ENERGIA ELÉCTRICA
CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉCTRICA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
CASO FORTUITO
CASO DE FORÇA MAIOR
PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário

I - Estando provado que a Ré deixou de fornecer energia à A. nos termos contratualmente estabelecidos, por um período de tempo significativo, compete-lhe provar que esse incumprimento objectivo não derivou de culpa sua. Só assim ilidirá a presunção de culpa que sobre ela impende.
II - Ora, perante a presunção de culpa fixada no n.º 1 do art.º 799.º, se quiser ilidir tal presunção, tem o devedor de provar que agiu de forma diligente, que desenvolveu esforços para realizar a prestação devida, que foi cauteloso e usou do devido zelo em face das circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa normalmente diligente, ou, pelo menos, que não foi negligente.
III - As situações, que, pelas características de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade são consideradas casos fortuitos ou de força maior, têm a virtualidade de afastar a presunção de culpa no incumprimento, ou incumprimento defeituoso, por parte da entidade fornecedora de energia eléctrica
(sumário da Relatora)

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – RELATÓRIO
J intentou a presente acção declarativa de condenação, seguindo a forma de processo ordinário, contra EDP, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 25.505,28€, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Alegou, em síntese, que é titular de um contrato de exploração de instalação eléctrica, com nº 1304602325, que serve uma exploração suinícola sita em Asseiceira, e que nos dias 25 e 26 de Outubro de 2002 ocorreu uma interrupção do fornecimento de energia que se prolongou desde as 20.40 horas do dia 25 de Outubro até às 03.05 horas do dia 26 de Outubro, que provocou a morte de 432 porcos que se encontravam num pavilhão de engorda intensiva em que a ventilação é assegurada por ventiladores alimentados por energia eléctrica.

            A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que a rede eléctrica que sofreu a avaria se encontrava em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras técnicas em vigor, ficando a interrupção a dever-se a um caso fortuito.
A R. requereu a intervenção acessória da Companhia de Seguros, alegando ter transferido para esta, mediante apólice nº, a responsabilidade civil geral por danos corporais e/ou materiais decorrentes do exercício da sua actividade de exploração da rede eléctrica até ao limite de 150.000,00 €.
O A. respondeu em articulado de réplica, pronunciando-se pela improcedência da excepção invocada e declarando não deduzir oposição ao pedido de intervenção acessória formulado.

Por despacho de fls. 89 dos autos foi admitido o chamamento da Seguradora para intervir na causa como associada da R.
A interveniente Companhia de Seguros apresentou contestação, impugnando os factos e alegando ter assumido a transferência para si da responsabilidade civil da EDP – Electricidade de Portugal, S.A., incluindo as indemnizações que esta fosse obrigada a satisfazer “de acordo com a sua responsabilidade legal decorrente de todas as actividades originais do segurado, tais como a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, incluindo a propriedade e operações de centrais hidroeléctricas e centrais termoeléctricas, assim como todas as outras actividades do Segurado, incluindo a actividade de telecomunicações”. Concluiu pedindo a absolvição do pedido por o contrato visar garantir a responsabilidade civil extracontratual, com exclusão da responsabilidade contratual, invocada na presente acção. 

Foi proferido despacho saneador a fls. 115 e seguintes, que foi objecto de reclamação a fls. 123 e ss e de decisão a fls. 210 e segs. dos autos.
            Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
            Posteriormente ao despacho de fls. 115 e segs. dos autos não ocorreu qualquer nulidade, questão prévia ou excepção que, cumprindo conhecer, obste ao conhecimento do mérito da causa.
            Por despacho de fls. 266 a 270, respondeu-se à base instrutória, que não foi objecto de reclamação.
            As partes não alegaram por escrito.
            Foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 25.505,28€ acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento, às taxas legais.
           
Interposto recurso da sentença, foi proferido acórdão por esta Relação que anulou o julgamento quanto à decisão sobre a matéria constante do art. 24º da base instrutória e ordenou que se procedesse ao seu julgamento,
Procedeu-se, então a julgamento. Foi proferido despacho que respondeu ao artigo 24º da base instrutória, que não mereceu reclamação.
Foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de 25.505,28€, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento.

