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INSOLVÊNCIA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REQUISITOS
Sumário
1- Em processo de insolvência, apenas é admitida a suspensão da instância nos casos expressamente previstos no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (artigo 8º deste diploma), não sendo consequentemente admissível a aplicação do regime do nº 4 do artigo 279º do Código de Processo Civil, ao abrigo do artigo 17º daquele Código. 2 – Não pode, por tal motivo, ser deferido o pedido de suspensão da instância formulado, ainda que antes da prolação de sentença, em requerimento conjunto do requerente e do requerido, baseado em acordo de pagamento celebrado entre ambos. 3 – Tal acordo contrariaria ainda a universalidade característica do processo de insolvência (artigo 1º do CIRE), que mesmo o plano de insolvência e o plano de pagamentos previstos nos artigos 251º e 253º daquele Código respeitam. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I – M..., SA, requerida nos autos de processo de insolvência que intentados por E..., LDA, interpôs, afls. 38, recurso de apelação do despacho de 27.5.2009, que indeferiu o pedido de suspensão da instância formulado por requerente e requerida.
Termina as respectivas alegações, deduzindo as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso vem interposto do despacho que indeferiu o requerimento com vista à suspensão da instância por mútuo acordo das partes; B) Entende o Meritíssimo Juiz a quo, tal possibilidade não está consagrada no art. 8º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; C) A vingar esta tese, os direitos das partes ficariam coarctados, não tendo sido essa a intenção do legislador; D) O que se conclui na esteira da norma contida no art. 21º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; E) Efectivamente, só depois de proferida a sentença declaratória da insolvência é que é que os interesses que o processo de insolvência visa regular e tutelar se transmutam em direitos indisponíveis; F) Só a partir desse momento é que não podem ser postergados por iniciativa das partes; G) Desta forma, resulta do espírito da lei que, até esse momento, está na disponibilidade das partes a decisão quanto ao desfecho do processo; H) Por essa razão, é lícito às partes apresentarem, até à sentença, quer a desistência da instância, quer a desistência do pedido; I) Dispõe o art. 17º do CIRE, O processo de insolvência rege-se pelo Código de Processo Civil em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código; J) Atenta a disponibilidade do processo de insolvência na vontade das partes, até à prolação da sentença, a aplicação das regras contidas no Código de Processo Civil relativamente à suspensão da instância, não contraria, seja por que forma for, as disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; K) Não pode, pois, considerar-se que o art. 8º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas esgota os casos em que pode ser admitida a suspensão da instância; L) Tal entendimento redundaria numa interpretação restritiva e literal, o que contraria o espírito do legislador; M) Nesta medida, recorrendo à norma contida no art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, deverão aplicar-se no processo de insolvência as regras relativas à suspensão da instância, previstas no Código de Processo Civil, nomeadamente o disposto no nº 4 do seu art. 279º; N) Nesta medida, entende a Recorrente, a decisão recorrida fez uma errada interpretação da Lei, nomeadamente das normas contidas nos artigos 8º, e 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que determine a suspensão da instância nos termos requeridos”.
Não houve contra-alegações.
