TESTEMUNHA
DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA
Sumário

I - A tomada de posição pela parte em face de qualquer das circunstâncias que originem a falta de comparência de testemunha por si arrolada deverá ter lugar no prazo geral de 10 dias previsto no art. 153 do CPC (a não ser que circunstâncias específicas imponham um prazo menor). No caso concreto, visto que tendo sido dado conhecimento à parte da impossibilidade de notificação da testemunha nada por ela foi oportunamente requerido com vista à concretização da mesma, à secretaria deixou de caber qualquer actividade relacionada com a notificação; a parte, querendo que a testemunha fosse inquirida deveria apresentá-la quando da audiência.
II – Se numa das sessões da audiência de discussão e julgamento a A. referiu que prescindia das testemunhas por não as querer onerar com multa, haveria que considerar que ela apenas havia prescindido das testemunhas notificadas e não das que não o haviam sido – sendo esse o sentido que um declaratário normal deduziria (arts. 295 e 236 do CC, aplicáveis à declaração em causa), visto as testemunhas não notificadas não serem condenadas em multa.
III - Não tendo sido prescindido o depoimento de uma testemunha e tratando-se de testemunha a apresentar que se encontrava presente no edifício do Tribunal quando da seguinte sessão da audiência a mesma deveria ter sido admitida a prestar depoimento.
IV - A admitir-se que havia sido antecedentemente prescindido o depoimento da testemunha tal não prejudicava a possibilidade de inquirição oficiosa, nos termos do art. 645 do CPC, não se tratando aqui de um poder discricionário do juiz, mas de um poder vinculado cujo exercício é sindicável nos termos gerais.
V – Justifica-se aquela possibilidade de inquirição oficiosa quando a parte, em requerimento por si formulado, salientara que encontrando-se a testemunha no Tribunal o seu depoimento se revelava essencial para a descoberta da verdade, sendo que da participação de acidente de viação junto aos autos – em que o autuante refere que não presenciou a ocorrência - a mesma testemunha consta como única testemunha do acidente.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
                                                                       *
I – B... intentou a presente acção declarativa com processo sumário contra «Sociedade de Construções, SA» e contra  «Companhia de Seguros, SA».
Alegou a A., em resumo:
No dia 30 de Junho de 2000, na Rua Pinheiro Chagas, em Lisboa, quando a A. circulava no seu veículo automóvel, de matrícula HD, ocorreu o rebentamento do pneu do lado esquerdo e dianteiro daquele veículo. O rebentamento foi provocado por um objecto metálico que se encontrava na via pública proveniente dos materiais de obra em curso no local e pertencente à Sociedade de Construções, S.A., a qual tinha a sua responsabilidade civil transferida para a 2ª Ré.
A A. perdeu a direcção do veículo o que a levou a embater contra um pino de betão; o veículo ficou danificado, a A. ficou privada dele durante quatro meses o que a impediu de auferir remuneração por colaboração que prestava num escritório de advogados em Torres Novas.
            Pediu a A. a condenação das RR. no pagamento da quantia de 1.106.150$00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, e ainda pelas remunerações não auferidas durante o período que esteve sem o veículo, quantias estas acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento.
            Citadas as RR. contestaram.
            O processo prosseguiu.
            Na sessão da audiência de discussão e julgamento designada para dia 12 de Abril de 2005 não se encontrava presente nem o Exº Advogado da A. nem várias testemunhas arroladas pelas partes, entre as quais a testemunha C..., sendo que da acta da referida audiência consta que pela A. foi dito que «prescindia dos depoimentos das testemunhas faltosas por si arroladas». Na sequência, por duas vezes, veio a A. requerer que aquela testemunha fosse ouvida na sessão designada para dia 26 de Abril de 2005, o que foi indeferido em dois despachos sucessivos proferidos pelo Tribunal de 1ª instância.
            Destes indeferimentos agravou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
A. Nos termos do artigo 467°, n.°2 e 619° do CPC, a Autora ora recorrente, apresentou na petição o rol de testemunhas, entre as quais se encontrava devidamente identificada a testemunha C...;
B. Única testemunha que presenciou o acidente de viação objecto de discussão da acção, conforme consta do auto de notícia elaborado pela PSP;
C. A testemunha nunca foi notificada pelo Tribunal, pois alterou a sua residência profissional;
D. Não se tratando de pessoa das relações da ora Agravante, pois, contactou circunstancialmente com a mesma no local e momento do acidente, a autora não conseguiu localizar a testemunha até ao dia 14 de Abril de 2005.
