CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CRÉDITO AO CONSUMO
CONTRATO DE ADESÃO
FIANÇA
FIANÇA OMNIBUS
INCAPACIDADE ACIDENTAL
Sumário

I – O fiador não pode ser considerado consumidor à luz da definição inserta no artigo 2º nº 1 al. b) do DL nº 359/91, não lhe sendo extensiva a imposição de entrega de um exemplar do contrato no momento da respectiva assinatura.
II- A fiança prestada pelo mesmo não se encontra sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais estabelecido no DL nº 446/85, não se impondo ao mutuante, o cumprimento de qualquer dever de comunicação e/ou informação porque não pode considerar-se aderente.
III - A determinabilidade da fiança não impõe o conhecimento integral do âmbito da responsabilidade do fiador, basta atentar no montante total do mútuo, nas condições concretamente acordadas para a restituição do capital mutuado, no regime sancionatório previsto para o incumprimento contratual.
IV – A anulabilidade com fundamento na incapacidade acidental depende da prova de factos reveladores, por um lado, de que o autor da declaração, no momento desta, estava impossibilitado, por anomalia psíquica ou outra causa, de entender o acto ou do exercício livre da sua vontade, e, por outro, que essa situação psíquica seja notória, isto é, manifesta, ou conhecida do declaratário.
V - A norma do artigo 246º do Código Civil não se aplica aos casos em que o declarante não possui capacidade para entender a declaração, antes aos que, não obstante a presença dessa capacidade, não se apercebe de ter feito uma declaração negocial.
(Sumário da Relatora – FG)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
B, S.A., na acção declarativa de condenação, com forma de processo sumário, demandou C e M, pedindo a condenação dos Réus a pagar-lhe, solidariamente, a importância de € 13.318,37, acrescida de € 609,91 de juros de mora vencidos até 22 de Julho de 2005, e de € 24,39 de imposto de selo sobre estes juros, e ainda os juros que se vencerem sobre € 13.318,37, à taxa anual de 19,70%, desde 23 de Julho de 2005, até integral e efectivo pagamento, com imposto de selo à taxa de 4% sobre tais juros.
A Autora alega que emprestou a quantia de € 11.216,00 ao Réu C, para financiar a aquisição por este de um veículo automóvel. Tal Réu não pagou a 20ª prestação das 72 acordadas, nem as subsequentes, em violação do contrato celebrado entre as partes. A Ré, por sua vez, assumiu a responsabilidade de fiadora e principal pagadora, por todas as obrigações assumidas no contrato pelo Réu C.
A Ré contestou a acção, alegando que assinou o termo de fiança sem consciência das consequências e significado do acto, não só porque a isso foi induzida pelo seu filho (e co-réu), mas também porque se encontrava incapacitada para compreender que estava a assinar um termo de fiança, por razões de doença.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido fixados os factos provados e não provados, sem quaisquer reclamações.
Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente a acção, e em consequência condenou o Réu C a pagar à Autora B, S.A., a importância pecuniária de € 13.318,37, acrescida de € 609,91 de juros de mora vencidos até 22 de Julho de 2005, e de € 24,39 de imposto de selo sobre estes juros, e ainda os juros que se vencerem sobre € 13.318,37, à taxa anual de 19,70%, desde 23 de Julho de 2005, até integral e efectivo pagamento, com imposto de selo à taxa de 4% sobre tais juros. Julgou a acção não procedente no que concerne a Ré, M, absolvendo-a do pedido contra si deduzido pela Autora.

