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ALIMENTOS PROVISÓRIOS
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
CADUCIDADE
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO
Sumário
1. Tendo o cônjuge optado pela dedução do pedido de alimentos provisórios no âmbito da acção de divórcio, finda esta com trânsito em julgado da respectiva decisão, cessa a obrigação de prestar alimentos estabelecida no respectivo procedimento. 2. Extinta a acção de divórcio, o cônjuge carecido que pretenda fazer valer os seus direitos no âmbito da previsão dos artigos 2009 e 2016, do CC, sempre poderá recorrer aos procedimentos normais para tanto. 3. A medida da obrigação de alimentos, por parte de um cônjuge ao outro que deles necessite, enquanto casados, numa situação de separação de facto, não depende de quaisquer litígios entre os mesmos, devendo os alimentos ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, atendendo-se também à possibilidade do alimentando prover à sua subsistência. (Sumário da Relatora)
Texto Integral
ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – Relatório
1. A, veio ao abrigo do disposto no art.º 1407, do CPC, requerer a fixação de um regime provisório de alimentos, contra B.
2. Alega que auferia um vencimento líquido de 643,65€, sendo com esse valor que se sustentava a si e aos seus dois filhos menores após a separação com o Requerido, tendo sido despedida em 14 de Janeiro de 2002, não está possibilitada de usufruir qualquer outro rendimento que não seja os rendimentos que lhe advenha como pensão de alimentos.
Por sua vez o Requerido auferia um vencimento mensal de 400.000$00, acrescido de um rendimento na ordem de 60.000$00, para além de renda de um andar que é sua propriedade, sendo ainda titular de partes de outros imóveis e uma quota hereditária de bens deixados por morte do pai.
Solicita assim que lhe seja fixada, mensalmente, a título de alimentos provisórios o montante de 90.000$00.
3. O Requerido veio responder alegando que a situação de separação de facto existente é imputável à Requerente, que interrompeu a coabitação, não lhe assistindo o direito a receber alimentos, bem como não poder suportar o pagamento da pretendida pensão.
4. Foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente o pedido, condenando o Requerido a pagar à Requerente, a título de alimentos provisórios a quantia mensal de 375€, remetidos directamente à Requerente, até ao dia 8 de cada mês, e sem quaisquer encargos para esta, através de transferência bancária.
5. Inconformado veio o Requerido interpor recurso.
6. Por Acórdão de 2 de Outubro de 2007 foi concedido provimento parcial ao recurso, sendo anulada a decisão proferida na 1ª instância em ordem a ser apurados os factos referenciados.
7. O Requerido veio solicitar o “levantamento da providência cautelar”, com efeito à data da sentença que decretou o divórcio entre as partes.
8. Foi proferido despacho que considerou que a obrigação de prestar alimentos provisórios caducou como efeito automático do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre os cônjuges, ordenando o prosseguimento dos autos com vista a determinar o valor da pensão provisória devida durante a pendência da acção de divórcio.
9. Inconformada veio a Requerente interpor recurso de agravo, a fls. 536, formulado nas suas alegações, em síntese, as seguintes conclusões:
- O presente recurso tem por objecto a decisão que declarou a caducidade da providência cautelar.
- O regime provisório de alimentos foi fixado apurando-se que após a realização de diligências consideradas relevantes, a requerente necessitava de alimentos, e que o requerido estava em condições de lhos prestar.
- A providência cautelar de alimentos provisórios estabelecida no art.º 1407, n.º 7 é a única admissível na pendência da acção de divórcio, dado que a prevista no art.º 399 e seguintes do CPC segue a forma de processo comum e a acção de divórcio é um processo especial.
- A Requerente continua a ter direito a alimentos, por não ter sido declarada cônjuge culpado, por o divórcio ter sido declarado com o fundamento no art.º 1779, do CC e declarado o cônjuge marido o único culpado, os termos do art.º 1787, também do CC.
- Os alimentos definitivos são fixados depois de se apurar a culpa dos cônjuges na sentença do divórcio.
- E não faz sentido que a requerente instaure uma nova providência cautelar, antes de instaurar a acção de alimentos definitivos, quando ainda não foi apurado o valor que o requerido tem a pagar a título de alimentos provisórios, na pendência a acção de divórcio.
- Sempre haveria a possibilidade real do tribunal se contradizer na prolação de uma nova sentença de alimentos provisórios para além da provável improcedência da nova providência por causa da excepção de litispendência, ficando ainda por prevenir, durante um período de tempo, o direito a alimentos do cônjuge carenciado.
