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INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO PROVOCADA
EMPREITEIRO
SUBEMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
CASO JULGADO
DIREITO DE REGRESSO
Sumário
– O incidente de intervenção principal provocada pressupõe que o chamado tenha um interesse igual ao do Autor ou do Réu. – Numa acção em que o dono da obra vem pedir a condenação do empreiteiro na reparação de defeitos denunciados e alegando o empreiteiro que essa parte dos trabalhos fora executada por subempreiteiros, estes últimos não podem intervir como associados do Réu uma vez que não contrataram com a dona da obra e não respondem perante ela. – Pretendendo o empreiteiro acautelar o seu direito de regresso contra tais subempreiteiros, deverá requerer a intervenção acessória destes. – Contudo, se o empreiteiro fundamentar o chamamento na pretensão da condenação dos subempreiteiros no pedido da Autora ou da condenação dos mesmos subempreiteiros no pagamento de indemnização ao Réu empreiteiro, equivalente ao que este despender na satisfação do pedido da Autora, a intervenção acessória deverá ser indeferida. – No âmbito da intervenção acessória o chamado fica abrangido pela força do caso julgado que resulta da sentença, com vista a acção a deduzir posteriormente visando a sua condenação ao abrigo do direito de regresso. (Sumário do Relator)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos que M move contra D S.A. veio a Aª pedir a condenação da Ré a, no prazo de 90 dias após a sentença, executar os trabalhos de remoção/substituição dos painéis das fachadas do edifício P. No caso de a Ré o não o fazer, pede a Aª que sejam os trabalhados realizados por um terceiro, a expensas da Ré.
Na sua contestação, alegou a Ré que os trabalhos em causa haviam sido entregues a subempreiteiros, com autorização da Aª. Assim, os defeitos denunciados são da responsabilidade de tais subempreiteiros.
Pede a intervenção principal provocada dos subempreiteiros, com fundamento em que a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em princípio, igual à deste em relação ao dono da obra. Nessa medida, pretende a Ré que, mediante a intervenção principal provocada, sejam os subempreiteiros incluídos no âmbito subjectivo do caso julgado.
Formula finalmente o pedido de que sejam as empresas subempreiteiras a realizar os trabalhos peticionados pela Aª e no mesmo prazo e, caso o não façam e tenha a Aª de executar a obra, sejam condenadas a ressarci-la dos montantes dispendidos em tais trabalhos. Por fim, e caso seja entendido que a Ré tem alguma responsabilidade, pede a condenação das intervenientes a ressarcir a Ré em todas as quantias que esta venha a dispender em cumprimento de eventual condenação que sobre ela recaia.
Por despacho de fls. 106, o Mº juiz a quo indeferiu o chamamento, com base no facto de o subempreiteiro não se obrigar perante o dono da obra, mas apenas perante o empreiteiro, pelo que não pode intervir na causa como associado do empreiteiro mas apenas como auxiliar da defesa.
Uma vez que a Ré requereu a intervenção principal, tendo inclusive pedido a sua absolvição do pedido e a condenação das chamadas, entendeu o senhor juiz estar-lhe vedado mandar seguir o incidente como intervenção acessória.
Posteriormente, em sede de despacho saneador, foi proferida decisão julgando a acção procedente e condenando a Ré no pedido.
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Recorreu a Ré de tal sentença, mas a mesma veio a ser confirmada por este Tribunal da Relação de Lisboa.
Vem agora a mesma Ré recorrer do despacho que não admitiu o chamamento dos subempreiteiros. Uma vez que a decisão sobre o mérito da causa parece ter sido proferida quando ainda decorria o prazo para contra-alegações da recorrida relativamente ao presente recurso, cumpre pois conhecer do mesmo.
Em síntese, conclui a recorrente:
– Na contestação, requereu a intervenção explicitando o seu interesse, ou seja, pretende que os terceiros respondam pelo prejuízo que a eventual perda da demanda importe para ela.
– Pelo que o Mº juiz a quo deveria ter convidado a Ré a rectificar o seu requerimento, no sentido de requerer a intervenção acessória ou, uma vez que não está adstrito à qualificação feita pelas partes, ter desde logo aceite a intervenção como acessória.
