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FALSIFICAÇÃO
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
BURLA
CONCURSO
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Sumário
Na esteira da lição do Prof. Eduardo Correia (v. A Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1983, pg. 130), sempre a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência entenderam existir concurso real entre os crimes de falsificação de documento e de burla (a despeito das alterações legislativas entretanto verificadas), salvo raras excepções, onde se destacam alguns trabalhos da autoria da Prof. Helena Moniz. De resto, tal solução encontra-se respaldada em dois acórdãos do STJ, proferidos pelo Plenário das Secções Criminais: de 19-2-92 (DR, I-A Série, de 9-4-92 e 23-5-2000); este com o nº 8/2000. Do voto de vencido Uma falsificação de escrito utilizada unicamente como meio de burlar alguém, está em concurso aparente com o crime de burla (crime-fim), devendo a punição deste concurso ser encontrada na moldura penal que cabe à burla e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida da pena.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No âmbito do Proc. Comum nº /, que correu termos pelo …º Juízo Criminal de ..., …ª Secção, foram os arguidos A… M… e A… C…, com os demais sinais dos autos, absolvidos da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, 1, a), C. Pen, pelo qual haviam sido pronunciados.
Inconformada com tal decisão veio a assistente A… Companhia de Seguros, S. A. interpor o presente recurso, requerendo a revogação da sentença recorrida e a condenação dos arguidos pelo aludido crime de falsificação de documento, tendo para tal formulado as seguintes conclusões:
1.° - Foi proferida a douta sentença de fls. ora posta em crise, na qual se decidiu absolver os Arguidos A… M… e A… C… do crime de falsificação de documento pelo qual vinham pronunciados, p.p. pelo artigo 256.°, n.° 1, alínea a) do Código Penal.
2.° - Em síntese, os Arguidos foram absolvidos por entender-se que não se encontra junto aos autos o original do documento em causa falsificado de participação de acidente e que havia determinado a pronúncia daqueles. Não pode a Assistente conformar-se com tal entendimento. Daí recorrer da presente douta sentença, pelos motivos e fundamentos adiante especificados.
3.° - Estamos perante a falsificação pelos Arguidos de documento de participação de acidente consubstanciado em documento de "Declaração Amigável de Acidente Automóvel", o qual é constituído por um impresso, existente em duplicado, segundo modelo aprovado pelo Instituto de Seguros de Portugal.
4.° - Ambos os duplicados estão "presos" inicialmente entre si. O verso de cada duplicado é preenchido individualmente por cada um dos intervenientes e entregue depois separadamente, sendo a frente do documento comum.
5.° - Pode, por vezes, suceder que um ou outro campo da frente acabe por ser preenchido individualmente, por às vezes um dos intervenientes não ter consigo um ou outro dado mais específico. O essencial é que essa divergência não seja no seu conteúdo diferente.
6.° - In casu com a queixa a fls. 24 e 25 como documento n.° 3, foi junta uma cópia da Declaração Amigável de Acidente Automóvel relativa ao duplicado, preenchido no seu verso individualmente pelo arguido A... M....
7.° - Na sessão de audiência de julgamento de 20.02.2008, foi junto pela Assistente o outro duplicado constituído pelo original do impresso - documento de fls. 346-, ou seja, pelo original que surge acoplado ao outro duplicado cuja cópia foi junta a fls. 24. O original de fls. 346 é que determinou a frente do duplicado de fls. 24, já que o segundo duplicado é feito na frente por decalque da mesma Declaração Amigável de Acidente Automóvel. Já o preenchimento desta feita no seu verso do doc. de fls. 346, é elaborado e assinado pelo Arguido A… C….
8.° - Na douta sentença ora posta em crise, conclui-se que: "verifica-se que o documento alegadamente falsificado e que consiste o objecto deste processo será o original da cópia de fls. 24 e 25, pois foi esse que foi considerado para efeitos de pronúncia e não o documento junto em audiência" e que "Perante a ausência do original torna-se impossível ao tribunal considerar provados os factos relativos ao documento supostamente falsificado, dado que, tendo em consideração o crime em causa, apenas o documento original poderá ser valorado".
9.° - Ora, o Tribunal a quo andou mal quando assim decidiu, dado que o documento de fls. 346 corresponde ao original do documento de "Declaração Amigável de Acidente Automóvel" em causa nos auto: é visível de forma evidente e à vista desarmada pelo mero confronto entre o documento de fls. 346 e o de fls. 24 que a frente do segundo foi feita por decalque do primeiro. A exactidão do traçado dos caracteres, rasuras efectuadas, desenhos do esquema do acidente é flagrante, confrontando o documento de fls. 346 e o de fls. 24, como se disse.
10.° - A única excepção foi um mero preenchimento individual do campo 8 quanto, à Companhia de Seguros do veículo B: por sinal a mesma indicada no documento de fls. 24 e de fls. 346 (a F…), o que é compreensível como se explicou no ponto 6.° destas conclusões e não contende com o teor da participação.
11.° - O tribunal entendeu tratarem-se de documentos diferentes, embora diga que são semelhantes, o que é compreensível já que, tratando-se do mesmo e único impresso de Declaração Amigável, é elaborado em dois duplicados, sendo, porém, evidente que o de fls. 346 é o original do de fls. 24..
12.° - Reportam-se à mesma participação de acidente às Seguradoras intervenientes: A… e F…, com o preenchimento de todos os campos essenciais e elementos do acidente daquela forma forjado, feitos em comum por decalque directo!
13.° - Além do mais, o Advogado dos Arguidos não impugnou tal documento de fls. 346 ou se opôs à sua junção, como não sendo preenchido pelos Arguidos, frise-se, quando a Assistente requereu a sua junção.
14.° - O tribunal cometeu um erro na apreciação da prova, desde logo ao considerar na douta sentença que está em falta o original da Declaração Amigável de Acidente Automóvel, porque esta foi junta a fls. 346.
15.° - Resultando, ainda, da douta sentença, contradições insanáveis na sua fundamentação e entre a sua fundamentação e decisão absolutória (nos termos do art. 410.°, n.° 2, alínea b) do CPP), dado que
16.° - No ponto B) dos factos dados como provados é dado como assente que "A Companhia de Seguros F…, ao abrigo da convenção "IDS- Indemnização Directa ao Segurado", pagou, em 10 de Outubro de 2002, ao arguido A… M… a quantia de €1750 relativamente a um sinistro participado pelos arguidos" (sublinhado nosso), dando-se assim, como provado, que o sinistro in casu nos autos foi participado pelos arguidos. E naqueles ponto B), C) dos factos dados como provados a douta sentença conclui pela regularização do sinistro com base na convenção "IDS — Indemnização Directa ao Segurado", com pagamento de indemnização, a qual, se fundamenta, sabemos, no dito impresso de "Declaração Amigável de Acidente Automóvel". Ainda no ponto G) dá-se como provado que "O arguido A… M… não retirou qualquer benefício da mencionada participação de acidente" (sublinhado nosso),
17.° - Foi dado como provado – ponto D) dos factos provados) que: "o sinistro em causa foi forjado por ambos os arguidos, pois que o veículo conduzido pelo arguido A... M... despistou-se sozinho, sem qualquer intervenção de outro veículo, nomeadamente do veículo conduzido pelo co-arguido A… C…".