E. Na mesma data, a Autora informou e requereu ao Tribunal a inquirição da testemunha, uma vez se tratar de elemento de prova essencial para a justa decisão da causa;
F. Mas, através do Despacho de 18.04.05, de que ora se recorre, o Tribunal a quo indeferiu a diligência de prova requerida, com o fundamento de que Autora teria prescindido das testemunhas na audiência anterior;
G. O que não corresponde à verdade, na primeira sessão de julgamento realizada seis dias antes, a autora desacompanhada do seu mandatário limitara-se a prescindir das testemunhas faltosas sujeitas a multa, porque devidamente notificadas.
H. Não obstante, na 2ª sessão de julgamento o tribunal a quo voltou indeferir o pedido de inquirição formulado novamente pelo mandatário da autora com fundamento de que a mesma deveria ter excepcionado expressamente aquela testemunha.
L. Trata-se de uma testemunha essencial à justa composição do litígio, uma vez que foi a única testemunha presencial do acidente de viação.
J. O Tribunal a quo além do erro na forma como interpretou o acto da parte, renunciou sem fundamento, ao poder-dever que lhe assiste nos ternos do artigo 265°, n.°3 do CPC de realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio.
            Não foram apresentadas contra alegações.
A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo as RR. do pedido.
            Da sentença apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1 - A decisão recorrida está ferida de Nulidade por violação do princípio do contraditório e da igualdade das partes;
2- O Tribunal a quo negou-se ao cumprimento do seu poder - dever enquanto guardião do direito, da justiça, incumprindo os artigos 265°, n.°3 e 645° do CPC.
3- Uma Testemunha essencial ao apuramento dos factos, pois era a única testemunha que esteve presente no momento do acidente
4- O Tribunal a quo perante o mandatário da Autora e com a testemunha no corredor, apresentada no tribunal, negou novamente, o pedido formulado pelo mandatário de realizar a sua inquirição.
5- O Tribunal a quo negou-se ao cumprimento do seu poder - dever, incumprindo os artigos 265°, n.°3 e 645° do CPC.
6- Por várias vezes a recorrente se deslocou ao Tribunal para consultar o processo, mas o mesmo mantinha-se no gabinete e quatro anos depois o Tribunal emite finalmente a decisão que permitiu a ora apelação e a subida do Agravo.
7- Os pontos 25, 26, 27, relativos à matéria de facto da decisão não encontram qualquer correspondência com os dados constantes do processo.
8- Face ao enquadramento jurídico da situação dos autos, errou, na determinação da norma jurídica aplicável, tendo ignorado toda a matéria da responsabilidade civil pelo risco e da presunção legal de culpa inerente, cuja inversão do ónus da prova decorre das disposições legais aplicáveis.
9- O direito positivo contém o princípio geral do dever de prevenção do perigo, radicando em razões de natureza ética (neminem laedere) e no tocante à segurança rodoviária este princípio está aflorado no artigo 3°, n.°2 do Código da Estrada, ao impor o dever geral de abstenção dirigido às pessoas, apresentando-se particularizado no Dec-Lei n.° 13/71 de 23/01 (diploma legal de protecção de estradas nacionais), proibindo determinadas condutas, como o lançamento de objectos, detritos, sujidades, despejos líquidos ou sólidos, bem assim um dever geral de cuidado para os proprietários com zonas confinantes da estrada.
10- A teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa não exige a exclusividade do facto condicionante do evento, abrangendo a causalidade indirecta, na qual é suficiente que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
11-Também pelo princípio do incremento do risco deve o réu ser responsabilizado, visto que a sua actuação aumentou a produção do resultado, em comparação com o risco permitido.
12-Na decisão recorrida não foi realizado qualquer exame crítico da prova produzida e dos indícios recolhidos.
13- Na decisão foi descartado do direito civil a responsabilidade objectiva expressa e considerada há largos anos nos artigos 492°, 493° do C. Civil.