- A lei não fixa prazo para a titular de alimentos instaurar a acção definitiva, depois se terem sido fixados os alimentos na acção de divórcio.
- A providência cautelar de fixação de alimentos provisórios, requerida nos termos do art.º 1407, e os alimentos provisórios aí fixados mantém-se até que sejam fixados em acção de alimentos definitivos.
- O levantamento da providência cautelar não pode ser feito por requerimento, deverá ser feito por acção de simples apreciação no sentido de vir a ser declarado inexistente o direito do agravante e, consequentemente, o Despacho recorrido de modo nenhum substitui a sentença a proferir na dita acção de simples apreciação.
- Violou o despacho recorrido no n.º1, do art.º 2007, a) do n.º1, do art.º 2016, ambos do CC e no n.º 7, do art.º 1407, do CPC.
10. Foi proferida decisão que julgou improcedente o incidente, absolvendo o Requerido do pedido.
11. Inconformada, veio a Requerente interpor recurso de agravo, a fls. 724, formulando nas suas alegações, em síntese, as seguintes conclusões:
- A sentença padece de debilidade na avaliação da prova para suportar a decisão nela vertida.
- O Tribunal a quo errou na apreciação dos elementos de prova constantes dos autos e que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto.
- Verifica-se relativamente aos factos constantes dos números 12, 18, 30 e 32, da matéria de facto dada como provada, tendo em conta os elementos de prova juntos aos autos, a redacção que lhes foi dada não está correcta.
- No requerimento de 9.01.2008, a recorrente juntou as Declarações de IRS do requerido, extraídas do sistema de IRS, dos anos de 2003 e 2006:
- A declaração de IRS de 2003, declarou um rendimento bruto proveniente de trabalho dependente no valor de 39.467,61€, rendas no valor de 1.336,00, apresentou um rendimento global de 40.803,61 e recebeu 1.667,30 de reembolso de IRS;
- A declaração de IRS de 2004, declarou um rendimento bruto proveniente de trabalho dependente, no valor de 39.130,56€, rendas no valor de 1.336,00e, apresentou um rendimento global de 40.466,56€, e recebeu 1.542,14€ de reembolso de IRS:
- A declaração do IRS de 2005: declarou um rendimento bruto proveniente de trabalho dependente no valor de 39.991€; rendas no valor de € 11.384,10, apresentando um rendimento global de 41.375,66€ e recebeu 1.059,84€ de reembolso de IRS;
- A declaração de IRS de 2006, declarou um rendimento bruto proveniente de trabalho dependente no valor de 41.745,35€, rendas no valor de 1.400,10, apresentou um rendimento global de 43.145,45€ e recebeu 1.099,19 de reembolso de IRS.
- Igualmente da análise de todos os documentos juntos aos autos não é possível concluir que o requerido conforme consta em 18), tenha despesas mensais no valor de 1.935,10€.
- No processo foram juntos dos recibos de vencimento pelo requerido, um por requerimento datado de 10.2.2005 e outro por requerimento datado de 28.01.2008, neste último consta uma penhora no valor de 625,34€, mas este valor destinava-se ao pagamento mensal da pensão de alimentos e dos valores em atraso, devidos à recorrente.
- O tribunal a quo tinha a obrigação o e dever de averiguar a proveniência de tal penhora, pelo menos confirmar se tal valor era o que estava a ser penhorado com a referência ao processo de execução especial de alimentos, apenso ao processo de divórcio.
- E de acordo com a última informação prestada, pela ilustre Solicitadora de execução o valor que estava a ser penhorado era exactamente 652,34€.
- As provas documentais juntas aos autos impunham que o tribunal a quo tivesse considerado como provado: 12) O requerido é ….. aonde aufere um vencimento ilíquido de 2.795,04, com referência ao mês de Setembro de 2004; e o vencimento de 2.924,87 com referência ao mês de Janeiro de 2008; 18) o requerido tem despesas anuais fixas relacionadas com a contribuição autárquica, amortização do empréstimo, seguro de vida, seguro de doença, seguro do imóvel e seguro do automóvel no valor total de 1.935,10; 30) o requerido auferia em Abril de 2005 o vencimento líquido de 1.954,07€ e em Janeiro de 2008 o vencimento líquido mensal de 2.007,56; 32) o requerido é comproprietário na proporção de 1/3, de um prédio urbano com 4 pisos, constituído em propriedade horizontal, com 6 fracções autónomas e de uma proporção de ½ de um prédio urbano tendo declarado nas declarações de IRS, rendas no valor de 1.336,00, no ano de 2003, no valor de 1.336,00€, no de 2004; no valor de 1.384,10€ no ano de 2005; no valor de 1.400,10, no ano de 2006.
