradouro sobrante, a tardoz, o valor de € 1.000.
- Os expropriados, inconformados com o valor arbitrado para a indemnização, interpuseram recurso da decisão arbitral, pedindo pela expropriação parcial, uma indemnização de € 286.950,00.
- Perguntados sobre várias questões relacionadas com a execução da obra em apreço, o seu real impacto, quer nas moradias, quer mesmo em toda a zona abrangida pela obra em causa, os árbitros responsáveis pelo Relatório de Arbitragem no processo, limitaram-se a responder – em 6 dos 8 quesitos formulados – que “os árbitros não foram disponibilizados elementos referentes ao projecto de execução da obra em apreciação.”, esclarecendo a fls 184 que “ não está, aliás, no âmbito da sua intervenção o conhecimento do projecto em causa”.
- Os expropriados juntaram aos autos documento dito “Relatório de Avaliação” subscrito pela “Terraval, Avaliação e Consultaria Imobiliária”, no qual, entre o mais, se refere: “(…) o Bairro de Santa Cruz de Benfica pelas características que apresentou ao longo dos últimos anos, nomeadamente por se tratar de um bairro lisboeta sossegado e conservador, composto essencialmente por moradias unifamiliares com pequenos logradouros, historicamente e em termos de estatística de mercado, sempre se registou uma procura superior à oferta. Desde que foi conhecida a decisão do governo de concluir o último troço da Cintura Regional Interna de Lisboa CRIL), e tal como foi apresentada, tem-se vindo a registar no Bairro de Santa Cruz, um aumento considerável do número de moradias em comercialização”.
-Nesse relatório lê-se ainda: “A presente avaliação teve em conta a influência e os impactos expectáveis que a execução do troço final da CRIL irá provocar nas áreas e nas características do imóvel, factores fundamentais que se irão reflectir no presumível valor da transacção do imóvel”.
- Os expropriados, têm dois filhos, nascidos em 12/10/2002 e 3/8/2205 (doc de fls 382 destes autos) sofrendo o mais velho sofre de asma bronquite e renite alérgica, tendo de fazer medicação diária.
IV – Está essencialmente em questão no recurso, saber se, ao contrário do decidido na 1ª instância, a situação factica a que os autos se reportam, não justifica a expropriação total requerida pelos expropriados.
È no contexto dessa questão que deverão analisar-se as sub-questões que a expropriante apelante coloca, de saber se a sentença recorrida enferma de nulidade por contradição entre os seus fundamentos e a decisão (conclusão 6ª) e por omissão de pronúncia (conclusão 38ª), ali, porque, não obstante ter dado como provado que a moradia após a expropriação, continua a ter logradouro frontal, lateral e tardoz, vem a concluir que “a moradia sem o logradouro deixa de o ser, passando a ser um pequeno prédio de uma só fracção”, e aqui, porque a sentença recorrida não se pronunciou sobre a circunstância, que deveria ter apreciado, de no acordão arbitral não ter sido atribuído qualquer valor à área sobrante.
Antes de prosseguir, e, antecipando a estranheza das partes perante a matéria de facto que acima se assinalou como resultando adquirida para o processo - na medida em que, da mesma, constarão factos que não constariam no elenco dos factos dados como provados na sentença recorrida, e sobretudo, não constam referências, factuais ou não, que estavam incluídas naquele elenco - cabe referir que este tribunal sentiu a necessidade de expurgar aquela “matéria de facto” de algumas destas referências.
