Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Sumário
I- Para que seja legítimo o recurso ao arresto,é necessário que concorram duas circunstâncias condicionantes : 1- A aparência da existência de um direito ; 2- O perigo da insatisfação desse direito. II- Para preenchimento do primeira circunstância, não é necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumus boni juris”, ou seja, que o direito se apresente como verosímil. III- O receio de insatisfação do crédito tem de ser justificado, fundamentado, apoiado em factos objectivos e concretos que façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, não sendo necessário que a perda da garantia patrimonial se torne efectiva com a demora.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :
I – Relatório
a) “A – Companhia de Seguros, S.A.”, nos autos de arresto instaurados contra “B”, recorre da decisão proferida no processo, que julgou improcedente por não provado o procedimento cautelar que aquela intentou contra este, absolvendo-o da providência requerida.
Nas suas alegações a recorrente conclui o seguinte :
“1- A ora recorrente não se conforma com a douta Sentença ora recorrida, que julga improcedente a providência cautelar de arresto por si interposta.
2- O art. 407º n.º 1 do CPC estabelece apenas dois requisitos, que são condição sine qua non para que se possa processar o arresto dos bens do requerido : a aparência do direito e o perigo de insatisfação desse direito.
3- Na modesta opinião da ora recorrente os dois requisitos necessários à procedência do arresto encontram-se devidamente preenchidos na providência.
4- Na fundamentação da decisão o meritíssimo Juiz “a quo” dá como indiciariamente apurados os seguintes factos :
“A)
A requerente celebrou com o requerido um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice ..., o qual transmitiu para si a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula R0-00-00 (conforme alínea F) dos factos assentes do despacho de condensação da acção principal).
B)
Enquanto vigorava o contrato de seguro, no dia 25 de Novembro de 2001, pelas 2 horas, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. Cidade do Porto com a Av. Cidade de Berlim, no qual foram intervenientes o veículo seguro, conduzido pelo requerido, e o veículo com a matrícula X0-00-00, conduzido por “C”, e no qual eram transportados como ocupantes “D”, “E” e “F” (conforme alínea A) dos factos assentes do despacho de condensação da acção principal).
C)
O veículo seguro, conduzido pelo requerido, circulava na Av. Cidade do Porto, na fila do meio, sentido Sul/Norte (conforme alínea B) dos factos assentes do despacho de condensação da acção principal).
D)
O veículo de matrícula X0-00-00 circulava na Av. Cidade de Berlim, no sentido Nascente/Poente (conforme alínea C) dos factos assentes do despacho de condensação da acção principal).
E)
Em ambos os sentidos, existia sinalização semafórica, estando ambas a funcionar com a luz amarela intermitente (conforme alínea D) dos factos assentes do despacho de condensação da acção principal).
F)
A requerente pagou aos sinistrados uma indemnização no valor de 31.004,67€, conforme recibos de fls. 10 a 53 do processo principal.
G)
Das análises efectuadas à urina, após o acidente, resultou que o Requerido acusou a presença de psicotrópicos, nomeadamente canabinoides e benzoilecgonina, conforme documentos do fls. 7 e 8.
H)
Na acção principal, a requerente e o requerido celebraram transacção no valor de 25.000,00€, sendo que, como o mandatário do requerido não possuía poderes especiais para transigir, o tribunal, não logrou notificar o requerido, tendo sido dada sem efeito a sentença homologatória, conforme despacho de fls. 292 do processo principal.
I)
Após partilha subsequente a divorcio, o Requerido deixou de ter na sua propriedade o imóvel sito na Rua do ... em, local onde ainda hoje reside, que passou a fazer parte do património da sua ex-mulher, com a qual veio, passado cerca de oito meses, novamente a casar, desta feita no regime de separação de bens, conforme documentos de fls. 9 e 10.