- Ainda, tendo em atenção as Declarações de IRS deverá ser aditado que 33) o requerido recebeu ainda pagamento de reembolso de IRS, no valor de 1.667,30, relativo ao ano de 2003; no valor de 1.542,14, relativo ao ano de 2004; no valor de 1.059,84€, relativo ao ano de 2005; e no valor de 1.099,19, relativo ao ano de 2006.
- Na determinação das possibilidades do vinculado deve aferir-se qual o valor da parte disponível do seu rendimento, devendo computar-se todo e qualquer provento, isto é salário, pensão de reforma e qualquer outra receita, ainda que de carácter eventual e variável.
- Foram apuradas todas as despesas do requerido, no entanto não foram considerados todos os rendimentos auferidos pelo mesmo, apesar de constarem nos documentos juntos aos autos. Há por isso, uma flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão.
- Está demonstrada através dos concretos meios de prova que foram produzidos que existiu erro na apreciação do seu conteúdo probatório.
- A sentença violou entre outros os artigos 265, n.º3, 514, 515, 653, 655, do CPC, e art.º 2009, n.º 1, a) do CC.
- Encontra-se pendente o recurso interposto relativo ao levantamento da providência cautelar.
- A jurisprudência divide-se quanto ao levantamento da providência cautelar relativamente aos alimentos provisoriamente fixados, após o trânsito em julgado da sentença e neste processo não foi claramente defendida ou sustentada uma posição,
- Pois de por um lado foi ordenado o levantamento de uma providência,
- Por outro lado, após o trânsito em julgado da sentença de divórcio foi ordenada a produção de prova, a fim de saber se a requerente necessitava de alimentos, se o requerido os podia prestar e qual o montante,
- A primeira decisão ficou um regime provisório de alimentos, por esta provado que a requerente precisava de alimentos e que o requerido estava em condições de os prestar, visou garantir a satisfação das necessidades da requerente enquanto não se encontrava uma solução definitiva.
- A requerente continua a ter direito a alimentos, por não ter sido declarada cônjuge culpado, por o divórcio ter sido declarado com fundamento do art.º 1779, e declarado o cônjuge marido o único culpado, os termos do art.º 1787, também do CC.
- E não fazia sentido que a requerente instaurasse uma nova providência cautelar, e uma nova acção de alimentos definitivos, quando ainda não havia sido apurado o valor que o requerido tinha a pagar a título de alimentos provisórios.
- Sempre haveria a possibilidade real do tribunal se contradizer na prolação de uma nova sentença de alimentos provisórios para além da provável improcedência da nova providência por causa da excepção de litispendência, ficando ainda por prevenir, durante um período de tempo, o direito a alimentos do cônjuge carenciado.
- A lei não fixa prazo para a titular de alimentos instaurar a acção definitiva, depois se terem sido fixados os alimentos na acção de divórcio.
- A providência cautelar de fixação de alimentos provisórios, requerida nos termos do art.º 1407, e os alimentos provisórios aí fixados mantém-se até que sejam fixados em acção de alimentos definitivos.
- O levantamento da providência cautelar não pode ser feito por requerimento, deverá ser feito por acção de simples apreciação no sentido de vir a ser declarado inexistente o direito do agravante e, consequentemente, o Despacho recorrido de modo nenhum substitui a sentença a proferir na dita acção de simples apreciação.
- Necessitando a requerente de alimentos, pelo menos, a partir de Outubro de 2003, em montante não inferior a 379,00€, e provado está que o requerido tem rendimentos para o prestar, deverá o mesmo ser condenado no seu pagamento.
12. Cumpre apreciar e decidir.
* II – Enquadramento facto - jurídico
1. da factualidade
Na decisão sob recurso considerou-se que, produzida a prova, resultava apurado o seguinte factualismo:
1) A Requerente e o Requerido contraíram casamento civil, sob o regime de separação de bens, em 12 de Novembro de 1993;
2) Em 19.2.95 nasceu F e encontra-se registado como filho da Requerente e o Requerido.
