CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
TRADUÇÃO
NULIDADE
Sumário

I - Se ao estrangeiro, no acto da citação, residente no estrangeiro, não for informado da possibilidade da recusa do acto, por não ir acompanhado de tradução, a citação é nula, por indiscutivelmente estamos, face à lei portuguesa, diante de uma formalidade essencial art.º 198, n.º 1, do C.P.C».).
II – Porém, a mesma fica sanada se não for arguida dentro do prazo do n.º 2, do art.º 198, do mesmo diploma.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. Relatório

1.1. T, Limitada, , intentou acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra E Limited, com sede Uk, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de 45.178,66 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.
A mesma não apresentou contestação, embora tivesse sido regularmente citada, pelo que foi proferida sentença onde se decidiu condena-la a pagar à A. a quantia de 45.178,66 €, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 4/11/2008 (cfr. fls. 2 destes autos).
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1.2. A R. a não se conformando com tal sentença dela recorreu terminando a sua motivação com as conclusões transcritas (cfr. fls. 13 a 43 destes autos):
«a) A Recorrente não tem conhecimento da citação nem do teor dos documentos que a acompanhavam, mais especificamente, de que contra ela se encontrava a correr um processo judicial em Portugal e que, em consequência dele, se iria iniciar um prazo para defesa;
b) A Recorrente não dispõe de qualquer dado que lhe permita aceitar ter sido citada para os presentes autos;
c) O facto de não existir nenhum elemento no processo que evidencie a quem terá sido entregue a citação impossibilita a Recorrente de ilidir a presunção de que a citação foi regularmente efectuada, como, de resto, consta da sentença;
d) Do processo não consta qualquer tradução da petição, nem prova de que o duplicado foi entregue à Recorrente;
e) Tendo a Recorrente sede no estrangeiro, mais propriamente em Inglaterra, deveria a sua citação ser realizada ao abrigo do Regulamento 1393/2007 (C E), sendo que na sua falta, deve a citação ser levada a cabo por via postal, em carta registada com aviso de recepção;
f) Quer isto dizer, no sentido em que, de resto, já se pronunciou alguma jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de Março de 2008 transcrito supra, que a citação postal com aviso de recepção será uma alternativa a considerar quando, tratados ou convenções internacionais, não sejam susceptíveis de ser aplicáveis, ou não se traduzam numa mais-valia do ponto de vista da segurança e utilizada do próprio acta. Sendo-o, então nesse caso a citação deverá ser levada a cabo nos moldes definidos nesses instrumentos de regulamentação;
g) Nos termos da Convenção Relativa à Citação e Notificação no Estrangeira de Actos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial, adoptada na Haia a 15 de Novembro de 1965, bem como do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro, adoptado do seguimento da primeira, existem regras e formulários próprios para a realização da citação, quando o Réu seja residente num Estado Membro outorgante desta Convenção (como é o caso do Reino Unido). Refere o artigo 1.º desse Regulamento que "O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial quando um acta judicial ou extra-judicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação(...).
h) Nessa medida, entende a Recorrente que deveria o Tribunal ter ordenado a citação da Recorrente de acordo com os modelos de procedimento definidos no Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro, admitindo-se apenas, em alternativa, que a citação fosse efectuada por via postal normal com aviso de recepção mas acompanhada da tradução da petição e das demais peças relevantes do processo;
i) Em face do Regulamento atrás referido, é essencial à validade do acta que o seu destinatário conheça ou possa conhecer o conteúdo da citação, noção que tem toda a
relevância neste caso concreto uma vez que, como se referiu, a Recorrente é uma
sociedade comercial de direito inglês.
j) Seja ao não adoptar os modelos de citação ou notificação de actos judiciais previstos no Regulamento para a realização de citações no estrangeiro, seja ao ordenar a citação por via posta registada, com aviso de recepção, mas sem que esteja acompanhada da respectiva tradução, o Tribunal não respeitou as formalidades que legalmente lhe são impostas e nessa medida, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 198.º, deve a citação ser declarada nula e, em consequência, ser repetido todo o processado desde a apresentação da pi, conforme dispõe a alínea a) do artigo 194.º do cpc.
k) Entende a Recorrente, bem como a doutrina e jurisprudências maioritárias que, ao contrário do disposto na sentença, o Regulamento (CE) n.º 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Fevereiro de 2005 trata apenas dos direitos dos passageiros, não sendo tal regime de protecção extensível aos demais interessados;
I) Não poderia a sentença ter considerado a existência de um típico contrato de
transporte entre as partes, mas sim, quando muito, um contrato de transporte aéreo de passageiros;
m) O tipo contratual do transporte aéreo de passageiros exige como sujeito do contrato o próprio passageiro, o que é evidenciado pela insusceptibilidade de concretização desse contrato por pessoa diferente do passageiro, nomeadamente, no que respeita a aquisição do próprio bilhete e à validação da documentação necessária a concretização do transporte;
n) O contrato de transporte aéreo de passageiros pressupõe, obrigatoriamente, como parte um passageiro, na medida em que ele é o único susceptível de ser titular do
direito ao transporte.
