APOIO JUDICIÁRIO
MULTA PROCESSUAL
INTERRUPÇÃO DO PRAZO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Sumário

O pagamento da multa prevista no artigo 145º do Código de Processo Civil pode permitir ao executado beneficiar do efeito interruptivo do prazo associado ao pedido de nomeação de patrono, no âmbito do apoio judiciário, nos termos previstos no artigo 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

I- Relatório

“A” intentou esta execução comum para entrega de coisa certa contra “B” que, citado, veio pedir o diferimento da desocupação.
Sobre este pedido foi proferido o seguinte despacho:
«Nos termos do disposto no artigo 930.º-C, n.º 1, do Código de Processo Civil, o executado pode requerer, no caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo de oposição à execução, o diferimento da desocupação.
Por sua vez, preceitua o artigo 928.º do mesmo diploma que o executado tem o prazo de 20 dias para opor-se à execução.
No caso em apreço, o aviso de recepção da carta expedida para citação foi assinado pelo executado no dia 18.12.2008 (cfr. fls. 18). Contudo, apenas no dia 23.01.2009 o Executado veio apresentar em juízo o requerimento de fls. 20, no qual vem juntar o recibo de entrega de documentos para o pedido de protecção jurídica requerido na Segurança Social.
De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Ora, desde logo resulta que o prazo de 20 dias concedido para apresentação do pedido de diferimento da desocupação já se havia esgotado (no dia 20.01.2009) quando o Executado procedeu à junção do recibo de entrega de documentos na Segurança Social, sendo certo que no caso não tem aplicação o disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, já que apresentação de tal documento não integra a prática de acto processual sujeito a prazo peremptório para efeitos daquele preceito, correspondendo antes à prática de um acto com efeitos interruptivos do prazo em curso, razão pela qual pressupõe que o prazo ainda esteja a decorrer, já que não se pode interromper um prazo já exaurido.
Por outro lado, é manifesto que o documento apresentado pela executado não corresponde ao exigido por lei para efeitos de interrupção do prazo em curso, já que não comprova que foi requerido o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Com efeito, exige a lei que a parte apresente no processo o documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo, sendo certo que sem este não é possível ao tribunal aferir se foi requerido o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, única modalidade que possui relevância para efeitos interruptivos do prazo em curso (neste sentido, Acórdão da Relação do Porto de 07.03.2005, in www.dgsi.pt).
Destarte não pode o tribunal admitir o pedido de diferimento da desocupação, por extemporâneo, uma vez que foi apresentado após o prazo de 20 dias previsto na lei, uma vez que não pode atender-se à junção do requerimento apresentado a fls. 20 como acto interruptivo do prazo em curso, já que este já estava esgotado no momento daquela apresentação, sendo certo que o documento apresentado também não é idóneo, pelos motivos expostos, para interromper qualquer prazo eventualmente em curso.
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 930.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, indefiro liminarmente a petição de diferimento de desocupação, por extemporânea.».
Desta decisão interpôs o executado este recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª- O executado foi citado em 18/12/2008, data correspondente à da assinatura do aviso de recepção de fls. 18 dos autos;
2ª- O prazo do executado para requerer o incidente de diferimento de desocupação previsto no artigo 930º-C do Código de Processo Civil, atentas as férias judiciais que, nesse período, decorreram entre 22/12/2008 e 3/1/2009, terminou em 20/1/2009;
3º- O artigo 145º do Código de Processo Civil,, nos seus n.ºs 5 e 6, estabelece uma dilação de tal prazo, diferindo-o para o primeiro, segundo ou terceiro dia útil subsequentes, mediante o pagamento da multa respectiva;
4ª- Multa esta que poderá ser paga por iniciativa do interessado ou após notificação da secretaria;
5ª- Tendo o requerimento do executado, bem como as cópias do comprovativo do pedido de apoio judiciário, sido apresentado em 23 de Janeiro de 2009, ou seja, no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo, deveria a secretaria ter notificado o executado para proceder ao pagamento da multa respectiva, nos termos do n.º 6 do artigo 145.° do Código de Processo Civil,;
6ª- Pelo que o prazo para o executado poder apresentar o seu requerimento de diferimento da desocupação não tinha ainda expirado;
7ª- Não foi o executado notificado pela secretaria para proceder ao pagamento da multa;
8ª- Com requerimento junto aos autos pelo executado foram igualmente juntas cópias dos seguintes documentos: recibo de entrega de documentos, de protecção jurídica processo n.º …/2009 (recibo n.º 2…);
9ª- A cópia do recibo de entrega deveria ser bastante para comprovar o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono;
10ª- Caso assim não se entendesse, deveria o executado, em obediência ao princípio da cooperação, consignado no artigo 266.° do Código de Processo Civil, ter sido notificado para entregar documento que identificasse a modalidade de apoio judiciário requerido;
11ª- Só assim, e face à complexidade do sistema de concessão do benefício de apoio judiciário, é possível assegurar os princípios que lhe estão subjacentes, maxime o direito do acesso a justiça a todos os cidadãos independentemente da sua situação económica, social, educacional ou cultural.
Termos em que pede a revogação do despacho recorrido.