3) Em 4.11.1996 nasceu G e encontra-se registado como filho da Requerente e do Requerido.
4) A Requerente e o Requerido deixaram de viver um com o outro desde Agosto de 2001;
5) Em 22.3.2001, a Requerente veio intentar contra o seu marido acção especial de divórcio litigioso.
6) Por escrito datado de 14.01.2002, o gerente da entidade patronal da Requerente, comunicou o despedimento da Requerente por extinção do posto de trabalho por motivos estruturais em virtude da redução da actividade da empresa com a conclusão da concessão do …..
7) A Requerente auferia um salário mensal líquido de 643,65€.
8) A Requerente percebe comissão percentagem na venda de …. em montante mensal não superior a 250,00€;
9) A Requerente suporta, em média, despesas fixas mensais nos seguintes valores: água – 15,00€, electricidade - €17,00; telefone – 50,00€, seguro de habitação – 11,00€, plano poupança reforma – 24,44€.
10) A Requerente suporta despesas variáveis nos seguintes valores: gasolina – 54,87€, farmácia – 29,93€, alimentação – 300,00€.
11) Para a aquisição de veículo automóvel em segunda mão a Requerente contraiu empréstimo no montante de 4.002,30€ junto de entidade financeira, em cujo contrato se vinculou a pagar a prestação mensal no valor de 102,25€ até 23.3.2008.
12) O Requerido é …., onde aufere um vencimento mensal ilíquido de €2.795,04, correspondente ao …., com referência ao mês de Setembro de 2004; e o vencimento ilíquido de €2.942,87com referência ao mês de Janeiro de 2008[1].
13) Por acordo entre Requerente e Requerido, homologado por sentença datada de 18.3.2002, ficou este vinculado a custear as despesas com as actividades escolares (dos menores, incluindo as mensalidades de colégios e as despesas com as actividades extracurriculares).
14) Mais se vincularam cada um dos progenitores a suportas as despesas de alimentação relativamente ao tempo que os menores estão com cada um.
15) O valor médio mensal das despesas referidas em 13) ronda o montante de 750,00€.
16) O Requerido suporta despesas mensais variáveis com vestuário, saúde e alimentação no montante de aproximadamente, 400,00€;
17) O Requerido despende mensalmente em seguros de acidentes pessoais, renda da casa, água, gás e electricidade, TV cabo, telefone, empregada de limpeza e gasolina para deslocações o montante de 433,31€.
18) O Requerido tem despesas anuais fixas relacionadas com a contribuição autárquica, amortização de empréstimo, seguro de vida, seguro de doença, seguro do imóvel e seguro automóvel, no valor total de 1.935,10€[2].
19) Pelo mesmo acordo e sentença referidos em 13) ficaram Requerente e Requerido com o exercício do poder paternal em comum, nos termos do art.º 1906, do CC, cabendo ao requerido ficar com os menores, desde quarta-feira a sábado, tendo ainda direito a 15 dias de férias escolares de Verão com eles, Natal, Ano Novo e Páscoa em alternativa com a Requerente e comparticipando ainda em 50% nas despesas médicas, medicamentos e vestuário daqueles.
20) A Requerente recebeu uma indemnização pelo despedimento referido em 6) no valor líquido de 7.649,46€.
21) Na sequência do despedimento a Requerente requereu a concessão do subsídio de desemprego, o qual lhe foi concedido a partir de 21.2.2002, sendo o valor diário de 14,19€ e que foi concedido por um período de 540 dias.
22) A Requerente inscreveu-se no Centro de Emprego e procurou junto de amigos e conhecidos, ocupação profissional compatível com a sua formação pessoal;
23) A Requerente declarou o início da actividade às Finanças em 8.1.2007, mas já antes exercia a actividade de venda …., não se tendo apurado desde que data;
24) Essa actividade é exercida por conta própria, inicialmente em regime ambulatório e actualmente em estabelecimento próprio, tendo para o efeito aberto uma loja na zona …..em Fevereiro de 2007.
25) No ano fiscal de 2006 a Requerente não declarou quaisquer rendimentos;
26) O veículo automóvel referido em 11) foi adquirido em 28.3.2004;
27) O referido veículo automóvel era necessário ao exercício da actividade de venda em regime ambulatório.
28) A Requerente suporta as despesas com os filhos que lhe advêm do acordo referido em 19), em valor não concretamente apurado.