J)
Encontra-se registada a favor do Requerido a propriedade dos veículos da marca M..., de matrícula Z0-00-00 e da marca A..., de matrícula A0-00-00, com reserva de propriedade a favor da “G – Instituição Financeira de Crédito, S.A”, conforme documentos de fls. 11 e 12.”
5- Decidiu-se na douta sentença ora recorrida que “Volvendo ao caso dos autos, verificamos que não estão preenchidos todos os pressupostos do direito de regresso da Requerente sobre o Requerido, com base no artigo 19º, alínea c), do contrato de seguro, relativamente a todas as quantias pagas.”
6- A verdade é que para a providência cautelar ser procedente não é necessário que se preencham todos os pressupostos do direito de regresso, isso apenas se exige na procedência da acção principal. Nas providências cautelares o que se exige é a aparência da existência do direito.
7- E no presente caso a aparência do direito está sobejamente preenchida, uma vez que ficaram demonstrados :
-os contornos da ocorrência do acidente, e neste campo discorda-se inteiramente da opinião do meritíssimo juiz quando julgou que não está demonstrado que o condutor do veículo de matrícula X0-00-00 se apresentava pela direita atento o sentido de marcha do requerido, porquanto tal facto decorre necessariamente da análise do Croquis do Auto de Ocorrência junto à acção principal ;
-a presença de psicotrópicos (canabinoides e benzoilecgonina) na urina do recorrido a qual foi analisada/retirada imediatamente após a ocorrência do acidente ;
-a indemnização paga pela ora recorrente em sequência da verificação do acidente ;
-a existência de uma transacção no âmbito do processo principal, na qual o recorrido assumiu ser devedor para com a ora recorrente da quantia de 25.000,00€ (veja-se que a ora recorrente apenas decaia em cerca de 6.000,00€ do seu pedido, o que decorre do facto de estaremos no âmbito de uma transacção em que ambas as partes cedem) ainda que a mesma não tenho sido possível de ser aposta ao recorrido devido a dificuldades na notificação e ao mandatário não possuir poderes especiais para transigir.
8- Em cumprimento do art. 407º n.º 1 do CPC o juiz não poderá exigir, na prova da existência do direito do requerente, o mesmo grau de convicção que naturalmente se requer na prova dos fundamentos da acção principal.
9- O Tribunal apenas deve verificar se é provável a existência desse crédito motivo pelo qual em lugar da prova do direito, o juiz deverá contentar-se com uma probabilidade séria da existência do direito.
10- Relativamente ao requisito do justificado receio da perda da garantia patrimonial, decidiu o meritíssimo juiz do tribunal a quo não se pronunciar.
11- Considera a ora recorrente que também nesta questão andou mal o tribunal à quo, tendo omitido a sua pronúncia sobre uma elemento essencial ao andamento da providência, sendo certo que possuía todos os elementos necessários à decisão.
12- Não obstante, pode este douto Tribunal de recurso decidir também acerca do preenchimento deste pressuposto, uma vez que constam do processo e da sentença todos os elementos necessários à análise deste requisito.
13- Da conjugação dos pontos H), I) e J) que foram dados como indiciariamente apurados na douta sentença, fica justificado, num grau de probabilidade, o justo receio da ora recorrente em não conseguir satisfazer o seu crédito.
14- O facto de o recorrido se ter divorciado da sua esposa, com a qual, passados apenas cerca de oito meses, voltou novamente a casar, desta feita no regime da separação de bens, sendo que após este divórcio os bens que eram comuns do casal passaram para o património da sua esposa, nomeadamente o imóvel sito na Rua do ..., em, no qual ainda hoje o requerido reside não deve passar em branco neste douto tribunal.
15- Acresce a conduta do ora recorrido relativamente ao acordo que se havia alcançado. Efectivamente, o mesmo não chegou a fazer efeitos quanto ao requerido pelo facto de o mandatário não possuir poderes especiais para transigir, mas não menos verdade foram as dificuldades que o recorrido impôs na sua notificação. Veja-se que até à data da notificação da transacção nunca antes tinham existido dificuldades na notificação ou citação do então réu ora recorrido.