18.° - Ora, logo a seguir dá, contraditoriamente, como não provado que foi elaborada uma participação desse mesmo acidente constituída pela Declaração Amigável de Acidente Automóvel (pontos a) a d) inclusivé dos factos não provados).
19.° - Deveria, assim, ter dado como provados aqueles pontos a) a d) inclusivé dos factos dados como não provados, não tendo julgado correctamente assim aqueles, atenta a prova documental de fls. 346 e de fls. 24 junta consubstanciada no original e cópia do duplicado da "Declaração Amigável de Acidente Automóvel" que impunha decisão diversa no sentido apontado.
20.° - A prova de que o sinistro participado foi forjado impõe-se e é clara e aceite pelo tribunal, não podendo o tribunal fazer prova rasa, como o devido respeito, ou ignorar, a existência daquela participação, dando-a como não provada nos pontos a) a d) dos factos dados como não provados.
21.° - Assim, não só entra em contradição nos termos assinalados quando à fundamentação apresentada, como os factos dados como provados são contraditórios com a decisão de absolvição dos arguidos, já que determinariam a sua condenação.
22.° - Além do mais, o tribunal não fundamenta bem a matéria dada como provada: no ponto D) dos factos provados só concretiza ao "sinistro em causa", e descreve o acidente realmente verificado sem identificar os veículos interveniente e não interveniente ali referenciado-os somente como o "veículo conduzido pelo arguido A… M…" e ao "veículo conduzido pelo co-arguido A… C…",
23.° - Não podendo até aqui dar (ponto D) dos factos provados) como provado ter sido conduzido o veículo pelo co-arguido A… C…, já que considera e bem que não teve intervenção no acidente, entrando também desta forma em contradição,
24.° - O tribunal a quo tinha que ter especificado convenientemente a matéria do ponto D) dos factos dados como provados e não o fez, já que toda a prova documental constituída pelos aludidos documentos juntos aos autos, nomeadamente os aludidos documentos de fls. 24 e 346, assim como os documentos de fls. juntos com a queixa sob os n.°s 4 (relatório de peritagem de perda total), de fls. sob o n.° 5 (recibo de indemnização), de fls. sob o n.° 6 (print de regularização por IDS da Segurnet), de fls. sob o n.° 10 (relatório de averiguação), de fls. sob o n.° 11 (declaração emitida pelo arguido Alberto na qual pede para dar sem efeito a dita participação de acidente), bem como todos os depoimentos das testemunhas ouvidas identificaram perfeitamente qual a data, local e dinâmica do sinistro participado, bem como o sinistro forjado e a identificação do mesmo veículo nele interveniente do arguido A…. M… (nesse sentido depoimentos, designadamente dos peritos averiguadores C. F… - depoimento gravado em duas fitas magnéticas desde o n.° 02.69 ao n.° 14.11 do lado A da cassete n.° 1 na sessão de julgamento de 20.02.2008), e N... P… (depoimento gravado por video-conferência em duas fitas magnéticas desde o n.° 10.00 ao n.° 06.02 do lado A na sessão de julgamento de 12.03.2008). Aliás, no ponto 3 da douta sentença, o Tribunal considera que as testemunhas C...F… e N... P… confirmaram que os arguidos "fizeram uma participação de acidente e que foi por eles averiguada", o que esteve na origem, concerteza, dos factos provados no ponto D) em como o acidente foi forjado.
25.° - Assim, em vez de aludir somente no ponto D) dos factos provados, a que o "sinistro em causa foi forjado por ambos os arguidos" teria que ter especificado que o "sinistro em causa que os arguidos participaram como ocorrido em 03.08.02, pelas 11h00, em P… Viseu, entre o motociclo de matrícula "……..EC", conduzido pelo arguido A…C… e o motociclo Yamaha de matrícula "………FD", conduzido pelo arguido A… M… foi forjado, por que o aludido veículo Yamaha de matricula "……..FD" despistou-se sozinho, conduzido pelo arguido A… M…., e sem intervenção de outro veículo, nomeadamente do aludido veículo "……..FD" conduzido pelo co-arguido A… C…".
26.° - O certo é que os Arguidos elaboraram, acordaram em forjar o acidente, através do da "Declaração Amigável de Acidente Automóvel" que para o efeito falsificaram, preenchendo, elaborando e assinando aquela, em ordem a obter indemnização ilegítima
à custa do empobrecimento da A…, e com claro prejuízo para o Estado e segurança jurídica.
27.° - Viola, pois, a douta sentença o disposto no artigo 374, 2 do CPP.
Respondeu o MP, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 — A sentença recorrida apreciou correcta e devidamente a prova, estando a matéria de facto dada como provada e como não provada em perfeita consonância com a prova produzida em julgamento.
2 — A sentença recorrida não enferma de qualquer vício, encontrando-se devidamente fundamentada, de facto e de direito.
3 — Pelo exposto, deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.
É o seguinte o teor da sentença recorrida:
I. RELATÓRIO
Os arguidos A… M… e A… C… encontram-se pronunciados, em processo comum e perante tribunal singular, pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo arts. 256.º n.º 1 a) e 3 do Código Penal.
Os arguidos contestaram e apresentaram rol de testemunhas.
Procedeu-se a julgamento com o devido formalismo legal.
II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O tribunal é competente.
O Ministério Público tem legitimidade para a acção penal.
Da nulidade do depoimento da testemunha H... M...
Os arguidos invocaram a invalidade do depoimento da testemunha H… M… alegando que a mesma estaria impedida de depor como testemunha face ao disposto no art. 87.º n.ºs 1 e) e f) do Estatuto da Ordem dos Advogados.
A assistente e o Ministério Público pronunciaram-se no sentido do indeferimento do requerido.
Pese embora a testemunha em causa tenha declarado que depunha na qualidade de jurista da assistente e não como advogada, certo é que consta nos autos procuração forense a fls. 114 a favor da mesma.
Como tal, pese embora H… M… exerça as funções de jurista da assistente, verifica-se que também é sua mandatária forense, pelo que se encontra legalmente impedida de depor.
