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JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DOENÇA MENTAL
BAIXA POR DOENÇA
NOTA DE CULPA
Sumário
I- Na apreciação da existência de justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, somente relevam os factos que constem da nota de culpa, bem como os que, tendo sido invocados na subsequente resposta, de algum modo sejam favoráveis em termos de defesa do trabalhador; II- Constitui um dado notório e, por isso, comummente adquirido, o de que as pessoas que padecem de depressão ou de estados depressivos acentuados – como tal impeditivos do exercício da sua actividade profissional – só têm a beneficiar com saídas do domicílio, mormente em viagem, atendendo aos constantes motivos de distracção que as mesmas podem proporcionar, permitindo ao trabalhador doente ultrapassar o estado depressivo em que se possa encontrar. (sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
A… instaurou no Tribunal do Trabalho de Almada a presente acção emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a Ré “B…, LDª”.
Pede que se declare que o despedimento de que foi alvo seja declarado sem valor/ilícito [Artigo 30.º/1 e 2 alínea c), e Artigo 418º e 439.º, alínea c) do C.T.] e que, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar-lhe:
a) As retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal;
b) A indemnização de 45 dias de salário base, por cada ano ou fracção de antiguidade, contando-se para o efeito, o tempo decorrido até ao trânsito em julgado da decisão judicial; indemnização que não deve ser inferior a 3 meses de retribuição base;
c) Juros, à taxa legal, sobre cada uma das verbas, desde a data da citação até efectivo pagamento (Artigos 437.º/a e 439.º/2 e 3 do C.T.).
Alega como fundamento e em síntese, que foi contratada pela Ré para lhe prestar trabalho como escriturária do 1º ano, com o salário mensal de € 508,77 (quinhentos e oito euros e setenta e sete cêntimos), mais subsídio de refeições à razão de € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos), por dia efectivo de trabalho.
Trabalhou para a Ré desde 1 de Julho de 2003 e sempre nas instalações da sede da mesma, com meios e material de escritório e outro por ela fornecido, sob as ordens, direcção e fiscalização da sua sócia gerente LA…, cumprindo o horário de trabalho estabelecido.
A Ré levantou-lhe um processo disciplinar, deduzindo nele, em 03/12/2007, uma nota de culpa, em relação à qual apresentou a sua defesa, tendo, no âmbito desse processo disciplinar, em 1 de Fevereiro de 2008, recebido da Ré uma carta registada com A/R, datada de 31 de Janeiro de 2008, na qual lhe comunicava o seu despedimento imediato, dito feito com justa causa, dizendo-se nessa carta que o despedimento era feito “pelas razões de facto e de direito vertidas no relatório e ponderada a proposta de decisão”.
Todavia a mencionada carta não foi acompanhada do relatório e proposta a que alude e onde – diz ela – constam as “razões de facto e de direito” do despedimento, desconhecendo, por isso, os fundamentos do despedimento, razão pela qual foi omitida uma formalidade essencial, o que conduz a que o seu despedimento seja considerado nulo e ilícito, nos termos do artigo 430.º/1 e 2, al. c), conjugado com o artigo 418.º/3, todos do Código de Trabalho.
Não violou qualquer dos deveres a que se alude na nota de culpa, razão pela qual não existe justa causa para o seu despedimento.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes e notificada a Ré para contestar, veio fazê-lo, alegando, em síntese e com interesse que uma coisa é a carta remetida pela Ré à Autora, outra coisa diferente é a própria decisão em si. Enquanto a carta se destinava a levar à Autora a decisão proferida no processo disciplinar, na decisão que a acompanhava, por economia, remetia-se para as razões de facto e de direito vertidas no relatório que, evidentemente, seguia na mesma carta.
A Autora não só faltou ao trabalho nos dias referidos na nota de culpa, como mentiu, dolosamente, por acção e por omissão de factos essenciais que não desconhece, sobre a sua deslocação à Suíça, o que densifica o conceito de má-fé processual, nos termos do n.º 2, al. b) do art. 456.º do C.P.C., fazendo-o de uma forma fútil e grosseira, pois que nada melhor do que ter informado a sua entidade empregadora sobre os reais motivos da deslocação e da falta.