Por a requerida não ter deduzido oposição e como tal terem sido, nos termos do artigo 30º, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, declarados confessados os factos alegados na petição inicial, prosseguiram os autos após a interposição do recurso supra referido, vindo a ser lavrada sentença que, depois da enunciação da matéria de facto provada e da aplicação do direito, julgou a acção procedente e declarou a insolvência da requerida e os consequentes efeitos e decretou as medidas legalmente previstas. Desta sentença interpôs a requerida segundo recurso de apelação, cujas alegações finalizou formulando as seguintes conclusões:
“A) O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos presentes autos em 08.07.2009, que declarou insolvente a ora Recorrente; B) Porém, é esta mesma sentença que refere terem Requerente e Requerida requerido a suspensão da instância, nos termos e ao abrigo do artigo 279º, nº 4 do C.P.C., requerimento que veio a ser indeferido, - por despacho não transitado em julgado (sublinhado nosso); C) Com efeito, esse requerimento de suspensão da instância tinha em vista o pagamento da dívida à Requerente nos termos do acordo celebrado entre ambas; D) Desse despacho, foi interposto recurso e, sobre o mesmo, até hoje não recaiu qualquer decisão; E) Assim sendo, não é admissível a prolação da sentença de que ora se recorre, sofrendo esta de nulidade, que aqui se deixa arguida ao abrigo do disposto no artigo 668º do C.P.C., uma vez que o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre o recurso interposto pela Requerida; F) Por outro lado, a douta sentença em recurso, funda-se na alegação feita pela Requerente, na petição inicial, de factos genéricos e inconclusivos que, por si só, não permitem concluir pela situação de insolvência, previstos no art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE; G) Estabelece o art. 3º, nº 1 do CIRE, que se encontra em situação de insolvência “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”. Acrescenta o nº 2 que “as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”; H) Tal significa que são dois os fundamentos para que se possa decretar a insolvência de um devedor, quando se verifique a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas e quando o passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis; I) Aliás, compulsado o preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/04 que aprovou o CIRE, verifica-se que, neste, expressamente, se refere … como critério específico de determinação da insolvência de pessoas colectivas (…) por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente a superioridade do seu passivo sobre o activo(sublinhado nosso); J) Daqui resulta que foi intenção do legislador aditar ao regime geral de definição da situação de insolvência, um fundamento específico em relação às pessoas colectivas: a superioridade do seu passivo sobre o activo; K) Ora, dos factos alegados pela Requerente Estucoeste no requerimento inicial, não pode concluir-se, nem estes demonstram o fundamento atinente à impossibilidade da requerida/devedora de cumprir as obrigações vencidas, tendo sido este, aliás, o motivo invocado por eles, requerentes, para pedirem a declaração de insolvência da requerida; L) No que toca à legitimidade da interessada no pedido de declaração de falência, estabelece o art. 20º, nº 1, al. b) do CIRE que a “declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida … por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito… verificando-se algum dos seguintes factos: b) falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”; M) Este dispositivo, juntamente com as outras alíneas do art. 20º, nº 1, concretiza a referência genérica de situação de insolvência a que se refere o mencionado art. 3º do diploma; N) Para o aqui interessa, estará numa situação de insolvência, o devedor cuja falta de cumprimento, de uma ou mais obrigações (pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento) revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; O) Na petição inicial, a Requerente alegou que é credora da Requerida, em virtude de trabalhos por ela executados no montante de 38.350,37 €, donde se poderá inferir que a Requerida se encontra em situação de falta no cumprimento de obrigações. Simplesmente, não basta esta circunstância para que a insolvência de uma entidade possa ser decretada; P) A Requerente também alegou que a Requerida não dispõe de activos ou recurso financeiros que lhe permitam liquidar o passivo existente, não apresentando factos concretos, capazes de denunciar a impossibilidade real de a Requerida satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações; Q) Ao invés, a Requerente, na sua alegação, foi genérica e pouco precisa, aduziu factos vagos e conclusivos, circunstância que obsta a que se possa produzir prova sobre eles, como decorre do disposto no art. 511º, nº 1 do C.P.Civil; R) Nessa medida, deveria a Meritíssima Juiz a quo ter indeferido liminarmente a petição inicial ou, quando muito, nos termos do artº 27º, nº 1, al. b) do CIRE, ter concedido prazo para a Requerente corrigir os vícios da petição; S) Razão pela qual, a Recorrente vem pugnar pela revogação da douta sentença recorrida. Termos em que o presente recurso deve merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida”.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Foram seguidamente proferidos despachos recebendo ambos os recursos, com subida em separado e efeito devolutivo.