Pelo exposto, julgo procedente o requerido e, consequentemente, considero inválido o depoimento da testemunha H… M…
*
Não existem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III. DOS FACTOS
1. Factos provados
Da prova produzida em audiência resultam provados os seguintes factos:
A) Entre a assistente e o arguido A… C…foi celebrado, em 23-03-2001, um contrato de seguro, de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 3…….., relativo ao motociclo Honda Kawasaki, de matrícula ………EC, que se mantinha em vigor no decurso do ano de 2002. B) A Companhia de Seguros F…., ao abrigo da convenção «IDS – Indemnização Directa ao Segurado», pagou, em 10 de Outubro de 2002, ao arguido A…M… a quantia de € 1.750 relativamente a um sinistro participado pelos arguidos. C) Esta quantia foi paga pela assistente à Companhia de Seguros F… pelos mesmos motivos. D) O sinistro em causa foi forjado por ambos os arguidos, pois que o veículo conduzido pelo arguido A… M… despistou-se sozinho, sem qualquer intervenção de outro veículo, nomeadamente do veículo conduzido pelo co-arguido A… C…. E) Fizeram-no com o propósito de obter para o arguido A… M… um benefício económico, que sabiam ser-lhe indevido, à custa do correspectivo prejuízo atara assistente, o que conseguiram. F) Agiram de forma livre e consciente, em conjugação de esforços e comunhão de vontades, e cientes de que a sua conduta é proibida por lei. G) O arguido A… C…, não retirou qualquer benefício da mencionada participação do acidente. H) O arguido A… M… e devolveu o montante integral que lhe havia sido pago pela sua seguradora F…. I) O arguido A… M… sé pessoa de bem, socialmente integrado, com família estável e com trabalho. J) Nada constava no certificado de registo criminal dos arguidos a 11 de Dezembro de 2007.
2. Factos não provados
Não se provou que:
a) Os arguidos preencheram e assinaram a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, que dataram de 08-08-2002, na qual, e entre o mais, fizeram constar que no dia 3-08-02, pelas 11 horas, em P…, Viseu, o correu um acidente entre aquele motociclo, conduzido pelo arguido A… C…, aí designado como veículo A, e o motociclo Yamaha, de matrícula ……..FD, conduzido pelo arguido A… M…, segurado na então denominada Companhia de Seguros F…, S. A, e aí designado como veículo B. b) Ao descreverem o acidente, aí declararam os arguidos que «Ao circular na rotunda o condutor do veículo A não respeitou o sinal de prioridade batendo no motociclo na parte traseira, originando o despiste». c) Ao preencherem e assinarem a falada declaração amigável, bem sabiam os arguidos que o aí por eles declarado não correspondia à verdade. d) Sabiam que desta forma punham em causa a credibilidade de que é merecedora a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, por parte da generalidade das pessoas, quando os factos relativos ao acidente nela descrito correspondem à verdade. e) A declaração de acidente foi preenchida no meio de uma concentração de condutores de moías, vulgarmente conhecidas por concentrações de “mataras”, resultando de atitudes irreflectidas no meio de uma festa em que os arguidos se encontravam.
3. Fundamentação da matéria de facto
O tribunal fundou a sua convicção na análise critica da prova produzida, em especial documental e testemunhal, análise essa à luz das regras de experiência comum.
Assim , as testemunhas C...F… e N... P…, ambas trabalhadoras da assistente à data dos factos, confirmaram que os arguidos fizeram uma participação de acidente que não correspondia à verdade e que foi por eles averiguada. Tal participação deu origem ao pagamento da quantia de € 1.750, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, quantia esta que, posteriormente, foi devolvida pelo arguido A… M…, confirme também resulta dos documentos dos autos.
Dos autos consta igualmente os contratos de seguros celebrados pelos arguidos, assim como os elementos do processo de averiguação efectuados pela assistente.
Relativamente aos antecedentes criminais dos arguidos o tribunal valorou o teor do Certificado de Registo Criminal junto aos autos e, quanto às condições pessoais do arguido A… M…, o tribunal valorou o depoimento das testemunhas F... M…, L... M… e A... L…, que com ele privam e relevaram conhecimento directo quanto ao carácter deste.
Quanto aos factos dados como não provados o tribunal considerou o seguinte:
Na participação criminal a assistente juntou cópia da declaração amigável alegadamente apresentada pelos arguidos.
Em audiência juntou o que supunha ser o original de tal declaração, mas, pelo confronto entre a cópia de fls. 24 e 25, resulta que tal não é uma cópia do documento de fls 346 (junto em audiência) e sim um seu semelhante.
Foi solicitado à Companhia de Seguros F… o original da participação, tendo esta informado que tal nunca lhe foi enviado mas apenas uma cópia.
Ora, perante isto, verifica-se que o documento alegadamente falsificado e que consiste o objecto deste processo será o original da cópia de fls. 24 e 25, pois foi esse que foi considerado para efeitos de pronúncia e não o documento junto em audiência.
Perante a ausência do original torna-se impossível ao tribunal considerar provados os factos relativos ao documento supostamente falsificado, dado que, tendo em consideração o crime em causa, apenas o documento original poderá ser valorado.
IV. DO DIREITO
1. Enquadramento jurídico-penal
Comete o crime de falsificação de documento quem, com intenção de casar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso – cfr. art. 256.º n.º 1 a) do Código Penal.
Dos factos dados como provados não resulta que os arguidos tenham cometido o crime em causa, desde logo pela ausência do documento original que supostamente foi falsificado.
A conduta dos arguidos poderia integrar apenas a prática do crime de burla, mas tal crime foi objecto de suspensão provisória do processo, tendo os arguidos cumprido as injunções propostas e o processo foi arquivado quanto a tal crime.
Assim sendo, em face do exposto, impõe-se a absolvição dos arguidos.
2. Taxa de justiça e custas
A taxa de justiça e demais custas devem ficar a cargo da assistente atendendo ao disposto no art. 515.º n.º 1 a) do Código de Processo Penal.
V. DISPOSITIVO
Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo improcedente a pronúncia e, consequentemente, absolvo os arguidos A… M… e A… C… da prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256.º n.º 1 a) do Código Penal.
…………………………………………………………………………………………………………………
A Digna PGA junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser dado provimento ao recurso.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, é saber se ao absolver os arguidos, o tribunal a quo cometeu erro notório na apreciação da prova e incorreu em contradição insanável na sua fundamentação e entre esta e a decisão
*
Apreciando:
A questão decidenda atolha-se deveras simples, em face dos elementos constantes dos autos.
Efectivamente, a absolvição dos arguidos do crime de falsificação de documento pelo qual vinham pronunciados, funda-se no entendimento do tribunal recorrido na não junção aos autos do original do escrito supostamente falsificado, tendo em conta a matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada, a saber:
A)Entre a assistente e o arguido A… C… foi celebrado, em 23-03-2001, um contrato de seguro, de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 3……, relativo ao motociclo Honda Kawasaki, de matrícula ………EC, que se mantinha em vigor no decurso do ano de 2002.