Nestes termos nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve a douta sentença ser revogada e em consequência ser decretado o arresto requerido como é de inteira e sã Justiça !”.
b) Na decisão ora sob recurso consta o seguinte :
“I -Relatório
Por apenso à acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, que a “A – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede na Av. Duque de Ávila, nº 171, em Lisboa, intentou contra “B”, residente na Rua do ...,, , a Requerente intentou o presente procedimento cautelar contra o Requerido, requerendo o arresto dos veículos da marca M..., de matrícula Z0-00-00 e da marca A..., de matrícula A0-00-00.
Alega, em suma, que:
-A Requerente celebrou com o Requerido um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice ..., o qual transmitiu para si a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula R0-00-00, conforme alínea F) dos Factos Assentes;
-Enquanto vigorava o contrato de seguro, no dia 25 de Novembro de 2001, pelas 2 horas, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. Cidade do Porto com a Av. Cidade de Berlim, no qual foram intervenientes o veículo seguro, conduzido pelo Requerido, e o veículo com a matrícula X0-00-00, conduzido por “C”, e no qual eram transportados como ocupantes “D”, “E” e “F”;
-O condutor do veículo de matrícula X0-00-00 apresentava-se pela direita atento o sentido de marcha do Requerido;
-Contudo, chegado ao cruzamento, o Requerido não reduziu a velocidade a que circulava, e que se estima em 100 Km/hora, não cedendo a passagem àquele veículo, indo embater com a frente do seu veículo na lateral esquerda do veículo de matrícula X0-00-00;
-Em cumprimento do contrato de seguro, a Requerente procedeu à reparação dos danos causados pelo acidente, tendo despendido a quantia global de 31.004,67€;
-No momento do acidente, o Requerido conduzia sob o efeito de psicotrópicos, nomeadamente canabinoides e benzoilecgonina;
-Nos termos do artigo 19º, alínea c), do contrato de seguro, a Requerente tem direito de regresso sobre o Requerido relativamente a todas as quantias pagas, motivo pelo qual intentou a acção principal;
-Não obstante a acção principal estar a correr, a Requerente possui fundados receios de que o Requerido possa dissipar o seu património, perdendo a garantia patrimonial do seu crédito;
-Na acção principal, o Requerido celebrou uma transacção, no valor de 25.000,00€;
-Verificando-se que o mandatário do Requerido não possuía poderes especiais para transigir, o Tribunal não logrou notificar o Requerido;
-Após partilha subsequente a divórcio, o Requerido deixou de ter na sua propriedade o imóvel sito na Rua do ..., em, local onde ainda hoje reside, que passou a fazer parte do património da sua ex-mulher, com a qual veio, passado cerca de oito meses, novamente a casar, desta feita no regime da separação de bens;
-Que o Requerente tenha conhecimento, o Requerido apenas possui como bens no seu património os veículos automóveis supra descritos.
II -Saneamento
O Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e dispõem de legitimidade.
Não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III -Fundamentação
Ficaram indiciariamente apurados os seguintes factos:
A) A Requerente celebrou com o Requerido um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice ..., o qual transmitiu para si a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula R0-00-00 (conforme alínea F) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
B) Enquanto vigorava o contrato de seguro, no dia 25 de Novembro de 2001, pelas 2 horas, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. Cidade do Porto com a Av. Cidade de Berlim, no qual foram intervenientes o veículo seguro, conduzido pelo Requerido, e o veículo com a matrícula X0-00-00, conduzido por “C”, e no qual eram transportados como ocupantes “D”, “E” e “F” (conforme alínea A) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
C) O veículo seguro, conduzido pelo Requerido, circulava na Av. Cidade do Porto, na fila do meio, sentido Sul/Norte (conforme alínea B) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
D) O veículo de matrícula X0-00-00 circulava na Av. de Berlim, no sentido Nascente/Poente (conforme alínea C) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
E) Em ambos os sentidos, existia sinalização semafórica, estando ambas a funcionar com a luz amarela intermitente (conforme alínea D) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
F) A Requerente pagou aos sinistrados uma indemnização no valor de 31.004,67€, conforme recibos de fls. 10 a 53 do processo principal.