Com o seu comportamento, a Autora pôs em causa e violou, de forma dolosa, os deveres de zelo, lealdade, confiança e boa-fé na execução do contrato.
Verifica-se justa causa de despedimento consubstanciada no número de faltas seguidas injustificadas, dadas pela Autora, em número superior a 5 dias seguidos, no período em que se ausentou para a Suíça (de 14 a 25 de Novembro).
Concluiu que a acção deve ser julgada improcedente, por não provada e que deve ser absolvida de todos os pedidos na mesma deduzidos pela Autora e, em consequência, ser a Ré absolvida dos mesmos.
Juntou o processo disciplinar movido à Autora.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a realização de audiência preliminar e a fixação da matéria de facto assente e a elaboração de base instrutória.
Designada data para a audiência de discussão e julgamento, veio esta a realizar-se e, no final da mesma, foi proferida decisão sobre matéria de facto provada e não provada (fls. 181 a 183).
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida sentença nos seguintes termos:
“Pelo exposto julgo a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, declaro a ilicitude do despedimento da A. e condeno a R. B…, Ldª, a pagar ao A.:
a) € 3.048,00 de indemnização de antiguidade;
b) € 4.945,00 de salários intercalares desde 30 dias antes da propositura da acção e até Outubro de 2008 inclusive;
c) Os salários de tramitação desde Novembro de 2008 até ao trânsito desta sentença, a liquidar oportunamente;
d) Juros de mora à taxa legal anual de 4%, calculados desde a data do despedimento no caso da al. a) e, no caso da al. b), a partir das datas de vencimento dos respectivos salários (sendo os da a. c) devidos apenas após liquidação”
Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)
Contra-alegou o Autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, em cumprimento do disposto no art. 87º n.º 3 do C.P.T., a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os Vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO
Face às conclusões do recurso de apelação interposto, que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto, colocam-se, à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes:
Questões:
§ Erro na interpretação da prova pelo Tribunal a quo e, consequente, necessidade de apreciação da mesma pelo Tribunal ad quem, tendo em vista a alteração de parte da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida;
§ Existência de justa causa para despedimento da Autora/Apelada e consequente alteração da sentença recorrida.
O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:
(Da petição inicial)
1. A Autora foi contratada pela Ré para lhe prestar trabalho como Escriturária 1.º Ano (1 p.i.);
2. Com salário mensal de € 508,77 mais subsídio de refeições à razão de € 5,75 por dia efectivo de trabalho (2);
3. A Autora trabalhou para a Ré desde 1 de Julho de 2003, sob as ordens, direcção e fiscalização desta através da sua Sócia – Gerente, D. LA…, sendo uma trabalhadora subordinada, com contrato de trabalho (3, 4, 7 e 8);
4. A Autora cumpria o horário de trabalho estabelecido pela Ré para os seus trabalhadores (5);
5. E trabalhou sempre nas instalações da Ré (na sua sede), com meios e material de escritório e outro, por ela fornecido (6);
6. A Ré tem ao seu serviço menos de 10 trabalhadores (9);
7. Contra a A. foi, pela entidade patronal Ré, levantado processo disciplinar, nele deduzida em 03/12/2007 a nota de culpa, tendo a A. apresentado a sua defesa (10 e 11);
8. (…) O Sr. Juiz ao fixar a matéria de facto na sentença recorrida “saltou” do ponto 7. para o ponto 10.
9. (…) Idem.