B) A Companhia de Seguros F…., ao abrigo da convenção «IDS – Indemnização Directa ao Segurado», pagou, em 10 de Outubro de 2002, ao arguido A… M… a quantia de € 1.750 relativamente a um sinistro participado pelos arguidos.
C) Esta quantia foi paga pela assistente à Companhia de Seguros F… pelos mesmos motivos.
D) O sinistro em causa foi forjado por ambos os arguidos, pois que o veículo conduzido pelo arguido A… M… despistou-se sozinho, sem qualquer intervenção de outro veículo, nomeadamente do veículo conduzido pelo co-arguido A… C….
E) Fizeram-no com o propósito de obter para o arguido A… M… um benefício económico, que sabiam ser-lhe indevido, à custa do correspectivo prejuízo atara assistente, o que conseguiram.
F) Agiram de forma livre e consciente, em conjugação de esforços e comunhão de vontades, e cientes de que a sua conduta é proibida por lei.
Sucede que a fls 24 a 25 dos autos foi junto pela participante, ora assistente, uma cópia da denominada Declaração Amigável de Acidente Automóvel, preenchido no seu verso individualmente pelo arguido A… M….
Posteriormente, na sessão de audiência de julgamento de 20-2-08, a assistente juntou o original do impresso que surge acoplado ao duplicado de fls. 24 – v. fls. 346 – que o tribunal a quo injustificadamente não considerou constituir o original do que acompanhou a participação.
Contudo, um simples confronto visual entre os dois escritos em causa permite que, sem rebuço se conclua que se trata do original e de cópia decalcada do mesmo documento, atenta a sua evidente similitude.
Isto, sem embargo de um dos participantes do acidente, individualmente, poder acrescentar algum dado de que não dispunha previamente, no original entregue na companhia de seguros, sendo que os duplicados são consabidamente entregues separadamente.
Verifica-se, pois, erro notório na apreciação da prova – art. 410º, 2, c), C. P. Pen. –
Para que haja erro notório na apreciação da prova é mister que da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum se patenteie um erro que seja de tal forma evidente e perceptível por um qualquer cidadão médio, e não apenas o que se traduza numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida (v., entre outros, os Acs. STJ, de 16-10-08, Proc. nº 08P2851; de 15-7-08, Proc. nº 08P1787; e de 9-4-08, Proc. nº 06P1188, inwww.dgsi.pt).
É, assim, mister que se antolhe uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, i. e., que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência, ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido) – Simas Santos/Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pgs. 77-78 -.
Ora como acima observámos, o tribunal a quo cometeu o aludido erro, de forma manifesta, por ser demais evidente que, confrontados os escritos de fls. 24 e 346, se trata de original e duplicado do mesmo documento.
Acresce que o tribunal recorrido incorreu em contradição na sua fundamentação e entre esta e a decisão – al. b) do cit. art. 410º -. Senão vejamos:
Para além da factualidade assente, o tribunal a quo deu como não provado que:
a) Os arguidos preencheram e assinaram a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, que dataram de 08-08-2002, na qual, e entre o mais, fizeram constar que no dia 3-08-02, pelas 11 horas, em P…, Viseu, o correu um acidente entre aquele motociclo, conduzido pelo arguido A… C…, aí designado como veículo A, e o motociclo Yamaha, de matrícula ………FD, conduzido pelo arguido A… M…, segurado na então denominada Companhia de Seguros F…, e aí designado como veículo B.
b) Ao descreverem o acidente, aí declararam os arguidos que «Ao circular na rotunda o condutor do veículo A não respeitou o sinal de prioridade batendo no motociclo na parte traseira, originando o despiste».
c) Ao preencherem e assinarem a falada declaração amigável, bem sabiam os arguidos que o aí por eles declarado não correspondia à verdade.
d) Sabiam que desta forma punham em causa a credibilidade de que é merecedora a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, por parte da generalidade das pessoas, quando os factos relativos ao acidente nela descrito correspondem à verdade.
Isto, depois de se ter dado como provado que o acidente em causa foi participado pelos arguidos às seguradoras; que a Companhia de Seguros F…, ao abrigo da IDS – Indemnização Directa ao Segurado, pagou em 10-10-02 ao arguido A… M… a quantia de 1750 €, relativamente ao sinistro participado, a qual se baseia consabidamente na mencionada “participação amigável”; e ainda que o arguido A… M… não retirou qualquer benefício da mencionada participação do acidente.
Existe contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; hà contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si por forma a excluírem-se mutuamente – Simas Santos/Leal Henriques, ob. cit., pg. 75 -
Ora, da leitura da sentença recorrida, chegamos à conclusão de que aquela se encontra eivada desta última contradição, uma vez que, dando-se como provado o constante da al. D) da sentença recorrida, conjugado com a prova documental carreada, designadamente, a constante de fls. 346, tal obriga a que se conclua linearmente, que os factos considerados não provados pelo tribunal recorrido nas als. A) a D), deveriam ter sido dado como assentes, sendo manifesta a contradição da fundamentação em análise.
Consequentemente, devem os factos constantes das als. A) a D) dos factos não provados, passar a ser considerados provados.
Já relativamente à data, local e dinâmica do sinistro participado, que a recorrente entende deveria constar da al. D) dos factos provados, torna-se agora desnecessário em resultado da consideração como assente da factualidade que vinha inicialmente dada como não provada, de onde constam as mencionadas especificações.
Destarte, entende este tribunal de que a sentença recorrida padece dos vícios a que aludem as als. b) e c) do nº 2 do art. 410º, C. P. Pen.
Entendemos, porém, que por tal motivo inexiste necessidade de reenvio do processo para novo julgamento, pois este tribunal de recurso dispõe de todos os elementos necessários para decidir da causa – art. 426º, 1, C. P. Pen. -.
Assim, nos termos do art. 431º, a), C. P. Pen., este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:
Entre a assistente e o arguido A… C… foi celebrado, em 23-03-2001, um contrato de seguro, de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º, relativo ao motociclo Honda Kawasaki, de matrícula ……..EC, que se mantinha em vigor no decurso do ano de 2002.
A Companhia de Seguros F…, ao abrigo da convenção «IDS – Indemnização Directa ao Segurado», pagou, em 10 de Outubro de 2002, ao arguido A… M… a quantia de € 1.750 relativamente a um sinistro participado pelos arguidos.
Esta quantia foi paga pela assistente à Companhia de Seguros F… pelos mesmos motivos.
O sinistro em causa foi forjado por ambos os arguidos, pois que o veículo conduzido pelo arguido A… M… despistou-se sozinho, sem qualquer intervenção de outro veículo, nomeadamente do veículo conduzido pelo co-arguido A… C….
Fizeram-no com o propósito de obter para o arguido A… M… um benefício económico, que sabiam ser-lhe indevido, à custa do correspectivo prejuízo atara assistente, o que conseguiram.