o) A Recorrida não foi parte deste contrato de transporte aéreo e, como tal, não pode reclamar, ao abrigo desse contrato, qualquer tipo de responsabilidade junto da
Recorrente;
p) Não podendo o pedido da Recorrida ser fundado em qualquer tipo de responsabilidade contratual, a única forma de fazer valer um direito indemnizatório sempre seria através da evidenciação de um facto ilícito, nos termos e pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o que, manifestamente, não faz nem resulta minimamente da matéria de facto.
q) Da matéria de facto provada não é possível extrair que tenha existido, entre a Recorrente e a Recorrida qualquer tipo de contrato de transporte, muito menos, de
transporte aéreo de passageiros uma vez que a expressão "reserva de voo" – no sentido corrente do termo, pois é de supor que é essa a utilização do vocábulo que é conferida no ponto 4 da matéria dada como provada, dada a impossibilidade legal de naquela serem usados conceitos jurídicos - não implica, necessariamente, a celebração de um contrato de transporte, muito menos com a Recorrida;
r) Por outro lado, ainda que este Tribunal seja efectivamente competente para apreciar o caso, não pode nunca ser-lhe aplicável a Lei portuguesa, mas sim a Lei inglesa, nos termos do contrato em anexo e do n.º 1 do artigo 41.º do Código Civil;
s) O cancelamento do voo não teve como resultado, directo ou indirecto, o cancelamento do concerto da banda agendado para aquela mesma noite - não foi nem pode ser tido como causa adequada do cancelamento do espectáculo.
t) Este princípio da causalidade adequada tem predominado na doutrina e é quase unanimemente reconhecido como o modelo legalmente adoptado. Muito embora parta da tese da equivalência de condições - conditio sine qua non - o princípio da causalidade adequada afasta-se daquele conceito naturalista, exigindo para qualificar determinado facto como causa de um dano, não só que ele tenha contribuído essencialmente para a verificação desse dano, mas também que, em abstracto, seja susceptível de o originar. É um conceito delimitador do dano indemnizável.
u) Isto é, a responsabilidade civil exige uma causa juridicamente relevante, isto é, só existe responsabilidade por um determinado dano, se o facto que lhe deu azo (tese da equivalência das condições) for, em abstracto, meio próprio para a concretização desse resultado. O facto deve ser condição adequada do próprio dano, não bastando, para efeito do estabelecimento do nexo de causalidade, que a inexistência do dano pudesse ser alcançada através da simples inexistência do facto. Este tem, obrigatoriamente, que ser apto ou idóneo à verificação do resultado;
v} Não há dúvida que o cancelamento do voo para Lisboa pode ser apontado como condição do dano registado, mas, de igual modo e na palavras do Senhor Prof. Antunes Varela, repugna ao "sentimento comum de justiça" e perante os dados concretos deste caso, incluir esse dano no balanço da indemnização a cargo da Recorrente.
w) "É de tal modo extenso o processo de causalidade que envolve os factos humanos, pelo contínuo encadeamento dos acontecimentos, que a relação causal de modo nenhum pode servir, como os autores justamente observam, para delimitar, por si só, a zona de responsabilidade do devedor ou do agente".
x) A sentença estabeleceu um critério delimitador da responsabilidade indemnizatória da Recorrente de forma demasiadamente extensa e, por isso, injusta.
y) Atendendo ao supra exposto, é inevitável considerar que não existe nenhum nexo de causalidade entre a conduta da Recorrente e o dano imposto à Recorrida pela não comparência da banda, sua agenciada, no espectáculo em Lisboa. Este dano específico, não teve por causa o cancelamento do voo, nem este pode entender-se como um meio típico, normal e adequado a gerar o resultado acima mencionado, pelo que, fazendo uma vez mais apelo ao sentimento comum de justiça a que fazia referência o Senhor Prof. Antunes Varela, outra alternativa não existe senão a revogação da sentença e a sua substituição por outra que a absolva do pedido.
Nestes termos, bem como nos demais de Direito que V.Exas. doutamente vierem a suprir, deve:
a) Ser declarada a nulidade da citação por ausência da formalidade
legalmente exigidas para o efeito, nos termos do Regulamento n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro bem como do artigo 194 e 198.º do Código de Processo Civil ou;
b) Em alternativa, ser a sentença revogada e substituída por outra que absolva a ora Recorrente do pedido, assim se fazendo Justiça».