Inconformada, a A. vem apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
1. A R., ora recorrida, constituiu-se perante o A., ora recorrente, como fiadora solidária de todas e quaisquer obrigações que para o R. ora também recorrido resultassem do contrato de mútuo dos autos dos autos.
2. E expressamente declarou que a fiança por ela prestada tinha o conteúdo e o âmbito legal de uma fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado.
3. A R., ora recorrida, assinou o termo de fiança dos autos do qual consta expressamente que este quis "constituir-se perante e para com o B S.A., fiador de todas e quaisquer obrigações que para o Mutuário resultem do contrato de mútuo com fiança e que a presente garantia tem o conteúdo e o âmbito legal de uma fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado".
4. A questão agora prende-se com o entendimento errado do Sr. Juiz a quo, na sentença recorrida, onde "entende" que existe violação do disposto no artigo 6° do Decreto-Lei n.° 359/91 de 21 de Setembro, quanto ao fiador.
5. A A., ora recorrente, não tem obrigatoriamente que ler e explicar aos seus clientes os contratos que com eles celebra - excepto evidentemente se estes não souberem ler ou tiverem duvidas acerca do conteúdo do contrato e lho solicitarem -, o que o A., ora recorrente, tem que fazer - e faz - é assegurar que as condições contratuais acordadas constam dos contratos antes de estes serem assinados, precisamente para permitir que quem use de "comum diligência" possa ler e analisar o contrato, e estar à disposição dos seus clientes para lhes prestar quaisquer esclarecimentos que estes lhe solicitem sobre os contratos que celebra.
6. Se porventura a R., ora recorrida desconhecia o conteúdo das Condições Gerais do contrato dos autos, foi porque não o quis conhecer, foi porque não o leu ou não pediu a outrem que lho lesse, pelo que mesmo que esse desconhecimento fosse exacto - e certamente não o é - sempre seria imputável à R., ora recorrida.
7. Não assiste, pois, qualquer razão ao Senhor Juiz a quo ao considerar excluídas do contrato dos autos as suas condições gerais, quando resultou provado que esta declarou constituir-se fiador solidário de todas as obrigações que para o R. resultassem da celebração do contrato de mútuo dos autos.

            A Ré/Apelada veio contra-alegar, concluindo, no essencial:
1. Resultou provado da douta sentença alíneas m) que a Ré assinou o documento citado, num café, sem ter conhecimento das condições do contrato de mutuo e alínea p) após a aposição da assinatura do representante da Autora, tais dois exemplares do contrato foram remetidos ao Réu C.
2. A falta de entrega da cópia do contrato à Ré pela Autora implica a violação do disposto nos artigos 6°, n° 1 do DL 359/91 de 21 de Setembro e sendo que tal omissão é imputável à Autora.
3. A fiança é valida se o objecto de garantia for determinado ou determinável no momento da formação da Fiança, o que se compreende, pois que nos termos do artigo 280° do Código Civil, a determinabilidade do objecto é um requisito essencial par qualquer negocio.
4. Resultou provado que a Ré assinou o documento citado num café, sem ter conhecimento das condições do contrato de mutuo, que na ocasião da assinatura do documento, a Ré encontrava-se doente e debilitada, não tendo consciência que estava a assinar uma fiança que tem apenas a quarta classe e nunca assinou qualquer empréstimo ou contrato de fiança.
5. Esta matéria é subsumível ao artigo 246° do Código cível, e conduz à nulidade da declaração negocial, no caso subjudice, a assinatura do termo de fiança.
A sentença aplicou correctamente o direito, devendo manter-se.

            Corridos os Vistos legais,
                                   Cumpre apreciar e decidir.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
As questões que, essencialmente, se colocam são as seguintes:
- saber se existe obrigação de entrega do exemplar do contrato e o dever de informação e de comunicação, a cargo do A. proponente, no que concerne à pessoa do fiador do aderente;
- saber se a fiadora subscreveu validamente o instrumento do contrato de fiança.
- conceito de determinabilidade do contrato;