Agiram de forma livre e consciente, em conjugação de esforços e comunhão de vontades, e cientes de que a sua conduta é proibida por lei.
Os arguidos preencheram e assinaram a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, que dataram de 08-08-2002, na qual, e entre o mais, fizeram constar que no dia 3-08-02, pelas 11 horas, em P…, Viseu, o correu um acidente entre aquele motociclo, conduzido pelo arguido A… C…, aí designado como veículo A, e o motociclo Yamaha, de matrícula FD, conduzido pelo arguido A… M…, segurado na então denominada Companhia de Seguros F…, S. A, e aí designado como veículo B.
Ao descreverem o acidente, aí declararam os arguidos que «Ao circular na rotunda o condutor do veículo A não respeitou o sinal de prioridade batendo no motociclo na parte traseira, originando o despiste».
Ao preencherem e assinarem a falada declaração amigável, bem sabiam os arguidos que o aí por eles declarado não correspondia à verdade.
Sabiam que desta forma punham em causa a credibilidade de que é merecedora a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, por parte da generalidade das pessoas, quando os factos relativos ao acidente nela descrito correspondem à verdade.
E como não provado, que:
A declaração de acidente foi preenchida no meio de uma concentração de condutores de moías, vulgarmente conhecidas por concentrações de “mataras”, resultando de atitudes irreflectidas no meio de uma festa em que os arguidos se encontravam.
Quanto ao crime de falsificação de documento, prescreve o art. 256º do Cód. Penal:
“1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo:
a) Fabricar documento falso, falsificar ou alterar documento, ou abusar da assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso;
b) Fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante; ou
c) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores, fabricado ou falsificado por outra pessoa;
é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Antes de mais, refira-se que o bem jurídico protegido com esta incriminação não é tanto a fé pública dos documentos mas antes a verdade intrínseca do documento enquanto tal, a segurança e a credibilidade do tráfego jurídico (cfr. Helena Moniz, O Crime de Falsificação de Documentos, 1993, pág. 48 e ss.).
O art. 256º prevê um elemento normativo ao nível do tipo objectivo de ilícito: o documento. Para o que aqui nos interessa, importa recorrer à noção de documento que o art. 255º, al. a), do C. Penal, nos dá. Ele consiste na declaração corporizada em escrito, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente.
Enquanto objecto material do crime de falsificação de documento, o documento é a própria declaração, independentemente do material em que está corporizada, como representação de um pensamento humano. Assim, ele abrange não só o documento autêntico ou autenticado do direito civil, com força probatória plena, como também qualquer outro que integre uma declaração idónea a provar facto juridicamente relevante.
No que concerne ao tipo objectivo de ilícito, o art. 256º, nº 1, do C. Penal, descreve diversas modalidades de acção típica, entre elas:
Fabricar documento falso;
Falsificar ou alterar documento;
Fazer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante.
Como refere Helena Moniz, a falsificação de documentos constitui uma falsificação da declaração incorporada no documento (obra citada, pág. 676). Mas o acto de falsificação poderá assumir formas distintas.
Assim, enquanto na falsificação material sucede uma alteração ou modificação do documento, que não é genuíno, porque falsificado na sua essência material, na falsificaçãoideológica, o documento é inverídico.
Nesta (a falsificação ideológica), é possível distinguir duas outras modalidades. Ocorrendo falsificação intelectual, o documento incorpora uma declaração falsa, uma declaração escrita, integrada no documento, distinta da declaração prestada. Se se presta uma declaração de facto falso juridicamente relevante – narração de facto falso -, então estamos perante a falsidade em documento.
No fabrico de documento falso integram-se os casos de falsificação intelectual, em que a declaração documentada é distinta da declaração realizada.
Já a falsificação ou alteração de documento reporta-se à falsificação material, ocorrendo uma falsificação posterior do documento, mediante uma sua alteração.
Finalmente, fazer constar falsamente em documento facto juridicamente relevante constitui a falsidade em documento. Estamos perante a falsificação ideológica, consistindo ela na inveracidade do documento. O facto será juridicamente relevante se apto a constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas.
Refira-se que estamos perante um crime de perigo abstracto. O perigo concreto não constitui elemento do tipo, mas apenas a motivação do legislador, bastando que o documento seja falsificado para que o agente seja punido independentemente de o utilizar ou o colocar no tráfego jurídico (Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, 1999, pág. 674 e ss.).
Ao nível do tipo subjectivo de ilícito, exige-se o conhecimento, por parte do agente, dos elementos objectivos do tipo que a sua conduta, objectivamente, preenche (elemento intelectual), e à vontade de realizar essa conduta e/ou de obter um certo resultado (elemento volitivo).
Assim, para que se mostrem preenchidos os elementos subjectivos do ilícito, o agente tem que actuar dolosamente – com conhecimento de que está a falsificar um documento e apesar disso querer falsificá-lo -, podendo o dolo assumir qualquer das suas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual). E, ainda, um dolo específico: “a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo” Estamos, assim, perante um crime intencional, não se exigindo, no entanto, uma específica intenção de causar um engano no tráfego jurídico”.
Resulta, assim, do exposto, terem os arguidos cometido, em co-autoria, um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, 1, a), C. Pen..
Aos arguidos vinha também imputada a prática de um crime de burla, tendo quanto a esta sido aplicada medida de suspensão provisória do processo.
Ora, na esteira da lição do Prof. Eduardo Correia (v. A Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1983, pg. 130), sempre a esmagadora maioria da doutrina e da jurisprudência entenderam existir concurso real entre os dois apontados crimes (a despeito das alterações legislativas entretanto verificadas), salvo raras excepções, onde se destacam alguns trabalhos da autoria da Prof. Helena Moniz. De resto, tal solução encontra-se respaldada em dois acórdãos do STJ, proferidos pelo Plenário das Secções Criminais: de 19-2-92 (DR, I-A Série, de 9-4-92 e 23-5-2000); este com o nº 8/2000.
No desenvolvimento lógico da procedência do recurso, impor-se-ia fixar, neste momento a pena correspondente à infracção verificada.
Entendemos, porém, que a fim de que os arguidos continuem a beneficiar do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, os autos deverão baixar à 1ª Instância para que, reaberta a audiência, se fixem as penas a aplicar em concreto aos arguidos, colhidos ou acrescentados os elementos tidos relevantes para o efeito.
*
Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso da assistente, em consequência do que:
Revoga-se a sentença recorrida, por padecer dos vícios das als. b) e c) do art. 210º, C. Pen., sendo substituída pela ora prolatada;
Condenam-se, consequentemente, os arguidos A… M… e A… C… como co-autores de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, 1, a), C. Pen.;
Determina-se a reabertura da audiência em 1ª instância, tendo em vista a determinação das penas a aplicar em concreto aos arguidos.