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1.3. A A. apresentou contra-alegações terminando a sua motivação com as conclusões transcritas (cfr. fls. 86 a 94 destes autos):
«a) a citação foi efectuada em termos regulares, preenchidas as formalidades a ela inerentes á luz da Convenção de Haia de 15.11.1965 e do Regulamento (CE) n° 1348/2000;
b) sendo, para mais, a arguição intempestiva, á luz do art. 168 do Cod.
Proc. Civil;
c) o facto de o Regulamento (CE) n° 261/2004 apenas se aplicar aos passageiros não obsta a que, através dele, se verifique a efectiva violação culposa dos deveres e obrigações a que a R. estava adstrita;
d) sendo a A. lesada por via daquele incumprimento culposo, em termos accionadores da sua responsabilidade civil, desde logo em face do art. 483° do Cod. Civil;
e) nem sendo de invocar a lei inglesa como aplicável, na medida em que a A. não interveio em qualquer pacto ou convenção atributiva de lei competente;
f) o cancelamento do concerto foi resultado directo (situação perfeitamente previsível) do igual cancelamento do voo, sendo os prejuízos sofridos e reclamadas pela A. directamente decorrentes do comportamento culposa da R.;
g) verificando-se, assim, cumulativamente, os elementos accionadores da responsabilidade civil;
h) a sentença recorrida não viola qualquer comando legal, nem o processo enferma de qualquer nulidade.
Termos em que deve:
a) ser indeferida a nulidade arguida;
b) ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso interposto;
c) tudo com as legais consequências».

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1.4. Face à invocada nulidade de citação foi proferido despacho, a julgar a mesma valida e, a indeferir a invocada nulidade (cfr. fls. 9, destes autos).
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1.5. Não se conformando com este despacho dele recorreu a R. terminando a sua motivação com as conclusões transcritas (cfr. fls. 51 a 77 destes autos):
«I. A citação, efectuada nos termos do modelo habitualmente usado nas acções entre nacionais e pendentes nos tribunais portugueses, não assegura qualquer nível de protecção das garantias de defesa de uma pessoa ou entidade que, manifestamente, não compreenda o teor da comunicação recebida, como é o caso da ora Recorrente;
II. Nos termos do número 1 do artigo 228.º do Código de Processo Civil que (A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao Réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (...). A citação tem por
função principal, à luz da Lei processual portuguesa, a de levar ao conhecimento do réu que contra ele se encontra a decorrer um processo judicial, dando-lhe prazo para a apresentação da sua defesa, o que é particularmente significativo relativamente a ordenamentos jurídicos em que exista, como no nacional, disposição semelhante à plasmada no artigo 490º/ 2 do Código de Processo Civil;
III. É a própria Lei Portuguesa que impõe ao Tribunal e ao Autor o ónus de assegurar, mediante os necessários formalismos, que a citação a efectuar em território não nacional assegurará o fim último daquela: o da cabal compreensão do objecto da
comunicação;
IV. Sendo esse encargo do Autor - e, mediatamente, do Tribunal, mas nunca do Réu ou requerido - é na legislação comunitária que deverão ser buscados os cuidados a ter com a citação de pessoas residentes em território de outros estados-membros;
V. A abertura de fronteiras comunitárias e o aumento exponencial da contratação transfronteiriça acentuaram a urgência de os vários Estados - membros traçarem a linha de equilíbrio entre as necessidades de celeridade processual e de garantia de um efectivo direito de defesa aos Réus ou Requeridos; e o facto de a prática dos demais estados membros ser semelhante à usada pelos Tribunais nacionais acentuava, de forma evidente, aquela urgência;
VI. O modelo de funcionamento plasmado no regulamento 1348/2000 assentava na criação de entidades responsáveis, em cada Estado-Membro, pela transmissão de actos judiciais, umas denominadas como entidades de origem e outras como entidades requeridas, consoante lhes competisse garantir o envio ou a recepção de um determinado acta judicial;
VII. A regra, então, era a de informar o requerente de que o destinatário poderia recusar a recepção do acta (i) se este não estivesse redigido numa das línguas oficiais do local onde devesse ser entregue (ii) ou numa outra do Estado-Membro de origem que o destinatário compreendesse. Se fosse acompanhado de tradução para uma dessas línguas, não haveria lugar à possibilidade de recusa do acta pelo destinatário;
VIII. Este modelo de funcionamento conciliava os interesses de celeridade e agilidade na circulação de informação com a segurança e efectividade de compreensão do acta transmitido. Por um lado, a possibilidade de realização do acto na língua do Estado de origem conferia ao processo a sua almejada celeridade, mas, por outro, na possibilidade de recusa conferida ao requerido (Réu) centravam-se princípios de segurança, equilíbrio e, necessariamente, contraditório;
IX. Sem prejuízo de a cada Estado-Membro caber desenvolver internamente as estruturas oficiais de interligação judiciária com os restantes Estados-Membros, os Tribunais podiam proceder à citação ou notificação directa, por via postal, de actos judiciais noutro Estado-Membro, cabendo ao destinatário o direito de o recusar nos casos já acima referidos;
X. A um destinatário estrangeiro é impossível exercer o direito de recusa na recepção de um acta judicial sem saber que essa era a natureza da comunicação que lhe estava sendo feita e que, nesse contexto, tal direito lhe assistia;
XI. A mera existência do artigo 14.º do regulamento 1348/2000 não implicava a derrogação de todas as garantias de estabilidade e segurança na transmissão de um acto judicial, mormente as no artigo 8.º consubstanciadas no direito à recusa por parte do destinatário.