Assim, omitiu-se como matéria de facto provada, juízos indiscutivelmente conclusivos, como os de que, “ao privar-se a moradia do seu logradouro está, não só a retirar-se uma parte importante do prédio, mas, e mais importante, a descaracterizá-lo”; “de facto, sem o logradouro a moradia deixa de o ser, passando a ser apenas um pequeno prédio de uma só fracção”; “na verdade, o que caracteriza estas moradias, em oposição a um comum edifício de habitação, para além do facto de serem unifamiliares, é o terem o acesso tardoz com pátio, jardim, garagens”; “ao expropriar-se na parcela em causa vai-se, pelo menos, diminuir os cómodos que o prédio oferecia, sendo certo que podemos mesmo considerar que a própria caracterização da moradia enquanto tal fica afectada”; a expropriação da parcela em causa, para além de, por si só, representar uma descaracterização do imóvel daquela que é separada, traz consigo a construção de uma obra que vai mudar as condições de vida das habitações, logo os cómodos que oferecem, bem como e inevitavelmente, o seu valor de mercado”, que correspondem, “ipsis verbis”, a matéria alegada pelos expropriados como fundamento directo para o pedido de expropriação total. A sua presença na matéria de facto constante da sentença recorrida só poderá ter-se devido a lapso informático, visto que em vez de factos, são já as conclusões que, do ponto de vista dos expropriados, se imporiam para decidir, como pretendem, pela expropriação total.
Excluíram-se também da matéria de facto tida como provada, as alegações da entidade expropriante referentes à existência no prédio, para além do logradouro a tardoz, de um logradouro frontal e lateral, bem como as alegações dessa entidade referentes às percentagens que os 24 m 2 correspondentes à área da parcela expropriada, representarão no confronto da totalidade do logradouro total, da área total do prédio, e da área total do logradouro a tardoz.
Querendo a entidade expropriante que os elementos em causa – de cujo interesse para a decisão da questão em apreço nos autos não se duvida - valessem como factos provados, e, na medida em que, por razões que se desconhecem, os mesmos não são referidos nem no auto de vistoria “ad perpetuam rei memorium”, nem no relatório e acórdão de arbitragem, deveria ter tido o cuidado de tê-los incluído em quesitos para que sobre os mesmos os árbitros se tivessem pronunciado.
Com efeito, não é pela circunstância das partes alegaram determinados factos nos seus articulados que os mesmos se podem ter num processo de expropriação como provados. Para esse efeito, terão que resultar vertidos nalgum dos elementos processuais acima referidos, ou, pelo menos, nas respostas dos peritos aos quesitos formulados pelas partes, sendo que é através destes, que as partes podem, em última análise, exercer, sem outros condicionalismos que não o do directo relevo para o processo, o respectivo dispositivo [1].
Pelas razões acima referidas também não se teve como provado a circunstância invocada pela entidade expropriante de ter concordado em conceder a futura utilização gratuita de boa parte dos logradouros expropriados em todas as expropriações amigáveis ocorridas no Bairro de Santa Cruz de Benfica, porque o muro do Túnel de Benfica, ficará para além da área expropriada, e que por isso os expropriados poderão utilizar uma área bastante idêntica à que tinha tinham antes da expropriação.
Explicitado assim o entendimento deste tribunal a respeito da matéria de facto que se tem como provada nestes autos, logo se vê que a questão da acima referida nulidade da sentença por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, deixa de ter qualquer relevância.
De todo o modo, e há que acentua-lo, nunca a teria, porque, verdadeiramente, não estaria em causa oposição entre os fundamentos da decisão e a própria decisão [2]. A contradição que a apelante releva, situar-se-ia entre os fundamentos de facto da decisão – ao dar-se como provado que a moradia continuava a ter logradouro (e não só a tardoz, mas também dianteiro e lateral) – e os fundamentos da própria decisão, ao concluir-se, contra aquele facto, que “a moradia sem o logradouro deixa de o ser, passando a ser um pequeno prédio de uma só fracção”. Mas, o que aí se verificaria, era oposição entre um fundamento de facto e um fundamento da decisão de direito, oposição que não tornaria a sentença nula (na medida em que este último fundamento está logicamente conforme com a concreta decisão do processo de ter-se como fundamentada a expropriação total), mas que corresponderia antes a um erro de julgamento.
