OPOSIÇÃO À AQUISIÇÃO DE NACIONALIDADE
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário

I - As sentenças proferidas nas acções de simples apreciação não são título executivo quanto ao objecto da acção, porquanto, uma vez que, nessas acções, o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação, não havendo condenação do réu a qualquer prestação, o autor não pode, com base na respectiva sentença, promover execução contra o réu.
II – Na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, estamos perante uma acção de simples apreciação, já que tem por fim, unicamente, a obtenção da declaração da existência de um facto que fundamenta aquela oposição, não se tratando, deste modo, de uma reacção contra determinada violação da ordem jurídica ou contra a falta de cumprimento duma obrigação, apenas se pretendendo reagir contra uma situação de incerteza.
III - Daí que a sentença aí proferida não seja título executivo quanto ao objecto da acção, o que não significa que o conservador dos Registos Centrais, ao efectuar o registo de nacionalidade, não esteja a praticar um acto de execução da sentença, na medida em que dá cumprimento e realização ao que aí foi determinado, mas trata-se de uma execução imprópria.
IV – Por isso que a sentença proferida na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deduzida pelo M.ºP.º contra o interessado no registo de aquisição da nacionalidade, e que julgou improcedente a oposição, não constitui título executivo para o efeito de aquele interessado instaurar execução para prestação de facto contra a conservadora dos Registos Centrais, que vem protelando a feitura daquele registo, pelo que, a oposição à execução não podia deixar de ser, como foi, julgada procedente.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Relatório.
No Juízo dos Juízos de Execução de Lisboa, A, na qualidade de Conservadora dos Registos Centrais de Lisboa, deduziu oposição à execução que lhe foi movida por B, invocando a incompetência material do tribunal, caso houvesse lugar a execução, já que, não obstante a mesma ter como base a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, instaurado pelo M.ºP.º, em representação do Estado Português, contra o ora exequente, actualmente, a execução de qualquer decisão respeitante ao contencioso da nacionalidade cabe à jurisdição administrativa.
Mais alega que, de todo o modo, a acção especial de oposição é uma acção de simples apreciação, pelo que, a sentença aí proferida não pode constituir título executivo, sendo que, a obrigação alegada pelo exequente nunca poderia considerar-se exigível, por ainda se encontrarem a decorrer diligências oficiosas por parte da executada, no exercício das competências e poderes que a lei lhe confere no âmbito da instrução do processo de atribuição da nacionalidade.
O exequente contestou, alegando que a concessão da nacionalidade portuguesa apresenta aspecto de sentença condenatória, já que, reconheceu um direito que contem, nem que seja de forma implícita, uma obrigação que impõe à Conservatória dos Registos Centrais, na pessoa da sua principal responsável, a responsabilidade de proceder ao registo da sua nacionalidade.
Mais alega que a opoente continua a fingir que o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa ainda se encontra na fase da instrução, quando o mesmo já se encontrava instruído quando foi remetido para o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo os tribunais comuns os competentes para a execução da respectiva decisão judicial.
Alega, ainda, que, perante a recusa da opoente em proceder ao registo da aquisição da nacionalidade, o exequente requereu execução para prestação de facto positivo, sendo a prestação infungível, uma vez que, pela natureza do facto, a mesma está exclusivamente a cargo da Conservatória dos Registos Centrais.
Conclui, assim, que a oposição deve ser julgada improcedente.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção da incompetência material invocada pela executada, e onde, por se entender que dos autos resultam os factos relevantes para a apreciação da excepção peremptória invocada, se conheceu imediatamente do mérito da causa, julgando-se procedente a alegada falta absoluta de título executivo, bem como, em consequência, a oposição à execução, com a consequente extinção desta.
Inconformado, o exequente interpôs recurso de apelação daquela sentença.
Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Fundamentos.
2.1. Na sentença recorrida considerou-se que dos autos resulta a seguinte factualidade: «O exequente intentou a acção executiva, em 04.12.2007, contra a executada A, na qualidade de Conservadora dos Registos Centrais de Lisboa, munido do Acórdão de fls.14 a 22 dos autos de execução proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, cujo teor dou aqui por inteiramente reproduzido».