II – QUESTÕES A DECIDIR
Resulta dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 3 do Código de Processo Civil, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões das alegações do recorrente.
Assim, e no que tange à 1ª apelação, cumpre decidir se é ilegal o despacho que, por entender que não é admissível a suspensão da instância fora dos casos previstos no artigo 8º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e que, com esse fundamento, indeferiu o pedido de suspensão da instância apresentado por acordo de requerente e requerido antes da prolação de sentença.
Relativamente à 2ª apelação, impõe-se apurar, em primeiro lugar, se a prolação de sentença sem prévio despacho sobre o requerimento de interposição da 1ª apelação constitui nulidade nos termos do artigo 668º do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia e, em segundo lugar, se, em face da alegação fáctica constante da petição inicial, a mesma deveria ter sido liminarmente indeferida ou pelo menos alvo de despacho formulando convite ao suprimento da falta de alegação de factos concretos, e, por último, se em face da matéria de facto provada, se encontram preenchidos os pressupostos de declaração do estado de falência previstos da alínea b) do nº 1 do artigo 20º do CIRE.
III – FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Foi dada como assente, com base na prova documental junta aos autos e na confissão, a seguinte factualidade:
1. «M..., S.A.», sociedade anónima, pessoa colectiva nº ..., com sede no B... Edifício... Piso ..., sala ..., ..., Sintra, está matriculada na Conservatória do Registo Comercial.
2. A requerida é uma sociedade por quotas, com o capital social de Euros 240.000,00, e objecto social o comércio, indústria e montagem de equipamentos eléctricos e electromecânicos ventilação, prestação de serviços de engenharia, construção civil e obras públicas.
3. No exercício da sua actividade comercial, a requerente forneceu à requerida que dela recebeu sem reclamação diversos trabalhos de aplicação de estuque em obras de construção civil por si promovidas.
4. De todos os trabalhos executados, foi a requerente debitando a requerida em fólios de conta corrente, ao mesmo tempo que aí lançava, a seu crédito, os pagamentos parciais que ia efectuando.
5. As obrigações venceram-se entre 16.06.2006 e 25.10.2007.
6. Na data do último movimento, a conta corrente apresentava um saldo favorável à requerente de 38.350,37.
7. Apesar de diversas vezes instada pela requerente, a requerida absteve-se de regularizar esta importância.
8. Por esse motivo, a requerente apresentou requerimento de injunção, conforme documento junto a fls. 10 que se dá por integralmente reproduzida, a que foi aposta força executória em 17.06.2008.
9. Pese embora não se ter oposto ao requerimento injuntivo, a requerida não efectuou qualquer amortização por conta da dívida.
10. A requerida não exerce qualquer actividade.
Porque alegados na petição e, em face da não contestação, igualmente confessados nos termos do artigo 30º, nº 5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aditam-se os seguintes factos (sendo certo que de factos concretos entendemos tratar-se, e não de meras alegações vagas e genéricas):
11. A requerente deixou de conseguir contactar a requerida ou qualquer dos seus representantes, tendo-se frustrado as inúmeras tentativas de contacto telefónico que, quase diariamente, encetou e não sendo respondido nenhum dos “faxes” e correspondência enviados.
12. A requerida deixou de produzir, comprar ou vender o que quer que fosse.
13. A requerida dispensou os funcionários e colaboradores.
14. A requerida suspendeu os descontos para a Segurança Social e os pagamentos ao Estado.
15. A requerida não é dona de quaisquer bens imóveis nem de veículos automóveis ou equipamentos susceptíveis de integrarem o seu activo imobilizado.