Não são, para já, devidas custas nesta instância.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2009
Carlos Espírito Santo (relator)
Pedro Martins (adjunto) – com voto de vencido em anexo
José Pulido Garcia (Presidente)
Voto vencido quanto à condenação dos arguidos pelo crime de falsificação em necessário concurso efectivo com o crime de burla (pois que já foram responsabilizados por este).
Face aos factos agora dados como provados, aliás como já vinham da pronúncia delineada pelo ac. do TRL de 16/05/2007, o crime de falsificação cometido pelos arguidos foi o meio com que cometeram o crime de burla pelo qual já foram responsabilizados. E apenas com o fim de cometerem o crime de burla é que falsificaram o documento que não serviu para mais nenhum efeito.
Ora, este crime-meio, nestas circunstâncias, não deve ser punido em concurso efectivo com o crime-fim. O crime-meio devia apenas servir de factor de agravação da pena dentro da moldura do crime de burla, com o qual está em concurso aparente.
Por isso considero que, já tendo os arguidos sido responsabilizados pelo crime de burla, agora a sentença a proferir neste processo se devia limitar a considerar que eles cometeram ainda o crime de falsificação em concurso aparente com o crime de burla, sem os punir pela falsificação (ou determinar a sua punição por ela), por tal crime não poder ser punido autonomamente em relação ao crime de burla.
É esta a posição actual de Figueiredo Dias (tornada pública desde Agosto de 2007 – o estudo que lhe deu origem só em Set2009 foi publicado: Unidade e pluralidade de crimes: «Ou sont les neiges d' antan?" contido nos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves - Vol. III Direito Público, Direito Penal e História do Direito, Coimbra Editora, Stvdia Ivridica, 92, Dez2008), que se entende seguir, contra a doutrina firmada nos dois acórdãos de uniformização de jurisprudência do STJ: o publicado no DR I de 9/4/1992 e o de 4/5/2000, publicado no DR I de 23/5/2000 que reafirmou, no âmbito da vigência da redacção de 1995 do CP, a jurisprudência que já tinha sido fixada no ac. anterior.
Desde que o último destes acórdãos foi publicado, surgiram cinco novos elementos que servem de fundamentação suficiente da divergência relativamente àqueles acórdãos de fixação de jurisprudência (art. 445/3 do CPP).
Um é a anotação de Helena Moniz publicada na RDCC 2000/3/457 àquele ac. de 2000, em que a autora mantém a posição contrária que já tinha assumido na sua tese de mestrado.
Outro é uma pequena nota de Figueiredo Dias, no Comentário Co-nimbricense do CP, Coimbra Editora, Tomo II, 1999, págs. 109/110 (que terá de ser interpretada com as devidas adaptações, pois que o autor está a falar do concurso entre o abuso de confiança e a falsificação): “Quanto à possibilidade de concurso efectivo com o crime de falsificação, a nossa jurisprudência tem tendido decisivamente (louvando-se as mais das vezes numa interpretação rígida do pensamento básico de Eduardo Correia em matéria de concurso de crimes e, consequentemente, do art. 30/1) para o afirmar. O problema não é específico do crime de abuso de confiança (podendo porventura em termos substancialmente idênticos pôr-se para outros crimes patrimoniais, maxime o de burla), mas do crime de falsificação. Sempre se adiantará no entanto que a solução do concurso aparente (porventura ligado à figura da consunção e, em especial, do facto prévio não punível) não nos parece afastada naqueles casos em que a falsificação tenha esgotado o seu sentido – e o seu dano material – na sua estrita utilização como meio de alcançar a inversão do título e a consequente apropriação”.
Um terceiro é a posição tomada por Figueiredo Dias e Costa Andrade quanto ao concurso aparente entre o crime de fraude fiscal (crime de falsidade) e a burla (O crime de Fraude Fiscal no Novo Direito Penal Tributário Português: Considerações sobre a Factualidade Típica e o Concurso de Infracções, na RPCC, 1996, págs. 71 e segs) que haveria a tentação de considerar transferível para o domínio do direito penal comum, como o entendeu Luís Duarte D’Almeida, no seu O “Concurso de Normas” em Direito Penal, Almedina, Março de 2004, págs. 71/73, e Helena Moniz, no já referido comentário. Note-se entretanto que Costa Andrade esclareceu que não o entende assim (nota 47, da pág. 347, do seu estudo sobre A Fraude Fiscal – Dez anos depois, ainda um “crime de resultado cortado”, publicado na RLJ 135/3939). Ou seja, que o facto de defender a tese do concurso aparente no âmbito do direito penal tributário não quer dizer que a mesma tese seja defensável no direito penal comum.
O quarto elemento é a posição do referido Luís Duarte D’Almeida que, depois de negar a existência de concurso aparente de normas, já que tudo é uma questão de aplicabilidade externa da lei (como resultado de uma operação de individuação normativa: pág. 19), defende que a punição pelo regime do concurso efectivo de crimes (de falsificação e de burla) é excessiva, propondo que seja punido, tal concurso, de forma mais benévola, como continuação criminosa, desde que haja entre os dois crimes uma certa conexão objectiva e subjectiva (págs. 106/127).
O quinto e último elemento é a referida posição de Figueiredo Dias, na nova edição das suas lições Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª edição, Agosto de 2007, em que este Professor expõe, a págs. 1018/1019, §§21 e 22, de forma nova e fundamentada, a sua adesão expressa à tese do concurso aparente entre burla e falsificação com a intenção de burlar exclusivamente uma determinada pessoa, porque há no comportamento global um sentido de ilicitude absolutamente dominante ou mesmo único que permite a sua recondução jurídico-penal à unidade do facto, de acordo com uma construção doutrinal completa do concurso de crimes em que, finalmente, se rebate a ideia, que está na base daqueles acórdãos, de que, havendo mais do que um bem jurídico violado, há necessariamente um concurso efectivo de crimes (págs. 1011 a 1027).
Ou seja, nesta nova edição, com vários capítulos novos, três deles sob um título dedicado ao concurso, obra que começa a ser “recebida” agora, Figueiredo Dias esclarece, primeiro, o seguinte (págs. 990/991):
[…] haverá que começar por determinar se uma pluralidade de normas ou de leis incriminadoras convocadas em abstracto por um certo conteúdo de ilícito são concretamente aplicáveis umas ao lado das outras [=> concurso de crimes: cap. 43] ou se, diferentemente, há uma(s) norma(s) que prevalece(m) sobre a(s) outra(s) e exclui(em) por conseguinte a sua aplicação [=> unidade de lei =>cap. 42: é aqui que se põem as questões da especialidade e subsidiariedade].
Se [num segundo momento…] face às normas concreta e efectivamente aplicáveis, vários tipos legais se encontrarem preenchidos pelo comportamento global haverá concurso,mas não necessariamente concurso efectivo, pois pode ser aparente. Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível, presunção que pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente [=> cap. 43].