2.2. O recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) O sr. juiz "a quo" errou ao ter decidido que o acórdão, com base no qual foi intentada a execução, não constitui título executivo, ignorando, por completo, que o Apelante já é cidadão português, gozando, num plano de igualdade, dos direitos e estando sujeito aos deveres próprios de qualquer cidadão português, nos termos dos artigos 4º e 13º, ambos da Constituição da República Portuguesa.
b) A aquisição da nacionalidade portuguesa, por efeito da vontade do Apelante, regulou-se pelas disposições especiais que lhes são próprias, como sejam as que constam na Lei n°37/81, de 03 de Outubro (Lei da Nacionalidade), com as alterações introduzidas pela Lei n°25/94, de 19 de Agosto.
c) E no Decreto Lei n°322/82, de 12 de Agosto, este com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n°117/93, de 18/04; 253/94, de 20/10 e 37/97 de 31/01 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa).
d) Foi ao abrigo das referidas disposições legais, conjugadas com as disposições gerais e comuns, que o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, nos termos do artigo 26° da referida Lei da Nacionalidade, ao tempo em vigor, o acórdão que concedeu a nacionalidade portuguesa ao Apelante, ora dado à execução.
e) Consta na parte dispositiva de tal acórdão o seguinte: "Nestes termos julga-se improcedente a oposição deduzida, concedendo-se ao Requerido a nacionalidade portuguesa.
Comunique-se à Conservatória dos Registos Centrais."
f) Salvo diferente e melhor opinião, a parte decisória do acórdão contém dois comandos: a concessão ao Apelante da nacionalidade portuguesa e a ordem da sua comunicação à Conservatória dos Registos Centrais, nos termos e para os efeitos, entre outros, do n°l do artigo 30°; n°l do 31°; 32° e 37°, todos do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo referido Decreto Lei n°322/82 de 12/08, com as supra indicadas alterações, ao tempo em vigor.
g) Diz o n°3 do artigo 25ºdo referido Regulamento que, caso seja julgada procedente a oposição à aquisição da nacionalidade, o Tribunal ordena, no acórdão, o cancelamento do registo de nacionalidade, se tiver sido lavrado.
h) Ora, se o Tribunal pode ordenar o cancelamento do registo da nacionalidade em caso de procedência da oposição.
i) Também, "a contrário", salvo diferente e melhor opinião, pode-se interpretar o acórdão que concedeu a nacionalidade ao Apelante como uma ordem dirigida aos registos centrais para que efectuem o acto de registo da aquisição da nacionalidade portuguesa, o que, aliás, tem suporte legal nos já referidos n°l do artigo 30°; n°l do 31° e 37°, todos do referido Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor.
j) A jurisprudência e a doutrina diferenciam a expressão "sentenças condenatórias" de "sentenças de condenação", considerando aquelas muito mais abrangentes para afastarem a ideia de que só as sentenças proferidas nas acções de condenação constituem títulos executivos.
k) É que o entendimento que parece decorrer da alínea a) do artigo 46° do Código de Processo Civil não é tão restritivo como parece ser o entendimento do sr. juiz "a quo", uma vez que são sentenças condenatórias as que, pressupondo ou prevendo a violação de um direito, imponham a prestação de coisa ou de facto.
l) A concessão da nacionalidade portuguesa ao Apelante apresenta aspecto de sentença condenatória.
m) Tudo porque o Tribunal da Relação de Lisboa, ao conceder a nacionalidade, reconheceu um direito que contém, nem que seja de forma implícita, uma obrigação que impõe à Conservatória dos Registos Centrais, na pessoa da sua principal responsável, a responsabilidade de proceder, como não procedeu, ao registo da nacionalidade portuguesa, porque, a partir do trânsito em julgado do acórdão, passou a ser cidadão português, nos termos do artigo 4° da Constituição da República Portuguesa.
n) Tal acórdão adquiriu eficácia executiva quando se verificou a existência de um acto ilícito: a persistente protelação por parte da Sra. Conservadora em dar cumprimento ao mesmo, o que ofende, de forma frontal, os direitos, liberdades e garantias fundamentais do cidadão português, ora Apelante, e o princípio da intangibilidade do caso julgado, protegidos, entre outros, pelos artigos 17°, n° l, do 18° e 20°; 204° e n°2 e 3 do artigo 205°, todos da Constituição da República Portuguesa.
o) O acórdão dado à execução não é, como erroneamente entendeu o sr. juiz "a quo", uma peça jurídica inócua, de cariz decorativo, que a ninguém se impõe, antes pelo contrário, pressupõe que a aquisição da nacionalidade portuguesa tem a devida tutela jurisdicional, assegurando, por virtude do princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado, a existência de meios que garantam a efectividade do mesmo, nos termos do n°2 e 3 do artigo 205° da Constituição da República Portuguesa e n°2 do artigo 2° do Código de Processo Civil.