            De novo, inconformada, vem a Ré apelar da sentença, tendo, no essencial, formulado as seguintes conclusões:
            1. A Mm° Juiz a quo não efectuou uma correcta apreciação da prova, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas apresentadas pela Ré, bem como dos depoimentos produzidos na audiência realizada para resposta à matéria do quesito 24° da BI, justificando-se, por isso, a sua reapreciação, no que diz respeito à resposta dada a este quesito, que deverá globalmente ser respondido “provado”.
            2. Consequentemente, da factualidade provada nos autos, não decorre qualquer actuação culposo, negligente ou omissiva, que seja imputável á Ré.
            3. Nos termos dos art° 798° do C.C., no Regulamento das Relações Comerciais, no Regulamento da Qualidade de Serviço, e no D.L.184/97, deve a acção improceder, absolvendo - se a Ré EDP do pedido, por se encontrar ilidida a presunção de culpa que sobre si impendia.
            4. Por outro lado, e se assim se não entender, a Autora contribuiu decisivamente para a ocorrência dos seus danos ao não dotar as suas instalações de utilização de fonte alternativa, dando assim cumprimento ao estipulado no Regulamento da Qualidade de Serviço e Regulamento Segurança de Instalações de Energia Eléctrica.
            5. Pelo contrário, é dado como provado que a instalação de equipamentos de substituição, para o caso de falta de fornecimento de energia eléctrica, e a dotação da instalação com janelas de abertura automática, teriam impedido a produção dos danos.
            6. A instalação de utilização do A. se encontra inserida na zona C relativamente à qualidade de serviço, (onde são admissíveis os piores padrões de qualidade de serviço-zona mais rural) que de acordo com o respectivo Regulamento prevê a possibilidade de 30 interrupções por ano com a duração total de 20 horas, sendo certo que a possibilidade de interrupção é característica inerente ao contrato de fornecimento de energia eléctrica e o cliente que contrata o fornecimento não o pode ignorar;
            7. No mínimo, o A. contribuiu para a produção dos danos alegados, responsabilidade que o tribunal a quo ignorou, não repartindo, pelo menos, a culpa;
            8. Com esta omissão a sentença em recurso também violou o disposto no art° 562°, 563°, 564, 570° e 572°, do C.C., bem como a legislação do sector eléctrico supra identificada.
O presente recurso de Apelação deve ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser a sentença recorrida substituída por outra em que se absolva do pedido a Ré EDP Distribuição.

Contra-alegou o A., para, no essencial, concluir:
            1. A R. não logrou afastar a presunção de culpa estabelecida pelo Art. 799º do Código Civil tendo a R. agido com culpa (nem que presumida) na falta do cumprimento da sua obrigação de evitar o resultado causal.
            2. Estão reunidos os requisitos para a obrigação de indemnizar sendo a causa essencial "sine que non" da morte dos porcos a interrupção do fornecimento de energia conduzido pela Ré, que agiu com culpa, sendo ilícita conduta que lhe é imputada, que provocou relevante prejuízo ao autor(a) em nexo de causalidade entre esta e o resultado, impossível de reconstituir naturalmente;
            3. Da prova produzida e constante dos autos extrai-se que o poste e componentes do mesmo em questão não estavam em bom estado de conservação, nem as regras técnicas forma cumprida, desde logo porque o poste em questão tinha um isolador perfurado incapaz de desempenhar as suas funções. Por tal não cumpria as necessárias regras de segurança.
            4. Da prova gravada, e mais especificamente dos depoimentos das duas testemunhas da R. se pode extrair que a avaria aconteceu de forma imprevista, é de difícil detecção mas ocorre na rede da R. EDP, é no fundo uma avaria típica da rede, de modesta complexidade técnica e cuja natureza é do pleno conhecimento e diagnostico dos serviços.
            5. Esteve bem a douta sentença em crise na motivação e fundamentação da douta decisão que condena a R. em indemnização nos termos peticionados.

            Corridos os Vistos legais,
                                   Cumpre apreciar e decidir.
São as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso e o âmbito do conhecimento deste Tribunal (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC).
Em face das conclusões do Apelante, são duas as questões essenciais a resolver:
- se a resposta ao artigo 24º da base instrutória deve ser alterada e
- se se verificam ou não os pressupostos da responsabilidade civil contratual para que a Ré seja obrigada a indemnzar o A. pelos prejuízos por este sofridos.