16. A requerida interrompeu os fornecimentos a fornecedores e instituições financeiras e parafinanceiras.
IV – DA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA POR ACORDO ENTRE REQUERENTE E REQUERIDA (1ª APELAÇÃO)
O artigo 8º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas dispõe o seguinte:
“1 - A instância do processo de insolvência não é passível de suspensão, excepto nos casos expressamente previstos neste Código. 2 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do nº 3 do artigo 264º, o tribunal ordena a suspensão da instância se contra o mesmo devedor correr processo de insolvência instaurado por outro requerente cuja petição inicial tenha primeiramente dado entrada em juízo. 3 - A pendência da outra causa deixa de se considerar prejudicial se o pedido for indeferido, independentemente do trânsito em julgado da decisão. 4 - Declarada a insolvência no âmbito de certo processo, deve a instância ser suspensa em quaisquer outros processos de insolvência que corram contra o mesmo devedor e considerar-se extinta com o trânsito em julgado da sentença, independentemente da prioridade temporal das entradas em juízo das petições iniciais”.
Do nº 1 do transcrito artigo resulta que a lei entendeu excluir quaisquer outras causas de suspensão da instância que não sejam as consagradas no CIRE, sendo que, além do caso de insolvência anteriormente interposta por outro requerente tratado nos números seguintes desse artigo 8º, apenas se divisam no próprio Código as do artigo 10º, alínea b) (falecimento do devedor, a requerimento de sucessor dele e se o juiz a considerar conveniente), e 255º, nº 1 (apresentação de plano de pagamentos pelo insolvente que seja pessoa singular e cuja aprovação não seja liminarmente julgada altamente improvável).
Pretende a apelante que, ao abrigo do artigo 17º do CIRE, seja admitida a suspensão da instância por acordo entre as partes, desde que anterior à sentença declaratória da insolvência, alegando que até esse momento no processo ainda não se travam interesses ou direitos indisponíveis, à semelhança do que está subjacente à admissibilidade de desistência do pedido ou da instância que o artigo 21º prevê, desde que apresentada até à prolação de sentença.
Não parece que lhe assista razão.
Desde logo, porque a solução por si defendida se revela manifestamente “contra-legem”, pois que os termos peremptórios do nº 1 do artigo 8º ao dizer que a instância do processo de insolvência não é passível de suspensão “excepto nos casos expressamente previstos neste Código” (negrito e sublinhado nossos) se mostram redondamente incompatíveis com a aplicação do nº 4 do artigo 279º do Código de Processo Civil, ao abrigo do artigo 17º do CIRE, sendo certo que a aplicação ao processo de insolvência daquele Código apenas é prevista neste artigo com a reserva: “em tudo o que contrarie as disposições deste Código”.
Em segundo lugar, porque, como se vê dos casos de suspensão da instância expressamente previstos no CIRE, a admissibilidade da suspensão não está conexionada necessariamente com o facto de haver ou não haver ainda sido proferida sentença declaratória de insolvência.
Aliás e em terceiro lugar, o caso do artigo 255º, restrito à insolvência de pessoa singular, se é efectivamente anterior a tal sentença, envolve um plano de pagamentos que constitui um incidente para o qual são chamados todos os credores do devedor e não apenas o requerente – v. artigos 251º a 258º - sendo que, tratando-se de pessoa colectiva, a lei não prevê semelhante incidente, já que o plano de insolvência previsto no Título IX do Código pressupõe a prévia declaração de estado de insolvência do devedor.
O que demonstra que, num caso como no outro, se acatou plenamente a vocação universal de todos os credores, que caracteriza sempre o processo de insolvência, cuja natureza de execução universal é consagrada pelo artigo 1º do CIRE.
E, assim, evidencia que o acordo proposto, visando possibilitar um plano de pagamentos restrito ao requerente, se revelaria manifestamente contrário ao espírito da lei e até à sua letra.
Acresce que a razão de celeridade traduzida na qualificação do processo de insolvência como de natureza urgente (artigo 9º do Código) seria necessariamente desconsiderada com uma suspensão da instância fundada num tal requerimento.