10. No âmbito do processo disciplinar, em 1 de Fevereiro de 2008 a A. recebeu da Ré, a carta registada com A/R, datada de 31 de Janeiro de 2008, a comunicar o seu despedimento imediato, dito feito com justa causa (12);
11. A Autora foi acusada no processo disciplinar de ter
a) faltado ao trabalho em 09/11/2007, de manhã, e na tarde desse dia ter apresentado documento de baixa médica até 16 de Novembro de 2007;
b) informado a entidade patronal que a baixa médica era motivada pela depressão de que sofre. Contudo;
c) no dia 14 do mesmo mês de Novembro, na companhia do marido e dois filhos, ter ido de férias à Suíça, regressando no dia 25 de Novembro;
d) prorrogado a baixa médica até 30 de Novembro
e) e se mantido de baixa até à data da nota de culpa, 3 de Dezembro de 2007, tendo assim, no entendimento da entidade patronal, gozado enganosamente férias a que não teria direito, mentido à entidade empregadora sobre o facto de se achar de baixa por depressão, com o que violou culposamente os deveres de:
- Respeitar e tratar com urbanidade e probidade a pessoa do empregador – cfr. Alínea a) do Artigo 121.° / 1 do C. Trabalho;
- Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade — cfr. Alínea b) do Artigo 121.° / 1 do C. T.;
- Realizar o trabalho com zelo e diligência — cfr. Alínea c) do Artigo 121.°/1;
- Guardar lealdade ao empregador e não prestar falsas declarações sobre factos atinentes a sua relação e deveres laborais — cfr. Alínea e) do Artigo 121.° / 1 do C. T.;
- Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa — cfr. Alinea g) do Artigo 121.° do C. T, em termos tais que a infracção desses deveres seria motivadora da quebra de confiança entre a A. e a sua empregadora (18 a 21).
12. A Autora faltou ao trabalho de 09-11-2007 a 15/12/2007 por sofrer de depressão impeditiva de trabalhar, comprovada com atestado médico, tendo sido submetida a terapia anti-depressiva ministrada por médica psiquiatra (23 a 27) Alterado por decisão tomada infra;
13. A depressão não impedia a A. de viajar à Suíça (28);
14. A A. deslocou-se à Suíça dia 15 (e não no dia 14) de Novembro de 2007 e regressou no dia 25 do mesmo mês (30);
15. O marido da A. foi convocado para comparecer no dia 19.11.2007 a uma entrevista concernente a um emprego a que concorrera na Suíça (32 e 33);
16. Dado o seu quadro depressivo, não era aconselhável a A. ficar só com os dois filhos enquanto o marido estivesse fora (34 e 35);
17. A A. podia contar com o apoio dos sogros, imigrantes na Suíça (36);
18. A viagem e distracção podiam auxiliar a A. a ultrapassar a depressão (38 e 39);
19. Por exame médico efectuado no serviço de verificação de incapacidades temporárias da segurança social, em Almada, a comissão considerou subsistir a incapacidade para o trabalho da A. (n.° 42) Alterado por decisão tomada infra;
20. A A. permaneceu com baixa médica por depressão até ao dia 14.3.2008 (43) Idem;
21. Na sequência de queixa apresentada pela R. alegando que a A. em lugar de doente estaria a passar férias na Suíça, a Segurança Social exigiu explicações, tendo o marido desta enviado em resposta o documento de fls. 117-118, datado de 26 de Novembro de 2007 (46 a 48);
22. A Segurança Social continuou a efectuar os pagamentos correspondentes ao subsídio por incapacidade temporária para o trabalho (49 e 50);
23. No mês em que ocorreram os factos deixou de ser a A. a fazer os lançamentos mensais de ordenados, subsídio de natal e segurança social dos diferentes clientes, o que nesse período era feito pela representante da R., por esta lhe ter atribuído outras tarefas prioritárias (53 e 55);
24. No mês em que ocorreram os factos a A. apenas desempenhava as tarefas que lhe foram atribuídas diariamente pela depoente, por haver trabalho prioritário (58).