            II –  FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. O A. celebrou com a R. EDP – Distribuição de Energia, S.A. um contrato de exploração de instalação eléctrica, sendo o cliente com o n.º 1304602325, tendo a referida instalação eléctrica a potência contratada de 100 Kva, servindo uma exploração suinícola, sita em … Poceirão (al. A) matéria assente).
2. Nos dias 25 e 26 de Outubro do ano de 2002, verificou-se uma interrupção do fornecimento de energia, que se prolongou desde as 20h40 do dia 25 de Outubro, até às 03h05 do dia 26 de Outubro (al. B) matéria assente).
3. Desde essa data até hoje o A. tentou, junto a R., ver-se ressarcido por danos que alega ter sofrido em consequência da referida interrupção do fornecimento de energia, através de telefonemas e cartas, mas a R. sempre se recusou a assumir qualquer tipo responsabilidade, tendo-o comunicado ao A. por carta de 18.11.2002, subscrita pelo gabinete de acompanhamento do cliente (al. C) matéria assente).
4. A R. tem a direcção da instalação distribuidora de energia eléctrica (al. D) matéria assente).
5. A R. celebrou com a Companhia de Seguros, um acordo titulado pela apólice n.º, a fls. 185, nos termos constantes ainda das condições a fls. 186 e ss., designadamente as seguintes:
«3. ACTIVIDADE DO SEGURADO
A Seguradora pagará as indemnizações que o Segurado venha a ser obrigado a satisfazer, de acordo com a sua responsabilidade legal decorrente de todas as actividades originais do Segurado como a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, incluindo a propriedade e operações de centrais hidroeléctricas e centrais termoeléctricas, assim como todas as outras actividades do Segurado, incluindo a actividade de telecomunicações.
4. VIGÊNCIA DO SEGURO
12 meses a partir das 00.00 horas (hora local portuguesa) de 01 de Janeiro de 2002 até 31 de Dezembro de 2002, ambas as datas incluídas.          
5. ÂMBITO TERRITORIAL
Em qualquer parte do Mundo, excluindo operações nos Estados Unidos da América e Canadá, mas incluindo visitas a estes locais.
6. COBERTURAS
Sujeita aos termos e condições das Condições Particulares e das Condições Especiais, está garantido pela presente Apólice:
6.1. RESPONSABILIDADE CIVIL GERAL, Cláusula 12
6.2. RESPONSABILIDADE CIVIL PRODUTOS E SERVIÇOS PRESTADOS, Cláusula 14.
6.3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR POLUIÇÃO E CONTAMINAÇÃO, Cláusula 16.
6.4. RESPONSABILIDADES QUE NÃO SEJAM DERIVADAS NEM DE DANOS MATERIAIS, NEM DE DANOS CORPORAIS, Cláusula 17.
6.5. CUSTOS DE DEFESA E CAUÇÕES, Cláusula 20.
7. LIMITES DE INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL GERAL (Cláusula 12).
150,000 Euros por ocorrência.
RESPONSABILIDADE CIVIL PRODUTOS E SERVIÇOS PRESTADOS (Cláusula 14):
150,000 Euros por ocorrência e agregado anual (ano de seguro).
(…)
RESPONSABILIDADES QUE NÃO SEJAM DERIVADAS NEM DE DANOS MATERIAIS, NEM DE DANOS CORPORAIS (Cláusula 17):
150,000 Euros por ocorrência e agregado anual (ano de seguro).
(…)
INDEMNIZAÇÃO A OUTROS
A indemnização concedida é extensiva:
8.1. A pedido do Segurado, qualquer Entidade que celebre acordo com o Segurado, no âmbito da actividade deste, mas somente pelas responsabilidades decorrentes do cumprimento do estabelecido nesse acordo e sujeito à Cláusula 22.1 b).
(…)
9. FRANQUIA
Para Danos Materiais:
Euros l.000 por sinistro, para sinistros com valor de indemnização igual ou inferior a Euros  50.000.
Euros 15.000 por sinistro, para sinistros com valor de indemnização superior a Euros 50.000.
Para Danos Corporais não é aplicada qualquer franquia.
10. PRÉMIO
Euros 2.743.380 acrescidos dos impostos legais aplicáveis.
CONDIÇÕES ESPECIAIS
As presentes Condições Especiais derrogam total ou parcialmente tudo quanto em relação a elas se estabeleça nas Condições Gerais da Apólice. Em caso de discordância, estas Condições Especiais prevalecem sobre as Gerais.
11. OBJECTO DO SEGURO
Fica estabelecido, de acordo com os termos e condições desta Apólice, que a Seguradora garante ao Segurado:
11.1. Pagamento de indemnizações (incluindo custos, honorários e despesas do reclamante) que o Segurado venha a ser obrigado a satisfazer de acordo com a Legislação em vigor de qualquer país, decorrente da responsabilidade directa, indirecta, subsidiária, conjunta e individualizada ou qualquer outra, por danos corporais, danos materiais e as suas consequências, ocorridos durante o período de validade do seguro, causados a terceiros no exercício das suas actividades.
11.2. A mesma cobertura do parágrafo 11.1. acima, decorrente de responsabilidades que não sejam consequência de danos materiais nem de danos corporais, limitados aos casos discriminados na Cláusula N° 17.
11.3. Custos, despesas, cauções e honorários relativos à defesa do Segurado em/fora dos Tribunais.
12. RESPONSABILIDADE CIVIL GERAL
Fica estabelecido, de acordo com os termos da Cláusula Nº. 11- Objecto do Seguro, que está coberta a Responsabilidade Civil Legal do Segurado por lesões corporais e/ou danos materiais e suas consequências, causadas a terceiros, derivados de actos, factos ou omissões ocorridos no exercício das suas actividades.
Considera-se coberta, nesta secção, a Responsabilidade Civil do Segurado decorrente, entre outros, a título enunciativo mas não limitativo, dos seguintes riscos:
12.1. Incêndio, Explosão, Fumo, Água, Gás, Cheiros, Vapor e Derrube, sem prejuízo do disposto na Cláusula N° 16 - Responsabilidade por Poluição e/ou Contaminação.
(…)
13. EXCLUSÕES
13.1. Os benefícios estabelecidos pela legislação relacionada com Acidentes de Trabalho, Legislação de Trabalho e qualquer outro Seguro Obrigatório ou do género, quer esteja ou não em vigor, juntamente com sanções, multas e sobretaxas sobre indemnizações que possam ser exigidas por tal legislação.
(…)
14. RESPONSABILIDADE CIVIL DE PRODUTOS E SERVIÇOS PRESTADOS
A Responsabilidade Legal do Segurado, decorrente de danos corporais e materiais e suas consequências causadas a terceiros por: produtos e/ou serviços desenhados, manufacturados, tratados, misturados e/ou montados, modificados, manipulados, servidos, vendidos, fornecidos, distribuídos e instalados, sujeito a que os produtos e/ou serviços tenham sido entregues a terceiros, estarão cobertos por esta Apólice.
15. EXCLUSÕES
15.1. Custos incorridos na reparação, reacondicionamento ou substituição, de qualquer produto ou serviço, ou parte deste, que esteja ou seja alegado ser defeituoso, e/ou perda financeira consequente de necessidade de tal reparação, reacondicionamento, modificação ou substituição.
16.RESPONSABILIDADE CIVIL POR POLUIÇÃO OU CONTAMINAÇÃO
(…)
17. RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO DERIVADA DE DANOS MATERIAIS OU CORPORAIS
A responsabilidade pelos prejuízos ou danos patrimoniais causados a terceiros e que não sejam consequência de danos corporais ou materiais, estarão a coberto desta apólice.
Esta cobertura está sujeita a um limite de indemnização de 150,000 Euros por ocorrência e agregado anual.
Esta cobertura está limitada exclusivamente às seguintes ocorrências:
a) A responsabilidade decorrente de difamação, libelo, calúnia, violação de direitos de autor (copyright), título ou slogan, pirataria, concorrência desleal, apropriação ilegal de ideias, qualquer invasão de privacidade cometida ou alegada de ter sido cometida em qualquer anúncio, publicidade, artigo, na rádio ou na Televisão, e responsabilidade decorrente das actividades de publicidade do Segurado, incluindo patrocínio ou apoio.
b) Aqueles danos patrimoniais ou prejuízos causados a terceiros que decorrem de medidas tomadas pelo Segurado e/ou autoridades competentes de forma a evitar ou reduzir danos corporais ou danos materiais e as suas consequências assim como danos patrimoniais ou prejuízos causados a terceiros por impedimento de acesso às instalações ou a incapacidade de terceiros em dar continuidade às suas actividades em resultado de um evento específico. 
c) Prejuízos ou danos patrimoniais causados a terceiros por falta de fornecimento decorrente directa ou indirectamente de qualquer dano acidental inevitável nas instalações ou equipamento do segurado.
EXCLUSÕES
Serão excluídos prejuízos ou danos patrimoniais, não consequência de danos corporais ou materiais causados a terceiros, decorrentes de poluição ou contaminação da atmosfera, água, solo ou qualquer outra propriedade.
(…)» (al. E) matéria assente).
6. No dia 26 de Outubro de 2002 o A. apresentou reclamação junto de uma operadora da R. relativamente à falta de fornecimento de energia, tendo comunicado que em consequência da interrupção de energia ocorrida havia resultado a morte de 432 porcos (resp. q. 1º e 2º da B.I.).
7. O A. tinha esses porcos num pavilhão de engorda intensiva, cuja ventilação é assegurada por ventiladores que, devido ao corte de energia, pararam (resp. q. 3º da B.I.).
8. A falta de ventilação, derivada da falta de energia eléctrica por cerca de 6h30 consecutivas, provocou a morte dos 432 porcos (resp. q. 4º da B.I.).
9. Os gases contidos no ar do pavilhão de engorda intensiva de suínos, para além de constituintes normais (oxigénio, azoto e vapor de água), são fundamentalmente o amoníaco (NH3), o ácido sulfídrico (SH2) e o anidrido carbónico (CO2), resultando este da respiração dos animais (resp. q. 5º da B.I.).
10. O amoníaco tem origem nos compostos azotados (por decomposição bacteriana) presentes nas fezes e urina dos animais, e a sua concentração elevada provoca lesões nas mucosas do aparelho respiratório (resp. q. 7º da B.I.).
11. O ácido sulfídrico (SH2) e o anidrido carbónico (CO2), como os restantes gases, tem a mesma origem, e em altas concentrações podem causar transtornos graves (resp. q. 8º da B.I.).
12. Estes gases prejudiciais libertam-se na proximidade do ar que os animais respiram e podem desenvolver a sua actividade letal se a respectiva concentração não baixar mediante a renovação de ar necessária (resp. q. 9º da B.I.).
13. Com o fim de assegurar a ventilação necessária foram montados pelo A. ventiladores que, ao longo de vários anos, têm vindo a desempenhar essa função, assegurando a sobrevivência dos animais (resp. q. 10º da B.I.).
14. Se a R. tivesse informado o A. que o corte de energia ia ocorrer, este teria tomado medidas que evitariam a morte dos animais (resp. q. 12º da B.I.).
15. A R. não avisou o A. do corte de energia, nem da sua duração (resp. q. 13º da B.I.).
16. Os 432 porcos mortos tinham um peso médio vivo de 45 kg cada, sendo o preço médio de 1,312 € por Kg, conforme bolsa do porco de 29.10.2002 (resp. q. 16º da B.I.).
17. Na noite do dia 25.10.2002, pelas 20.40 horas, ocorreu uma avaria imprevista na rede eléctrica de distribuição de energia eléctrica em Média Tensão, linha ST 15-72-10-5-2 Herdade da Fonte, que determinou a interrupção de energia eléctrica a toda a zona servida por aquela linha, incluindo as instalações do A. (resp. q. 17º da B.I.).
18. A avaria que provocou a interrupção de distribuição de energia eléctrica ocorre de forma imprevista, sendo de difícil detecção nas acções de manutenção e conservação efectuadas às linhas eléctricas aéreas (resp. q. 18º da B.I.).
19. Registado o disparo da linha, os serviços técnicos da R. desenvolveram esforços para detectar a avaria em questão, a fim de possibilitar a sua reparação com consequente reposição do serviço (resp. q. 19º da B.I.).
20. Foi necessário executar diversas manobras e ensaios simultâneos, no terreno e no Centro de Condução da R., diligências, estas, dificultadas por ser de noite (resp. q. 20º da B.I.).
21. Detectado o local exacto da avaria, foi providenciada a sua reparação através do piquete da R. (resp. q. 21º da B.I.).
22. O período da interrupção do fornecimento de energia eléctrica a toda a zona correspondeu ao tempo dispendido pelo piquete da R. para localização e reparação da avaria (resp. q. 22º da B.I.).
23. A linha em causa nestes autos, bem como todas as outras linhas eléctricas de MT, são periodicamente submetidas a acções preventivas de manutenção, nomeadamente inspecções visuais pelo solo e termográficas por helicóptero, tendo a rede eléctrica que serve as instalações do A. sido submetida, antes destas ocorrências, a estas inspecções (resp. q. 25º da B.I.).
24. Identificado o tipo de avaria é inserido no sistema de gestão de incidentes (SGI) a previsão da hora de reposição do serviço para que seja possível informar os clientes através da linha EDP (resp. q. 26º da B.I.).
25. De acordo com a classificação de zonas feita no RQS a instalação do A. encontra-se inserida na zona C (resp. q. 28º da B.I.).
26. A instalação de equipamentos de substituição, para o caso de falta de fornecimento de energia eléctrica, e a dotação de instalações com janelas de abertura automática, teriam impedido a produção dos danos (resp. q. 29º da B.I.).