Em abono da posição que defendemos, vejam-se Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda[1], que referem que “No Anteprojecto, não se contemplavanenhuma regra paralela à do nº 1 [do artigo 8º], que foi introduzida na revisão final do Código. Visando a lei excluir causas de suspensão não consagradas no Código, a disposição é necessária para, neste domínio, obstar à aplicação subsidiária da lei processual civil comum, determinada agora directamente pelo artº 17º”.
E também no sentido da inadmissibilidade de outros casos de suspensão da instância fora dos admitidos no âmbito do artigo 8º, embora versando sobre pedido de suspensão fundado em causa distinta da destes autos, vide Acórdão da Relação de Évora de 19.12.2006, Proc. 1548/06-3, Rel. João Marques, com texto integral em http://ww.dgsi.pt.
Em face do exposto, deve improceder a 1ª apelação, confirmando-se o despacho impugnado.
V – DA NULIDADE DA SENTENÇA (2ª APELAÇÃO)
Fundamenta a recorrente a nulidade que assaca à sentença que declarou a insolvência no facto de ter sido proferida sem que anteriormente tivesse sido emitido despacho “sobre o recurso interposto pela Requerida”, recurso esse que é o do despacho que indeferiu o requerimento conjunto de suspensão da instância.
Os casos de nulidade de sentença estão enunciados no artigo 668º, nº 1 do Código de Processo Civil, e não se afigura que qualquer deles venha concretamente à colação.
Com efeito, nem mesmo o caso previsto na alínea d) desse nº 1 cobra no caso vertente aplicação, pois que as questões de que o tribunal não conheça, estando obrigado a sobre elas se pronunciar, são as questões a decidir na própria sentença (pedido, causa de pedir, excepções) e não as suscitadas incidentalmente em momento anterior, nestas se incluindo o despacho liminar sobre o recurso da decisão delas já interposto.
Assim, o facto de não haver sido imediatamente proferido despacho admitindo ou não admitindo o recurso de apelação interposto do despacho que indeferiu o requerimento conjunto de suspensão da instância poderá, quando muito, configurar uma irregularidade processual, que, se for susceptível de influir no exame ou discussão da causa, poderá constituir uma nulidade processual (artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil), que deveria ter sido arguida perante o tribunal de 1ª instância, e não foi.
Ainda assim, sempre se dirá a este respeito, que cumpre ter em atenção que o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas contém um regime próprio de recursos (artigo 14º), que, não se afastando inteiramente do do Código de Processo Civil[2], exclui terminantemente a possibilidade de atribuir efeito suspensivo a qualquer recurso de despacho ou sentença proferidos em processo de insolvência (v. nº 5), pelo que nem mesmo se pode entender que o tribunal, se já houvesse proferido despacho admitindo a apelação interposta do dito despacho que não deferiria o pedido de suspensão da instância, estaria impedido, sem que antes ocorresse o seu trânsito, de proferir sentença.
Acrescente-se que, tendo a apelante requerido a fixação de efeito suspensivo a tal recurso, mesmo que fosse correcto o entendimento de que o regime especial do nº 5 do artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas devesse ser considerado derrogado pela lei processual civil posterior (o que não é de aceitar, como se disse já), sempre essa sua pretensão seria de indeferir, pois que nenhum prejuízo considerável concretamente invocou e também se não ofereceu para prestar caução, como exigido pelo nº 4 do artigo 692º do Código de Processo Civil (afastada que está, por natureza, a aplicação de qualquer dos casos especificamente previstos no nº 3 desse artigo).
Impõe-se, assim, julgar improcedente a alegação de nulidade da sentença. VI – DA SUFICIÊNCIA DA ALEGAÇÃO E DO PREENCHIMENTO DOS FACTOS-ÍNDICE DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Vem a apelante questionar ainda a natureza vaga e genérica dos factos invocados na petição pela requerente, ora apelada, para sustentar que em face disso, que, ou o juiz devia ter indeferido liminarmente o pedido de declaração de insolvência ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 27º, ou deveria ter exercido o poder-dever de convidar a requerente a corrigir os vícios sanáveis da petição, com a apresentação de articulado suprindo tais deficiências, ou, assim não se entendendo, deveria ter julgado o pedido improcedente, por falta de factos susceptíveis de prova da insolvência.