            II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. A Autora, B, S.A., no exercício da sua actividade, por escrito particular datado de 24 de Junho de 2003, concedeu ao Réu C crédito directo sob a forma de contrato de mútuo, emprestando-lhe € 11.216,00, com vista à aquisição pelo referido Réu - segundo informação do mesmo - de um veículo FIAT DUCATO 14 DS FURGÃO, com a matrícula RJ.
2. A Autora emprestou ao Réu a quantia referida na alínea a) com juros à taxa nominal de 15,70% ao ano, devendo a importância citada e os juros referidos, bem como o prémio de seguro, ser pagos - como acordado pelas partes - em 72 prestações mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de Agosto de 2003 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes.
3. Tais quantias, como acordado entre Autora e Réu, deveriam ser pagas através de transferência bancária, a efectuar aquando do vencimento das prestações.
4. Convencionaram ainda que a falta de pagamento de qualquer das prestações implicava o imediato vencimento das demais.
5. Mais acordaram que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratada acrescida de 4%, ou seja, um total de 19,70%.
6. O Réu C não pagou a 20.9 prestação, vencida em 10 de Março de 2004, nem as seguintes.
7. Não providenciou pela realização das mencionadas transferências bancárias.
8. O valor de cada prestação era de € 251,29.
9. A Ré M assinou "termo de fiança", nos termos do qual se declara que assume, perante a Autora, a responsabilidade de fiadora solidária - fiadora e principal pagadora - por todas as obrigações assumidas no contrato pelo Réu Carlos (fls. 11).
10. Instado para pagar os valores em débito, o Réu C entregou à Autora o veículo acima identificado, para que esta diligenciasse pela sua venda, creditando o produto da venda por conta do que o Réu C lhe devesse.
11. A Autora, em 11 de Maio de 2005, vendeu o referido veículo FIAT, pelo preço de C 374,93, tendo ficado para si - conforme o acordado - com a quantia de € 374,93, por conta das importâncias que o Réu C lhe devia.
12. A Ré assinou o documento citado num café, sem ter conhecimento das condições do contrato de mútuo.
13. Na ocasião da assinatura do documento, a Ré encontrava-se doente e debilitada, não tendo consciência de que estava a assinar uma fiança.
14. Posteriormente à aposição das assinaturas dos Réus, o fornecedor do veículo adquirido pelo Réu remeteu à Autora dois exemplares do contrato, para que um representante desta o assinasse.
15. Após a aposição da assinatura do representante da Autora, tais dois exemplares do contrato foram remetidos ao Réu C.
16. A Ré jamais pediu à Autora quaisquer esclarecimentos relativamente à fiança.
17. A Ré tem apenas a 4.ª classe e nunca assinou qualquer empréstimo ou contrato de fiança.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Do contrato de adesão
Vem o Apelante recorrer da sentença, na parte em que absolveu M do pedido, com fundamento na violação do art. 6º, nº 1 do DL n° 359/91 de 21 de Setembro, considerando que de acordo com o referido diploma e tendo em conta as obrigações do fiador, sendo também um obrigado principal deve ser-lhe entregue um exemplar do contrato, sob pena de não ser possível garantir que o fiador conhecia, ou tinha obrigação de conhecer, os termos e condições do contrato e consequentemente, ocorrer uma nulidade do termo de fiança, por falta de entrega de uma cópia do contrato à Ré fiadora.
Tendo em conta a factualidade provada, estamos perante um contrato de mútuo no âmbito do crédito ao consumo de natureza comercial, porque celebrado entre uma sociedade que opera no mercado financeiro no exercício de uma actividade quase idêntica às instituições de crédito (artigos 2º do Decreto-Lei nº 359/91, de 21 de Setembro, e 2º, 13º, nº 2 e 394º do Código Comercial).
O contrato de crédito ao consumo está regulado no DL nº 359/91, de 21 de Setembro, que o define no seu artigo 2º al. a), como “o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”, considerando-se consumidor.
No contrato de crédito ao consumo, que deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, é imperativa a entrega de um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura (artigo 6º nº 1 do Citado DL nº 359/91), sob pena de nulidade.