(Da contestação):
25. No dia 31.01.08 foi enviada à A. pela R. a carta juntas aos autos na audiência de 13.01.2009 (n.° 4, 6, 7);
26. A A. não comunicou à R. que ia deslocar-se à Suíça (11);
27. A R. encontrou no cesto de papeis afecto à A. os documentos juntos a fls. 77 a 84 (15 e 16);
28. A representante da R. no dia 25 de Novembro, acompanhada da testemunha Dra. AR…, dirigiram-se à zona de chegadas do referido aeroporto e ali constataram a chegada da A. acompanhada do marido e filhos (20);
29. Em telefonema efectuado pela A. para a testemunha AA… a A. manifestou-se surpresa e perturbada por a representante da R. estar no aeroporto, que talvez não devesse ter ido estando de baixa e que lamentava ter causado problemas à médica que lhe renovara a baixa durante a sua ausência, a pedido da mãe (22, 23, 24 e 25);
30. Dou por reproduzido o teor dos documentos de fls. 17 a 19 e 108, 110, 114, que constituem certificados emitidos pelos médicos que observaram a A. e lhe atribuíram licença por incapacidade para o trabalho ou cópias suas (31) Eliminado.;
31. Durante a ausência da A. a R. ficou sem qualquer trabalhadora, por a A… estar de licença de parto, tendo chegado a fechar o estabelecimento quando tinha de sair (46 e 47).
Como referimos, a primeira questão suscitada no recurso interposto pela Ré, prende-se com a alegada existência de erro na interpretação da prova pelo Tribunal a quo e, consequente, necessidade de apreciação da mesma por este Tribunal da Relação, tendo em vista a alteração de parte da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida.
Conclui a Apelante que, perante determinada prova produzida em audiência e que indica, a matéria de facto contida no ponto 12. dos factos considerados como provados na referida sentença deve ser alterada de forma a dela passar a constar apenas que “a autora faltou ao trabalho de 09-11-2007 a 15-12-2007” e que, por outro lado, deve ser aditado um novo facto em que se consigne que a autora só começou a ser submetida a terapia anti-depressiva ministrada por médica psiquiatra a partir de 10-12-2007.
Para além disso, alega que deve ser considerada como não provada a matéria contida nos pontos 13., 16. e 18. da matéria de facto tida como provada na mesma sentença.
Vejamos!
Ao fixar a matéria de facto assente na sentença recorrida, o Tribunal a quo consignou no respectivo ponto 12. que “A Autora faltou ao trabalho de 09-11-2007 a 15-12-2007, por sofrer de depressão impeditiva de trabalhar, comprovada com atestado médico, tendo sido submetida a terapia anti-depressiva ministrada por médica psiquiatra”
Apreciada toda a matéria de facto pertinente para a decisão da presente causa, quer a admitida por acordo das partes, quer a que resulta da prova documental junta aos autos, quer ainda a que resulta dos diversos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento – após audição integral da gravação dos mesmos em discos compactos juntos ao processo – diremos que, em face da prova produzida, mormente a que resulta do documento junto a fls. 108 dos autos (fls. 42 do Proc Disc.) e do depoimento prestado pela testemunha LC…, na sua qualidade de psicóloga da Autora e cujo depoimento foi prestado de forma bastante clara e demonstrativa de elevado grau de isenção quanto às questões que lhe foram colocadas, somos levados a concluir que a matéria contida no referido ponto 12. deve, efectivamente, ser alterada, de forma a respeitar, integralmente, a prova produzida.
Assim, com respeito por essa prova, decide-se alterar a matéria contida aludido ponto, consignando-se apenas no mesmo que:
12. A Autora faltou ao trabalho no dia 09-11-2007.
Por outro lado, com base nos mesmos elementos de prova, adita-se à matéria de facto provada a seguinte:
12-A. Nesse dia 09-11-2007, a Autora apresentou à Ré um “Certificado de Incapacidade para o Trabalho por Estado de Doença”, vulgo “atestado médico”, documentando a verificação de um período de baixa médica por doença – depressão – com efeitos desde esse dia até ao dia 16-11-2007;
12-B. Ao tempo a Autora sofria de depressão e, para além de efectuar medicação específica, andava a ser seguida, em termos terapêuticos, por uma psicóloga;
12-C. A depressão de que padecia a Autora, quando estava mais acentuada, constituía motivo impeditivo do desempenho da sua actividade profissional.