G) Das análises efectuadas à urina, após o acidente, resultou que o Requerido acusou a presença de psicotrópicos, nomeadamente canabinoides e benzoilecgonina, conforme documentos de fls. 7 e 8.
H) Na acção principal, a Requerente e o Requerido celebraram uma transacção, no valor de 25.000,00€, sendo que, como o mandatário do Requerido não possuía poderes especiais para transigir, o Tribunal não logrou notificar o Requerido, tendo sido dada sem efeito a sentença homologatória, conforme despacho de fls. 292 do processo principal.
I) Após partilha subsequente a divórcio, o Requerido deixou de ter na sua propriedade o imóvel sito na Rua do ..., em, local onde ainda hoje reside, que passou a fazer parte do património da sua ex-mulher, com a qual veio, passado cerca de oito meses, novamente a casar, desta feita no regime da separação de bens, conforme documentos de fls. 9 e 10.
J) Encontra-se registada a favor do Requerido a propriedade dos veículos da marca M..., de matrícula Z0-00-00 e da marca A..., de matrícula A0-00-00, com reserva de propriedade a favor da “G – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, conforme documentos de fls. 11 e 12.
Não resulta de prova documental, nem está demonstrado na acção principal que:
-o condutor do veículo de matrícula X0-00-00 apresentava-se pela direita atento o sentido de marcha do Requerido;
-contudo, chegado ao cruzamento, o Requerido não reduziu a velocidade a que circulava, e que se estima em 100 Km/hora, não cedendo a passagem àquele veículo, indo embater com a frente do seu veículo na lateral esquerda do veículo de matrícula X0-00-00;
-o acidente ocorreu quando o Requerido conduzia sob o efeito das substâncias descritas na alínea G).
O Direito
O procedimento cautelar, como processo instrumental -no sentido de que pressupõe uma acção principal, a instaurar ou já instaurada -visa assegurar a tutela efectiva do direito, prevenindo os perigos da natural demora da causa de que é dependência.
No elenco dos procedimentos cautelares conta-se o arresto, que consiste numa apreensão judicial de bens do devedor, a que são aplicáveis, genericamente, as disposições relativas à penhora (artigo 622º do Código Civil e artigo 406º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O arresto, como providência cautelar que é, “visa impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere, de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica” (cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pg. 23).
O arresto pode ser requerido pelo credor “que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito”(artigo 406º, nº 1, do C.P.C.).
O legislador processual veio expressamente consagrar a admissibilidade da instauração do procedimento cautelar de arresto, quer como incidente, quer como preliminar de uma acção executiva –artigos 383º, n.º 1 e 392º do CPC.
Para além da já aludida consagração legal de tal admissibilidade, sempre se dirá ser esta manifestamente justificável, como meio de obviar a uma incobrabilidade futura do crédito de que seja titular o requerente da providência – artigo 601º do CC.
Constituem requisitos indispensáveis ao decretamento do arresto:
-a titularidade de um crédito do requerente sobre o requerido; e
-o justo receio da perda da garantia patrimonial por parte do credor - artigos 406º, n.º 1 do CPC e 619º, n.º 1 do CC.
Ora, no que respeita à existência do referido crédito, o legislador prescindiu da prova da sua certeza, bastando-se com a mera verificação da probabilidade da existência do mesmo – artigo 407º, n.º 1 do CPC -, atento o carácter de simples verosimilhança que preside à averiguação da existência do direito que o requerente pretende ver protegido através do decretamento de toda e qualquer providência cautelar – vide “Lições de Processo Civil” do Prof. Anselmo de Castro, vol. I, pág. 242.