2. Da fiança
A Ré M surge, na presente acção, nas vestes de fiadora.
O fiador garante a satisfação do direito de crédito do credor por parte do devedor, ficando pessoalmente obrigado perante o primeiro, sendo a sua obrigação acessória em relação à do devedor, abrangente, além do mais, dos direitos de crédito constituídos simultânea ou anteriormente (artigo 627º do Código Civil).
Abrange, igualmente, os direitos de crédito constituídos posteriormente ao contrato de fiança, isto é, os direitos de crédito futuros (artigo 628º, n.º 2, do Código Civil). Assim, o contrato de fiança é susceptível de servir de garantia de direitos de crédito constituídos no pretérito ou no presente ou de direitos de crédito a constituir no futuro.
Por outro lado, a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, não obstando a tal prestação o facto de a obrigação ser futura ou condicional (artigo 628º do Código Civil).

2.1. Da validade da fiança
A questão que, aqui, se coloca consiste em saber se a fiança por si prestada é nula em virtude da nulidade do contrato, uma vez que não foi comunicado à Apelada/fiadora o teor das cláusulas gerais, não lhe tendo sido entregue cópia do contrato.
Atendendo ao disposto no artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las, recaindo sobre o proponente o ónus da prova da efectivação dessa comunicação. A sua falta determina que se considerem excluídas do contrato, sendo aplicável o regime legal supletivo, nos termos dos artigos 8º nº 1 al. a) e 9º do diploma citado.
Esta obrigação está relacionada com o termo inicial do período de reflexão consagrado no nº 1 do artigo 8º daquele diploma legal, uma vez que o direito de revogação da declaração negocial, conferido ao consumidor, deve ser declarado no prazo ali previsto.
Com efeito neste tipo de contratos o consumidor limita-se a aderir ao aí estipulado, sem prévia negociação, impondo-se, por isso os deveres de comunicação e de informação, consagrados nos artigos 5º e 6º do DL nº 446/85[1].
Por isso, o regime legal específico das cláusulas contratuais gerais tem por finalidade a protecção do aderente. Tal regime proteccionista abrange tão só as cláusulas contratuais gerais, as quais, por regra, estão excluídas do campo negocial, sendo, em princípio, insusceptíveis de modificação por parte do outro contraente.

            Será que o fiador, cuja intervenção se circunscreve a garantir o pagamento de todas as responsabilidades que decorrem do contrato para o afiançado, poderá ser considerado, para estes efeitos, como aderente?
A nosso ver a resposta não pode deixar de ser negativa[2].
Com efeito, a intervenção acessória da fiadora é autónoma, do ponto de vista jurídico, em relação à aceitação, pelo aderente, da proposta que lhe foi submetida, bem como à sua prévia apresentação pelo predisponente.
            A característica da acessoriedade da fiança reflecte-se no respectivo regime legal, inter alia, no facto de não poder exceder o da obrigação afiançada nem o ser em condições mais onerosas, depender a sua validade da obrigação principal e no facto de a extinção desta implicar a extinção daquela (artigos 631º, n.º 1, 632º, n.º 1 e 651º do Código Civil).
Como se escreveu no Ac. STJ 12 de Outubro de 2006[3], a “obrigação do fiador derivada do contrato de fiança é de natureza pessoal ou fidejussória, no sentido de que consiste na assunção pessoal por um terceiro, com todo o seu património, a título subsidiário, da obrigação de satisfação do direito de crédito do credor. Trata-se, pois, de uma garantia pessoal de qualquer uma obrigação, por via da qual o fiador vincula todo o seu património à satisfação do direito do credor”.
Dito por outras palavras, “o fiador não é devedor do mutuante, não assumindo os direito e obrigações decorrentes desse negócio, sendo, antes e diferentemente, um mero garante do pagamento da dívida, que o incumprimento contratual do mutuário venha eventualmente a gerar. Tratando-se de obrigações com objectos distintos, não existe, desde logo, fundamento técnico-jurídico para tornar extensivo ao fiador o regime específico prevenido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro”[4].
Eis por que se entende, ao contrário do entendimento constante da sentença recorrida, que não existe obrigação de entregar ao fiador cópia do contrato ou obrigação do mutuante.
Tão pouco, a obrigação por parte da mutuante e proponente do contrato, de informar ou previamente a ler o conteúdo do contrato de mútuo, ao fiador. Nem se pode exigir que, ao assinar o documento de fiança, tenha sido confrontado com o contrato de mútuo.
Partes no contrato de mútuo são, portanto, o mutuante e o mutuário, entre os quais foi determinado o âmbito e o alcance dos respectivos direitos e obrigações, com a consequente vinculação ao que foi concretamente vertido no denominado contrato de mútuo de fls. 9 dos autos, sendo certo que a intervenção da fiadora se tem por acessória e autónoma, do ponto de vista jurídico, em relação à aceitação, pelo aderente, da proposta que lhe foi submetida, bem como à sua prévia apresentação pelo predisponente.
Independentemente do subscritor do contrato, na qualidade de mutuário, se ter disposto a aceitá-lo, a fiadora intervém exclusivamente na posição de garante daquele, aceitando vincular-se nos termos do documento junto a fls 11 dos autos.
Como se escreve no Ac. desta Relação de 18 de Setembro de 2007, [5]o “objecto da fiança reconduz-se, em termos jurídicos, à garantia do pagamento da dívida emergente do mesmo contrato de mútuo, este sim indubitavelmente sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, consagrado pelo Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro”.