Como resulta do disposto nos artigos 684º, n.º 3, e 690, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação do recorrente servem para delimitar o âmbito do recurso e, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, para colocar as questões que nele devem ser conhecidas.
Sendo assim a questão em recurso consiste em apreciar se a aplicação da multa prevista no artigo 145º do Código de Processo Civil pode permitir ao executado beneficiar do efeito interruptivo do prazo associado ao pedido de nomeação de patrono, no âmbito do apoio judiciário, nos termos previstos no artigo 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
II – Fundamentação
Para apreciar a questão, com base nos elementos dos autos, anota-se o seguinte desenvolvimento factual:
a) intentada a execução com processo n.º, o solicitador de execução veio juntar comprovativo da citação do executado, designadamente documento dirigido ao executado, que faz fls. 24 neste apenso de recurso, onde, além do mais, consta que tem o prazo de vinte dias para se opor à execução e que, sendo requerido beneficio de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deverá juntar, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação do referido requerimento «para que o prazo em curso se interrompa até notificação do apoio judiciário.»;
b) e respectivo aviso de recepção, que faz fls. 25 neste apenso de recurso, com assinatura do executado datada de 18/12/2008;
c) o executado, em 23/1/2009, veio aos autos apresentar «recibo de entrega de documentos de protecção jurídica processo n/2009 (recibo n.º 2…)»;
d) desse recibo de entrega de documentos, que faz fls. 28 neste apenso de recurso, emitido em 19/1/2009, pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Lisboa além do mais consta «CD Lisboa -protecção jurídica - requerimento de pessoa singular (n.º processo prot. jurídica: /2009)», documento entregue «-req. pessoa singular»;
e) depois, em 5/3/2009, o executado veio aos autos requerer o diferimento da desocupação;
f) o teor da respectiva petição mostra que advogada sua subscritora se apresenta como patrona nomeada ao executado;
g) seguiu-se despacho a ordenar a notificação da ilustre patrona para, no prazo de cinco dias, juntar documento comprovativo da sua nomeação;
h) a advogada subscritora apresentou comprovativo, que faz fls. 42 neste apenso de recurso, da sua nomeação para patrocinar o executado, que lhe foi enviada, em 11/2/2009, por correio electrónico;
i) desse comprovativo além do mais consta «Refª S.S.: Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa – Proc. n.º 2…»;
g) a Segurança Social, Centro Distrital de Lisboa, informou o Tribunal, como consta de fls. 44 e 45, que, além do mais, foi deferido, no processo de apoio judiciário n.º /2009, o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, formulado pelo executado, para intervir na execução comum com processo n.º ;
h) após foi proferido o despacho recorrido.
No artigo 22º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, republicada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, estabelece-se que o requerimento de protecção jurídica é apresentado em qualquer serviço de atendimento ao público dos serviços de segurança social, que, quando o requerimento é apresentado por via postal, o serviço receptor remete ao requerente uma cópia com o carimbo de recepção aposto e que a prova da entrega desse requerimento pode ser feita: mediante exibição ou entrega de cópia com carimbo de recepção do requerimento apresentado pessoalmente ou por via postal; por qualquer meio idóneo de certificação mecânica ou electrónica da recepção no serviço competente do requerimento quando enviado por telecópia ou transmissão electrónica.
Por outro lado, nos termos do artigo 24º, n.º 4, dessa Lei, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Nos termos deste artigo 24º, n.º 5, al. a), o prazo interrompido, por efeito da aludida junção, volta a iniciar-se a partir da notificação ao patrono nomeado a sua designação.
Certamente, para efeito de interrupção de prazo em curso, que a cópia com carimbo de recepção do requerimento apresentado pessoalmente ou por via postal no serviço de segurança social ou o documento que seja idóneo para demonstrar a certificação mecânica ou electrónica da recepção no serviço de segurança social do requerimento quando enviado por telecópia ou transmissão electrónica se configuram como documentos comprovativos da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
Sendo certo que dos autos não consta qualquer destes documentos, também não é menos certo que, quando foi proferido o despacho recorrido, dos autos constavam documentos que, apreciados no seu conjunto, mostram que o recibo de entrega de documentos, apresentado em 23/1/2009, respeita à entrega no serviço de segurança social do requerimento do executado a pedir apoio judiciário, designadamente a nomeação de patrono para o patrocinar nesta execução.
Portanto bem se pode considerar que, aquando da prolação do despacho recorrido, estava esclarecido que a intervenção do executado, referida nas als. c) e d) supra, se destinava a demonstrar que havia promovido nos serviços da Segurança Social procedimento de apoio judiciário para obtenção de patrono para seu patrocínio nesta execução.
Deste modo, ponderando ainda, de acordo com o artigo 1º, n.º 1, daquela Lei, que o sistema de acesso ao direito não se destina a dificultar o acesso do executado à defesa que esta execução lhe permite, bem se pode admitir que o executado, com o recibo de entrega de documentos, apresentado em 23/1/2009, juntou aos autos o documento comprovativo exigido no artigo 24º, n.º 4, dessa Lei, ou seja documento comprovativo da apresentação do requerimento com que promoveu o procedimento administrativo de apoio judiciário para obtenção de patrono para seu patrocínio nesta execução.