Volvendo ao caso dos autos, verificamos que não estão preenchidos todos os pressupostos do direito de regresso da Requerente sobre o Requerido, com base no artigo 19º, alínea c), do contrato de seguro, relativamente a todas as quantias pagas.
Com efeito, sem prova testemunhal, não se pode extrair ilações acerca do modo como ocorreu o acidente e à forma como as substâncias detectadas na urina do Requerido afectaram a sua condução.
Não é pelo facto de nos bastarmos com o carácter simples da verosimilhança que nos permite dispensar um mínimo de segurança na decisão pelo decretamento da providência. Havia que demonstrar todos requisitos previstos no artigo 483º do Código Civil.
Consideramos, pois, que não está demonstrado o crédito indemnizatório da Requerente.
Caindo por terra o requisito da aparência do crédito, é desnecessário apreciarmos o requisito do receio justificado da perda de garantia patrimonial da Requerente.
Em face do exposto, o presente procedimento cautelar deve improceder.
IV -Decisão
Pelos fundamentos de facto e de Direito explanados, julgo improcedente por não provado o procedimento cautelar que “A – Companhia de Seguros, S.A.” intentou contra “B” e, em consequência, absolvo-o da providência requerida.
Custas pela Requerente”.
c) Não houve contra-alegações.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto provada a considerar, tal como consta da decisão recorrida, é a seguinte :
A) A Requerente celebrou com o Requerido um contrato de seguro do Ramo Automóvel, titulado pela apólice ..., o qual transmitiu para si a responsabilidade civil pelos danos decorrentes da circulação do veículo de matrícula R0-00-00 (conforme alínea F) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
B) Enquanto vigorava o contrato de seguro, no dia 25 de Novembro de 2001, pelas 2 horas, ocorreu um acidente de viação no cruzamento da Av. Cidade do Porto com a Av. Cidade de Berlim, no qual foram intervenientes o veículo seguro, conduzido pelo Requerido, e o veículo com a matrícula X0-00-00, conduzido por “C”, e no qual eram transportados como ocupantes “D”, “E” e “F” (conforme alínea A) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
C) O veículo seguro, conduzido pelo Requerido, circulava na Av. Cidade do Porto, na fila do meio, sentido Sul/Norte (conforme alínea B) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
D) O veículo de matrícula X0-00-00 circulava na Av. de Berlim, no sentido Nascente/Poente (conforme alínea C) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
E) Em ambos os sentidos, existia sinalização semafórica, estando ambas a funcionar com a luz amarela intermitente (conforme alínea D) dos Factos Assentes do despacho de condensação da acção principal).
F) A Requerente pagou aos sinistrados uma indemnização no valor de 31.004,67 €, conforme recibos de fls. 10 a 53 do processo principal.
G) Das análises efectuadas à urina, após o acidente, resultou que o Requerido acusou a presença de psicotrópicos, nomeadamente canabinoides e benzoilecgonina, conforme documentos de fls. 7 e 8.
H) Na acção principal, a Requerente e o Requerido celebraram uma transacção, no valor de 25.000,00 €, sendo que, como o mandatário do Requerido não possuía poderes especiais para transigir, o Tribunal não logrou notificar o Requerido, tendo sido dada sem efeito a sentença homologatória, conforme despacho de fls. 292 do processo principal.
I) Após partilha subsequente a divórcio, o Requerido deixou de ter na sua propriedade o imóvel sito na Rua do ..., em, local onde ainda hoje reside, que passou a fazer parte do património da sua ex-mulher, com a qual veio, passado cerca de oito meses, novamente a casar, desta feita no regime da separação de bens, conforme documentos de fls. 9 e 10.
J) Encontra-se registada a favor do Requerido a propriedade dos veículos da marca M..., de matrícula Z0-00-00 e da marca A..., de matrícula A0-00-00, com reserva de propriedade a favor da “G – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”, conforme documentos de fls. 11 e 12.