XII. Carece de sentido considerar que o elemento que permitia trazer ao funcionamento desta rede judiciária alguma segurança jurídica e que reequilibrava os interesses em jogo, deixe, no caso de o Tribunal optar pela aplicação estrita do artigo 14.º, de ter qualquer sentido útil;
XIII. Na realidade, perante a possibilidade de realização directa do acto judicial, o direito efectivo à recusa por parte do destinatário ganha uma ainda maior importância na medida em que nenhuma outra entidade, seja no Estado-Membro de origem seja no
Estado-Membro requerido, intervém no procedimento;
XIV. Não faz sentido consagrar o direito à recusa do acto no modelo de procedimento dotado de maior formalidade (modelo uniforme de funcionamento proposto pelo Regulamento) e negar-lhe qualquer aplicação prática quando o nível de certeza respeitante à compreensibilidade do acto simplesmente não existe, ou é muito diminuto;
XV. O direito à recusa é, como bem salienta José Fernando Salazar Casa nova (op. e loc. cit), um dos princípios essenciais deste modelo, cabendo-lhe temperar, com a necessidade de compreensão do acto judicial por parte do destinatário, as motivações de celeridade e descentralização formal do procedimento judicial no espaço europeu;
XVI. Do n.º 2 do artigo 14.º do Regulamento 1348/2000 não se retira que as citações ou notificações, quando efectuadas directamente por via postal, se encontrem unicamente condicionadas pelas reservas feitas por cada Estado-Membro quanto ao modo pelo qual se encontra disponível para as aceitar;
XVII. A omissão de reserva por parte de determinado Estado-Membro não é interpretável no sentido de significar, para o Estado silencioso, a aceitação de que a citação dos seus cidadãos possa ser feita sem a observância dos formalismos linguísticas pressupostos no regulamento ou, no limite, dos formalismos decorrentes da adopção dos formulários prescritos naqueles regulamentos e que têm em vista, pelo menos, a compreensibilidade do objecto recebido como instrumento de exercício do direito de recusa que aqueles regulamentos expressamente prevêem;
XVIII. O considerando 12 do Regulamento 1393/2007 indicia, claramente, qual o caminho preconizado pelo legislador comunitário, ao referir que "As regras sobre a recusa deverão igualmente aplicar-se à citação ou notificação efectuada por agentes diplomáticos ou consulares, pelos serviços postais ou directamente (...)";
XIX. No actual n.º 4 do artigo 8.º refere-se que "O n,º 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2. ".
xx. Ora, ainda que se admita que a letra do anterior Regulamento pudesse levar a conclusões distintas das que (agora) propomos, a verdade é que a intervenção expressa dos Estados-Membros através do actual Regulamento 1393/2007 não parece deixar, neste capítulo, grande margem para dúvidas. Como se vinha já pugnando, reconheceram os Estados-Membros, como inadmissível que o Tribunal de origem optasse por proceder à realização do acta judicial directamente, por via postal, sem garantir, sequer, que o direito à recusa fosse observado e garantindo, através da expressa comunicação desse direito, mediante formulário próprio, ao destinatário do acto.
XXI. Competia ao Tribunal promover o acta de citação, ainda que ao abrigo do artigo 14.º do Regulamento 1348/2007, de molde a que o direito à recusa por parte do destinatário fosse, ou pudesse ser, realmente exercido;
XXII. Perante um Réu residente no Reino Unido e na presença de uma petição inicial produzida em Português e não traduzida, ao Tribunal cabia o dever de, pelo menos, comunicar ao destinatário da citação, através do modelo uniforme constante do anexo II e na língua oficial do Estado-Membro de destino, (i) a natureza judicial do acta e a identificação do processo, (ii) a possibilidade de recusa do acta por não se encontrar acompanhado de uma tradução, (iii) o início do prazo para a apresentação de defesa e (iv) a necessidade de constituição de um mandatário judicial, tudo de acordo com o disposto no Regulamento n.º 1348/2007 de 13 de Novembro;
XXIII. Nestes termos, o despacho em crise viola do disposto nos artigos 228º e 247º, ambos do Código de Processo Civil e, bem assim, o disposto no artigo 8º do Regulamento n.º 1348/2007 de 13 de Novembro.