p) O Apelante encontra-se privado do exercício da cidadania portuguesa, pois continua, ao longo de todos estes anos, ilegalmente a aguardar que a Conservatória dos Registos Centrais cumpra com o determinado no acórdão, incumprimento que viola o n°4 do artigo 26° da Constituição, o n° l do artigo 30°; n°l do 31° e 37°, todos do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor, n°l do 671° e 673°, ambos do Código de Processo Civil.
q) Após a comunicação do acórdão à Conservatória competente, deixaram de existir quaisquer fundamentos para que o registo fosse sustado, por força dos já referidos n°l do artigo 30C e n°l do 31°, ambos aplicáveis por força do disposto no artigo 37°, todos do referido Regulamento de Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor.
r) Nos termos do artigo 28° e n°l do 36°, ambos do supra referido Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, em vigor aquando do trânsito em julgado do acórdão, aplicou-se, subsidiariamente, o Código de Processo Civil.
s) Ora, o Código de Processo Civil foi subsidiariamente aplicado por força do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, o que torna necessário articular a aplicação legal de ambos os diplomas.
t) Conforme referem o n°l do artigo 463° e n°3 do 466°, ambos do Código de Processo Civil, às execuções especiais aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo comum, sem esquecer que as execuções, por regra, correm por apenso à acção principal.
u) Ora, a sentença "a quo", ao esvaziar, por completo, o valor jurídico constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, avaliza a recusa por parte da Apelada em cumprir com o ali determinado (no acórdão) e mantém sustido o processo de aquisição da nacionalidade, em violação, entre outros, do disposto nos já indicados n°l do 30°; n°l do 31°; n°l do 36° e artigo 37°, todos do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor.
v) O sr. juiz "a quo", salvo diferente e melhor opinião, refere erroneamente, na sua douta sentença, que o Apelante deve proceder nos termos previstos nos artigos 286° e seguintes do Código de Registo Civil, como se o processo de aquisição da nacionalidade portuguesa ainda se encontre na fase da instrução, nos termos dos artigos 15° a l8º e 22°, todos do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor.
w) De facto, o processo de aquisição de nacionalidade já se encontrava devidamente instruído com todos os elementos necessários quando foi remetido para o Tribunal da Relação de Lisboa, para que ali fosse, como foi, deduzida oposição e a mesma, por acórdão, julgada improcedente, com a concessão da nacionalidade portuguesa ao Apelante.
x) O Apelante está convicto de que não deverá proceder, conforme refere o sr. juiz "a quo", nos termos previstos nos artigos 286° e seguintes do Código de Registo Civil, para obrigar a Apelada a lavrar o registo de aquisição da nacionalidade portuguesa que lhe foi reconhecido pelo acórdão da Relação de Lisboa, nem que seja por razões de economia e celeridade processual, bem como pelo respeito ao princípio constitucional da intangibilidade do caso julgado.
y) Tal pedido já consta do processo de aquisição da nacionalidade, cujos trâmites legais já decorreram, tendo o seu terminus se consolidado com o trânsito em julgado do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que o registo da nacionalidade é, como deve ser, lavrado por transcrição, sem intervenção dos interessados, nos termos do n° l do artigo 31° do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, ao tempo em vigor.
z) De facto, a Apelada não recusou a feitura do registo da aquisição da nacionalidade, antes vem protelando, sine die, a concretização do mesmo (passados quase três anos a contar da data do trânsito em julgado do acórdão, o registo ainda não se concretizou).
aa) Aliás, tal intenção em protelar indefinidamente o não cumprimento do acórdão manifesta-se com a oposição à execução.
bb) Pretende o Apelante, com a execução, que o Tribunal tome as adequadas providências por forma a que a Apelada proceda à efectiva reparação do direito violado, que é o de concretizar, em prazo razoável, o registo da aquisição de nacionalidade portuguesa e na sequência do trânsito em julgado do acórdão.
cc) Perante o sucedido, o Apelante requereu a execução para prestação de facto positivo, sendo a prestação infungível, uma vez que, pela natureza do facto, a mesma está exclusivamente a cargo da Conservatória dos Registos Centrais, nos termos do artigo 16° da referida Lei n°37/81, de 03/10 (Lei da Nacionalidade) e artigo 29° e seguintes do referido Decreto Lei n°322/82, de 12/08 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), consideradas as indicadas alterações, todas em vigor ao tempo do trânsito em julgado do acórdão.
dd) O sr. juiz "a quo" violou ou interpretou erroneamente, entre outros, o n°2 do artigo 2°; 45°; n°l do 463°; n°3 do 466°; n°l do 671°; 673°, todos do Código de Processo Civil; 4°; 13°; 16°; 17°; n° l do 18°; n°l, 4 e 5 do 20°; n°4 do 26°; 204° e n°2 e 3 do 205°, todos da Constituição da República Portuguesa; 22°; 28°; n°l do 30°; n°l do 31°; 32°; n°l do 36°; 37°, todos do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa; 286° do Código do Registo Civil.