O Tribunal “a quo” indicou como não estando provados na acção principal que :
1) O condutor do veículo de matrícula X0-00-00 se apresentava pela direita atento o sentido de marcha do Requerido.
2) Contudo, chegado ao cruzamento, o Requerido não reduziu a velocidade a que circulava, e que se estima em 100 Km/hora, não cedendo a passagem àquele veículo, indo embater com a frente do seu veículo na lateral esquerda do veículo de matrícula X0-00-00.
3) O acidente ocorreu quando o Requerido conduzia sob o efeito das substâncias descritas na alínea G).
b) Como resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação da recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação da recorrente as questões em recurso são :
-Verifica-se ou não a “aparência do direito” de crédito por ela invocado ?
-Em caso afirmativo, existe, também, o justificado receio de perda da garantia patrimonial ?
c) Estamos “in casu” perante um procedimento cautelar de arresto
O arresto é entendido como um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores, consistindo “numa apreensão judicial (preliminar) de bens destinados a assegurar o cumprimento da obrigação. É uma medida de carácter preventivo tendente a evitar a insatisfação do direito de um credor, por se recear, fundadamente, a perda de garantia patrimonial do crédito” (cf. Mota Pinto, Parecer, Col. Ano X, Tomo III, pg. 49).
O artº 619º nº1 do Código Civil dispõe que “o credor que tenha receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei do processo”.
Por outro lado, resulta do estatuído nos artºs. 406º nº 1 e 407º nº 1 do Código de Processo Civil que o arresto deve ser decretado se, através do mecanismo sumário, próprio dos procedimentos cautelares, for de concluir pela probabilidade séria da existência do crédito e pelo receio da perda da garantia patrimonial.
Mas, para que seja legítimo o recurso a este meio conservatório da garantia patrimonial é necessário que concorram duas circunstâncias condicionantes :
1- A aparência da existência de um direito.
2- O perigo da insatisfação desse direito.
d) Quanto à primeira das supra mencionadas questões (verifica-se ou não a “aparência do direito” de crédito invocado pela recorrente ?) :
Entendeu o Tribunal “a quo” que não está demonstrada a existência de qualquer crédito da recorrente sobre o recorrido, uma vez que não se mostram preenchidos todos os pressupostos do direito de regresso da recorrente sobre o recorrido, com base no artº 19º al. c) do contrato de seguro. Ou seja, perante tal, não está demonstrado o crédito indemnizatório da recorrente.
O certo é que não é necessário que o direito esteja plenamente comprovado, mas apenas que dele exista um mero “fumus boni juris”, ou seja, que o direito se apresente como verosímil.
Existirá, no caso em apreço, esse direito ?
Ora, de acordo com o já mencionado artº 19º al. c) do contrato de seguro (que decalca o artº 19º al. c) do Decreto-Lei nº 522/85 de 31/12, bem como o artº 27º nº 1, al. c) do Decreto-Lei nº 291/2007 de 21/8), segundo o qual “satisfeita a indemnização, a seguradora apenas tem direito de regresso : (…) c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandono de sinistrado”.
Face à matéria da alínea c), acima indicada, muita jurisprudência se produziu, com variantes em certos aspectos, algumas muito específicas, tudo revelando a dificuldade de um consenso sobre a melhor interpretação a seguir nesta matéria.
Apesar das várias correntes jurisprudenciais, três vingaram como sendo as principais e que eram :
1ª- O reembolso pela seguradora é sempre devido porque representa o desvalor da acção, uma vez que o risco contratualmente assumido não se compadece com condutores que agem sob o efeito do álcool e que preconiza o efeito automático da existência do direito de regresso
2ª- A seguradora só tem direito de regresso se provar que o sinistro foi causado pela taxa de alcoolemia de que o condutor era portador.
3ª- O direito de regresso só existe se a situação de alcoolemia for causa do acidente, embora tal relação seja de presumir nos termos do nº 2 do artº 1º da Lei nº 3/82, do artº 350º do Código Civil e do artº 81º do Código da Estrada.
