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CHEQUE POST-DATADO
REVOGAÇÃO
APRESENTAÇÃO A PAGAMENTO
RECUSA DE PAGAMENTO
Sumário
1. Na situação de cheques pós-datados, não pode haver revogação, ao abrigo do art. 32º da L. U. Cheques, no período que vai da entrega material do cheque, ainda que anterior à data da emissão, até à apresentação do mesmo a pagamento. 2. A revogação de um cheque só produz efeito, depois de findo o prazo de apresentação a pagamento (que é de oito dias contados desde a data aposta como de emissão) não podendo o sacado, no decurso do prazo de apresentação, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento de cheque com fundamento em revogação. (AMPMR)
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Estado da Causa
A sociedade V, Lda. propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a o B pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 52 043,93 €, a que acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, os quais ascendem a 2 846,02 € e dos que entretanto se vencerem até efectivo pagamento e, ainda nas despesas de devolução no valor de 43,56 €.
Invoca, para tanto, que no âmbito da sua actividade comercial forneceu material de cozinha à sociedade C, Lda., tendo esta emitido para o respectivo pagamento, seis cheques pré-datados, à sua ordem, sacados sobre o B, os quais, apresentados a pagamento, foram devolvidos no Serviço de Compensação, em 1 de Agosto de 2006, com fundamento em extravio; remeteu, então, uma carta, datada de 4 de Setembro de 2006, ao R. solicitando informações, pois tratavam-se de cheques emitidos à sua ordem e onde constava o carimbo «Crédito na Conta do Beneficiário»; consignava, também, que, para a revogação efectuada, era necessária a sua confirmação; tal missiva que não obteve resposta; o R. recusou-se sempre ao pagamento dos aludidos cheques.
O R. contestou.
Contrapôs que, com data de 29 de Maio de 2006, recebeu da sua depositante, C, Lda., uma carta onde lhe solicitava o cancelamento de seis cheques por extravio, sendo que entre esses cheques constava um com o nº….., como emitido cerca de um mês depois, com data de 15-7-2006; mais recebeu uma segunda missiva solicitando-lhe o cancelamento de mais cheques entre os quais os referidos no petitório. Finalmente. Requereu a intervenção provocada da sociedade, C, Lda., posto que foi quem deu instruções para invalidar os cheques, pedido esse que foi admitido.
Procedeu-se a julgamento e, depois, foi proferida a douta sentença de 28 de Maio de 2009 (fls. 168/176), que julgou a acção, totalmente, improcedente.
È desta sentença de 28 de Maio de 2009 (fls. 168/176) que apela sociedade V, Lda.____ Concluindo:
1º) – A revogação de um cheque só produz efeito, depois de findo o prazo de apresentação a pagamento (que é de oito dias contados desde a data aposta como de emissão) vigorando o entendimento que, apesar da vigência do art. 32º da Lei Uniforme Sobre Cheques, mantém-se em vigor a 2ª parte do art. 14º do Decreto nº 13004, de 12-1-1927, que dispõe que, no decurso do prazo de apresentação, o sacado, não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento de cheque com fundamento em revogação. Ademais. Conforme Assento do S.T.J. de 19 de Janeiro de 2000, entende-se que durante o prazo de apresentação, a irrevogabilidade do cheque é absoluta, não admitindo excepções, nem mesmo em verificação de justa causa, como por exemplo o extravio; 2º) – Na situação de cheques pré-datados por acordo das partes, o prazo de apresentação a pagamento vai desde o momento da entrega em mão dos cheques ao portador até ao 8º dia posterior da data aposta como de emissão, o que se compreende, pois, a todo o momento, independentemente da data de emissão, o cheque pode ser apresentado a pagamento, ou seja, pagável à vista, sendo irrelevante se antes do inicio do respectivo prazo de pagamento o cheque já se encontrava revogado.
II – Os Factos
A 1ª instância deu como provados os factos constantes na douta sentença impugnada, a fls. 170/172, que aqui se dão por integralmente reproduzidos (art. 713º, nº6, do C. P. Civil).