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Impugnação da matéria de facto
A decisão da primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada nas situações previstas o art. 712º/1 do CPC, nomeadamente se do processo constarem todos os elementos probatórios em que se baseou a decisão recorrida quanto à matéria de facto em causa.
Como é sabido, o uso dos poderes conferidos à Relação, não importando a postergação dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação das provas, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão quanto à matéria de facto, nomeadamente nos concretos pontos impugnados, conforme vem sendo entendimento reiterado da jurisprudência.
Como também ficou bem vincado no Preâmbulo do DL nº 39/95 de 15/2, um dos objectivos fundamentais da gravação das audiências e da prova foi o de possibilitar às partes a “reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante…”. Neste contexto, o regime não se destina a permitir a modificação de toda e qualquer decisão, mas, fundamentalmente, a detectar e corrigir os erros mais evidentes.
Importa, ainda, ter presente que a garantia do duplo grau de jurisdição não pode subverter o princípio da livre apreciação das provas, constante do art. 655º do CPC. De acordo com este princípio, a prova é apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios preestabelecidos. As provas são livremente valoradas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, respondendo o julgador de acordo com a sua convicção, excepto se a lei exigir para a prova do facto, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
O erro de apreciação haverá de resultar da constatação da existência de afirmação ou de não afirmação da realidade de certos factos controversos na lide, em termos processual e substantivamente relevantes, e em relação a cuja afirmação, se imporia concluir por dever a formação de decisão ser em sentido diverso daquele em que se julgou.
E, isto, sempre sem esquecer que a actuação do princípio da imediação, ou seja, do contacto pronto, pessoal e directo do juiz com as diversas fontes probatórias, especialmente as que impliquem contacto imediato com pessoas, fornece ao julgador elementos importantes para o sentido das suas opções de decisão, a quem cabe transpor, para a fundamentação e motivação das respostas, as bases do seu convencimento.