Analisada a petição, entendemos que a mesma não padece das deficiências de concretização fáctica invocadas e de que a apelante, aliás, não indica, sequer a título de exemplo, nenhuma.
Com efeito, é estribada em factos concretos e aliás documentados que alega e demonstra a situação da conta corrente contabilística em que eram lançados a crédito e a débito os valores facturados e os valores pagos, como é concreta a alegação de propositura de procedimento de intimação, da aposição nele da fórmula executiva resultante da não oposição da requerida, alegação acompanhada de prova documental, como concretos são, a nosso ver (e daí o aditamento à matéria de facto anteriormente efectuado) a alegação da impossibilidade de contactar, por via telefónica, de “fax” e de correspondência postal a requerida, a sua atitude de não pagar após a citação para a injunção, a dispensa de funcionários e colaboradores, a suspensão de descontos, a interrupção de pagamentos a fornecedores e entidades bancárias e parabancárias e a inexistência de património imóvel, de veículos e de bens de equipamento.
Evidentemente que alguns estes factos, porque negativos, dificilmente poderiam ser alegados de forma mais detalhada, mas deve atentar-se a que recai sobre o devedor o ónus da prova da sua solvência (nº 4 do artigo 30º) e que sempre ele poderia ter deduzido oposição em que defendesse a inexistência de tais factos (nº 3 do mesmo artigo).
Mas, não tendo o requerente que fazer demonstração de mais do que um dos factos-índice do nº 1 do artigo 20º do Código (como o corpo desse nº 1 revela claramente), bastariam sempre os factos levados pelo senhor juiz à sentença como provados por confissão e por documentos para evidenciar a verificação de pelo menos uma dessas alíneas, a alínea b) – “Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações” – valorados, como bem fez, à luz da circunstância temporal do incumprimento (arrastada por período de ano e meio) e do valor elevado da dívida.
Assim, ainda quando se entendesse que os factos que acima aditámos ao rol dos provados se não revestem de suficiente concretização, sempre havia matéria de facto bem concreta suficiente para, uma vez provada, demonstrar um dos factos-índice do estado de insolvência, o que arreda quer a aplicação da solução radical da alínea b) do nº 1 do artigo 27º, quer o convite da alínea b) desse mesmo artigo e número.
E, em face da demonstração de pelo menos um das alíneas do nº 1 do artigo 20º, que constituem presunção da insolvência[3] (que a requerida não ilidiu, antes confessou) e em face da não dedução de oposição, cumpria ao juiz apenas declarar a requerida em estado de insolvência, em obediência ao disposto no nº 5 do artigo 30º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como correctamente fez.
Improcede, pois, a última questão suscitada no âmbito da 2ª apelação, nenhuma censura merecendo a sentença recorrida.
O que conduz à improcedência dessa apelação. VII – DECISÃO
Nestes termos, acordam em julgar ambas as apelações improcedentes, confirmando o despacho e a sentença impugnados.
Custas pela massa falida.
Lisboa, 22 de Outubro de 2009
António Neto Neves
Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
[1] Em “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” (reimpressão), Volume I, pág. 94. [2] Afigura-se, nomeadamente, que as novas regras sobre o modo de interposição do recurso e prazo para alegações e prolação do despacho sobre os recursos, de admissão ou rejeição, introduzidas com a reforma do regime processual civil do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, são inteiramente aplicáveis aos recursos em processo de insolvência, pois que nada, sobre esses aspectos, o regime do artigo 14º se diferenciava do anterior regime geral do Código de Processo Civil. [3] V. Autores e Obra citados, pág. 133 e 171.