Termos em que, salvo diferente e melhor opinião, requer o Apelante que a sentença «a quo» seja revogada e, consequentemente, ordenado o prosseguimento dos autos.
2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
A - A acção de simples apreciação tem por fim, unicamente, obter a declaração de existência ou inexistência de um direito ou de um facto, tal como expressamente resulta da alínea a) do n.° 2 do artigo 4.° do CPC.
B - Sendo que a acção especial de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa por efeito da vontade se qualifica como uma acção de simples apreciação, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 4.°, n.° 2, alínea a) do CPC,
C- De acordo com o estipulado pela alínea a), do n.° l, do artigo 46.° do CPC, apenas as sentenças condenatórias constituem título executivo.
D - É pacífico e consubstancia entendimento unanimemente perfilhado pela Doutrina e Jurisprudência que as sentenças de mérito proferidas no âmbito de acções de simples apreciação não podem constituir título executivo, já que, pela sua própria natureza não admitem condenação no cumprimento de qualquer obrigação.
E - Efectivamente a Douta Decisão que serve de base à execução instaurada pelo Apelante, não determina a condenação da Apelada, que nem sequer é parte ou interveniente no processo de oposição, no cumprimento de qualquer facto ou obrigação.
F - Contrariamente à tese explanada pelo Apelante, o seu direito à nacionalidade portuguesa não é automático, antes depende da verificação de um conjunto de circunstâncias previstas na lei.
G - Competindo à Apelada, na sua qualidade de Conservadora dos Registos Centrais, da verificação de tais requisitos, bem como, após ter manifestado a sua intenção de adquirir a nacionalidade portuguesa, competirá ao Apelante, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, demonstrar os factos constitutivos dessa sua pretensão.
H - No caso em apreço, encontram-se em curso diligências destinadas a aferir da existência dos pressupostos de que a lei faz depender a atribuição da nacionalidade portuguesa, sendo o requisito da ligação efectiva à comunidade portuguesa, por parte do Apelante, apenas um desses requisitos.
I - O procedimento de atribuição de nacionalidade portuguesa ao ora Apelante, foi, entretanto, sustado ao abrigo do do n.° 3 do artigo 42.° do Regulamento da Nacionalidade aprovado pelo Decreto-Lei n.° 237-A/2006, de 14 de Dezembro, aplicável ao caso sub judice ao abrigo do artigo 4,° do Decreto-Lei n.° 237-A/2006, de 14 de Dezembro, o qual estabelece a sua aplicação aos processos pendentes.
J - Sendo que, no artigo 5.° da Lei Orgânica n° 2/2006, de 17 de Abril, também se determina a sua aplicabilidade, do que nela se dispõe, aos processos pendentes, com excepção do artigo 7.° da Lei n.° 37/81.
L - Em face do que, a decisão de proferida pelo Tribunal a quo no sentido de julgar procedente por provada a oposição à execução deduzida pela Apelada mantém, no entendimento desta, plena e absoluta validade, foi adequadamente fundamentada e integrada pelas normas jurídicas que regem in casu, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.
Termos em que se requer a V. Exas. se dignem negar provimento ao recurso interposto pelo Apelante, por manifestamente infundado.
2.4. A única questão que importa apreciar no presente recurso consiste em saber se a sentença proferida na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deduzida pelo M.ºP.º contra o interessado no registo de aquisição da nacionalidade, e que julgou improcedente a oposição, constitui título executivo para o efeito de aquele interessado instaurar execução para prestação de facto contra a conservadora dos Registos Centrais, que vem protelando a feitura daquele registo.
A sentença recorrida julgou procedente a oposição à execução, por falta absoluta de título executivo.
O recorrente entende que a sentença proferida na oposição à aquisição da nacionalidade, apresenta aspecto de sentença condenatória, porquanto reconheceu um direito que contém, nem que seja de forma implícita, uma obrigação que impõe à Conservatória dos Registos Centrais a responsabilidade de proceder ao registo da nacionalidade portuguesa.