Nestes termos, bem como nos demais de Direito que V.Exa. doutamente vier a suprir, deve decisão do Tribunal Recorrido que indeferiu a reclamação da Recorrente ser revogada, substituindo-a por outra que reconheça a nulidade da citação arguida pela Recorrente, assim se fazendo a costumada
JUSTiÇA!»
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1.6. Atendendo que neste recurso está em causa unicamente saber se a citação está ou não ferida de nulidade e muito embora as conclusões aludidas em 1.2. digam respeito a esta nulidade e à sentença recorrida, que é objecto de outro recurso a correr em separado, teremos apenas presente as conclusões referentes à nulidade da citação, tendo transcrito todas as conclusões para melhor nos inteirarmos da situação em análise.
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1.7. Os Senhores Desembargadores-Adjuntos tiveram visto dos autos.
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2. Factos com interesse para a questão.
2.1. A carta registada para citação da R. foi entregue à destinatária em 4/11/2008, nesta constava os prazos para deduzir a respectiva contestação e efeitos da não contestação (cfr. fls. 82 destes autos e fls. 32, dos autos n.º por nós consultado).
2.2. A sentença a condenar a R. foi proferida em 19/3/2009, após ter considerado a R. devidamente citada (cfr. fls. 2 a 8 destes autos).
2.3. A R. invocou a nulidade da citação em 5/5/2009, data da apresentação do recurso da sentença onde invocou a nulidade da citação (cfr. fls. 12 a 43 destes autos ).
2.4. O despacho referido em 1.4. foi proferido em 1/6/2009 (cfr. fls. 9 e 10 destes autos ).
2.5. O recurso deste despacho foi apresentado em 22/6/09 (cfr. fls. 52 a 83 destes autos ).
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3. Fundamentação
Como se sabe o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (cfr. art.º 684, n.º 3, do C.P.C.).
Assim, a questão essencial decidenda é a de saber se a citação da recorrente para a acção está ou não afectada de nulidade e, no caso afirmativo, se deve ou não anular-se o processado operado após a apresentação da petição inicial pela recorrida.
Vejamos.
A citação é o acto pelo qual, além do mais, se dá conhecimento ao réu de que foi intentada contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender, devendo ser acompanhada de todos os elementos e cópias legíveis documentos e peças do processo necessários à sua plena compreensão (artigo 228º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Trata-se do acto mais relevante de realização do princípio do contraditório, garante da transparência e do direito de defesa, consagrado, além do mais, no artigo 3º do Código de Processo Civil.
Implica, por isso, a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, a comunicação de ficar citado para a acção a que o duplicado se refere, a indicação do tribunal, do juízo, da vara e da secção por onde corre o processo, do prazo de apresentação da defesa, da necessidade de patrocínio judiciário e das cominações em que incorrerá se ficar em revelia (artigo 235º do Código de Processo Civil).
Uma das espécies de citação pessoal é que ocorre por via da entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, para a respectiva sede ou para o local de funcionamento normal da sua administração (artigos 233º, n.º 2, alínea a), e 236º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Quando o réu resida no estrangeiro, como ocorre no caso vertente, deve observar-se o estipulado nos tratados ou convenções internacionais e, na falta deste, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais (artigo 247º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Na situação vertente, no que concerne à citação no estrangeiro da recorrente, a República Portuguesa está vinculada, à primazia do direito internacional, conforme se dispõe no artigo 8, da C.R.P. “ as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”.
Considerando que a acção foi intentada em 29/10/2008, o Regulamento (CE) a aplicar é o n.º 1348/2000 do Conselho de 29 de Maio de 2000, que entrou em vigor no dia 31 de Maio de 2001, já que o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, relativo à citação e notificação dos actos judiciais e extrajudiciais em matéria civil e comercial nos Estados-Membros (« citação e notificação de actos») e que revogou o anterior (cfr. art.º 25, n.º 2, Reg 1392/2007), só entrou em vigor em 13 de Novembro de 2008 (cfr. art. 26, deste regulamento).
Porém, e dado que a questão que temos entre mãos diz respeito à nulidade da citação, diremos algo a respeito da falta e da nulidade de citação, para melhor compreensão do problema.
Na definição de Manuel de Andrade [Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 175], nulidades processuais são quaisquer desvios ao formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.
Aqueles desvios de carácter formal podem assumir um de três tipos, tendo em atenção o formalismo preceituado nos artºs 193º e seguintes do CPC – Diploma a que pertencem todas as normas adiante citadas sem menção de origem: a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido [Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 387].