Ainda com base nos mesmos elementos de prova, designadamente no referido depoimento prestado por LC…, mantemos a matéria de facto consignada pelo Tribunal a quo nos pontos 13., 16. e 18. da sentença recorrida.
Face à matéria consignada supra, fica prejudicada a que a Ré pretendia ver aditada.
Com suporte nos documentos juntos a fls. 16 e 17, faz-se constar do ponto 19. a data em que se realizou o exame a que aí se faz referência, ficando esse ponto com a seguinte redacção:
19. Por exame médico efectuado, em 02-01-2008, no serviço de verificação de incapacidades temporárias da Segurança Social, em Almada, a comissão considerou subsistir a incapacidade para o trabalho da A.
Com suporte nos documentos de fls. 17 a 19, 110 e 114 e nos que foram juntos pela Ré com as alegações de recurso altera-se a matéria constante do ponto 20. nos termos a seguir mencionados, adita-se um ponto 20-A. e elimina-se o ponto 30.:
20. A Autora esteve de baixa por doença – depressão – nos seguintes períodos de tempo:
- entre 17-11-2007 e 30-11-2007;
- entre 01-12-2007 e 15-12-2007;
- entre 16-12-2007 e 14-01-2008;
- entre 15-01-2008 e 13-02-2008;
- entre 14-02-2008 e 14-03-2008
20-A. a Ré tomou conhecimento dos períodos de baixa por doença da Autora a que se alude no ponto anterior.
Finalmente, mantém-se aqui a demais matéria de facto que o Tribunal a quo deixou consignada como assente na sentença recorrida.
Posto isto, cabe, agora, apreciar a segunda das questões suscitadas no recurso interposto pela Ré/Apelante, a qual se prende com a alegada verificação de justa causa para o despedimento da Autora/Apelada e consequente alteração da sentença recorrida.
Antes de mais importa considerar que, atendendo às datas de verificação dos factos enunciados supra e que levaram à decisão do despedimento da Autora por parte da Ré assumida, com efeitos desde 1 de Fevereiro de 2008, em sede de processo disciplinar, ao caso é aplicável o regime jurídico instituído pelo Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08. É o que resulta do disposto no art. 8º n.º 1 quando conjugado com o art. 3º n.º 1, ambos desta Lei.
Posto isto, estabelece o art. 396º n.º 1 do mencionado Código do Trabalho que «o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento».
Como, claramente, se infere deste dispositivo legal, não basta a demonstração de qualquer comportamento violador de deveres do trabalhador para com a sua entidade patronal, para que se possa ter por verificada a justa causa para despedimento. Exige-se a verificação cumulativa de três requisitos ou pressupostos:
a) a existência de um comportamento culposo do trabalhador que, de algum modo, seja violador de obrigações ou deveres resultantes dessa sua qualidade (requisito subjectivo);
b) a constatação de uma impossibilidade em termos de manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador (requisito objectivo);
c) a existência de um nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
A justa causa de despedimento, pressupõe, portanto, a existência de uma determinada acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora de deveres emergentes do vínculo contratual estabelecido entre si e o empregador e que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a manutenção desse vínculo.
Como vem sendo entendimento pacífico ao nível da jurisprudência, quer a culpa, quer a gravidade da infracção disciplinar, hão-de apurar-se, na falta de um critério legal, pelo entendimento de um “empregador normal, médio”, colocado em face do caso concreto, utilizando-se, para o efeito, critérios de mera objectividade e razoabilidade Cfr. entre muitos os Acs. do STJ de 07-03-1986 e de 17-10-1989, em www.dgsi.pt, Procs. n.ºs 001266 e 002519..
Por outro lado, quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral e citando, entre outros, o douto Ac. do STJ de 30-04-2003 Cfr. www.dgsi.pt, Proc. n.º 02S568., a mesma verifica-se “quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral”.