1.1. Nas suas alegações, a Recorrente pretende seja considerada provada a matéria do artigo 24º da base instrutória.
No art.° 24° da b.i., perguntava-se se “a linha eléctrica que sofreu a avaria se encontrava, à data do acidente, em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras técnicas em vigor, cumprindo os necessários requisitos segurança e eficiência”.
Consta da fundamentação do despacho decisório da matéria de facto que a prova documental e testemunhal produzida sobre o estado de conservação da linha, sua dconformidade técnica com as regras em vigor e condições de segurança, não permitiu formar um juízo de certeza sobre tais matérias”. “O elemento mais objectivo sobre o estado de conservação da linha é o relatório de fls 251 e 252, elaborado em Março de 2002, que descreve as deficiências apresentadas nos 22 postes que compõem a linha, mas tais elementos não permitem uma afirmação conclusiva sobre a matéria controvertida. Os depoimentos testemunhais revelaram-se insuficientes para convencer o tribunal sobre as questões técnicas em causa por as testemunhas terem revelado um conhecimento genérico sobre as questões em apreciação”.
Com efeito, o art. 24º englobava três questões: a) se a linha se encontrava à data do acidente em perfeito estado de conservação; b) se a linha se encontrava instalada de acordo com as regras técnicas em vigor; c) e se a linha cumpria todos os requisitos necessários de segurança e eficiência.
Discorda o Apelante da convicção baseada no depoimento das testemunhas Engenheiro Rui Santos, que trabalha para a Ré, e que afirmou que a EDP faz inspecções termográficas e visuais às linhas, e que fora feita uma vistoria cerca de 6/7 meses antes do sinistro ocorrer. Esclareceu que o Relatório junto aos autos resulta de uma vistoria visual. Afirmou que a linha estava em “perfeito estado de exploração, de acordo com as regras técnicas”, mas também disse que a avaria ocorreu porque o isolador estava perfurado, não tendo sido possível, segundo afirmou, apurar a causa da perfuração. Explicou que a anomalia em causa só seria detectável numa acção de manutenção com subida ao apoio para verificar o estado do isolador.
No mesmo sentido vai o depoimento da testemunha João Silva Claro, também engenheiro que trabalha para a EDP. Que a linha estava em bom estado, “porque é uma norma mantermos as linhas em bom estado”. Admitiu que a linha não era nova, mas que são feitas inspecções e relatórios sobre o estado de manutenção das linhas. No caso, não se recordava se tinha sido feita uma inspecção antes do acidente e quanto tempo antes. Referiu que a avaria se deveu à perfuração do isolador e que desconhecia a causa dessa perfuração.
Consta da fundamentação do despacho decisório da matéria de facto que a prova documental e testemunhal produzida sobre o estado de conservação da linha, sua dconformidade técnica com as regras em vigor e condições de segurança, não permitiu formar um juízo de certeza sobre tais matérias”. “O elemento mais objectivo sobre o estado de conservação da linha é o relatório de fls 251 e 252, elaborado em Março de 2002, que descreve as deficiências apresentadas nos 22 postes que compõem a linha, mas tais elementos não permitem uma afirmação conclusiva sobre a matéria controvertida. Os depoimentos testemunhais revelaram-se insuficientes para convencer o tribunal sobre as questões técnicas em causa por as testemunhas terem revelado um conhecimento genérico sobre as questões em apreciação”.
Encontra-se, assim, perfeitamente justificada a motivação que conduziu à decisão de facto, a merecer que se mantenha inalterada a resposta ao artigo 24º da base instrutória, de acordo com o já referido princípio da livre apreciação da prova.
O relatório respeita a uma vistoria feita cerca de 7 meses antes do acidente. O que as testemunhas disseram é muito pouco para a matéria que se pretende ver provada: a linha eléctrica que sofreu a avaria encontrava-se, à data do acidente, em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras técnicas em vigor, cumprindo os necessários requisitos segurança e eficiência.
Não pode confundir-se, portanto, o erro na apreciação da matéria de facto, com a mera discordância quanto ao convencimento do julgador e é só isso que, afinal, aqui está em causa.
Em consequência, indefere-se a pretendida alteração da decisão quanto à matéria de facto, não se alterando a resposta à matéria do artigo 24º da base instrutória.