            A R. «Sociedade de Construções, SA» contra alegou nos termos de fls. 383 e seguintes.
                                                                       *
            II - O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - Entre a ora Ré e a Sociedade de Construções, S.A. foi celebrado um contrato e seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice ....
            2 - O contrato de seguro celebrado entre as RR., tem uma franquia, por sinistro, de 50.000$00, a cargo do segurado.
            3 - Antes de iniciar a construção, a Ré demoliu o edifício que lá se encontrava, obrigando-a a transportar todo o entulho.
            4 - No dia 30 de Junho do ano 2000, cerca das 19 h e 30m, na Rua ..., em Lisboa, ocorreu um acidente de viação.
            5 - Na altura estava bom tempo e o piso encontrava-se seco.
            6 - Foi interveniente neste acidente o veículo ligeiro de passageiros, marca Citroen Saxo, com a matrícula HD, propriedade da Autora.
            7 - O veículo encontrava-se em bom estado de conservação.
            8 - A Autora conduzia em marcha lenta.
            9 - O cruzamento em causa obriga à paragem dos veículos para a verificação da possibilidade de avançar.
            10 - No momento em que a Autora mudava de direcção e iniciava a marcha, o pneu do lado esquerdo e dianteiro do veículo rebentou.
            11 - Em virtude do rebentamento o veículo entrou em derrapagem.
            12 - A Autora perdeu a direcção do veículo.
            13 - O que a levou a embater contra um pino de betão existente na placa central da Rua ....
            14 - O rebentamento do pneu deveu-se a um objecto metálico que se encontrava na via.
            15 - À data em que ocorreu o acidente era a única obra existente na Rua ... e nas imediações do local.
            16 - O veículo da Autora ficou imobilizado de imediato.
            17 - O embate contra o pilar deu-se por baixo e na frente do veículo.
            18 - O que provocou grandes estragos na mecânica do mesmo.
            19 - Na última quinzena do mês de Julho, todas as tarde os camiões abastecedores da obra descarregavam materiais no local.
            20 - Assim como máquinas escavadoras e de tiragem de entulho que ali realizavam manobras.
            21 - Foi ordenada a peritagem ao veículo e orçamentados os estragos no veículo no valor de Esc. 706.150$00.
            22 - O método que a Ré utiliza para limpar as vias em redor da obra consiste no funcionário que com uma vassoura recolhe os materiais que se encontram na via.
            23 - Na altura do acidente, a Autora prestava colaboração no escritório de advogados em Torres Novas desde Janeiro.
            24 - A Autora ficou privada do seu veículo durante algum tempo.
            25 - A Ré tem em permanência pessoal afecto à limpeza da via publica de algum objecto que aí caía.
            26 - A obra da Ré tem protecções para evitar que qualquer objecto caia na via pública.
            27 - Sempre que alguma máquina ou camião carrega ou descarrega materiais, entulhos ou quaisquer outros objectos relacionados com a obra, toda a área envolvente, que inclui a via publica é imediatamente limpa.
                                                                       *
            III - Dispõe o nº 1 do art. 710 do CPC que a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição (embora os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só sejam apreciados se a sentença não for confirmada).
A A./apelante havia interposto recurso de agravo dos despachos proferidos em 18-4-2005 e em 26-4-2005 (consoante expressamente esclareceu quer no requerimento de interposição de recurso quer na alegação do mesmo) despachos que não admitiram a prestação de depoimento de uma testemunha, havendo que desse recurso conhecer, antes de mais, seguindo-se, então, a apelação da sentença final, caso o seu conhecimento não resulte prejudicado. Considerando que, atento o disposto nos arts. 684, nº 3, 690, nº 1, e 660, nº 2, todos do CPC, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, no assinalado agravo a questão colocada reconduz-se a verificarmos se a testemunha C... deveria ter sido admitida a prestar depoimento.
                                                           *
IV – 1 - Com interesse para a decisão do agravo haverá que salientar as seguintes ocorrências no decurso do processo:
1 – Na p.i. apresentada a A. arrolou como testemunha «C..., comerciante, com Estabelecimento na Rua ..., Lisboa».
2 – Tendo sido designado para a audiência de discussão e julgamento o dia 26-5-2004 a carta enviada para notificação daquela testemunha foi devolvida com a indicação dos CTT de endereço inexistente (fls.165).