Ou seja, Figueiredo Dias deixa hoje claro que o concurso aparente nada tem a ver com um concurso de normas ou de leis, que não existe; e que não se deve falar de concurso de normas, pois o que há é unidade de lei: as operações de natureza lógico-conceitual da subsidiariedade e da especialidade vão apurar que apenas uma das normas é aplicável. Quando se fala de concurso aparente, de crimes, já se passou aquela primeira operação (veja-se pág. 992).
E, neste sentido, há hoje coincidência com o que é defendido por Luís Duarte D’Almeida, na obra já referida, por exemplo (págs. 129 e 131):
Não há qualquer “concurso de normas” se coube apenas seleccionar, para verificação subsuntiva de aplicabilidade interna, um tipo legal de crime. […] “Concurso de normas”, por isto tudo, é coisa que não existe.
No mesmo sentido, veja-se Jescheck, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Vol. II, Bosch, 1981, pág. 1035, citado pelo ac. do TRC de 04/03/2009, publicado sob o nº. 408/07.0GBILH.C1:
“En tanto que el concurso ideal y el real se diferencian claramente […], la unidad de ley puede concurrir en ambos casos y presentarse, tanto en forma de “aparente (impropio) concurso ideal” como de “aparente (impropio) concurso real”. La delimitación de la unidad de ley debe efectuarse, por ello, com la ayuda de otros critérios. Las cuestiones que aquí aparecen resultan altamente polémicas hasta en la terminologia. La opinión mayoritaria distingue entre especialidad, subsidiariedad y consunción.
Num segundo momento, isto é, depois de se concluir que há um concurso de crimes, que há duas normas penais que têm de ser aplicadas, é que se colocam as questões do concurso ser efectivo ou aparente e aí (de novo Figueiredo Dias, obra citada, pág. 989):
é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes. Ou seja, há concurso de crimes em todos os casos em que o comportamento global do agente preenche mais que um tipo legal – ou o mesmo tipo legal várias vezes – concretamente aplicáveis.
Desta circunstância não resulta por necessidade que o tratamento unitário de toda a categoria deva ser unitário e submetido, em termos de punição, à pena conjunta do art. 77. Uma tal solução não é compatível com aqueles casos, embora tecnicamente de concurso, em que os conteúdos de ilícito – segundo o seu sentido no contexto do comportamento global – se interceptam parcialmente em maior ou menor medida.
Há pois dois grupos de casos (pág. 990):
- o caso normal em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipótese a que chamaremos de concurso efectivo (art. 30/1), próprio ou puro;
- e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de licitude, que a ele corresponde uma preponderante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos-típicos praticados – hipóteses que chamamos de concurso aparente, impróprio ou impuro.
Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art. 77, enquanto para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida da pena.
Dito de outro modo (pág. 1011):
A pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global [ou seja, ultrapassada a questão da unidade da lei, isto é, as questões da especialidade e da subsidiariedade] constitui sintoma legítimo ou presunção prima facie de uma pluralidade de sentidos de ilícito autónomos daquele comportamento global e, por conseguinte, de um concurso de crimes efectivo, puro ou próprio. Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser elidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social; por um sentido de tal modo predominante, quando lido à luz dos significados socialmente relevantes – dos que valem no mundo da vida e não apenas no mundo das normas -, que seria inadequado e injusto incluir tais casos na forma de punição prevista pelo legislador quando editou o art. 77.
E dá o seguinte exemplo (pág. 1012, §12):
[…] Devem ser igualmente tratados – em termos de forma de punição, é claro – A, que em múltiplos dias, pela noite, mata, fere gravemente ou viola sexualmente diversas vítimas; e B, que falsifica um documento com a intenção de burlar (como vem de facto a suceder) exclusivamente uma determinada pessoa? […] Não será aventuroso avançar que a avaliação teleológica-normativa dos casos em termos de unidade ou pluralidade do facto global é diferente, pese embora a circunstância que deve reconhecer-se, de em qualquer deles se verificar uma pluralidade de violações de tipos legais de crime concretamente aplicáveis. E é diferente, insistimos, porque os sentidos de ilicitude revelados pela conduta global de A […] são em definitivo plúrimos (concurso efectivo), enquanto relativamente a B […] há no comportamento global um sentido de ilicitude absolutamente dominante ou mesmo único que permite a sua recondução jurídico-penal à unidade do facto (concurso aparente).
E mais à frente (pág. 1018/1019):
§21. O critério acabado de apresentar parece possuir virtualidades bastantes para abranger todos aqueles casos de relacionamento entre um ilícito puramente instrumental (crime-meio) e o crime-fim correspondente. Por outras palavras, aqueles casos em que um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e os seus efeitos. Parece aqui particularmente claro – […] – que uma valoração autónoma e integral do crime-meio representaria uma violação da proibição jurídico-constitucional da dupla valoração; enquanto, do outro lado, a sua consideração como conformadora de um concurso impuro não viola o mandamento (também ele jurídico-constitucional) de esgotante apreciação porquanto ele deverá influenciar a medida da pena do concurso (infra, §56). Impõe-se, por isso, a conclusão de princípio favorável a um concurso aparente. Sem que importe, uma vez mais, a existência ou não de uma conexão objectiva (parentesco dos bens jurídicos violados) ou subjectiva (unidade ou pluralidade de resoluções) entre os tipos legais violados pelo comportamento global.
§22. A questão mais vivamente discutida neste enquadramento tem sido a da relação entre uma falsificação de escrito utilizada unicamente como meio de burlar alguém; questão que, desde há muito, divide irremediavelmente a doutrina e a jurisprudência portuguesas. Não temos qualquer dúvida em convir, por via de princípio e só por ela – tudo dependendo, em última palavra, da configuração no caso concretos dos ilícitos singulares concorrentes face ao sentido social do ilícito global – na solução do concurso aparente. Nesse sentido falam duas considerações fundamentais: a de o acto de falsificação ser levado a cabo unicamente no contexto situacional da realização do crime-fim e de nele esgotar a sua danosidade social; e a de a falsificação constituir já uma parte do ilícito da burla, pelo que a autonomização do conteúddo de ilícito daquele significaria uma dupla valoração do mesmo substrato de facto (33). Problema discutível pode ser o de saber se isto é assim suposta a unidade de resolução, ou se ainda poderá abranger hipóteses de dupla resolução, eventualmente espaçadas no tempo (34). Cremos exacta, para certas constelações, esta segunda alternativa: se alguém toma a decisão de fabricar documento falso para se, proporcionando-se a situação, burla com ele alguém; e se esta eventualidade se verifica mais tarde relativamente a uma certa vítima, implicando assim uma segunda resolução ou uma renovação da resolução anterior, ainda aí parece deverem ser os princípios do concurso impuro que devem reger a situação. Ponto é sempre, naturalmente, que se não verifique uma alargamento da actividade criminosa ou não venha a verificar-se uma multiplicação das vítimas.