Estas, no essencial, as posições defendidas, em busca da melhor interpretação a dar ao preceito acima referido.
O Acórdão de uniformização de jurisprudência nº 6/2002, de 28/5/2002, publicado no D.R., I Série-A de 18/7/2002, veio pôr um ponto final nestas divergências, estatuindo o seguinte :
“A alínea c) do artigo 19º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do anexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.
Ora, no caso dos autos constata-se que o recorrido, segurado na recorrente, foi interveniente num acidente de viação. Das análises efectuadas à urina, após o acidente, resultou que o requerido/recorrido acusou a presença de psicotrópicos, nomeadamente canabinoides e benzoilecgonina. A requerente/recorrente pagou aos sinistrados uma indemnização no valor de 31.004,67 €.
Daqui podemos concluir que, pese embora não esteja plenamente demonstrada no presente procedimento a existência de um nexo de causalidade entre a condução sob o efeito de produtos estupefacientes e o acidente, a factualidade acima apontada, se bem que indiciariamente, é susceptível de revelar, num juízo de verosimilhança, o direito de crédito da recorrente/requerente (ocorreu um acidente ; logo após, o recorrido acusou o consumo de estupefacientes).
Ou seja, perante estes factos, teremos de concluir que deles resulta uma possibilidade razoável de, em sede própria (isto é, na acção principal), se poder concluir pela existência de uma relação creditícia entre recorrente e recorrido.
Divergimos, aqui, do entendimento do Tribunal “a quo”, estando, em nosso entender, verificada a existência do primeiro dos apontados requisitos para o decretamento do arresto.
e) E, assim sendo, há que passar à segunda das supra referidas questões (existe o justificado receio de perda da garantia patrimonial ?), ou seja, há que apurar se a requerente/recorrente alegou factos integradores do justo receio de perda da garantia patrimonial do seu direito de crédito.
Ora, quanto ao direito ameaçado, cujo receio de lesão se tem de mostrar suficientemente fundado, não se exige para a concessão da sua tutela, um juízo de certeza, mas antes um justificado receio, bastando que o requerente mostre ser fundado (compreensível ou justificado) o receio da sua lesão, isto é, a demonstração do perigo de insatisfação desse crédito, bastando uma averiguação e juízo perfunctório dos factos (cf. Prof. Antunes Varela, in “Manual do Processo Civil”, pg. 25).
Quanto a este tema, escreve António Geraldes (in “Temas da Reforma de Processo Civil”, Vol. IV, pgs. 175 e 176) que :
“O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no artº 406° nº 1 do Código de Processo Civil e no artº 619° do Código Civil, pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito. Este receio é o que no arresto preenche o “periculum in mora” que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares.
Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direitos de natureza creditícia. (...) Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva (...)”.
O receio há-de, pois, ser justificado, fundamentado, apoiado em factos objectivos e concretos que façam antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito, não sendo necessário que a perda da garantia patrimonial se torne efectiva com a demora.
Vertendo tais considerações para o caso em apreço, verifica-se que o requerido se divorciou e, na partilha subsequente, deixou de ter na sua propriedade o imóvel sito na Rua do ..., em, local onde ainda hoje reside, que passou a fazer parte do património da sua ex-mulher. Curiosamente, passados cerca de oito meses, voltou novamente a casar com aquela, desta feita no regime da separação de bens.
Esta atitude do requerido/recorrido (casamento/separação/partilha/novo casamento com a ex-mulher) constitui, em nosso entender, a prática de um acto concreto donde se conclui que o mesmo se prepara para alienar ou onerar o seu património, sendo certo que, pelo menos, já logrou “retirar” do mesmo um imóvel.
É quanto nos basta para considerarmos verificado o segundo dos requisitos necessários ao decretamento do arresto.
* * *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se a decisão da 1ª instância, decretando-se o arresto requerido nestes autos.
Custas : Pelo recorrido (artigo 446º do Código do Processo Civil