2.2. Seja como for, a invalidade da obrigação principal depende sempre da opção e da iniciativa do devedor – que não do fiador. Só depois de anulada essa obrigação principal, assiste ao fiador a faculdade de anular a fiança. Contudo, no caso dos autos, o Réu mutuário não contestou, não suscitando o não cumprimento pelo proponente dos deveres inscritos nos arts. 5º e 6º, do DL 446/85 de 25 de Outubro.
O fiador, directamente, nada tem que ver com as cláusulas que consubstanciam este negócio. O proponente nada previu no contrato de mútuo, quanto à responsabilidade do fiador.
Conclui-se que o fiador não pode ser qualificado como “ aderente “, nos termos e para os efeitos do art.º 5º, nº 1, do DL 446/85 citado.
Eis por que se entende, ao contrário do entendimento constante da sentença recorrida, que não existe obrigação de entregar ao fiador cópia do contrato ou obrigação do mutuante. Tão pouco, a obrigação por parte da mutuante e proponente do contrato, de informar ou previamente a ler o conteúdo do contrato de mútuo, ao fiador. Nem se pode exigir que, ao assinar o documento de fiança, tenha sido confrontado com o contrato de mútuo.

3. Determinabilidade do objecto da fiança
E nem se diga, como a Apelada em contra-alegações, que estamos perante negócio jurídico cujo objecto seja indeterminado e indeterminável, sancionado com a nulidade (artigo 280º, n.º 1, do Código Civil). Com efeito, a prestação é indeterminada mas determinável se, em certo momento, não se conhecer o seu conteúdo, mas exista um critério convencionado para esse conhecimento.
Relativamente ao contrato de fiança, dir-se-á que o conceito de determinabilidade ou não do objecto da fiança tem a ver com a ideia de que o fiador não deve ficar à mercê do devedor principal ou do credor no que concerne à obrigação principal. Pretende-se evitar as consequências da chamada fiança omnibus, em que o fiador declara perante o credor garantir todas as dívidas da responsabilidade do afiançado.
No caso vertente, o objecto do contrato de fiança está determinado por referência às obrigações assumidas pelo mutuário, filho por via do referido contrato de mútuo.
Da leitura do contrato de mútuo junto aos autos resulta, com toda a clareza, o objecto da fiança que foi prestada pela Recorrida.
Basta atentar no montante total do mútuo, nas condições concretamente acordadas para a restituição do capital mutuado ou no regime sancionatório previsto para o incumprimento contratual, elementos que constam expressamente do contrato sub judice, permitindo, com objectividade e rigor, determinar a responsabilidade do fiador do mutuário relapso.
 “Aliás, estando o conceito de fiança e fiador há muito integrado no domínio do senso comum, é razoável que quem aceita ser fiador de terceiro, garantindo com o seu património as obrigações deste, procure saber o que vai afiançar e para tanto está o afiançado, relativamente ao qual se impõe a observância dos falados deveres de comunicação e informação, preparado ou em condições de propiciar a informação, ainda que junto do mutuante, tida por necessária”. [6].
Assim, a fiadora sempre poderia obter informações, antes de assinar o instrumento do contrato de fiança, por via da exigência da sua exibição à pessoa a quem afiançava. Nada impedia a fiadora de, quando assinou o documento de fiança, ter exigido ao filho que exibisse o contrato de mútuo ou que lhe desse conhecimento das condições do contrato de mútuo.