– Igualmente deveria ter convidado a Ré a rectificar o seu requerimento caso entendesse que o mesmo padecia de alguma contradição.
– Isto nos termos dos arts. 264º, 265º, 265º-A e 664º do CPC.
Não houve contra-alegações.
Cumpre apreciar.
A questão é meramente jurídica e consiste em saber se estava o Mº juiz a quo obrigado a convidar o recorrente a rectificar o seu requerimento ou até a fazê-lo ele próprio.
Como se viu, o recorrente alegou em sede de contestação que os trabalhos, cuja execução defeituosa havia sido denunciada pela Aª, haviam sido realizados por terceiros, no âmbito de um contrato de subempreitada entre estes e a Ré.
Por isso, a entender-se que a Ré é responsável perante a Aª, os subempreiteiros são responsáveis perante a Ré, que terá direito de regresso contra eles (arts. 21º e 22º da Contestação).
Nos arts. 24º e 25º do mesmo articulado, alega a Ré que há lugar a intervenção principal provocada, que se destina a incluir os subempreiteiros no âmbito subjectivo de caso julgado da decisão da acção. In fine, pede a sua absolvição do pedido e a intervenção principal de R Lda e T Lda “para que sejam condenadas a executar no prazo de 90 dias após a sentença e a terminar em 9 meses, os trabalhos de remoção/substituição dos painéis das fachadas do edifício P (...) e. não o fazendo em tal prazo e sendo a Aª a executar tal obra, então sempre deverão ressarcir a Aª dos montantes dispendidos na execução desses trabalhos, a liquidar em execução de sentença, sendo certo que nunca serão inferiores a € 301.983,70.
“Se por absurdo for entendido que a Ré tem alguma responsabilidade (...) então sempre deverá ser declarada a responsabilidade das Intervenientes, sendo estas condenadas a ressarcir a Ré em todas as quantias que esta venha a dispender em cumprimento da eventual condenação que sobre ela recaia”.
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Nos termos do art. 325º nº 1 do CPC qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
Trata-se do incidente de intervenção provocada, no âmbito do qual e caso o chamado intervenha no processo, a sentença apreciará o seu direito e constituirá caso julgado em relação a ele – art. 328º nº 1 do CPC.
A intervenção provocada pressupõe que o chamado tenha um interesse igual ao do Autor ou do Réu, ou no âmbito do litisconsórcio necessário ou da coligação necessária.
Uma vez que os subempreiteiros não contrataram com a Aª e não respondem perante ela, é evidente que não poderão intervir na causa enquanto associados da Ré empreiteira.
E muito menos ser condenados no pedido formulado pela Aª, como a Ré indiscutivelmente requer.
Seria aqui aplicável o incidente de intervenção acessória provocada, nos termos do art. 330º do CPC.
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Contudo, contrariamente ao alegado pelo recorrente, o problema aqui não se situa apenas no plano da qualificação jurídica, caso em que o juiz não estaria, na verdade, dependente da qualificação feita pelas partes.
O recorrente poderia ter indicado os factos e fundamentos do requerimento e depois, por lapso, intitulá-lo como intervenção principal provocada em vez de intervenção acessória. Nessa situação, seriam manifestamente válidos os argumentos do presente recurso.
Contudo, na sua contestação, e embora aluda a um direito de regresso, a Ré mostra, sem qualquer dúvida, que o que pretende é uma de duas situações alternativas:
– Serem os chamados condenados no pedido da Aª e a Ré absolvida do mesmo.
– Ou, sendo a Ré condenada, ser declarada a responsabilidade das chamadas e estas condenadas a ressarcir a Ré de todas as quantias que esta dispenda no cumprimento do pedido da Aª.
Ora, nos termos do incidente de intervenção acessória, art. 332º nº 4 do CPC, “a sentença proferida constitui caso julgado quanto ao chamado, nos termos previstos no artigo 341º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.
Assim, no âmbito da intervenção acessória, nunca poderá ocorrer a condenação do chamado no pedido formulado pelo Autor contra o Réu, nem mesmo na condenação a indemnizar o Réu.