29) A Requerente vive numa casa que pertence aos seus pais, não pagando nenhuma contrapartida económica por essa utilização. 30) O Requerido auferiu em Abril de 2005 o vencimento líquido de 1.954,07€ e em Janeiro de 2008, o vencimento líquido de 1.355,22€.[3]
31) O Requerido suporta as despesas com os filhos que lhe advêm do acordo referidos em 19), em valor não concretamente apurado.
32) O Requerido é comproprietário, na proporção de 1/3, de um prédio urbano com 4 pisos, constituído em regime de propriedade horizontal, com 6 fracções autónomas e de uma fracção autónoma, na proporção de ½ de um prédio urbano, mas não se tendo apurado se tais bens geram rendimentos e ou se encontram livres e desocupados.
2. do direito
Tendo presente que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formulado, importando em conformidade decidir as questões nas mesmas colocadas[4], sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a apreciar estão os dois recursos interpostos pela Requerente, a saber, a caducidade da obrigação de prestar alimentos, e a improcedência do respectivo pedido formulado por aquela.
2. 1. da caducidade (agravo de fls. 536)
Na sequência do pedido formulado a fls. 507, pelo Requerido, no sentido do “levantamento da providência cautelar sub judice, com efeitos à data que decretou o divórcio” entre as aqui partes, foi proferido o despacho de fls. 519, considerando-se que no presente procedimento, como incidente da instância do processo de divórcio, ao abrigo do disposto nos artigos 1407, n.º 7, do CPC, visa-se a obtenção de alimentos provisórios, na pendência dessa mesma acção de divórcio, caducando a obrigação de prestar tais alimentos, como efeito automático, do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, o que em conformidade foi declarado, sem prejuízo da realização das diligências a efectuar para a determinação do valor da respectiva pensão, devida durante a pendência da mesma acção de divórcio.
Insurge-se a Recorrente contra o decidido, alegando, que a providência cautelar de alimentos provisórios, estabelecida no art.º 1407, n.º7, do CPC, é a única admissível na pendência da acção de divórcio, uma vez que a prevista no art.º 399, do mesmo diploma, segue a forma de processo comum, continuando a ter direito a alimentos, por não ter sido declarado como cônjuge culpado, sendo os alimentos definitivos fixados depois de se apurar a culpa dos cônjuges, não fazendo sentido instaurar uma nova providência, antes de instaurar a acção de alimentos definitivos, quando ainda não foi apurado o que o Requerido tem a pagar a título de alimentos provisórios, na pendência da acção de divórcio, havendo a possibilidade de efectiva contradição de julgados no caso de ser proferida uma nova sentença de alimentos provisórios, para além de uma situação de litispendência.
Mais alega que a lei não fixa prazo para a instaurar a acção definitiva, depois de terem sido fixados os alimentos provisórios na acção de divórcio, mantendo-se a providência requerida à luz do art.º 1407, do CPC, até que sejam fixados em acção os alimentos definitivos, sendo que o levantamento pretendido só poderia ser feito mediante acção de simples apreciação, declarando a inexistência do direito da Agravante.
Apreciando.
No âmbito do capítulo versando sobre “Divórcio e separação litigiosa”, diz-nos o art.º 1407, n.º 7, do CPC que Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos (…); para tanto poderá o juiz, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.
Configura-se, assim do normativo referenciado, que se está perante um procedimento, que para além de se pautar por critérios de conveniência, no atendimento da respectiva regulamentação pelas regras e princípios dos processos de jurisdição voluntária, art.º 1410, do CPC[5], pode partir da iniciativa do interessado, mas também do próprio juiz, garantindo a satisfação das necessidades do cônjuge carecido, podendo ser deduzido enquanto se mantiver pendente a acção de divórcio, vigorando e mantendo-se durante o tempo que se mantenha tal pendência, sem necessidade de instauração de acção de alimentos definitivos.
Diga-se, que para além de poder lançar mão de tal mecanismo, sempre assistirá ao cônjuge carecido, a possibilidade de deduzir o procedimento cautelar de alimentos provisórios, na previsão do disposto no art.º 399 e seguintes do CPC, neste caso, contudo, sujeito a critérios de legalidade estrita, e na necessária da dependência de uma acção a interpor, sob pena de caducidade, art.º 389, n.º1, a) e 392, ambos também do CPC.