4. Da validade da declaração
Está, também, provado que, na ocasião da assinatura do documento de fiança, a Ré encontrava-se doente e debilitada, não tendo consciência de que estava a assinar uma fiança.
A declaração negocial, para ser válida e eficaz, pressupõe que os sujeitos contratantes representem correctamente, ou seja, de harmonia com a sua vontade livre e esclarecida, a realidade determinante e decisiva para a celebração do contrato.
A declaração de vontade, para ser válida não deve ter sido provocada por “erro” entendido este como a “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial”[7]-
Mas podem surgir situações em que falte a coincidência entre o substrato volitivo interno e a sua aparência externa.
A vontade que aparece como manifestada não existe como tal”.
A divergência entre a vontade real e a manifestada pode ser intencional ou não intencional.
Casos de divergência intencional são a simulação – art. 240º do Código Civil – a reserva mental – art. 244º - e a declaração não séria, art. 245º - do mesmo diploma.
Por sua vez, a declaração não intencional, pode ser forçada, como é o caso da coacção física - art. 246º do Código Civil - ou ignorada, como são os casos da falta de consciência da declaração – art. 246º - e de erro - art. 247º do citado Código.
Entendeu-se na sentença recorrida, ao contrário do defendido pela Ré/fiadora, que apesar disso, porque não resulta dos autos que tal incapacidade era notória para a Autora, a quem se destinava a declaração negocial da Ré, de acordo com o art. 257º do CCivil, a referida circunstância impede a anulabilidade da declaração.
A recorrida argumenta que sempre a fiança seria ineficaz com fundamento no art. 246º do Código Civil.