Ainda de acordo com o mesmo Aresto, citando, aliás, Monteiro Fernandes Direito do Trabalho, Almedina, 11ª Edição, pag. 540-541. , “Não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (…). Basicamente preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiam tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Importa, contudo, não esquecer que, sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave, a mesma só deve ser aplicada quando o comportamento violador de deveres laborais assumido, culposamente, pelo trabalhador, for de tal forma grave, em si e pelas suas consequências, que se revele inadequada para o caso a adopção de uma sanção correctiva mas conservatória da relação laboral. Ora, isto verificar-se-á sempre que a conduta violadora colida, inexoravelmente, com a relação de confiança em que assenta o vínculo laboral.
Finalmente importa considerar que nos termos do disposto no n.º 2 ainda do mencionado preceito do C.T., «Para a apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes … e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes».
Posto isto e revertendo, agora, ao caso em apreço, verificamos que a Ré/Apelante faz assentar a sua decisão de despedimento da Autora/Apelada na circunstância desta, de forma oculta e com o intuito de enganar a sua entidade patronal, lhe haver comunicado encontrar-se numa situação de baixa médica por doença – depressão – com efeitos desde o dia 09-11-2007 até 16-11-2007, apresentando-lhe naquele dia 09-11-2007 o correspondente certificado médico, sendo certo que, nesse mesmo dia, nos escritórios da empresa, a Autora efectuou uma pesquisa pela Internet de viagens com destino à Suíça, país para onde se deslocou em viagem, juntamente com o marido e os filhos, no período que mediou entre os dias 14-11-2007 e 25-11-2007, sendo certo que, durante esse período de tempo, aquela baixa médica por doença foi prorrogada à Autora, sem que a mesma tivesse sido observada pelo médico que emitiu essa prorrogação.
Da matéria de facto provada, resulta, porém, que a Autora, que trabalhava como escriturária para a Ré desde 1 de Julho de 2003, sem que lhe tivesse sido imputado qualquer passado disciplinar, no dia 9 de Novembro de 2007 (sexta-feira) faltou ao seu serviço e apresentou à Ré um Certificado de Incapacidade para o Trabalho por Estado de Doença”, vulgo “atestado médico”, através do qual se documentava a verificação de um período de baixa médica por doença – depressão – com efeitos desde esse dia até ao dia 16 de Novembro de 2007 (sexta-feira), ou seja por oito dias.
Também se demonstrou que, ao tempo, a Autora sofria, efectivamente, da mencionada doença – depressão – a qual, quando estava mais acentuada, constituía motivo impeditivo do desempenho da sua actividade profissional, e que, para além de estar a efectuar medicação específica, andava a ser seguida, em termos terapêuticos, por uma psicóloga.
Por outro lado, resultou demonstrado que o marido da Autora foi convocado para comparecer, no dia 19 de Novembro de 2007 (segunda-feira), a uma entrevista concernente a um emprego a que concorrera na Suíça e que, dado o quadro depressivo em que a Autora se encontrava, não era aconselhável esta ficar sozinha com os dois filhos do casal, enquanto o marido estivesse ausente.
Para além disso, também se demonstrou que o estado depressivo em que se encontrava a Autora, para além de não ser impeditivo dela viajar para a Suíça, a distracção decorrente dessa viagem, podia auxiliá-la a ultrapassar esse estado depressivo em que se encontrava.
Acresce ainda, com interesse, que, na Suíça, a Autora podia contar com o apoio dos seus sogros que eram emigrantes nesse país.