Optando o requerente pela dedução no âmbito da acção de divórcio, finda esta com trânsito em julgado da respectiva decisão, cessa a obrigação de prestar alimentos estabelecida no respectivo procedimento, tendo em conta o seu carácter incidental relativamente à acção de divórcio, de feição provisória e interina, pois entendimento contrário poderia permitir a possibilidade de algo marcadamente temporário, se tornar definitivo, bastando para tanto a inércia do credor, num perpetuar de uma regulação provisória de interesses conexos com as relações familiares postas em crise com a interposição da acção de divórcio, e enquanto esta não se mostrar definitivamente resolvida[6].
Assim, extinta a acção de divórcio, o cônjuge carecido que pretenda fazer valer os seus direitos no âmbito da previsão dos artigos 2009 e 2016, do CC, sempre poderá recorrer aos procedimentos normais para tanto.
Reportando-nos aos presentes autos, é inquestionável que a Recorrente deduziu o pedido de fixação de um regime provisório de alimentos por apenso aos autos de divórcio, nos termos do art.º 1407, n.º 7, do CPC, estando documentado que por sentença transitada em julgado no dia 10.7.2007, foi o mesmo decretado. Assim, e na concordância com o decidido, entende-se que nessa data cessou a possível obrigação de prestar alimentos provisórios por parte do Requerido, na consideração do pedido formulado pela Requerente, sem prejuízo de aferir da respectiva existência, e decorrente montante, até aquela data, como igualmente se determinou.
E se não se configura, pelo exposto, qualquer incongruência no decidido, também não se vislumbra que o entendimento acolhido, determinando o recurso por parte da Requerente, caso assim o entendesse, aos meios normais para obviar a uma possível situação de carência, se traduza em qualquer situação de julgados contraditórios, ou de litispendência, pois estamos perante realidades processuais diferenciadas na natureza, mas sobretudo no tempo, tendo em conta, necessariamente, o decorrido após o trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio, ficando, pois, na sua disponibilidade a actuação tida por conveniente, sem que tal possa importar a transformação em perene, de algo que é em si provisório, por de forma incidental reportado a uma acção judicial determinada, e como tal vendo limitado os respectivos efeitos à existência da mesma, o que pode e deve ser apreciado nos termos em que o foi, sem a necessidade de um especial meio processual para tanto.
Improcedem, deste modo, e na totalidade, as conclusões formuladas pela Recorrente.
2. 2. da existência da obrigação de prestar alimentos (agravo de fls. 724).
Definida temporalmente a extensão da obrigação de prestar alimentos provisórios no atendimento do pedido formulado nestes autos, isto é, desde a dedução – 24 de Abril de 2002, até ao trânsito em julgado da decisão final dos autos de divórcio – 10 de Julho de 2007, considerou-se no decidido ora sob recurso, que embora a Requerente necessitasse de alimentos, pelo menos a partir de Outubro de 2003, e em montante não inferior a 379,00€, não se provara que o Requerido tivesse rendimentos para os prestar, improcedendo, desse modo a pretensão da primeira.
Insurge-se a Recorrente contra o decidido, invocando que existiu erro na apreciação da matéria de facto no concerne aos factos dados como assentes nos pontos 12, 18, 30 e 32, pelo que no atendimento das alterações propostas, e no demais provado, tendo em conta a parte disponível do rendimento do Requerido, na contabilização de todos os proventos, deve ser reconhecido que este último tem meios mais que suficientes para prestar alimentos à Requerente, necessitando esta, pelo menos a partir de Outubro de 2003, de um montante não inferior a 379,00€, sendo o mesmo condenado no seu pagamento.
Mais reitera a Recorrente a pretensão da manutenção do presente procedimento de fixação de alimentos provisórios até que sejam fixados os alimentos definitivos.
Apreciando, e ultrapassada que se mostra esta última questão, no concerne à impugnação do decidido em termos de factualismo, pretende a Recorrente que no concerne ao ponto n.º 12, no qual se consignou O Requerido é …..onde aufere um vencimento mensal ilíquido de 2.795,04, correspondente ao …. com referência ao mês de Setembro de 2004, seja considerado como provado, para além do consignado, que eo vencimento ilíquido de 2.942,87€ com referência ao mês de Janeiro de 2008.
A pretensão da Recorrente assenta na consideração do recibo de vencimento junto pelo Requerido a fls. 672, no qual consta como vencimento ilíquido relativo ao mês de Janeiro de 2008, a verba de 2.942,87€[7]. Ora pese embora o atendimento de tal facto não se configure como relevante, face ao entendimento perfilhado em termos de delimitação temporal, pode-se efectivamente considerar como provado, e como tal aditar, eo vencimento ilíquido de 2.942,87€ com referência ao mês de Janeiro de 2008.