A propósito da falta e vícios de vontade, prescreve o artigo 246º do Código Civil que a declaração não produz qualquer efeito se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial. Trata-se de uma situação em que o declarante tem vontade de emitir a declaração, mas não de que esta valha como uma declaração negocial, cuja consequência é a de não produção dos efeitos que lhe são próprios.
Por outro lado, a declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável se a incapacidade for notória, isto é, notável por uma pessoa de normal diligência, ou conhecida do declaratário (artigo 257º do Código Civil).
A anulabilidade aí cominada depende da prova de factos reveladores, por um lado, de que o autor da declaração, no momento desta, estava impossibilitado, por anomalia psíquica ou outra causa, de entender o acto ou do exercício livre da sua vontade. Essa situação psíquica terá que ser notória, isto é, manifesta, ou conhecida do declaratário.
O consentimento deve ser esclarecido, ou seja, formado com exacto conhecimento das coisas essenciais para o declarante, do sentido da declaração negocial e das suas consequências, e livre, isto é, prestado em circunstâncias em que o declarante disponha das faculdades de o prestar ou recusar.
Contudo, os factos provados não são suficientes, quer para integrar a incapacidade acidental a que alude o art. 257º do Código Civil, quer para aplicação do disposto no art. 246º do CCivil.
Apenas se sabe que a Ré se encontrava doente, debilitada, desconhecendo-se de que doença padecia. Apenas se provou, numa fórmula genérica, que não tinha consciência de de estar a assinar uma fiança, o que, além do mais, não significa que não tivesse consciência de que estava a emitir uma declaração negocial da qual resultariam determinadas obrigações.
Os factos provados não revelam, em relação a AA, a falta de consciência da declaração negocial em causa, incapacidade de entendimento do seu sentido ou falta do livre exercício da sua vontade, cujo ónus de prova incumbia à Recorrida.
E o facto de apenas ter a 4ª classe e nunca ter assinado qualquer empréstimo ou contrato de fiança, não podem, obviamente, relevar, já que a norma do artigo 246º do Código não se aplica aos casos em que o declarante não possui capacidade para entender a declaração, antes aos que, não obstante a presença dessa capacidade, não se apercebe de ter feito uma declaração negocial.
Mas, sobretudo, importa ter em conta que o Apelante é estranho a estas vicissitudes, que nem sequer ocorreram na presença de um seu representante ou funcionário, ou que tivesse conhecimento do modo como foi subscrito o contrato de fiança, sendo certo que está em causa o contrato de fiança e não o contrato de mútuo.
A obrigação do fiador, como se disse decorre do contrato de fiança que é de natureza pessoal. O fiador não é devedor do mutuante, não assumindo os direitos e obrigações decorrentes do contrato de mútuo.
Não ocorre, por isso, fundamento de declaração de nulidade ou de anulação do negócio jurídico consubstanciado na fiança em causa.
Concluindo:
I – O fiador não pode ser considerado consumidor à luz da definição inserta no artigo 2º nº 1 al. b) do DL nº 359/91, não lhe sendo extensiva a imposição de entrega de um exemplar do contrato no momento da respectiva assinatura.
II- A fiança prestada pelo mesmo não se encontra sujeita ao regime das cláusulas contratuais gerais estabelecido no DL nº 446/85, não se impondo ao mutuante, o cumprimento de qualquer dever de comunicação e/ou informação porque não pode considerar-se aderente.
III - A determinabilidade da fiança não impõe o conhecimento integral do âmbito da responsabilidade do fiador, basta atentar no montante total do mútuo, nas condições concretamente acordadas para a restituição do capital mutuado, no regime sancionatório previsto para o incumprimento contratual.
IV – A anulabilidade com fundamento na incapacidade acidental depende da prova de factos reveladores, por um lado, de que o autor da declaração, no momento desta, estava impossibilitado, por anomalia psíquica ou outra causa, de entender o acto ou do exercício livre da sua vontade, e, por outro, que essa situação psíquica seja notória, isto é, manifesta, ou conhecida do declaratário.
V - A norma do artigo 246º do Código Civil não se aplica aos casos em que o declarante não possui capacidade para entender a declaração, antes aos que, não obstante a presença dessa capacidade, não se apercebe de ter feito uma declaração negocial.
IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, alterar a sentença recorrida, condenando a Ré fiadora, enquanto devedor solidário, com o Réu Carlos, nos mesmos termos em que este último foi condenado na sentença recorrida.
Custas pelos RR.
            Lisboa, 19 de Novembro de 2009.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Almeida e Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 1993, anotação ao artigo 5º, pág. 25.
[2] Cfr. Acs. RL de Lisboa de 5 de Junho de 2008 (Fernanda Isabel Pereira), que também subscrevi, enquanto adjunta e de 18 de Setembro de 2007 (Luís Espírito Santo ), www.dgsi.pt/jtrl.
[3] Ac. STJ 12 de Outubro de 2006 (Salvador da Costa), www.dgsi.pt/jstj.
[4] 18 de Setembro de 2007 ( Luís Espírito Santo ) , www.dgsi.pt/jtrl.
[5] 18 de Setembro de 2007 ( Luís Espírito Santo ) , citado.

[6] Ac. RL de Lisboa de 5 de Junho de 2008 (Fernanda Isabel Pereira), citado.
[7] Castro Mendes, “Teoria Geral”, 1979, III, 60.