Como resulta do disposto nos artigos 928º e 930º-C, n.º 1, do Código de Processo Civil, o diferimento da desocupação deve ser requerido dentro do prazo de oposição à execução, ou seja dentro do prazo de vinte dias subsequente à citação.
Todavia, face ao disposto no artigo 145º, n.ºs 1, 5 e 6, estes últimos na redacção aplicável, do Código de Processo Civil, o decurso desse prazo não determina logo a extinção do direito de requerer o diferimento da desocupação.
Com efeito, atendendo à redacção aplicável desses n.ºs 5 e 6, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ou seja pode o diferimento da desocupação ser ainda requerido dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo de vinte dias subsequentes à citação, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1.º dia útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC e, decorrido este prazo sem ter sido paga a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC.
Pode até acontecer, nos termos do n.º 7, redacção aplicável, do artigo 145º do Código de Processo Civil, que essa multa seja reduzida ou mesmo dispensada.
Na base da permissão para praticar o acto processual nos três dias úteis subsequentes ao termo do respectivo prazo «encontra-se um propósito louvável e o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais.
O propósito louvável, que remonta já aos primórdios da chamada reforma do processo, com o primado da justiça material sobre a pura legalidade formal, é o de evitar que a omissão duma simples formalidade processual possa acarretar a perda definitiva dum direito material. O inveterado defeito em que a permissão directamente se funda é o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado.» - cfr. Antunes Varela, R.L.J., 116º, pgs. 31, 32.
Portanto ao prazo especificamente marcado para a apresentação da petição de diferimento da desocupação soma-se, nas condições referidas nesses n.ºs 5 e 6, o prazo de três dias.
Deste modo para a apresentação dessa petição cumpre contar com o prazo de vinte e três dias.
Sendo assim, adaptando a interrogação de Antunes Varela – vd. R.L.J., 116º, pg. 32 - cabe ponderar por que não se há-de usar o mesmo princípio de tolerância, que permitiria ao executado, mediante multa, reduzida ou até dispensada, requerer o diferimento da desocupação dentro dos três últimos dias do prazo de vinte e três dias, para com o acto de junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que o executado promoveu o procedimento administrativo de apoio judiciário para obtenção de patrono para seu patrocínio nesta execução de modo que possa ser aproveitado, mediante multa, reduzida ou até dispensada, para obter o efeito interruptivo em apreço quando apresentado num dos três últimos dias do prazo de vinte e três dias.
E efectivamente adoptou-se já precisamente «a orientação que tem os citados nºs. 5 e 6 aplicáveis à prática da generalidade dos actos judiciais, por isso também ao requerimento a pedir a prorrogação do prazo para contestar por ter sido pedida a nomeação de patrono à segurança social.» - cfr. Ac. R.P. de, 21/1272004, processo 0424323, www.dgs.pt.
Também, de acordo com o primado da justiça material, se considera ser de aplicar esta solução ao caso dos autos para que, assim, o executado seja notificado para proceder ao pagamento da multa, nos termos do referido n.º 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, com vista a obter o efeito interruptivo decorrente da junção aos autos do referido documento comprovativo de que promoveu o procedimento administrativo de apoio judiciário para obtenção de patrono para seu patrocínio nesta execução.
De resto, como aliás também se ponderou no mencionado acórdão, tendo o executado sido citado com o esclarecimento de que para obter interrupção do prazo deveria juntar, no prazo da contestação, documento comprovativo da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, deve-se entender que, podendo o prazo para contestar ser prorrogado nos termos dos citados, n.ºs 5 e 6 do artigo 145° do C. P. Civil, também o prazo para comprovar o pedido de nomeação de patrono se pode prorrogar nos mesmos termos.
Resumindo e concluindo: o executado, citado para a execução, pretendeu obter patrocínio judiciário no âmbito do apoio judiciário para, assim patrocinado, requerer o diferimento da desocupação; no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo indicado no artigo 930º-C, n.º 1, do Código de Processo Civil, para a apresentação da petição de diferimento da desocupação, o executado apresentou o documento referido nas als. c e d) supra; este documento, nas circunstâncias dos autos serve como documento comprovativo de que o executado promoveu o procedimento administrativo de apoio judiciário para obtenção de patrono para seu patrocínio nesta execução; deve o executado ser notificado para efectuar o pagamento da multa, nos termos do n.º 6, redacção aplicável, do artigo 145º do Código de Processo Civil, para assim poder beneficiar do efeito interruptivo, regulado no artigo 24º, n.ºs 4 e 5, al. a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, associado à apresentação desse documento.

III – Decisão
Pelo exposto decidem dar provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida para que a secretaria proceda à notificação do executado para efectuar o pagamento da multa nos termos e para os efeitos do n.º 6, redacção aplicável, do artigo 145º do Código de Processo Civil.

Custas pela parte vencida a final: artigo 446º, n.ºs 1e 2, do Código do Processo Civil
Processado em computador.

Lisboa, 3 de Novembro de 2009

José Augusto Ramos
João Aveiro Pereira
Manuel Marques