Do que se veio de dizer e dos factos que aqui se deram como provados há que reter que a moradia de cujo logradouro a tardoz foi expropriada a área de 24 m 2, continua a manter logradouro(s ?) e numa área total de cerca de 116 m 2 (visto que “o terreno do prédio tem a área de 180 m 2, ocupando a moradia a área coberta de 64 m”) e que o existente a tardoz não foi inteiramente absorvido pela área expropriada. A parcela expropriada, porque “atravessa transversalmente o prédio no seu tardoz e é ocupada por área exterior empedrada e dois anexos para sala de jogos e churrasqueira”, implica que estes anexos – “em forma de “L” com duas divisões para jogos e uma área de churrasqueira” - tenham de ser demolidos. Mas a expropriação dessa parcela não obsta a que se mantenha logradouro a tardoz, e com espaço bastante para serem repostos os anexos, tal como o previram os árbitros no respectivo relatório ao estimarem como valor das obras de adaptação do logradouro sobrante a tardoz, 1.000,00 € (cfr ainda a resposta dos árbitros ao quesito 4ª dos formulados pelos expropriados).
Postos estes factos em relevo, impõe-se que se analise a questão central de saber se se justifica ou não nos autos a requerida expropriação total.
Dispõe o artº 3º/ 2 do CE que quando seja necessário expropriar apenas parte do seu prédio, pode o proprietário requerer a expropriação total: al a) - Se a parte restante não assegurar proporcionalmente, os mesmos cómodos que oferecia todo o prédio; al b) - Se os cómodos assegurados pela parte restante não tiverem interesse económico para o expropriado, determinado objectivamente.
Deste preceito resulta que o proprietário, perante uma expropriação parcial, pode requerer a expropriação total do prédio, verificados determinados pressupostos, o que determinará que a parte não expropriada siga o destino da parte expropriada.
As situações previstas no nº 2 do art 3º pressupõem em denominador comum: o de que se torne mais gravosa para o proprietário a expropriação apenas da parte necessária ao fim da utilidade pública, do que a da totalidade do prédio, mas esse maior gravame tem de ser apreciado objectivamente.
Note-se que com a possibilidade da expropriação total, o interesse que se pretende proteger é apenas o do proprietário.
Mas tem que se tratar de um interesse objectivo, objectividade que é assegurada pela verificação dos pressupostos a que alude a referida norma legal. “Esta determinação objectiva tem de seguir critérios que não se possam confundir com interesses de carácter pessoal ou subjectivos, ou circunstâncias a si atinentes, mas antes que, sem tal expropriação total, e ficando apenas na parcelar, ocorra perdas graves da utilidade do prédio, importando apreciar a afectação relevante e interesse económico do expropriado [3].
Desta nota da objectividade, retirada expressamente do próprio art 3º/2, logo resulta que a circunstância dos expropriados terem dois filhos com problemas respiratórios, um deles mesmo asma e rinite alérgica, é indiferente para a decisão em apreço.
A expressão “cómodos” utilizada no referido nº 2 do art 3º CE significa “utilidades” [4].
E portanto, a lei exige que a parte não expropriada, não proporcione as mesmas utilidades que, tendo em conta a proporção em que diminuiu a área não expropriada, o todo assegurava (al a) desse preceito); ou que as utilidades que a parte sobejante passe a poder proporcionar, não tenham o mesmo interesse económico, apreciado objectivamente (al b) do mesmo). Havendo ainda que se assinalar, que no caso da al b), “o que tem relevo é o interesse económico dos cómodos que a parte sobrante proporcione ao proprietário e não o interesse ou valor económico da parcela, em si considerada” [5].
Deste modo, e ainda a propósito desta al b), apurada a aptidão do prédio antes da expropriação, e comparada com a que o mesmo mantém depois da expropriação, quando se conclua que o mesmo não permite a capaz utilização e prossecução do destino económico que lhe era próprio, havendo correspondente pedido do expropriado, dever-se-á determinar a expropriação total [6].
E não há que confundir os pressupostos do direito à expropriação total, com os pressupostos de aplicação do disposto no nº 2 do art 29º do CE.
É que o direito à expropriação total, verificados os necessários pressupostos, entre eles o do correspondente requerimento do expropriado, é um verdadeiro pedido potestativo, não podendo ser afastado pela perspectiva de se poder vir a considerar, na expropriação parcial, uma percentagem, mais ou menos generosa, na depreciação da parte sobrante.