Note-se que também em Espanha o crime-meio não é por norma punido em concurso efectivo com o crime-fim (art. 77/1, parte final, do CP95), mas nos termos do concurso ideal, ou seja, aplicando-se a metade superior da pena prevista para a infracção mais grave (art. 77/2 do CP95). É aquilo que em Espanha se chama do concurso medial: “se produce cuando um delito se considera medio para cometer outro”. “[…] una subespecie de concurso real de delitos que en el derecho español se castiga com la misma regla que el llamado concurso ideal” (Gonzalo Quintero Olivares, catedrático de direito penal, Parte General del Derecho Penal, com la colaboración de Fermín Morales Prats, 3ª edición, Aranzadi, julio 2009, pág. 764).
Artículo 77 (Ley Orgánica 10/1995, de 23 de noviembre).
1. Lo dispuesto en los dos artículos anteriores, no es aplicable en el caso de que un solo hecho constituya dos o más infracciones, o cuando una de ellas sea medio necesario para cometer la otra.
2. En estos casos se aplicará en su mitad superior la pena prevista para la infracción más grave, sin que pueda exceder de la que represente la suma de las que correspondería aplicar si se penaran separadamente las infracciones.
3. Cuando la pena así computada exceda de este límite, se sancionarán las infracciones por separado.
No sentido de que a falsidade documental em documentos públicos, oficiais ou mercantis, entra frequentemente em concurso com a burla [agravada], de que normalmente a falsidade é um meio, pelo que serão aplicáveis as regras do concurso medial do art. 77 do CP, veja-se Francisco Muñoz Conde, catedrático de direito penal de universidade Pablo de Olavide de Sevilha, no seu Derecho Penal, Parte Especial, 16ª edición, págs. 431 e 733, Tirant lo Blanch, 2007, citando uma “sentença” do STS de 1979 e um “acuerdo no jurisdicional” [e, ao que se crê, por isso só publicado em sumário] do TS de 08/03/2002. Reconhecendo que é esta a solução seguida actualmente, veja-se Joan J. Queralt Jiménez, catedrático de direito penal da universidade de Barcelona, no seu Derecho penal español, Parte especial, 5ª edición, Atelier, 2008, págs. 462 e 652 (no entanto, vejam-se as observações críticas ainda nas págs. 474, anotação d., e 3ad e 476 d. no sentido da absorção). Contra, com ampla dose de argumentos, no sentido da consumção, vejam-se os Comentarios de Gonzalo Quintero Olivares a la parte especial del Derecho Penal, (8 edición, Aranzadi, 2009, especialmente págs. 662/666 e 672).
Outros casos, porém, têm sido considerados sobre a perspectiva de unidade de lei, isto é, de consumpção, caso em que se aplicará o art. 8/3 do CP95 (artículo 8. Los hechos susceptibles de ser calificados con arreglo a dos o más preceptos de este Código, y no comprendidos en los artículos 73 a 77, se castigarán observando las siguientes reglas: […] 3. El precepto penal más amplio o complejo absorberá a los que castiguen las infracciones consumidas en aquél).
É a posição de Gonzalo Quintero Olivares para o caso de delito fiscal cometido através de falsidade documental (parte geral citada, pág. 772):
“otro ejemplo és la falta a la verdad expresada por escrito em la declaración com la que se comete delito fiscal, que no compone por sí misma una falsedad documentall aisladamente perseguible”.
No mesmo sentido, para a burla simples cometida através de documento privado, vejam-se os Comentarios deste Prof. a la parte especial del Derecho Penal, (pág. 664):
En primer lugar, y aun cuando no afecte a la agravante que estamos examinando, la nueva regulación hará que en los supuestos de concurrencia de falsedad em documento privado con ele delito de estafa [burla], deba aplicárse este. Em primer lugar porque la positivación expresa de las reglas de solución del concurso de normas (art. 8 CP) así lo exige, en la medida en que el criterio de la “consuncíon” se constituye como preferente al de mayor gravidad. Y en segundo lugar, porque, además, los nuevos marcos penalas han previsto una pena mayor para la estafa que para la falsedad em documento privado […].
A mesma solução é defendida por Joan J. Queralt Jiménez, pág. 462 (as três primeiras linhas), no caso do documento privado (para além de na pág. 653, 4 primeiras linhas dar outros exemplo de absórção). E por Muñoz Conde, obra citada, págs. 430/431 e 735/736, dizendo aliás que essa é a posição para que se inclina o Tribunal Supremo, excepto para o caso em que a falsifidade é punida mais fortemente, caso em que o TS castiga apenas pela falsidade.
Ou seja, a doutrina e a jurisprudência espanhola seguem a posição ou da consumpção de um crime por outro, ou, quando consideram que há concurso efectivo vão para a punição pelas regras do concurso ideal, por via do concurso medial: metade superior da pena mais grave.
Em França, Fréderic Desportes e Francis Le Gunehec dão notícia de que quando as duas qualificações em concurso ideal são de igual gravidade, a jurisprudência tem a tendência a fazer prevalecer a infracção fim sobre a infracção meio. Assim, num caso de uma burla [escroquerie] realizada com a ajuda de um cheque sem provisão, a Cour de Cassation [= STJ] reteve apenas a qualificação de burla (Crim, 3 mars 1966, B, nº. 79) – Droit Pénal Général, 16ª édition, Economica, Set2009, pág. 253.
Por tudo isto considero que, já tendo os arguidos sido responsabilizados pelo crime de burla, agora a sentença a proferir neste processo se devia limitar a considerar que eles cometeram ainda o crime de falsificação em concurso aparente com o crime de burla, sem os punir pela falsificação (ou determinar a sua punição por ela), por tal crime não poder ser punido autonomamente em relação ao crime de burla.
Note-se, aliás, que a punição autónoma do crime de falsificação, representaria uma dupla valoração dos factos respectivos, ora como factos integradores do crime de burla, ora como factos integradores do crime de falsificação, o que é constitucionalmente inadmissível.
Note-se ainda que o facto de haver bens jurídicos diferentes - para quem ainda siga este critério - não importa. É que a posição de Figueiredo Dias aceita que se está perante um concurso de crimes, com a única particularidade de que é punido diferentemente do efectivo. Na sentença, em casos normais (não no caso dos autos, por força das circunstâncias), até se deve dizer (como ensina Figueiredo Dias) que o arguido é punido pelos dois crimes, em concurso aparente, na pena de x. Ou seja, ele é punido pelos dois crimes, só que a punição é encontrada de forma diferente do caso do concurso efectivo ou puro.
Lisboa, 15/12/2009
Pedro Martins