Das nulidades processuais, umas são principais, típicas ou nominadas, sendo-lhes aplicável a disciplina fixada nos artºs 193º a 200º e 202º a 204º; outras são secundárias, atípicas ou inominadas e têm a sua regulamentação genérica no artº 201º, nº 1, estando a sua arguição sujeita ao regime previsto no artº 205º.
Nos termos do artº 194º, al. a), é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial salvando-se apenas esta, quando o réu não tenha sido citado.
Os casos de falta de citação são os previstos nas diversas alíneas do artº 195º: a) omissão completa do acto; b) erro na identidade do chamado; c) emprego indevido da citação edital; d) citação efectuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade; e) falta de conhecimento do acto pelo destinatário da citação pessoal, por facto que não lhe seja imputável.
A citação é nula quando não tenham sido, na sua realização, observadas as formalidades previstas na lei (artº 198º, nº 1).
A nulidade da citação não é de conhecimento oficioso, a não ser nos casos de citação edital ou de não ter sido indicado prazo para a defesa previstos na 2ª parte do nº 2 do artº 198º (cfr. artº 202º).
Nos demais casos, a nulidade só pode ser arguida pelo interessado, dentro do prazo indicado para a contestação (artº 198º, nº 2, 1ª parte).
Compreende-se o estabelecimento daquele prazo porque a invocação da nulidade da citação pessoal por preterição de uma formalidade pressupõe o conhecimento do acto pelo citando, ou seja, pressupõe que não se verifica nenhuma das situações de falta de citação previstas no artº 195º.
No domínio da citação pessoal, que é a que nos interessa, como já referimos in supra, ela pode fazer-se por carta-registada com aviso de recepção no modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para sua residência ou local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, para a respectiva sede, ou para o local de funcionamento normal da sua administração – artigos 233°, nº2, alínea a), e 236°, nºl, do Código de Processo Civil.
Quando o réu resida no estrangeiro, ou tenha sede no estrangeiro, como agora acontece, deve observar-se o estipulado nos tratados ou convenções internacionais e, na falta destes, a citação é feita por via postal, em carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais – artigo 247°, n°s l e 2, do Código de Processo Civil.
Muito embora ao caso vertente se aplique o Regulamento (CE) n.º 1348/2000, como já referido, diremos algo, a respeito desta matéria, no domínio do actual Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, para melhor se compreender a evolução da citação feita no estrangeiro.
Aquele regulamento (Regulamento (CE) n.º 1348/2000) visou melhorar e acelerar a transmissão entre os Estados-Membros dos actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, para efeitos de citação ou notificação.
Nos termos do seu art. 1º: “O presente regulamento é aplicável, em matéria civil ou comercial, quando um acto judicial ou extrajudicial deva ser transmitido de um Estado-Membro para outro Estado-Membro para aí ser objecto de citação ou notificação”.
Nos termos do nº1, do art. 2º:
“Cada Estado-Membro designa os funcionários, autoridades ou outras pessoas, adiante denominados “entidades de origem”, que terão competência para transmitir actos judiciais ou extrajudiciais para efeitos de citação ou notificação em um outro Estado-Membro.
Cada Estado-Membro designa os funcionários, autoridades ou outras pessoas, adiante denominados “entidades requeridas”, que terão competência para receber actos judiciais ou extrajudiciais provenientes de outro Estado-Membro”.
Em Portugal as entidades de origem são os Tribunais de Comarca, na pessoa do secretário de justiça.
O art. 3º prevê que cada Estado-Membro designe uma entidade central encarregada de:
a) Fornecer informações às entidades de origem;
b) Procurar soluções para as dificuldades que possam surgir por ocasião da transmissão de actos para efeitos de citação ou notificação;
c) Remeter, em casos excepcionais, a solicitação da entidade de origem, um pedido de citação ou notificação à entidade requerida competente”.
No capítulo II regula-se a transmissão de actos judiciais (citação e notificação) impondo o art. 4º, nº1, que “sejam transmitidos no mais breve prazo possível entre as entidades designadas conforme o disposto no art. 2º”.
Este normativo consigna: “A transmissão dos actos, requerimentos, atestados, avisos de recepção, certidões e quaisquer outros documentos, entre as entidades de origem e as entidades requeridas, pode ser feita por qualquer meio adequado, desde que o conteúdo do documento recebido seja fiel e conforme ao conteúdo do documento expedido e que todas as informações dele constantes sejam facilmente legíveis”.
E o nº3 – “O acto a transmitir deve ser acompanhado de um pedido, de acordo com o formulário constante do anexo. O formulário deve ser preenchido na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, no caso de neste existirem várias línguas oficiais, na língua oficial ou em uma das línguas oficiais do local em que deve ser efectuada a citação ou a notificação, ou ainda em uma outra língua que o Estado-Membro requerido tenha indicado poder aceitar. Cada Estado-Membro deve indicar a língua ou línguas oficiais da União Europeia que, além da sua ou das suas, podem ser utilizadas no preenchimento do formulário”.