Finalmente e ainda com interesse, demonstrou-se que a Autora não comunicou à Ré que ia deslocar-se à Suíça, sendo certo que o fez entre os dias 15 e 25 de Novembro de 2007, e que, na sequência de queixa apresentada por esta à Segurança Social, alegando que a Autora, em lugar de estar doente, estaria a passar férias na Suíça, a Segurança Social exigiu explicações à Autora e submeteu-a a exame médico, o qual foi efectuado em 2 de Janeiro de 2008 no Serviço de Verificação de Incapacidades Temporárias, tendo a respectiva comissão considerado subsistir a incapacidade para o trabalho por parte da Autora, enquanto que o seu marido enviou à Segurança Social o documento de fls. 117-118, no qual explicava a razão de ser da sua deslocação à Suíça e que a deslocação da Autora em sua companhia tinha a ver com o estado depressivo em que a mesma, então, se encontrava.
Demonstrando-se, ainda, que a Autora permaneceu na situação de baixa por doença – depressão – entre 17 de Novembro de 2007 e 14 de Março de 2008 e que a Segurança Social lhe continuou a efectuar os pagamentos correspondentes ao subsídio por incapacidade para o trabalho.
Ora, perante todo este quadro de factos demonstrados, não podemos deixar de concluir que a Autora apenas andou mal em não ter comunicado à Ré a sua deslocação à Suíça, juntamente com seu marido e filhos, pelas razões que, efectivamente, motivavam essa sua deslocação àquele país e pelo período em que tal se iria verificar.
A circunstância invocada pela Ré de que os “Certificados de Incapacidade Temporária para o Trabalho por Estado de Doença”, vulgo, “atestados médicos” conterem uma menção de permanência no domicílio no qual se referia que “o doente só pode ausentar-se do domicílio para tratamento” e que “em casos devidamente fundamentados o médico pode autorizar a ausência no período das 11 às 15 horas e das 18 às 21 horas”, para além de não relevar no caso em apreço, na medida em que não figura da nota de culpa que contra ela foi deduzida no âmbito do processo disciplinar através do qual a Autora viria a ser despedida (daí que se não tenha considerado esse facto como assente), constitui um dado notório e, por isso, comummente adquirido, o de que as pessoas que padecem de depressão ou de estados depressivos, para mais sendo acentuados como era o de que padecia a Autora já que a impedia de exercer a sua actividade profissional, só têm a beneficiar com saídas do domicílio, mormente em viagem atendendo aos constantes motivos de distracção que as mesmas podem proporcionar, permitindo ao doente ultrapassar o estado depressivo em que se possam encontrar.
Por outro lado, também importa referir que a circunstância de a Autora ter obtido uma certificação de doença entre 17 e 30 de Novembro de 2007 sem ter comparecido perante o médico que emitiu esse certificado, já que se encontrava ausente do país, não constitui responsabilidade da Autora mas, quando muito, do médico que emitiu esse certificado nessas circunstâncias, sendo certo que se desconhece se o fez apenas por estar ciente do estado depressivo em que a Autora se encontrava, e que a mesma, para além do período de baixa que, anteriormente, lhe havia concedido em 9 de Novembro de 2007, ainda necessitaria de mais aquele período de tempo para recuperação.
Uma coisa é certa, nada resulta demonstrado que nos permita concluir, sem qualquer margem para dúvida, que tivesse havido da parte da Autora qualquer intuito de enganar a Ré. Repare-se que a circunstância daquela haver deixado no caixote do lixo do escritório da empresa uns papéis indiciadores de que teria estado a efectuar uma pesquisa na Internet sobre viagens de avião para a Suíça, contendo as respectivas datas e preços, assinalando num rectângulo aquela porque iria optar ajuda a afastar aquele propósito.
Ora, todos estes aspectos, quando conjugados com os que anteriormente tivemos a oportunidade de referir a propósito do conceito jurídico de justa causa de despedimento, levam-nos a concluir que a atitude assumida pela Autora de não informar a Ré da sua deslocação à Suíça, entre 15 e 25 de Novembro de 2007, nas circunstâncias em que tal se verificou, não assumem, por si só, uma gravidade tal que possa justificar a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa, ou seja, a de despedimento imediato.
Não ocorreu, pois, no caso em apreço, justa causa para o despedimento da Autora/Apelada, não merecendo censura a sentença recorrida ao haver concluído do mesmo modo.
III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Registe e notifique.