Vejamos.
Nos termos do disposto no art.45º, nº1, do C.P.C. (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem), toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva, sendo que, as sentenças condenatórias são uma das espécies de títulos executivos (cfr. o art.46º, al.a)).
Segundo Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol.1º, 2ª ed., pág.127, a fórmula legal - «sentenças de condenação» - foi empregada para abranger todas as sentenças em que possa formalmente descobrir-se uma condenação, isto é, todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade.
Como referem Anselmo de Castro, in A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pág.16, e Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág.41, a expressão «sentenças condenatórias» do art.46º, al.a), substituiu a expressão «sentenças de condenação» do Código de 1939, tendo em vista afastar a ideia de que as sentenças exequíveis fossem unicamente as proferidas nas acções de condenação a que se refere a al.b), do nº2, do art.4º. Nada impede, pois, que uma sentença proferida sobre o objecto da acção em acção constitutiva, quando esta seja julgada procedente, constitua título executivo para o efeito de se realizar a mudança a que a acção visava (cfr. a al.c), do citado nº2, do art.4º). No entanto, as sentenças proferidas nas acções de simples apreciação (cfr. a al.a), do mesmo nº2, do art.4º) não são título executivo quanto ao objecto da acção. Na verdade, uma vez que, nestas acções, o fim único da actividade jurisdicional é a apreciação, não havendo condenação do réu a qualquer prestação, o autor não pode, com base na respectiva sentença, promover execução contra o réu (cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol.I, 3ª ed., pág.22, e Anselmo de Castro, ob.cit., págs.16 e 17).
Pode dizer-se, como Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.21, que todas as acções envolvem o reconhecimento da existência ou inexistência de um direito, residindo a chave da distinção entre os vários tipos de acções no que vem após aquele reconhecimento. Assim, refere, se além desse reconhecimento o autor pretende se ordene ao réu a realização da prestação correspondente à sua pretensão, a acção é de condenação, mas se pretende a produção ope judicis do efeito jurídico a que o direito tende, a acção é constitutiva. Todavia, se o autor, após o reconhecimento da existência (ou não existência) do direito, não pretende mais do que a declaração formal dessa existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), a acção é de mera apreciação (positiva ou negativa).
Dúvidas não restam, pois, que as sentenças proferidas em acções de simples apreciação, atenta a sua finalidade, estão excluídas de força executiva, no sentido de não haver que fazer actuar os órgãos do Estado incumbidos de exercer a actividade executiva. Assim, haverá que apurar que tipo de acção é a oposição à aquisição da nacionalidade, designadamente, se se trata de uma acção de simples apreciação, caso em que a sentença aí proferida não constituirá título executivo.
Na aquisição da nacionalidade por efeito da vontade, além da manifestação da vontade do interessado, importa também que ocorra uma condição negativa, ou seja, que não haja sido deduzida pelo M.ºP.º oposição à aquisição, ou que, tendo-a sido, ela tenha sido considerada judicialmente improcedente. Como refere Rui Moura Ramos, in Do Direito Português de Nacionalidade, pág.161, com a oposição à aquisição, o Estado reserva-se a faculdade de impedir que alguém por si tido como indesejável venha a integrar o círculo dos seus nacionais. Ora, o art.9º, da Lei nº37/81, de 3/10, na redacção que lhe foi dada pelo art.1º, da Lei nº25/94, de 19/8, na altura em vigor, considera três fundamentos de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, quais sejam: a não comprovação, pelo interessado, de ligação efectiva à comunidade nacional (al.a)); a prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos (al.b)); o exercício de funções públicas ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro (al.c)). Em consonância com o citado art.9º, o art.22º, nº1, do DL nº322/82, de 12/8, na redacção que lhe foi dada pelo art.1º, do DL nº253/94, de 20/10, determina que o requerente deve: comprovar por meio documental, testemunhal ou qualquer outro legalmente admissível a ligação efectiva à comunidade nacional (al.a)); juntar certificados do registo criminal, passados pelos serviços competentes portugueses e do país de origem (al.b)); ser ouvido, em auto, acerca da existência de quaisquer outros factos susceptíveis de fundamentarem a oposição legal a essa aquisição (al.c)).