Na citação assim feita os documentos devem ser redigidos numa das línguas previstas no art. 8º que estipula:
“1. A entidade requerida avisa o destinatário de que pode recusar a recepção do acto se este estiver redigido numa língua que não seja qualquer das seguintes:
a) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deve ser efectuada a citação ou a notificação; ou
b) Uma língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto nos termos previstos no nºl, comunicará o facto imediatamente à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão prevista no artigo 10.°, e devolver-lhe-á o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada”.
O Regulamento, na Secção 2, “artigo 12° [Transmissão por via diplomática ou consular] estabelece:
“Cada Estado-Membro tem a faculdade de utilizar, em circunstâncias excepcionais, a via diplomática ou consular para transmitir actos judiciais, para citação ou notificação, às par entidades de um outro Estado-Membro designadas nos termos dos artigos 2° ou 3°”.
O art.14º [citação ou notificação pelo correio]:
1. Cada Estado-Membro tem a faculdade de proceder directamente, por via postal, às citações e às notificações de actos judiciais destinadas a pessoas que residam num outro Estado-Membro.
2. Qualquer Estado-Membro pode precisar, nos termos do nºl do artigo 23°, sob que condições aceitará as citações e notificações por via postal”.
Temos, assim, que o Regulamento não excluiu, antes admite, a citação ou notificação pelo correio, a menos que o Estado-membro comunique à Comissão que não admite tal forma de citação ou notificação, como decorre das disposições conjugadas do nº2 do art. 14º e 23º, nº1.
No estudo publicado pelo Desembargador Dr. José Fernando de Salazar Casanova - “Regulamento (CE) nº1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000 – A Realidade Judiciária”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62 - Dezembro 2002 – págs.778 a 804, que, com a devida vénia seguimos de perto, pode ler-se que o Regulamento admite a pluralidade de meios de transmissão, assim:
“O Regulamento admite (ver secção 2) outros meios de transmissão e de citação ou notificação dos actos judiciais para além da transmissão entre entidades de origem e entidades requeridas com ou sem intervenção auxiliar da entidade central.
Tais meios são os seguintes:
- A transmissão por via diplomática ou consular (artigo 12.°);
- A citação ou notificação de actos judiciais por agentes diplomáticos ou consulares (artigo 13.°);
- A citação ou notificação por correio (artigo 14º)
- O pedido directo de citação ou notificação (artigo 15.°).” – pág.793.
Acerca da citação ou notificação pelo correio, pode ler-se na pág. 795:
“O Regulamento permite que cada Estado-Membro utilize directamente a via postal (artigo 14.°/1) mas, no caso do Luxemburgo, parece ter-se limitado contra-legem esta faculdade ao formular-se a reserva de que “só a notificação de actos judiciais será aceite pelo correio (uma citação tem sempre de ser feita por um oficial de justiça, de acordo com a legislação luxemburguesa)”…
…Assim, nos termos do próprio Regulamento, utilizando-se a citação directa por correio, fora, portanto, do âmbito de transmissão de acto a realizar entre entidades de origem e entidades requeridas, não se impõe que ele seja traduzido para a língua oficial do Estado requerido ou para língua que o destinatário compreenda...
…Exigem também tradução a Bélgica, Itália, Países Baixos, Espanha e Áustria, Estado este que inclusivamente estabeleceu um quadro regulamentador particularmente detalhado declarando expressamente que, faltando a tradução nos termos indicados, o destinatário da citação ou notificação tem o direito de o recusar…
“[…] Nos Estados que não exigem tradução pode dar-se, portanto, a situação de os respectivos nacionais serem citados por correio sem que os actos (v.g. peças forenses e documentos) tenham sido traduzidas, podendo dar-se o caso de estas estarem escritas em língua que lhes seja de todo estranha (o alemão, o sueco, o grego pensando-se no caso de um português) […] – pág. 798.
Na página 799:
“Parece de facto que o Regulamento subtrai ao destinatário o direito de recusar a recepção do acto não traduzido nos casos de citação por via postal, salvo se o Estado-Membro emitir declaração em contrário.
O regime do Regulamento é proteccionista para o cidadão mas não se sobrepõe, pelo menos nesta modalidade de citação, à vontade do Estado».
Da leitura deste regulamento - (Reg. (CE) n.º 1348/2000) - Um dos princípios que ressalta é a transmissão descentralizada dos actos.
De acordo com este princípio, os actos serão transmitidos descentralizadamente, ou seja, de e para os funcionários, autoridades ou outras pessoas designadas com competência para transmitir e receber os actos judiciais ou extrajudiciais (entidades de origem e entidades requeridas).