3 – De tal circunstância foi notificado o mandatário da A. por carta de 11-3-2004 (fls.168) sendo que nada requereu no processo.
4 – No dia 26-5-2004 a audiência foi adiada para o dia 30-9-2004 por não se encontrar presente o mandatário da R. o qual comunicara a sua impossibilidade de comparência (fls. 177).
5 – À testemunha C... foi novamente enviada carta para notificação – em 27-5-2004 – a qual veio devolvida com indicação de que o nº 30 da referida artéria não existe e que pelo nome é desconhecido (fls. 191).
6 - De tal circunstância foi notificado o mandatário da A. por carta de 3-6-2004 (fls.195) sendo que nada requereu no processo.
7 – No dia 30-9-2004, não se encontrando presente nem o mandatário da A. nem a testemunha acima referida, a diligência foi suspensa atenta a possibilidade de realização de acordo.
8 – A audiência veio a ser agendada para 12-4-2005 e novamente enviada carta para notificação da testemunha para a mesma morada - em 26-1-2005 - a carta foi devolvida com indicação de que o nº 30 da referida artéria não existe (fls. 225).
9 - De tal circunstância foi notificado o mandatário da A. por carta de 4-2-2005 (fls. 226) sendo que nada requereu no processo até à data da audiência.
10 – Da acta da audiência de discussão e julgamento de 12-4-2005, consta que iniciada a diligência e não estando presente o mandatário da A. por esta «foi requerida a palavra, no uso da qual disse que prescindia dos depoimentos das testemunhas faltosas por si arroladas».
11 – Tendo naquela sessão da audiência sido inquiridas as testemunhas, face à falta do mandatário da A. a audiência foi suspensa para continuar no dia 26-4-2005 (fls. 229-231).
12 – Com carimbo de entrada em juízo de 13-4-2005 (mas data de «fax» de 11-4-2005) foi junto aos autos um «fax» subscrito pelo mandatário da A. em que esta requer que na próxima sessão de julgamento marcada para o dia 26-4-2005 seja ouvida a testemunha C... «uma vez que só agora foi encontrado o seu paradeiro».
13 – Com data de 18-4-2005 foi proferido despacho indeferindo o requerido «atento que a testemunha foi prescindida na audiência de julgamento» (fls. 240), do que o mandatário da A. foi notificado em 26-4-2005 (fls. 241).
14 – Na sessão da audiência de 26-4-2005 o mandatário da A. formulou requerimento em que referiu que o despacho mencionado em 13) se baseava num equívoco uma vez que a A. quando prescindiu das testemunhas faltosas se referiu unicamente às notificadas e não a esta testemunha que não estava notificada por não ter sido encontrada, requerendo que se procedesse à reparação desse despacho, uma vez que a testemunha fora encontrada pela A., e aludindo, ainda, a que encontrando-se a mesma no Tribunal o seu depoimento se revelava fundamental para a descoberta da verdade.
15 – O mandatário da R. «Sociedade de Construções, SA» opôs-se à inquirição.
16 - Foi proferido despacho mantendo o anteriormente proferido, despacho em que nomeadamente se diz: «Pelo que, resulta no entanto, que a Autora quando se pronunciou, na anterior sessão de julgamento, sobre as testemunhas em falta, a mesma referiu que prescindia daquelas porque não as queria onerar com multa, não tendo feito qualquer excepção quanto às que se encontravam notificadas ou não» (fls. 243).
                                                           *
IV – 2 - Da sequência de factos acima enunciada resulta que a testemunha C... não chegou a ser notificada para qualquer das três datas para as quais a audiência de discussão e julgamento foi sucessivamente designada – respectivamente 26-5-2004, 30-9-2004 e 12-4-2005 – sendo as cartas de notificação sempre devolvidas por inexistência do local para que haviam sido endereçadas ou menção equivalente. Resulta, também, que a A. – parte que a ofereceu – a quem tempestivamente foi dado conhecimento das devoluções, não chegou a formular qualquer requerimento em face das mesmas.