Relativamente ao ponto n.º 18, diz a Recorrente que de todos os documentos juntos aos autos não é possível concluir que o Requerido, conforme consta desse ponto, tenha despesas mensais no valor de 1.935,10€.
Em sede da decisão sob recurso, consta na verdade que O Requerido tem despesas anuais fixas relacionadas com a contribuição autárquica, amortização de empréstimo, seguro de vida, seguro de doença, seguro do imóvel e seguro automóvel, no valor total de 1.935,10€ mensais, sendo que a sua consignação como provado resulta da decisão proferida a fls. 384, na qual consta “O Requerido tem despesas anuais fixas relacionadas com contribuição autárquica, amortização de empréstimo, seguro de vida, seguro de doença, seguro de imóvel e seguro do automóvel no valor total de 1.935,10€”, evidenciando-se assim que se está perante um lapso de escrita, que em conformidade se rectifica.
Quanto ao ponto 30º, no qual consta, O Requerido aufere o vencimento líquido mensal de 1.355,22€, diz a Recorrente que deve do mesmo constar, que o Requerido auferia em Abril de 2005 o vencimento líquido de 1.954,07€ e em Janeiro de 2008, o vencimento líquido mensal de €2.007,56.
A matéria em causa constitui uma das questões elencadas no Acórdão desta Relação, no sentido de saber Do vencimento referido em 12) qual a importância liquida mensal recebida pelo Requerido?. A resposta achada, e constante da decisão sob recurso fundou-se, tão só, conforme resulta do despacho de fls. 708, no documento de fls. 672, isto é, do já mencionado recibo de Janeiro de 2008, no qual consta como quantia líquida auferida o montante de 1.355,22€. Sem prejuízo do já ferido quanto ao interesse da consideração desta verba, atenta à sua referência temporal, certo é, que a quantia percebida em Janeiro de 2008 foi a efectivamente mencionada, irrelevando nessa exacta medida o que possa ter sido deduzido (e a que título), e assim devendo ser consignado. Do mesmo modo importa ser atendido o constante do recibo de fls. 243, junto pelo Requerido, mencionado pela Recorrente, no sentido que em Abril de 2005, o Recorrido recebeu o total líquido de 1.954,07€.
Assim, na precisão do que nos documentos referenciados consta, o ponto n.º 30 passa a ter a seguinte redacção: O Requerido auferiu em Abril de 2005 o vencimento líquido de 1.954,07€ e em Janeiro de 2008, o vencimento líquido de 1.355,22€.
Pretende a Recorrente a alteração da matéria constante do ponto 32, fazendo-se constar que o Requerido declarou nas Declarações do IRS, rendas no valor de 1.336,00€ no ano de 2003; no valor de 1.336,00€ no ano de 2004; no valor de 1.384,10€, no ano de 2005; e no valor de 1.400,10, no ano de 2006.
Em sede da decisão sob recurso, reportando-se à matéria de facto constante de fls. 708, consignou-se que o Requerido é comproprietário, na proporção de 1/3, de um prédio urbano com 4 pisos, …, constituído em regime de propriedade horizontal, com 6 fracções autónomas e de uma fracção autónoma, na proporção de ½ de um prédio urbano…., mas não se tendo apurado se tais bens geram rendimentos e ou se encontram livres e desocupados.
A convicção explanada, produzida que foi a prova documental, mas também testemunhal, sem quaisquer outras precisões, reporta-se ao momento do encerramento da discussão, como postula o n.º 1 do art.º 663, do CPC, e nessa medida necessariamente reportado a Fevereiro de 2008. Tal não obsta que se tenha em atenção o que em termos de prova documental resulta dos autos, relativamente aos anos 2003, 2004, 2005 e 2006, no concerne às respectivas declarações de IRS.
Assim, analisando os documentos juntos de fls. 593 e seguintes, bem como de fls. 126 e seguintes (ano de 2003), 235 e seguintes (ano de 2004), quanto ao ano de 2003, em sede de “anexo F”- rendimentos prediais – consta declarados a títulos de “rendas” 1.336,00€, mas também como despesas documentadas, 1.917,16€, quanto ao ano de 2004, 1.336,00€, e 1.531,76€, respectivamente, quanto ao ano 2005, e do mesmo modo 1.384,10€, e 1.913,56€, e no ano 2006, 1.400,10€ e 1.563,39€, irrelevando, decorrentemente em termos de documentação do percebimento de receitas que se concretizem num acréscimo da disponibilidade de meios para prover à situação de carência alegada pela Recorrente, numa pretendida desconsideração de possibilidades do Recorrido.