2. Da responsabilidade contratual
Como resulta da factualidade provada, o A. celebrou com a R. EDP – Distribuição de Energia, S.A. um contrato de exploração de instalação eléctrica, sendo o cliente com o n.º 1304602325, tendo a referida instalação eléctrica a potência contratada de 100 Kva, servindo uma exploração suinícola, sita em …, Poceirão.
Trata-se, como refere a sentença recorrida, de um contrato de fornecimento de energia eléctrica em MT (média tensão). Nos termos das condições gerais aplicáveis aos contratos de fornecimento de energia eléctrica em MT, o distribuidor obriga-se a fornecer ao cliente a energia eléctrica necessária ao abastecimento da sua instalação até ao limite da potência requisitada, e o cliente ao respectivo pagamento (art. 1º do Anexo III do Despacho nº 7952-A/2002, da Entidade Reguladora do Sector Eléctrico (ERSE)).
Sabe-se que, no caso em apreço, ocorreu uma interrupção no fornecimento de energia. Com efeito, nos dias 25 e 26 de Outubro do ano de 2002, verificou-se uma interrupção do fornecimento de energia, que se prolongou desde as 20h40 do dia 25 de Outubro, até às 03h05 do dia 26 de Outubro. Tal interrupção ficou a dever-se a uma avaria imprevista na rede eléctrica de distribuição de energia eléctrica em Média Tensão (linha ST 15-72-10-5-2 Herdade da Fonte), que determinou a interrupção de energia eléctrica a toda a zona servida por aquela linha, incluindo as instalações do A.
Em matéria de responsabilidade contratual, como é o caso dos autos, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua (art. 799º do Código Civil). Ou seja, a culpa do devedor presume-se. Ao contrário do que sucede na responsabilidade extracontratual, em que é ao lesado que cabe provar a culpa e os demais pressupostos da obrigação de indemnizar (art. 487°, n.° 1 do Cód. Civil)
Assim, na responsabilidade contratual é ao devedor que cabe provar que não procedeu com culpa, isto é, que não lhe pode ser pessoalmente censurável o facto de não ter adoptado o comportamento devido.
É o que sucede sempre que o não cumprimento for devido a falta do credor, de terceiro, ou caso fortuito ou de força maior[1]'.