Para poder deduzir a oposição, tem o M.ºP.º que ter conhecimento de factos que a fundamentem, por isso que o aludido Regulamento da Nacionalidade Portuguesa (DL nº322/82) estabelece que quem requeira o registo de aquisição da nacionalidade deverá ser ouvido em auto, nos termos atrás referidos. Sendo que, a lei impõe a todas as autoridades que possam conhecer tais factos a sua participação ao M.ºP.º (art.10º, nº2, da Lei nº37/81), devendo o conservador dos Registos Centrais, se tiver conhecimento de factos susceptíveis de fundamentarem a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, participá-los ao M.ºP.º junto do Tribunal da Relação de Lisboa, remetendo-lhe todos os elementos de que dispuser (nº3, do citado art.22º). E é no conhecimento desses factos que o M.ºP.º deduzirá oposição, no Tribunal da Relação de Lisboa, no prazo de um ano a contar da data do facto de que depende a aquisição da nacionalidade (nº1, do citado art.10º). Julgado o processo, nos termos dos arts.24º, 25º, 27º e 28º do Regulamento, em caso de procedência da oposição, será ordenado o cancelamento do registo de nacionalidade que, entretanto, tenha sido lavrado (nº3, do citado art.25º) ou o arquivamento do respectivo processo na C.R.C.. No caso de improcedência da oposição, deverá manter-se esse registo ou efectuar-se o mesmo.
Por conseguinte, a oposição à aquisição da nacionalidade é um mecanismo que, de alguma forma, permite ao Estado reagir em situações em que o mero jogo da vontade dos interessados poderia conduzir a resultados nefastos. Trata-se, pois, de um instituto que aparece concebido, nas palavras de Moura Ramos, ob. e loc. citados, como que em termos de resposta orgânica do tecido social organizado à invasão de elementos poluidores que se entende devam ficar arredados do corpus social nacional.
Estamos, assim, perante uma acção de simples apreciação, já que tem por fim, unicamente, a obtenção da declaração da existência de um facto que fundamenta a oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa. Não se trata, deste modo, de uma reacção contra determinada violação da ordem jurídica ou contra a falta de cumprimento duma obrigação, apenas se pretendendo reagir contra uma situação de incerteza. Daí que a sentença aí proferida não seja título executivo quanto ao objecto da acção, no sentido atrás referido, isto é, de não haver que fazer actuar os órgãos do Estado incumbidos de exercer a actividade executiva. O que não significa que o conservador dos Registos Centrais, ao efectuar o registo de nacionalidade, não esteja a praticar um acto de execução da sentença, na medida em que dá cumprimento e realização ao que aí foi determinado. Mas trata-se de uma execução imprópria, como refere Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol.1º, 2ª ed., pág.26, pois que a palavra execução deve reservar-se para exprimir o fenómeno que costuma designar-se pela fórmula execução forçada, onde se verifica a actuação duma sanção por parte dos órgãos do Estado, sem ou contra a vontade do devedor.
Concorda-se, assim, com o teor da sentença recorrida, quando aí se concluiu pela falta de título executivo, quanto ao fim da execução em causa, e, ainda, quando se defendeu o entendimento de que, considerando o exequente que o conservador dos Registos Centrais se está a recusar a fazer a transcrição nos termos a que está obrigado, sem ter qualquer fundamento válido para o efeito, deverá proceder nos termos estipulados nos arts.286º e segs., do Código do Registo Civil. Na verdade, estabelece o nº1, daquele art.286º, que «Quando o conservador se recusar a efectuar algum registo nos termos requeridos ou a praticar qualquer acto da sua competência, o interessado pode interpor recurso para o juiz da comarca ou deduzir reclamação hierárquica para o director-geral dos Registos e do Notariado». Acresce que, de harmonia com o disposto no art.294º, os funcionários do registo civil que não cumprirem os deveres impostos naquele Código respondem pelos danos a que derem causa.
Haverá, deste modo, que concluir que a sentença proferida na oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa, deduzida pelo M.ºP.º contra o interessado no registo de aquisição da nacionalidade, e que julgou improcedente a oposição, não constitui título executivo para o efeito de aquele interessado instaurar execução para prestação de facto contra a conservadora dos Registos Centrais, que vem protelando a feitura daquele registo. Razão pela qual, a oposição à execução não podia deixar de ser, como foi, julgada procedente.
Improcedem, assim, as conclusões da alegação do recorrente, não se vendo que a sentença recorrida tenha violado as disposições legais citadas na al.dd) daquelas conclusões.

3 – Decisão.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2009

Roque Nogueira
Pires Robalo
Cristina Coelho