Nos termos do nº 3 do art. 629 do CPC, «no caso da parte não prescindir de alguma testemunha faltosa, observar-se-á o seguinte:
a) Se ocorrer impossibilidade definitiva para depor, posterior à sua indicação, a parte tem a faculdade de a substituir;
b) Se a impossibilidade for meramente temporária ou a testemunha tiver mudado de residência depois de oferecida, bem como se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido, ou se deixar de comparecer por outro impedimento legítimo, a parte pode substituí-la ou requerer o adiamento da inquirição pelo prazo que se afigure indispensável, nunca excedente a 30 dias;
c) Se faltar sem motivo justificado e não for encontrada para vir depor nos termos do número seguinte, pode ser substituída».
A expressão «se não tiver sido notificada, devendo tê-lo sido» foi escrita para excluir a hipótese de a parte se ter comprometido a apresentar a testemunha ([1]). Assim, a lei parece querer englobar na noção de «testemunha faltosa» também aquela que não compareceu porque não foi notificada; «testemunha faltosa» seria a «testemunha que não tivesse comparecido».
 A tomada de posição pela parte em face de qualquer das circunstâncias que originem a falta de comparência da testemunha por si arrolada deverá ter lugar no prazo geral de 10 dias previsto no art. 153 do CPC, a não ser que circunstâncias específicas imponham um prazo menor ([2]). O que não sucedeu no caso concreto, visto que face à não notificação da testemunha nada foi oportunamente requerido.
Afigura-se que, assim, não tendo a parte formulado oportunamente qualquer requerimento com vista à notificação da testemunha, à secretaria deixou de caber qualquer actividade relacionada com a mesma; a parte, querendo que a testemunha fosse inquirida deveria apresentá-la quando da audiência.
No início da audiência de discussão e julgamento designada para 12-4-2005 a A. – e a A. é advogada, como se evidencia pela circunstância de ter subscrito as alegações do recurso de apelação, sendo aliás, o que já resultava da procuração por si junta aos autos a fls. 34 – requereu a palavra «no uso da qual disse que prescindia dos depoimentos das testemunhas faltosas por si arroladas».
Consoante resulta do nº 2 do art. 619 do CPC a parte pode desistir a todo o tempo da inquirição de testemunhas que tenha oferecido – pode prescindir dos depoimentos respectivos. Isto, sem prejuízo da possibilidade de inquirição oficiosa, nos termos do art. 645 do mesmo Código.
A testemunha C... era uma das «testemunhas faltosas», atenta a terminologia utilizada no art. 629 do CPC e acima referida, muito embora a sua falta de comparência se devesse à falta de notificação (e subsequente falta de tomada de posição pela parte que, assim, se sujeitou a apresentá-la), e por isso, não estivesse sujeito a qualquer sanção.
Todavia, a A., na declaração ditada para a acta e dela constante não especificou que apenas prescindia das testemunhas «notificadas», abrangendo antes a sua declaração, tal como consta da mesma acta, dada o respectivo âmbito, todas as testemunhas que não estavam presentes e por si haviam sido arroladas. A motivação da A. teria sido a de evitar a condenação em multa das testemunhas notificadas – contudo, do requerimento feito para a acta naquele dia 12-4-2005, tal como dela resulta, não consta qualquer elemento que leve à distinção entre testemunhas notificadas e não notificadas.
Pelo que, nestas circunstâncias, numa primeira abordagem, se afiguraria correcto, atentos os termos constantes do processo, o despacho de indeferimento de fls. 240, proferido em 18-4-2005.
Todavia, esta perspectiva não se coaduna com o parágrafo do sequente despacho de fls. 243 em que se diz: «Pelo que, resulta no entanto, que a Autora quando se pronunciou, na anterior sessão de julgamento, sobre as testemunhas em falta, a mesma referiu que prescindia daquelas porque não as queria onerar com multa, não tendo feito qualquer excepção quanto às que se encontravam notificadas ou não».
O teor deste parágrafo, aliás, não faz muito sentido. É que se efectivamente a A. referiu que prescindia das testemunhas por não as querer onerar com multa – condicionante que não consta da acta de fls. 229 a qual, assim, deveria ter sido corrigida – não teria que fazer excepção às testemunhas não notificadas, porque a falta destas não era passível de multa. E, nesse circunstancialismo, sendo essa e naquela ocasião a declaração da A., haveria que considerar que ela apenas havia prescindido das testemunhas notificadas e não da testemunha C...., que não o havia sido – sendo esse o sentido que um declaratário normal deduziria (arts. 295 e 236 do CC, aplicáveis à declaração em causa).