Aceitamos os factos fixados (art. 712º do C. P. Civil).
III – O Direito
Os cheques, se pagáveis dentro do mesmo País, devem ser apresentados a pagamento no prazo legal de 8 dias a contar da emissão (art. 29.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
Esta legislação foi aprovada pela Convenção de Genebra___ Convenção de Genebra, 19 de Março de 1931, recebida na ordem jurídica portuguesa pelo Decreto n.º 23 271, de 29 de Março de 1934, e ratificada pela Carta de 10 de Maio de 1934 (publicada em Suplemento ao Diário da República de 21 de Junho de 1934___ e está, em princípio, localizada nos Códigos Comerciais dos Países que a ela aderiram, designadamente, Portugal.
No que respeita à revogação de cheques (proibição de pagamento), a L. U. Cheques contém a regulamentação constante do artigo 32.º que diz o seguinte: - “…A revogação do cheque só produz efeito depois de findo o prazo de apresentação. Se o cheque não tiver sido revogado, o sacado pode pagá-lo mesmo depois de findo o prazo…”.
Sucede que a nossa melhor doutrina considera que o contrato de cheque é um contrato exclusivamente celebrado entre o Banco e o seu cliente, mesmo que tacitamente, pela requisição de um livro de cheques. Daí que o legítimo portador do cheque nenhum direito tivesse contra o Banco que, seguindo as instruções de revogação dadas pelos clientes e as diversas causas apontadas nos regulamentos do Banco de Portugal, se recusasse a efectuar o pagamento, não apondo no cheque a declaração de falta de provisão, antes e apenas a indicação das causas indicadas pelos clientes. Estas, com efeito, podiam variar entre as designadas justas causas___ perda, extravio ou roubo___ até uma variedade de causas, de que se destaca a designada «falta ou vício na formação da vontade» na emissão (criação e entrega) do título.
A jurisprudência não era uniforme, quer na qualificação do crime praticado pelo sacador, mais ainda, e sobretudo, relativa à responsabilidade civil do Banco sacado. Por isso e por ser da maior importância para a segurança das transacções da vida comercial, o douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 28 de Fevereiro de 2008, tirado no S. T. J., veio decidir que “…Uma instituição de credito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no art. 29º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na 1ª parte do art. 32º do mesmo diploma respondendo por perdas e danos perante o legitimo portador do cheque nos termos previstos nos artigos 14º, 2ª, parte do decreto nº 13004 e 483 nº 1 do C Civil…”.
O mencionado Acórdão foi lavrado com vários votos contra, o que revela a delicadeza desta temática, ora perspectivada na área da responsabilidade civil e dando a oportunidade ao legítimo portador de ser efectivamente ressarcido pelas perdas e danos___ no caso, o avultado valor de que se encontrava desembolsado.
Doutra banda e com pertinência para situação sub judicio.
Cheque pré-datado (comummente chamado de "cheque-pré" ou simplesmente "pré-datado") é uma operação de crédito, não regulamentada pela lei do direito económico, que permite que um comprador pague de forma parcelada por um bem adquirido. Este emite uma quantidade de cheques que totaliza o valor do bem identificando em cada folha de cheque emitida a data para pagamento da parcela___ O nome correcto seria cheque pós-datado.
É importante lembrar que um cheque é uma ordem de pagamento à vista___ independente da data preenchida na folha de cheque (art. 28º da L. U. Cheques). Assim, o comprador não possui nenhuma garantia legal de que o vendedor honrará as datas acordadas para desconto de cada folha de cheque pré-datado. Porém. A data colocada no corpo do cheque deve ser respeitada pela pessoa que o recebe, senão haverá quebra de contrato entre as partes. Somente o banco não terá responsabilidade sobre o depósito antecipado de um cheque.
Na hipótese de depósito do cheque pós-datado antes da data acordada entre as partes, caso o emitente venha a ter prejuízo causado decorrente da precipitação do depósito do cheque, poderá entrar com uma acção de danos materiais contra o beneficiário.