3. Caso fortuito ou de força maior
A Ré alegou que a avaria era imprevista, insusceptível de ser evitada pelas acções de manutenção e conservação. Concluiu que a interrupção de energia resultou de um caso fortuito.
Vem sendo entendido que, no contrato de fornecimento de energia eléctrica, estará excluída a responsabilidade do fornecedor, por deficiência desse fornecimento, se estas deficiências resultarem de caso fortuito ou de força maior ou de acto de terceiro.
O Regulamento da Qualidade e Serviço (RQS) prestado pelas entidades do Sistema Eléctrico Nacional (SEN), apresenta uma listagem de situações que se podem considerar como casos fortuitos ou de força maior.
Assim, o Regulamento da Qualidade e Serviço (RQS), aprovado pelo Despacho nº 12917-A/2000, publicado no DR, II, de 23 de Junho, aplicável à data da ocorrência do sinistro, e restante legislação[2], bem como no actual Regulamento da Qualidade e Serviço, aprovado por Despacho nº 2410-A/2003, DR, II, de 5 de Fevereiro elencam como casos fortuitos ou de força maior:
- Vento de intensidade excepcional - incidente causado por tempestade com vento de intensidade superior à máxima prevista, para efeitos de projecto das instalações das redes eléctricas, nos regulamentos de segurança respectivos;
- Inundações imprevisíveis - incidente causado por inundações de carácter imprevisível sobre as redes eléctricas, quer sejam de índole natural ou derivadas da ruptura de canalizações, de fluidos de entidades externas aos operadores das redes de transporte e de distribuição;
- Descarga atmosférica directa - incidente causado por descarga atmosférica directa quando esta, comprovadamente, danificar material ou equipamento das instalações;
- Incêndio - incidente causado por incêndio cuja origem seja exterior à rede eléctrica;
- Terramoto - incidente causado por terramotos com acção directa sobre a rede eléctrica;
- Outros casos fortuitos ou de força maior - outras causas que reúnam simultaneamente condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade. Será o caso da ocorrência de movimentos de terras na sequência de fenómenos naturais, acção de aves ou outros animais, etc.
Tal elenco de situações está igualmente previsto nas condições gerais aplicáveis aos contratos de MT, como é o caso dos autos, conforme resulta do art. 3º nº 1 e 2 do Anexo III do Despacho nº 7952-A/2002, que determina que “O fornecimento de energia eléctrica deve ser permanente e contínuo, só podendo ser interrompido nas situações previstas no Regulamento de relações Comerciais, designadamente, por casos fortuitos ou de força maior…”
Em suma, todas as enunciadas situações, pelas características de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade são consideradas casos fortuitos ou de força maior, e por isso têm a virtualidade de afastar a presunção de culpa no incumprimento, ou incumprimento defeituoso, por parte da entidade fornecedora de energia eléctrica.

3.1. No caso em apreço, resultou provado que a avaria no isolador (perfuração interna deste) que determinou a interrupção do fornecimento da energia eléctrica, ocorre de forma imprevista, sendo de difícil detecção nas acções de manutenção e conservação efectuadas às linhas eléctricas aéreas.
Mas esta factualidade não integra qualquer situação de caso fortuito ou força maior, com as características enunciadas pelo RQS e demais legislação aplicável atrás referenciada.
Pelo contrário, e como se afirma na sentença recorrida, “estamos perante uma avaria que apesar de ocorrer de forma imprevista (não calculada) ocorre nas diversas redes relativamente às quais a R. tem a direcção da instalação. O facto de a mesma ser de difícil detecção não autoriza a conclusão de que integra um caso fortuito, caracterizado pela exterioridade. Trata-se de uma avaria típica da rede, ainda que ocorra raramente e de forma imprevista”.

3.2. Por outro lado, pode, ainda, o devedor provar que foi diligente, que se esforçou, que usou daqueles daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família (art.°s 487°, ° 2 e 799°, n.° 2 do Cód. Civil), ou, pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente[3]'.
            Cabia, por isso à Ré ilidir a presunção, nomeadamente demonstrando a matéria constante do art. 24º da base instrutória, isto é que a linha eléctrica se encontrava em perfeito estado de conservação e instalada de acordo com as regras técnicas em vigor, prova essa que não logrou fazer.
            Sabe-se, apenas, que a rede eléctrica que serve as instalações do A. foi submetida, antes desta ocorrência, a estas inspecções, cerca de 7 meses antes do sinistro.
            Da prova produzida extrai-se, ao invés, que o poste e componentes do mesmo não estavam no melhor estado de conservação, tanto assim que o poste em questão tinha um isolador perfurado incapaz de desempenhar as suas funções, que foi a causa da interrupção do fornecimento de energia eléctrica.
            Aliás, uma inspecção visual mais pormenorizada teria permitido detectar que o isolador estava perfurado e assim evitar o corrente de energia eléctrica. Talvez que esse tipo de inspecções, mais oneroso, desde logo porque obrigaria a um maior numero de funcionários para esse efeito, na perspectiva da Ré, não se justifique face à probabilidade de ocorrerem avarias com as consequências que tiveram no caso dos autos.
Esta matéria é por si insuficiente para se poder concluir que o devedor, no caso a EDP, provou que foi diligente, que usou daqueles daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, que não omitiu esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente.
Conclui-se, assim, que a Ré não afastou, como lhe incumbia, a presunção de culpa estabelecida no art. 799º do Código Civil, pelo que temos que concluir que agiu com culpa, na falta de cumprimento da sua obrigação.