Não tendo sido prescindido o depoimento da testemunha e tratando-se de testemunha a apresentar, que se encontrava presente no edifício do Tribunal quando da sessão de 26-4-2005 (quando ainda não fora concedida a palavra para alegações aos mandatários das partes) a mesma deveria ter sido admitida a  prestar depoimento.
                                                           *
IV – 3 - No requerimento de fls. 242 a A. baseou-se em outro fundamento que não apenas o que já havia mencionado no requerimento de fls. 233: o de encontrando-se a testemunha no Tribunal o seu depoimento se revelar essencial para a descoberta da verdade.
            E nas conclusões do agravo interposto salientou tratar-se de uma testemunha essencial à justa composição do litígio, uma vez que foi a única testemunha presencial do acidente de viação, tendo o Tribunal a quo renunciado sem fundamento, ao poder-dever que lhe assiste nos termos do art. 265, n°3 do CPC de realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio. Sendo que no corpo da alegação de recurso fez menção ao disposto no art. 645 do CPC.
            Vejamos.
            A admitir-se que a A. havia prescindido do depoimento da testemunha – o que, face ao acima exposto, se revela inexacto – a antecedente desistência da inquirição pela parte não prejudicava a possibilidade de inquirição oficiosa, nos termos do art. 645 (nº 2 do art. 619 do CPC).
O art. 645 prevê a situação em haja razões para presumir que determinada pessoa tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, circunstância em que o juiz deve ordenar que seja notificada para depor. Trata-se de uma especificação do princípio genericamente prevenido no nº 3 do art. 265 do mesmo Código que faz incumbir ao «juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
Desde que haja elementos do processo que levem a crer que esse conhecimento mencionado no art. 645 existe – sendo que qualquer meio probatório, como, por exemplo, um documento, pode servir de veículo de transmissão desse conhecimento – tal é suficiente para que, considerando a relevância dos factos para a decisão da causa, o depoimento seja ordenado. Sublinhe-se que o juiz não tem aqui um poder discricionário, mas um poder vinculado, sendo o seu exercício (ou não exercício) sindicável nos termos gerais ([3]).
A A, no requerimento formulado na audiência de discussão e julgamento referiu que encontrando-se a testemunha no Tribunal o seu depoimento se revelava essencial para a descoberta da verdade.
Da participação de acidente de viação que se encontra documentada a fls. 22-23 consta como única testemunha do acidente C....
            Da conjugação destes elementos afigura-se que, mesmo no caso de o depoimento da testemunha haver sido anteriormente dispensado pela parte, o Tribunal, utilizando o poder-dever a que temos feito referência, deveria ter ordenado que a testemunha prestasse depoimento, tendo em conta o facto de ser a única testemunha referida pelo autuante na participação de acidente de viação (em que o autuante menciona que não presenciou o acidente).
            Pelo que, também nesta outra perspectiva – subsidiária ou adjuvante – se entende que a testemunha deveria ter sido admitida a depor.
Assim, decide-se pelo provimento do agravo – o que prejudica o subsequente conhecimento do objecto da apelação, em que a apelante, designadamente, volta a referir que o Tribunal se negou ao cumprimento do seu poder-dever quanto à inquirição da testemunha, incumprindo os arts. 265, nº 3 e 645 do CPC.
                                                                       *
V – Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogando os despachos recorridos, sendo estes substituídos por decisão que admite a prestação de depoimento pela testemunha C...; no que concerne ao recurso de apelação dele não conhecem por ter resultado prejudicado o seu objecto com a decisão sobre o recurso de agravo.
            Custas do agravo pela agravada «Sociedade de Construções, SA».
                                                                       *
Lisboa, 10 de Dezembro de 2009
Maria José Mouro
Neto Neves
Teresa Albuquerque

[1]              Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado», vol. IV, pag. 398.
[2]              Ver, a propósito, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, «Código de Processo Civil Anotado», II vol, pag. 557.
[3]              Nesse sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, obra citada, pag. 599-600 e, também, Lopes do Rego, «Comentários ao Código de Processo Civil», pag. 425.