Por último, e quanto ao atendimento de pagamentos resultantes de reembolso do IRS, e sem prejuízo da prova da sua efectiva satisfação, maxime na exacta medida apontada, certo é que os mesmos não se consubstanciam num verdadeiro provento, antes se traduzindo num acerto, necessariamente se mostrando que para a sua consideração, importava que estivessem apuradas, de forma clara, as restantes parcelas relativa à operação a que se reportam.
Aqui chegados, e fixada deste modo a matéria de facto atendível, vejamos da viabilidade da pretensão da Recorrente.
Na devida delimitação, repita-se, do objecto do presente procedimento, surge inquestionável a obrigação de prestação de alimentos por parte de um cônjuge ao outro que deles necessite, enquanto casados, e numa situação de separação de facto, art.º 2009, n.º1, a) do CC, tendo igualmente presente os pressupostos do art.º 2004, também do CC, isto é, que os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, atendendo-se também à possibilidade do alimentando prover à sua subsistência, não dependendo a medida a encontrar, para o caso que nos interessa, da configuração de quaisquer litígios que entre os cônjuges possam existir.
Reportando-nos aos presentes autos, tendo sido balizado o início da situação de carência em Outubro de 2003, o que a Recorrente não enjeita nas alegações do presente recurso, configura-se, como suficientemente demonstrada tal situação, no período que medeia até Fevereiro de 2007, altura em que passou a desenvolver a actividade de venda de velharias em estabelecimento próprio, tendo para o efeito aberto uma loja[8].
Com efeito, incumbindo à Requerente a prova da sua carência, apurada que ficou a existência de um meio, que em termos de normalidade, pode ser adequado ao provimento das necessidades inerentes ao respectivo sustento, importava que Requerente demonstrasse, que ainda assim a situação de carência se mantinha, o que não realizou, de forma cabal.
Por sua vez, e no concerne às possibilidades do Requerido, ressalta dos autos, na consideração do período em causa, que ao mesmo assiste uma maior disponibilidade de meios económicos, que contudo não se traduzem em correspondente liquidez, face aos encargos suficientemente demonstrados. Ainda assim, embora não no montante referenciado pela Recorrente, configura-se que face a tal disponibilidade, e nessa correspondente medida, é admissível que o Recorrido contribuísse para o superar das carências da Requerente com a quantia mensal de 100€, no atendimento da solução, que para o caso concreto, se mostra mais adequada.
Em conformidade, deverá o Recorrido satisfazer o pagamento da quantia de 100€, mensais, a título de alimentos provisórios, desde Outubro de 2003 a Fevereiro de 2007, montante no qual deverão ser deduzidas as quantias que entretanto tiverem sido satisfeitas.
* III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
- negar provimento ao agravo interposto a fls. 536.
- conceder parcial provimento ao agravo interposto a fls. 724, condenando o Requerido a pagar à Requerente o montante mensal de 100,00€, desde Outubro de 2003 a Fevereiro de 2007, deduzindo-se as quantias que entretanto tenham sido satisfeitas.
Custas pela Agravante, sendo no segundo recurso na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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Lisboa, 3 de Novembro de 2009
Ana Resende
Dina Monteiro
Luís Espírito Santo
--------------------------------------------------------------------------------------- [1] Alterado como adiante se verá. [2] Rectificado, como à frente se verá. [3] Alterado, como à frente se verá. [4] O Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que a parte possa indicar para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que, quanto ao enquadramento legal, não está sujeito às razões jurídicas pela mesma invocadas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC. [5] Considerando que embora não se impondo critérios de legalidade estrita, antes se procurando a solução mais adequada ao caso concreto, com vista à melhor regulação do interesse a acautelar, art.º 1409, do CPC, tal não significa que o julgador se possa abstrair do direito positivo vigente, quer em termos substantivos, quer em termos processuais. [6] Cfr, entre outros os Ac. STJ de 20.10.2005, e Ac. desta Relação de 27.03.2007, e 20.11.2007, in www.dgsi.pt. [7] E de total líquido, 1.355,22€. [8] Sem esquecer o limite estabelecido com o trânsito em julgado da sentença de divórcio – 10.7.2007.