Como se sublinha no Acórdão da Relação do Porto de 31/5/2007 (disponível no site www.dgsi.pt) “a intervenção provocada acessória não se destina a obter a condenação do chamado, mas a estender-lhe a força do caso julgado formado na acção”.
O eventual direito de regresso da parte que requereu o chamamento terá de ser deduzido posteriormente, em acção própria, beneficiando da configuração jurídica que resulta do caso julgado da causa onde se efectuou o chamamento. Mas a indemnização resultante do direito de regresso não pode, de modo nenhum, ser um efeito directo do chamamento a resolver na própria acção em que aquele foi deduzido.
E é isto que a ora recorrente pretende.
Na realidade não existe uma contradição entre o alegado pela Ré e o que ela vem requerer na parte final da contestação.
Pretende-se obter a condenação das chamadas, seja condenação no pedido da Aª, caso a que corresponde a intervenção principal provocada, ou a condenação a indemnizar a Ré com base no direito de regresso desta, o que é inadequado em ambos os chamamentos, principal ou acessório.
O que a Ré não requer é aquilo que constitui o objecto da intervenção acessória, ou seja, o fazer estender à chamada a força do caso julgado.
Nestas condições, deveria o Mº juiz a quo ter convidado a Ré a rectificar a contestação, ou até ter ele próprio, desde logo, qualificado a intervenção como acessória?
Esta segunda hipótese está fora de causa, porque aquilo que é requerido pela Ré não se enquadra na intervenção acessória. Como vimos, pretende-se a condenação das chamadas no pedido da Aª ou, em caso de condenação da Ré a indemnizarem esta das despesas que ela tenha ao cumprir a condenação peticionada pela Aª.
Assim, o senhor juiz não poderia por sua iniciativa dar uma qualificação ao incidente que não poderia integrar o pretendido pela Ré.
Mas deveria o mesmo magistrado ter convidado a Ré a rectificar o requerimento?
Devemos desde já responder negativamente.
É que, como já dissemos, o problema não consiste em ter a recorrente qualificado o incidente como intervenção principal ou como acessória. Está naquilo que pretende obter com o incidente e que, como tal, surge como fundamento deste: a condenação das chamadas no pedido da Aª ou numa indemnização à Ré a título de direito de regresso.
Daqui se vê que não é aplicável ao caso o disposto no art. 264º nºs 2 e 3 do CPC, uma vez que não estamos perante factos instrumentais ou complementares mas antes perante um fundamento/pretensão jurídicos que nunca seriam atendíveis.
Os poderes atribuídos ao juiz, no âmbito do art. 265º do mesmo diploma, permitem-lhe providenciar pelo suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis mas não lhe permitem aceitar um requerimento, mudando a respectiva qualificação, eliminando os fundamentos e a pretensão evidenciadas pelo requerente e substituindo-os por outros da sua lavra. A ser assim, estaríamos a destruir o princípio mais importante do processo, o da igualdade das partes.
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Podemos assim concluir que:
– O incidente de intervenção principal provocada pressupõe que o chamado tenha um interesse igual ao do Autor ou do Réu.
– Numa acção em que o dono da obra vem pedir a condenação do empreiteiro na reparação de defeitos denunciados e alegando o empreiteiro que essa parte dos trabalhos fora executada por subempreiteiros, estes últimos não podem intervir como associados do Réu uma vez que não contrataram com a dona da obra e não respondem perante ela.
– Pretendendo o empreiteiro acautelar o seu direito de regresso contra tais subempreiteiros, deverá requerer a intervenção acessória destes.
– Contudo, se o empreiteiro fundamentar o chamamento na pretensão da condenação dos subempreiteiros no pedido da Autora ou da condenação dos mesmos subempreiteiros no pagamento de indemnização ao Réu empreiteiro, equivalente ao que este despender na satisfação do pedido da Autora, a intervenção acessória deverá ser indeferida.
– No âmbito da intervenção acessória o chamado fica abrangido pela força do caso julgado que resulta da sentença, com vista a acção a deduzir posteriormente visando a sua condenação ao abrigo do direito de regresso.
Assim e pelo exposto, julga-se improcedente a apelação. Custas pela apelante.