Do cotejo entre estas duas realidades jurídicas (revogação de cheque e cheque pós datado) podemos extrair algumas outras.
A primeira é de que o art. 32º do L. U. Cheques fixa um período bem delimitado no seu corpo: - «o prazo de apresentação» ___ necessariamente a pagamento do cheque. Ora. Tal elemento constitutivo da norma cartular refere-se ao período de apresentação no prazo de 8 dias a contar da emissão (art. 29.º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque).
A segunda é de que não teve em consideração realidades como a emissão de cheque pós-datados, mas regulou-os quando fixou um termo (findo o prazo de apresentação) para a revogação de cheques. Além do mais. Resulta inequivocamente da Lei que o cheque é pagável à vista, independentemente da data da sua emissão, pelo que, de acordo com o ordenamento jurídico, fosse qual fosse a vicissitude sofrida antes do período estabelecido, mormente, a pós-datação, nunca poderia haver revogação. Esta só pode ocorrer depois do período de apresentação a pagamento.
A terceira, na decorrência da anterior, é de que, na situação de cheques pós-datados, não pode haver revogação, ao abrigo do art. 32º da L. U. Cheques, no período que vai da entrega material do cheque, ainda que anterior à data da emissão, até à apresentação do mesmo a pagamento.
Ora___ Considerando que:
O apelado, com data de 29 de Maio de 2006, recebeu da sua depositante, C, Lda., uma carta onde lhe solicitava o cancelamento de seis cheques por extravio, sendo que entre esses cheques constava um com o nº….., como emitido cerca de um mês depois, com data de 15-7-2006 e recebeu uma segunda missiva solicitando-lhe o cancelamento de mais cheques entre os quais os demais referidos no petitório, ainda antes da data de emissão constantes nos títulos de créditos, não procedendo aos pagamentos solicitados pela apelante dentro do período de 8 dias depois da emissão do cheque, agiu em violação da Lei cartular, incorrendo em responsabilidade civil.
Neste conspecto, aceitamos as conclusões de que a revogação de um cheque só produz efeito, depois de findo o prazo de apresentação a pagamento (que é de oito dias contados desde a data aposta como de emissão) vigorando o entendimento que apesar da vigência do art. 32º da Lei Uniforme Sobre Cheques, mantém-se em vigor a 2ª parte do art. 14º do Decreto nº 13004, de 12-1-1927, que dispõe que no decurso do prazo de apresentação, o sacado, não pode, sob pena de responder por perdas e danos, recusar o pagamento de cheque com fundamento em revogação. Ademais. Conforme Assento do S.T.J. de 19 de Janeiro de 2000, entende-se que durante o prazo de apresentação, a irrevogabilidade do cheque é absoluta, não admitindo excepções, nem mesmo em verificação de justa causa, como por exemplo o extravio; e, bem assim, de que na situação de cheques pré-datados por acordo das partes, o prazo de apresentação a pagamento estende-se desde o momento da entrega em mão dos cheques ao portador até ao 8º dia posterior da data aposta como de emissão, o que se compreende pois a todo o momento, independentemente da data de emissão, o cheque pode ser apresentado a pagamento, ou seja, pagável à vista, sendo irrelevante se no inicio do respectivo prazo de pagamento o cheque já se encontrava revogado.
IV – Em Consequência – Decidimos:
a) – Julgar procedente a apelação da sociedade V, Lda., revogar a douta sentença de 28 de Maio de 2009 (fls. 168/176) e condenar o B, a pagar-lhe a quantia de 52 043,93 €, a que acrescem juros de mora vencidos, à taxa legal, os quais ascendem a 2 846,02 € e dos que entretanto se vencerem até efectivo pagamento e, ainda, nas despesas de devolução no valor de 43,56 €.
b) – Condenar o B apelado nas custas.
Lisboa, 10 de Dezembro de 2009
Rui da Ponte Gomes – Juiz Relator
Luís Correia de Mendonça – 1º Juiz Adjunto
Carlos de Melo Marinho – 2º Juiz Adjunto