No entanto, derrogando o princípio, podem os Estados-Membros designar uma única entidade de origem e uma única entidade requerida (artigo 2.°/3)
As entidades de origem podem contactar directamente a autoridade central do respectivo Estado, mas podem igualmente contactar as entidades centrais do Estado requerido o que será conveniente quando se trate de pedir informações muito particularmente quando não haja obstáculo linguístico (a Espanha é o único Estado Europeu que aceita o português) – cfr- Dr.º Salazar Casanova, citado ).
Não será necessária a tradução quando o destinatário compreenda ( ou diga que compreende) a língua do Estado -Membro de origem.
Casos haverá em que se poderá suscitar dúvida sobre se o destinatário compreende a língua de origem.
Admitir a discussão no Estado de origem sobre se efectivamente o destinatário não nacional do Estado de origem que recusa o acto compreende ou não a língua poderia levar a que, processualmente, se impusesse a audição de quem afinal recusou a citação e, mais grave, parece-nos, considerar citado quem usou de um direito consagrado pelo Regulamento.
Portanto, a afirmação de que se não compreende a língua, fica antes de tudo, limitada à conclusão nesse sentido feita pelo requerido. E a evidência da verdade é insusceptível de demonstração.
Não consta que a Inglaterra não tenha admitido a citação pelo correio, nem que, nesta modalidade, tivesse exigido a tradução dos documentos na sua língua; se assim fosse, cremos que a recorrente disso não omitiria notícia, indicando o Jornal Oficial das Comunidades onde consta tal reserva.
Razão mais do que suficiente para se dispensar a sua tradução literal.
Porém, mesmo assim, fica sempre a possibilidade de recusa de recepção do acto a que se reportam os art.s 5.° e 8.° do citado Regulamento (Reg (CE) n.º 1348/2000).
Por conseguinte, do regulamento não resulta directamente a obrigatoriedade de traduzir o acto objecto de citação e, muito menos, no que respeita a Inglaterra.
Mas, o destinatário poderá recusar o acto se:
a) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo varrias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deve ser efectuada a citação ou a notificação; ou
b) Uma língua do Estado-Membro de origem que o destinatário compreenda.
É o caso.
É certo que não deriva tal recusa directamente do acto de citação em si.
Mas já declarou a Ré/Recorrente que o recusará por alegadamente não compreender a língua portuguesa, como se pode ver pelas alegações da recorrente.
Tais afirmações são, pois, de levar em conta, porque produzidas em sede processual.
O Regulamento (CE) n.º 1393/2007, de 13 de Novembro de 2007, parece impor, ainda, de forma mais abrangente e explicita a possibilidade de recusa, ao prescrever no art.º 8:
«1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação, sendo certo que o anexo II abrange todas as línguas.
Sendo certo que o art.º 14, deste Regulamento (Reg. /CE) n.º 1393/2007) prescreve:
« Os Estados-Membros podem proceder directamente pelos serviços postais à citação ou notificação de actos judiciais a pessoas que residam noutro Estado –Membro, por carta registada com aviso de recepção ou equivalente».
Feitos estes considerando a respeito da matéria debrucemo-nos sobre o caso que temos em mãos.
Tendo presente à factualidade supra referida verificamos que à R. foi enviada carta registada com aviso de recepção, não indo as peças processuais acompanhadas da respectiva tradução.
Como já vimos tal tradução não seria necessário enviar.
Porém, em nossa opinião, fica sempre a possibilidade de recusa de recepção do acto a que se reportam os artigos 5 a 8, do citado Regulamento ( n.º 1348/2000), o que no caso em apreço não foi feito, razão pela qual a citação está ferida de nulidade.
(Neste sentido Dr.º José Fernando de Salazar Casanova, in ob citada, onde refere, passagem transcrita pela recorrente « Se não houver recusa porque não foi informado o destinatário da possibilidade de recusa o acto ( tenha-se em atenção que, nesta modalidade de citação, não há intervenção da requerida) deve assimilar-se esta situação à nulidade de citação, pois indiscutivelmente estamos, face à lei portuguesa, diante de uma formalidade essencial art.º 198, n.º 1, do C.P.C».).
Estando nós perante uma nulidade de citação prevista no n.º 1, do art.º 198, do C.P.C., como vimos e não perante uma falta de citação a que alude o art.º 195, do mesmo diploma, a nulidade ficou sanada, porquanto não foi arguida dentro do prazo referido no n.º 2, do citado artigo 198.
Assim, face ao exposto, ainda que por razões diferentes, mantemos a decisão recorrida.
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4. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto e em consequência manter o despacho recorrido, ainda que por razões diferentes.
Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 17 de Novembro de 2009
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Pires Robalo – Relator
Cristina Coelho – 1.º Adjunto
Soares Curado – 2.º Adjunto