Portanto, é prioritário que, objectivamente se conclua pelos pressupostos ou não da expropriação total, sendo que apenas se estes não se verificarem, será de equacionar a depreciação da parte sobrante e a sua adição à indemnização referente à parcela expropriada.
Ora, na concreta situação dos autos, por um lado, a parte não expropriada – que compreende a moradia e mais ou menos 116 m 2 de logradouro (situando-se, pelo menos, parte dessa área, a tardoz) e onde será possível reconstruir o anexo com as funcionalidades que o mesmo vinha desempenhando – poderá inquestionavelmente desempenhar as mesmas utilidades que o todo vinha desempenhando, sendo despropositado defender, como o fazem os expropriados, que a expropriação dos 24 m 2 no logradouro implica a “descaracterização” da moradia porque resulte privada do seu logradouro (o que, já se viu, não ser verdade). Por outro lado, essas utilidades que a parte sobrante continua a assegurar, permitem manter objectivamente aos expropriados o mesmo interesse económico que o todo lhes vinha assegurando, que era é é, o da sua habitação.
Nem se diga a este respeito, que esta habitação, com a perspectiva da execução do último troço da CRIL, ficou economicamente desvalorizada. Ainda que assim seja – e que tal desvalorização não seja meramente conjuntural - não há elementos nos autos que permitam concluir que esta possível desvalorização assuma um relevo tal, que o prédio dos expropriados deixe, enquanto habitação, de ter interesse económico para eles.
Não estão verificados os pressupostos de que o art 3º/2 do CE faz depender a admissibilidade da expropriação total a requerimento do expropriado.
Estes ver-se-ão ressarcidos da depreciação económica que para eles represente a expropriação parcial, através da indemnização que venha a ser encontrada para a desvalorização da parte sobrante nos termos do art 29º/2 do CE.
E a este respeito cabe referir, que se é verdade que nos autos os árbitros não chegaram a calcular separadamente o valor e o rendimento totais do prédio e das partes abrangidas e não abrangidas pela declaração de utilidade pública, tal como o determina o nº 1 do art 29º CE, o facto é que essa omissão só poderia relevar caso se viesse a concluir – como o concluiu a 1ª instância – que deveria ter lugar a expropriação total. Desde o momento em que se decide que esta não pode ocorrer, por não se verificarem os necessários pressupostos, já não tem qualquer relevo a referida omissão, como vem a resultar do disposto no nº 3 do referido art 29º [7].
V - Pelo exposto, acordam este tribunal em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida.
Custas na 1ª instância, e nesta, pelos expropriados.
Lisboa, 22 de Outubro de 2009
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
[1]- Refere Osvaldo Gomes, “Expropriações por Utilidade Pública”, 1ª ed, p 369, que no âmbito do processo expropriativo, o princípio do dispositivo revela-se em diversos momentos, em que sobressai a delimitação do thema decidendum através do requerimento de interposição de recurso e na formulação de quesitos. [2]- Amâncio Ferreira” Manual dos Recuros em Processo Civil”, 4 ed, refere a propósito destra nulidade ( p 49): “Na alínea c) do nº 1 do art 668º, a lei refere-se á contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto, ou , pelo menos , de sentido diferente. “ [3]- Osvaldo Gomes, “Expropriações de Útilidade Pública”, 1ª ed., 212
[4]- Neste sentido Ac R P 19/12/07 (Antas de Barros) acessível em www. dgsi. pt [5]- Cfr de novo o acima referido acordão [6] - Neste sentido, Ac STJ 8/5/91 (Beça Pereira), acessível em www.dgsi.pt.
[7] - Cujo texto é o seguinte: “Não haverá lugar à avaliação da parte não expropriada, nos termos do nº 1, quando os árbitros ou os peritos, justificadamente, concluírem que, nesta, pela sua extensão, não ocorrem as circunstâncias a que se referem as alíneas a) e b) do nº 2 e o nº 3 do art 3º”