            4. Da exclusão ou redução da indemnização
Afirma a Apelante que o A. contribuiu decisivamente para a ocorrência dos seus danos ao não dotar as suas instalações de utilização de equipamentos de substituição, para o caso de falta de fornecimento de energia eléctrica, e a dotação de instalações com janelas de abertura automática, teriam impedido a produção dos danos.
Além disso a instalação de utilização do A. encontra-se inserida na zona C, que de acordo com o respectivo Regulamento prevê a possibilidade de 30 interrupções por ano com a duração total de 20 horas, sendo certo que a possibilidade de interrupção é característica inerente ao contrato de fornecimento de energia eléctrica e o cliente que contrata o fornecimento não o pode ignorar.
            No fundo, a Apelante pretende imputar os danos sofridos pelo A. a facto culposo dele própria, situação que, a verificar-se, nos termos do art. 570º do C.Civil, exclui ou reduz a indemnização.
Revisitando os factos, constata-se que ficou provado que as instalações em causa não possuiam equipamentos de substituição, para o caso de falta de fornecimento de energia eléctrica, ou janelas de abertura automática, o que teria impedido a produção dos danos.
O Dec.lei nº 740/74, de 26 de Dezembro, que a Recorrente invoca, constitui, como do seu preâmbulo se infere, um diploma que regulamenta as condições das instalações eléctricas com vista à sua aprovação pelas entidades competentes, destinando-se, conforme o art. 1º, "a fixar as condições técnicas a que devem obedecer os estabelecimentos e a exploração das instalações eléctricas (…) com vista à protecção de pessoas e coisas e à salvaguarda dos interesses colectivos".
E o certo é que, pese embora inexistirem equipamentos de substituição, a instalação eléctrica servia a exploração suinícola do A.
É, por isso, um diploma que tende a proteger os utilizadores de instalações, naturalmente consumidores, não podendo, só por si, fundamentar a exclusão da responsabilidade das entidades fornecedoras de energia eléctrica.
Em todo o caso, o art.15º do Regulamento de Segurança de Instalações de Utilização de Energia Eléctrica, aprovado pelo citado decreto lei, vem definir instalação de emergência, como sendo aquela que se destina a fornecer apoio a instalações estabelecidas em locais onde uma eventual falta de energia possa originar situações de perigo ou causar danos. Os artigos 353º e seguintes definem o modo como devem ser executadas e funcionar essas instalações de emergência.

5.1. Não pode deixar de relevar o facto de se ter por provado que o facto de não existirem equipamentos de substituição, para o caso de falta de fornecimento de energia eléctrica, e a dotação de instalações com janelas de abertura automática, contribuiram decisivamente para a ocorrência dos danos.
O A. poderia ter adequado as instalações por forma a minimizar os efeitos de um desadequado fornecimento de energia eléctrica. Existia, até, como se disse, legislação que regulava as condições técnicas com vista à protecção de pessoas e bens.
Eis porque se entende que, pese embora a obrigação por banda da Ré de assegurar, minimamente, os padrões de qualidade de serviço, ainda que se admita que o local da instalação, se integra em zona em que esses padrões são os mais baixos, o A. não está isento de responsabilidade, já que a continuidade de serviço assumia particular importância no caso, pelo que, por cautela, poderia ter instalado no local um sistema que viesse a minimizar falhas de corrente, mesmo as imprevistas e anormalmente demoradas, assegurando as condições mínimas de ventilação vitais para a sobrevivência dos animais.
É um factoque o corte de corrente durou mais de 6 horas. Não fora a duração da falta de energia e, certamente, que os danos não teriam ocorrido, pelo menos com a extensão que tiveram.
Trata-se, como referido, de uma avaria que apesar de ocorrer de forma imprevista, não calculada ocorre nas diversas redes relativamente às quais a Ré tem a direcção da instalação. Será uma avaria de difícil detecção, mas de fácil reparação; uma avaria típica da rede, ainda que ocorra raramente.
Ora, o tempo de reacção da Ré para reparação da avaria foi demasiadamente longo já que a reparação desta avaria não envolve complexidade técnica (substituição do isolador), mas apenas tempo na sua localização. Bastava, portanto, à R. ter deslocado mais meios humanos (piquetes) para o terreno para que a mesma tivesse sido reparada mais prontamente, pelo que também o comportamento da Ré na demora, por mais de 6 horas, da reparação da avaria, contribuiu para o resultado, isto é, para a morte, por asfixia, dos animais que se encontravam na exploração.

5.2. Sopesando as circunstâncias supra referidas e ponderando o comportamento da lesante e do lesado, afigura-se razoável concluir, à falta de outros elementos, que os comportamentos dos lesado e lesante terão sido responsáveis em 50% na produção dos referidos danos.
Ficou provado que os danos sofridos pelo A., que não foram postos em causa, ascendem a 25.505,28 € - os 432 porcos mortos tinham um peso médio vivo de 45 kg cada, sendo o preço médio de 1,312 € por Kg, conforme bolsa do porco de 29.10.2002.
Assim sendo, face às considerações supra referidas, conclui-se que o A. terá direito ao pagamento de uma indemnização igual a metade da mencionada quantia, ou seja, 12.752,64€, a que acrescem juros de mora, desde a citação, tal como consta da sentença recorrida.
IV – DECISÃO
Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, altera-se a sentença recorrida, condenando a R. EDP a pagar ao A. a quantia de 12.752,64 €, acrescida de juros moratórios desde a citação até integral pagamento, às taxas legais sucessivamente em vigor.
Custas por A. e Ré na proporção dos respectivos decaimentos.
Lisboa, 26 de Novembro de 2009.
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)
(Manuel Gonçalves)

[1] Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 5ª ed., Almedina, 2007, pag. 253.
[2] Regulamento de Relações Comerciais, aprovado elo Despacho nº 18 413-A/2001, de 1 de Setembro, Despacho nº 7952-A/2002, da Entidade Reguladora do Sector Eléctrico (ERSE).
[3] Galvão Telles, Direito das Obrigações, Vol. II, 2ª ed. (1979), pag. 341.